Re-adquiri, este ano, o controlo total do meu tempo e dos meus horários. Sei, daquele saber do viver, que debaixo de um fato de apicultor, por muito ventilado que ele seja, o calor ambiente é multiplicado, tornando o trabalho no apiário insano em certos dias e a certas horas. Sabendo isso, procuro o conforto possível que as duas primeiras horas do dia me proporcionam. Porque assim tem que ser, tenho visto com alguma frequência este circulo amarelo-avermelhado surgir lá no lado nascente do horizonte nestas últimas semanas.
E, nos últimos dias, são estas duas horas do início da jorna que tenho escolhido para a cresta do mel claro nos meus dois apiários a 600 m de altitude. Vou fazendo a cresta com vagar, procurando chegar aonde é necessário e sem o “motor” gripado. Dez anos a crestar mel ajudam-me a conhecer os meus limites, a estabelecer metas realistas, satisfazendo o plano traçado e preservando o corpo. Porque depois do dia de hoje tudo aponta para que amanhã outro dia lhe siga.
Geralmente só realizo desdobramentos no período da enxameação reprodutiva, de finais de março a meados de maio nos apiários a 600 m de altitude, de meados de abril ao início de junho nos apiários a 900 m de altitude.
Uma parte destes desdobramentos são realizados a partir de algumas das colmeias armazém que arrancaram bem. Num primeiro momento transfiro a rainha juntamente com um ou dois quadros com criação e um ou dois quadros com reservas para uma caixa núcleo.
Este núcleo com a rainha-mãe é formado com pelo menos um quadro com abelhas a emergir.
Cerca de 5 a 7 dias depois de orfanada esta colónia armazém é divida em 2 a 4 colónias filhas, cada uma fornecida de 2 ou três mestreiros já iniciados.
Nas colónias não desdobradas: passados sensivelmente 2/3 do período de enxameação reprodutiva passo da configuração “ninho infinito” (ninho e sobreninho sem excluidora) à configuração ninho+grade excluidora+sobreninho.
No ano passado, por esta altura, estava relativamente seguro que a minha aventura pelo mundo da apicultura se aproximava do seu terminus. As razões que nutriam estes pensamentos eram várias, e hoje algumas delas ainda persistem. Contudo, uma delas mudou muito de lá para cá: o gosto que reencontrei no maneio das minhas colónias. Em boa medida isso deve-se ao downsising que fui fazendo ao longo destes dois últimos anos na minha operação, que me permite um maneio mais sereno e oportuno, e também ao facto de ter voltado a trabalhar sem a trela e frustrações que por vezes decorriam de ter tido um empregado a tempo inteiro. Agora se acordo às 6h00 é a essa hora que vou para o apiário; agora se o fluir do trabalho me leva para lá da hora do almoço prossigo sem a obrigação de ter de parar de acordo com os horários preconizados pela Autoridade para as Condições do Trabalho e por um contrato assinado. Ando de acordo com os ditames da minha vontade de trabalhar e de acordo com o meu relógio biológico. Resumindo: ando bastas vezes em sintonia.
Para além destes motivadores intrínsecos, com frequência vou encontrando também motivadores extrínsecos, onde se destacam a minha família, os meus amigos e as minhas abelhas. Sendo este um blog de apicultura é natural que me foque nestas últimas.
Ontem, após o almoço e depois de ter estado com o meu amigo David Marques e sua esposa, depois de ter torcido o tornozelo duas vezes, não quis deixar que as dores superassem a minha vontade de fazer um pequeno conjunto de intervenções em algumas colónias do meu apiário preferido.
Entre outras tarefas, abordei esta colónia, que a 11-03 tinha um sobreninho onde a rainha já andava em postura e que a 18-05 foi confinada ao ninho com recurso a uma exlcuidora de rainhas. Como trabalho as horas que quero e até às horas que quero decidi “descer” por esta colónia para satisfazer a minha curiosidade.
Descendo pela colmeia, a 2ª meia-alça, colocada há dois dias atrás, estava naturalmente vazia, e a primeira, colocada imediatamente sobre o sobreninho estava a cerca de 2/3 com o mel/néctar.
Descendo um nível mais, encontro o sobreninho praticamente cheio de mel/néctar, com 8 quadros claros para crestar e 2 quadros escuros, também repletos de mel, que não irão ser crestados.
E confesso que, mais que tomar o peso do fruto do trabalho das minhas abelhas, ardia em curiosidade por mergulhar neste ninho que não via desde 18-05, altura em que lhe coloquei a excluidora em cima.
Não me surpreenderia encontrar um ninho bastante desbloqueado, com 6 a 7 quadros com boas áreas ocupadas pela criação. Armazenar os cerca de 40 kgs já armazenados não se consegue com poucas abelhas, com um ninho bloqueado ou com uma rainha a fraquejar. Contudo não foi exactamente isso que encontrei neste ninho…
Não me surpreendeu a ausência de qualquer efeito ou impacto negativo que me fosse dado a observar pela presença de uma excluidora de rainhas entre o ninho e o sobreninho.
E são também estes simples mas fortes motivos, que me fazem correr, deveria dizer caminhar, com gosto… quando se sintoniza o território, as abelhas e o apicultor.
Nos meses de fevereiro, março e até meados de abril as colónias entram gradualmente na fase de crescimento linear da sua população nos territórios onde as tenho assentes.
A postura das rainhas, que parou ou abrandou significativamente nos meses de novembro e dezembro, inicia-se/aumenta com a passagem do solstício de inverno, e na primeira quinzena fevereiro já é comum encontrar colónias com 3 e 4 quadros com boas áreas com criação.
No início de março estas colónias estão a 40 ou 50 dias de distância do início da principal floração da primavera, o rosmaninho. Interessa-me iniciar o desbloqueamento dos ninhos substituindo os quadros mais bloqueados e colocando quadros desbloqueados com cera puxada no ninho, numa primeira fase (até meados de março), e quadros com cera laminada numa segunda fase (depois de meados de março).
Os quadros mais bloqueados com mel e/ou pólen são colocados nas colmeias armazém, quando necessário; os quadros desbloqueados são fornecidos por algumas colmeias armazém, colónias mais fracas ou que ficaram zanganeiras durante o inverno, ou são os quadros que foram guardados, depois de crestados no verão do ano anterior.
Mais adiante, em março, quando a meteorologia e as abelhas dão os sinais que iniciaram a puxada da cera inicio a substituição de alguns quadros do ninho que apresentam pequenas áreas de criação por quadros com cera laminada.
A partir da segunda quinzena de março costumo criar mais algumas colmeias armazém — entretanto algumas das que vieram do inverno são re-condicionadas somente ao ninho quando se justifica — para receberem quadros resultantes dos desbloqueios e da aplicação da regra “não mais de seis”. Estas novas colmeias armazém são formadas em colónias que arrancaram bem, que apresentam um rainha prolífica e que irão fazer bom uso desse novo espaço.
Numa próxima publicação descreverei a gestão que faço destas colmeias armazém durante o período dos desdobramentos e forte fluxo de néctar (de meados de abril a meados de julho).
A grande maioria das minhas colónias passa o outono-inverno confinada a uma só caixa (Langstroth ou Lusitana).
Contudo algumas delas passam este período invernal com ninho e sobreninho nos apiários a 600m e 900m de altitude.
São colónias que saem muito fortes no final do verão e que destino à guarda, durante os meses seguintes, de quadros não crestados.
Estes quadros são de extrema utilidade, por ex., para repor as reservas das colónias que em fevereiro/março arrancaram muito bem, e que consumiram boa parte do seu stock de mel.
Numa próxima publicação abordarei o maneio que habitualmente realizo durante os meses de arranque e crescimento linear da população de abelhas nos meus apiários (meses de fevereiro, março e abril).
É este o castanheiro que me serve de farol para ter a certeza que os castanheiros da minha terra estão para começar a floração. Ano após ano é dos primeiros a florir. Aprendi com a boa gente da minha terra que o tempo da floração varia um pouco de acordo com as castas dos castanheiros: se a casta é longal mais cedo um pouco, se é martainha mais tarde um pouco.
Vieram pois na altura certa, espero eu, as colónias com as novas rainhas formadas nos apiários a 600 m, para os dois apiários que neste momento estão activos no território dos soutos. E se nas novas colónias langstroth tive oportunidade e os recursos para “palmerizar” com relativa frequência, os recursos para efectuar esse maneio no apiário das lusitanas foram mais escassos. Como consequência, para além de ter transumado colónias que pesavam mais que um burro, estive hoje a desbloquear os ninhos destas lusitanas que apresentavam quadros a mais de mel no ninho e, portanto, quadros a menos com espaço para a oviposição das novas rainhas.
O maneio é simples, que já não tenho idade nem talento para coisas muito complicadas. Crio uma colmeia armazém, colocando nesta altura e desde logo uma excluidora de rainhas sobre o ninho e um sobreninho no topo. Este sobreninho vai doando quadros com cera laminada aos ninhos parcialmente bloqueados das colónias nas proximidades e recebendo quadros bloqueados com mel ou néctar, de preferência quadros claros para serem posteriormente crestados.
Ah, e será a grade excluidora uma merda? como opinou recentemente e publicamente um conhecido apicultor da nossa praça. O que posso dizer é que as minhas abelhas não ligam nenhuma ao que este companheiro diz das excluidoras. Hoje em várias das minhas colónias (friso, das minhas, das de cada um, cada um saberá melhor), com exluidoras colocadas em 17 de maio entre o ninho e sobreninho, constato uma vez mais que o resultado em nada confirma três pré-juízos: não impede/dificulta a armazenagem de mel nas caixas que lhe estão sobrepostas; as excluidoras não aumentaram a taxa de enxameação; não limitaram o potencial de oviposição das minhas rainhas. Se assim não fosse como seria eu capaz de explicar que todas as minhas colónias com ninho e sobreninho, e com grelhas excluidoras colocadas a 17 de maio, tenham neste momento armazenado entre 30 e 50 kgs de mel/néctar?
Nas minhas colónias o grande factor limitante à expressão do potencial de oviposição de rainha é um ninho parcialmente bloqueado… com mel ou pólen, ou os dois em conjunto. Não se verificando este bloqueio, os mais de 3500 alvéolos por face de lâmina de cera (langstroth ou lusitana) são suficientes para as minhas jovens rainhas, expressarem devidamente o seu vigor. A utilização do “ninho infinito”, como já o utilizei inúmeras vezes, mostraram-me vezes e vezes, que as minhas rainhas, assim como as rainhas de criadores profissionais, não precisavam mais que 7 a 8 quadros bastante desbloqueados para completarem um ciclo de 21 dias de postura.
Falta fazer este disclaimer: qualquer semelhança das minhas observações, nas minhas colmeias, com as observações nas colmeias de qualquer companheiro de lide, é mera coincidência. Digo isto porque não me recordo de ouvir algum apicultor no nosso país referir que o ninho das suas langstroth ou lusitana é suficiente para albergar o ritmo/quantidade de oviposição das suas rainhas. Mais uma vez me encontro a ver coisas que mais ninguém vê!!! Como hoje quando parei para almoçar eram 14, 15h, e já tinha 8h de trabalho no pêlo, tudo isto pode muito bem ser fruto de uma alucinação por exaustão! Por isso vou fazendo um registo fotográfico porque, tanto quanto é do meu conhecimento, os “smartphones” não sofrem de alucinações. Ficava mais um pouco, mas tenho de ir a um outro apiário ainda hoje. Bom trabalho para todos… e não bloqueiem com os disparates que vou vendo!
Mais um dia de trabalho a começar com o sol a nascer por detrás de um céu muito nublado, e debaixo de uma chuva miudinha que parecia ter passado por um coador de malha fina ao cair.
Com vários objectivos para cumprir, nomeadamente “palmerizar” alguns núcleos, retorno a este em concreto:
A este propósito, deixo a tradução do sumário de um estudo muito interessante, publicado há pouco mais de um ano na revista Insects.
Título: O padrão de postura numa colónia de abelhas é um indicador confiável de qualidade da rainha?
Sumário: “A falta de qualidade da rainha é frequentemente identificada como uma das principais causas de mortalidade das colónias de abelhas. No entanto, os fatores que podem contribuir para a “falta de qualidade da rainha” estão mal definidos e geralmente estão mal compreendidos. Estudámos um aspecto específico associado à falta de qualidadeda rainha: padrão de postura fraco. Em 2016 e 2017, identificámos pares de colónias com padrões de criação “bom” e “fraco” em apiários de profissionais de apicultura e usamos métricas padrão para avaliar a saúde das rainhas e colónias. Não encontrámos dados da qualidade das rainhas associadas de maneira confiável a colónias com padrão de postura fraco. No segundo ano (2017), trocámos rainhas entre pares de colónias (n = 21): rainhas de colónias com padrão de postura fraco foram introduzidas em colónias com padrão de postura bom e vice-versa. Observámos que os padrões de criação de rainhas originárias de colónias com padrão de postura fraco melhoraram significativamente após a colocação em colónias com padrão de postura bom após 21 dias, sugerindo outros fatores que não a rainha contribuíram para a alteração do padrão de postura. Nosso estudo desafia a noção de que o padrão de postura é suficiente para julgar a qualidade da rainha. Nossos resultados enfatizam os desafios que se colocam na determinação da raiz dos problemas associados à rainha ao avaliar a saúde das colónias de abelhas.“
Hoje, por volta da 6,15 h, encontrava-me a caminho dos meus dois apiários a 600 m de altitude com dois objectivos em mente: identificar colmeias para transumar para os dois apiários que tenho neste momento em território de castanheiro e a cerca de 900 m de altitude, e fazer uma estimativa do mel armazenado à data.
Nestes dois apiários a altitude mais baixa desdobrei cerca de 70% das colónias e deixei as restantes dedicadas à produção de mel, o que me deixou com 24 colónias, contas exactas, dedicadas ao mel. Tendo hoje visto com algum detalhe a quantidade de mel armazenado nas alças e nas meias-alças, verifico que a média não sendo nenhum sonho realizado, também não confirma o pesadelo que se afigurava até meados de maio.
Quanto à produção global dos dois apiários a minha previsão aponta para os 400 kgs de mel claro. Se dividir este valor pelas 24 colónias dedicadas a este fim a média por colónia ronda os 16,5 kgs. Estou francamente convicto que esta média será ultrapassada pelas colónias dos dois apiários a 900 m de altitude, que a meteorologia deste ano está a favorecer claramente.
Como uma cadeira, que tem de ter 4 pernas para não se desequilibrar e cumprir a sua função, também a apicultura, como a entendo, assenta em 4 pernas: a meteorologia, as abelhas, o apicultor e o território. A meteorologia quer-se pouco alterada, a abelha quer-se adaptada, o apicultor quer-se cuidador, o território quer-se abundante.
É para este território abundante que vou, a pouco e pouco e à medida das minhas energias, transumando algumas das minhas colónias.
E são estas muito simples razões que me levam a ver o sol a nascer, já no apiário, para iniciar mais uma pequena transumância. Pequena na distância (cerca de 30 km desta feita) e pequena no número de colmeias (12 de cada vez que é o número que a minha carrinha carrega de forma confortável quer para as abelhas, quer para mim, que já fui mais novo, e as langstroth para um homem só não são brinquedo a carregar e a descarregar!).
Nesta semana tenho repartido o tempo na realização de um conjunto variado de tarefas. Os dias têm começado cedo e têm terminado debaixo de um céu de fogo!