abelhas resistentes: o seminário

Depois da divulgação do seminário, venho nesta publicação apresentar alguns dos aspectos que o Prof. Dirk de Graaf e sua equipa pesquisaram e concluíram num caminho que tem cerca de 20 anos. O seminário decorreu ontem no auditório do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, a que tive o prazer de assistir e foto-documentar, com a autorização do palestrante e dos organizadores, para posterior publicação neste espaço.

O Prof. Dirk de Graaf no início da sua palestra.
Actualmente Dirk de Graaf e sua equipa levam a cabo duas linhas de investigação principais. A mais antiga, visa identificar os marcadores genéticos associados ao SMR (suppressed mite reproduction), um dos mecanismos que confere resistência contra o ácaro varroa. Uma segunda linha de investigação, visa identificar os marcadores genéticos associados ao SOV (suppressed in ovo virus), um mecanismo que confere resistência/imunidade contra os vírus frequentemente presentes nos ovos da criação de obreiras e zângãos.
Depois de concluídas uma série de etapas de investigação, identificaram 8 marcadores genéticos com uma probabilidade elevada de estarem associados ao SMR.
Quando estes marcadores foram testados em campo, verificou-se ser necessário corrigir e afinar algumas das relações espúrias entre eles. Feita esta “limpeza” ao modelo o seu valor preditivo está bastante robustecido. Com base neste modelo, os criadores de rainhas belgas estão a proceder à seleção das suas matriarcas desde 2021, auxiliados gratuitamente na identificação dos marcadores genéticos pela equipa do Prof. Dirk de Graaf.

Uma reflexão: vemos aqui um exemplo de como uma investigação de cariz fundamental, aparentemente muito afastada da prática, devolve resultados práticos e de mérito à comunidade. Este caminho levou 20 anos a percorrer e só a inteligência e persistência dos envolvidos, assim como o financiamento adequado permitiram alcançar os resultados que nos levam a antever abelhas resistentes ao varroa na próxima década. O Prof. Dirk de Graaf exortou os parceiros portugueses a trabalharem com a abelha ibérica, identificarem os marcadores relevantes para o comportamento resistente nesta abelha, seguindo o caminho (método) que ele desbravou e seguiu na Bélgica.

Os parceiros institucionais.
A equipa… as pessoas.

A terminar, o meu agradecimento ao Nuno Capela pela chamada de atenção para este seminário e convite para estar presente no mesmo. O Nuno concluiu há pouco o seu doutoramento com temática na apicultura, e está muito empenhado no estabelecimento de relações entre o mundo da ciência apícola e a comunidade de apicultores. Esta interacção caracteriza cada vez mais o posicionamento da academia em relação à comunidade que a alberga… e bem!

abelhas resistentes: fazendo o caminho

Podemos assistir no próximo dia 26, no auditório do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra ou por webinar, ao seminário sobre Selecção Assistida por Marcadores (SAM) dada pelo Prof. Doutor Dirk de Graaf.

Nesta publicação, de fevereiro de 2021, escrevi sobre esta tecnologia e suas virtualidades enquanto ferramenta de auxílio na selecção de abelhas mais resistentes ao ácaro varroa.

rainhas de emergência: põem menos ovos e gastam-se mais depressa?

Ontem com um bom amigo e criador de rainhas conversámos sobre a qualidade das rainhas de emergência.

Em publicações passadas, esta entre outras pobres rainha de emergência revisitado, apresentei dados que não confirmam a crença de que as abelhas numa situação de orfandade súbita e inesperada produzem mestreiros de pouca qualidade a partir de larvas com 6 ou mais dias de idade, contados a partir da oviposição. Mais, é defendido que são estas rainhas morfologicamente e nutricionalmente comprometidas que eliminam as suas irmãs mais novas e que acabam por ser aceites pelas abelhas. Esta crença tão profundamente instalada nos apicultores como a crença de que o mel cristalizado está misturado com açucar de mesa nos consumidores, não é confirmada por estudos empíricos devidamente controlados. O que estes estudos confirmam é de que as abelhas seleccionam os mestreiros e seleccionam a melhor rainha de emergência que têm disponível.

Mas será a melhor rainha de emergência suficientemente boa? Não irá pôr menos ovos e/ou durante menos tempo, isto é, não tendem a ser menos prolíficas e menos longevas?

Para responder a estas duas questões importa conhecer o número médio de ovaríolos presentes em cada ovário e o volume da espermateca em rainhas de reputada qualidade. O número de ovaríolos determina a prolificidade, isto é o potencial de oviposição de uma rainha; o volume da espermateca determina o potencial de armazenamento de sémen, portanto a longevidade das rainhas.

Contagem de ovaríolos. Da esquerda para a direita: um ovário após a coloração, um ovário durante a contagem dos ovaríolos, detalhe da estrutura dos ovaríolos. (fonte:
Investigating Genetic and Phenotypic Variability of Queen Bees: Morphological and Reproductive Traits, 2021)

Num estudo recente (Investigating Genetic and Phenotypic Variability of Queen Bees: Morphological and Reproductive Traits, 2021) são apresentados, entre outros, os valores médios para estas duas características resultantes da análise de 147 rainhas criadas por translarve de um reputado criador italiano*: (i) o número médio de ovaríolos é 282 (141 por ovário); (ii) o volume médio da espermateca é 1,27 milímetros cúbicos.

Tomando estes números como referência, 282 ovaríolos e 1,27 mílimetros cúbicos para o volume da espermateca, comparemo-los com os dados referidos num estudo de Tarpy e colegas, estudo já aqui mencionado (Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality, 1999), onde avaliaram estes mesmo parâmetros em 89 rainhas criadas naturalmente e numa situação de emergência: (i) o número médio de ovaríolos não desceu abaixo de 305; (ii) o volume médio da espermateca não desceu abaixo de 1,21 milímetros cúbicos (na categoria rainhas criadas a partir de larvas com até 24 h) e, em todas as outras categorias analisadas, foi sempre igual ou superior a 134 milímetros cúbicos (ver quadro em baixo)

Fonte: Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality, 1999.

Em conclusão e respondendo resumidamente às duas questões do título: as rainhas criadas naturalmente num processo de emergência têm potencial morfológico (número de ovaríolos) para porem os mesmo ovos que as rainhas criadas por translarve e, simultaneamente, têm o mesmo potencial para durarem tanto como as rainhas criadas por translarve (volume da espermateca).

Na minha prática apícola foram muitas as vezes que recorri aos criadores de rainhas para fazer novas colónias. Comprei mais rainhas de boa qualidade do que rainhas de pouca qualidade, o que revela que o trabalho está a ser bem feito. Contudo, nunca reneguei umas nem outras por preconceitos baseados em crenças de maior ou menor qualidade de umas ou de outras. As minhas opções guiavam-se por critérios de custo-oportunidade para atingir os objectivos do momento. Numas alturas esta análise levava-me a adquirir rainhas de criadores, noutras alturas levava-me a criar as minhas rainhas de forma natural. Como não estou aqui a vender nada, digo isto sem estar a puxar a brasa à minha sardinha, digo-o com sustentação em evidências empíricas, de outros e minhas, e não porque ouvi dizer nas avenidas e nos becos da conversação apícola, tão alimentada por mitos e interesses, mais ou menos expressos ou latentes.

Nota: * a propósito do método de criação de rainhas do referido criador italiano lê-se no artigo: “As rainhas foram fornecidas por uma empresa italiana de criação de rainhas e apicultura que produz e vende cerca de 400 a 600 rainhas por semana, da primavera ao final do verão. A criação das rainhas foi caracterizada por um sistema de produção padronizado e pela rastreabilidade das linhagens materna e paterna de cada rainha (o pedigree). O sistema de criação padronizado consiste em utilizar apenas colónias finalizadoras sem rainha.”

a genética da abelha melífera: palestra de Umberto Moreno

Em baixo deixo uma palestra que Umberto Moreno, apicultor colombiano, investigador avançado em programas de genética da abelha, deu recentemente para a Apicultura sin Fronteras.

Entre outros, esclarece os seguintes conceitos:

  • F1, F2,F3,
  • Raça pura, híbrido e linha.

Ao mesmo tempo desmistifica e traz-nos à terra acerca da possibilidade/dificuldade de melhoria genética das nossas abelhas, sem um suporte em processos contínuos e demorados, levados a cabo por profissionais com elevados conhecimentos e apetrechados com recursos e tecnologia dedicada. A este propósito aborda:

  • a dificuldade de fazer selecção e melhoria de comportamentos, como a defensividade e a produção de mel, porque 1) estes comportamentos têm uma origem poligénica; 2) pela baixa heritabilidade; 3) pela complexidade trazida pelo sistema haplo-diploide, poliandria e panmixia de reprodução destes super-organismos;
  • a ideia de que para potencializar comportamentos desejáveis, como a produtividade das nossas colónias, a qualidade do maneio é uma peça crucial (defesa que fiz também aqui).

Para esta lição magistral de um geneticista, que conhece muito bem os limites e as potencialidades da selecção das nossas abelhas pela abordagem genética, fui todo ouvidos. Desafio-vos a fazerem o mesmo!

o que faz a qualidade da rainha: o ponto de vista de Randy Oliver

Recentemente foi iniciada no fórum apícola Bee-L uma conversa sobre a qualidade das rainhas, quando um apicultor interveniente trouxe para a mesa os resultados obtidos por Tarpy, já apresentados neste blog em 2020 nesta publicação. Os resultados publicados por Tarpy estão sintetizados nestas duas afirmações: “Observámos que os padrões de criação de rainhas originárias de colónias com padrão de postura fraco melhoraram significativamente após a colocação em colónias com padrão de postura bom após 21 dias, sugerindo outros fatores que não a rainha contribuíram para a alteração do padrão de postura. Nosso estudo desafia a noção de que o padrão de postura é suficiente para julgar a qualidade da rainha.” Ontem, no Bee-L, Randy Oliver fez uma publicação que traduzo em baixo e que, como habitualmente, é uma excelente sinopse do seu pensamento acerca do que faz a qualidade das rainhas.

“Se você montar um apiário com vários núcleos idênticos, todos contendo
rainhas irmãs e, em seguida, acompanhar o desempenho destas colónias à medida que vão crescendo (ou não), você normalmente verá que alguns terão um desempenho melhor do que outros. Um histograma de seus desempenhos normalmente mostrará um curva “normal” em forma de sino. O quanto das diferenças no desempenho foi devido às suas rainhas, não sei.

Muitos de nós notamos que uma colónia atrasada pode repentinamente “virar” e sem mudar sua rainha tornar-se uma grande colónia. Então, obviamente, nem sempre podemos culpar a rainha.

Para colocar a importância da rainha em perspectiva, tenha em mente
que a rainha desempenha vários papéis na fábrica chamada colónia de abelhas.

Papel 1: Ela é a mãe da equipe de filhas descendentes de inúmeras linhas paternas que compõem a força de trabalho. Toda rainha, mesmo filha de mesma mãe, e acasalada no mesmo território, em virtude de sua genética individual, junta com a genética muito diversa de suas filhas por ter acasalado com diferentes zângãos [dados recentes apontam acasalamentos com até 50 zângãos], produz uma equipe de trabalhadores geneticamente variada. E tantos de nós observamos, dependendo da aleatoriedade com que os espermatozoides são misturados sua espermateca* e utilizados ao acaso na fertilização dos óvulos, a mesmo a colónia muito gentil pode de repente mudar para uma colónia hiper-defensiva. A lição a tirar — a genética da equipa das trabalhadoras não é uma “constante”, e a genética de suas filhas abelhas pode mudar subitamente (sem contar que uma parte substancial da força de trabalho de qualquer colónia num apiário lotado pode se feita de abelhas que derivam de outras colmeias).

Papel 2: Ela pode transmitir viriões** ou outros patógenos através de seus ovos. Mas ela também pode transmitir algum grau de herança imunitária transgeracional para seu filhos. Patógenos e morbidade causada por patógenos (doença) vêm e vão em qualquer colónia. O desempenho e a recuperação da colónia pode estar mais associado aos patógenos com os quais a colónia está lutando atualmente, e pouco a haver diretamente com a rainha.

Papel 3: Ela é o coração e a alma feromonal de uma colónia, suprimindo o
desenvolvimento dos ovários de suas filhas, e produzindo uma série de feromonas que são tomados como sinais pela força de trabalho. Suas feromonas afetam a coesão e o moral da colónia, o que pode influenciar o desempenho geral.

Papel 4: Mais importante ainda, a rainha funciona como o ovário da colónia.
Ela atua como a máquina de produção de ovos para a fábrica que chamamos de
“colónia.” E isso não é necessariamente uma função de sua aparência, de como ela “parece” – muitos de nós observamos que uma colónia surpreendente pode ser liderada por uma rainha de aparência esquelética, ou uma colónia fraca pode ser liderada por uma rainha digna de aparecer na capa de uma revista de abelhas.

Meu ponto é que são as abelhas-ama que condicionam o desempenho da rainha. Sua capacidade de colocar todo o seu potencial depende quão bem as abelhas -ama a alimentam hora a hora (já que uma rainha em plena produção — postura de 1-2 ovos por minuto, 24 horas por dia — pode colocar o equivalente ao seu peso corporal em ovos num dia). Sabendo que o estado nutricional das amas é totalmente dependente da quantidade e qualidade do pólen e néctar que chegam, que por sua vez é um função do sucesso das operárias forrageiras, o “campo” é um determinante crítico a considerar na avaliação de uma rainha.

Uma rainha bem desenvolvida tem o potencial de preencher cerca de 10 quadros com criação, mas raramente vemos uma colónia ter suficientes alvéolos vazios para ela fazer isso, ou em que as amas decidem permitir que ela ponha ovos em todos os quadros do ninho, e não canibalizem ovos ou larvas quando percebem que as pistas ambientais são desfavoráveis .

A substituição ou não de uma rainha avaliada com baixo desempenho depende do apicultor. Substituo rainhas mais velhas antes de serem substituídas quando não há zângãos por perto, ou aquelas cujas colónias não estão à altura. Se, por outro lado, as abelhas sentem que ela não está à altura do trabalho, elas a substituirão rapidamente. Eu não removo as células substituição e deixo para suas filhas decidir o que querem.”

Por estas e por outras gosto tanto do que o Randy escreve. Vemos e interpretamos de forma semelhante o que se passa com as nossa abelhas. Sem marketing falacioso, sem romantismo desajustado, sem antropomorfismo enviesante, sem simplismo simplório e empobrecedor. Enquanto assim for, e acredito que seja, continuarei a ser um dos seus aprendizes.

Em baixo repito as fotos e o que escrevi em junho de 2020.

Núcleo que em 24.03 não apresentava postura e que em 02.04 classifico a rainha como fraca de acordo com o padrão de postura que observo. Nestas situações costumo dar mais 15 a 20 dias para ver se o padrão de postura da rainha evolui e me faz alterar a ideia que se trata de uma rainha a eliminar. E muitas das vezes altero! Este foi mais um desses casos.
De lá para cá este núcleo já doou vários quadros com criação e hoje voltou a fazê-lo, este quadro que vemos na foto. O que provocou a reviravolta na qualidade da postura? Há muito me convenci que são as abelhas, isto é, a qualidade e a quantidade de abelhas que compõem a colónia, que fazem, na grande maioria dos casos que observo nos meus apiários, a qualidade das rainhas.

* logo após o acasalamento os espermatozoides são armazenados em lotes de acordo com a sequência dos acasalamentos ocorridos, isto é, o primeiro lote de espermatozoides é do primeiro zângão com qua a rainha acasalou, o segundo lote é do segundo zângão, o terceiro lote é do terceiro zângão, … E assim ficam armazenados, em lotes, durante algumas semanas. Passadas essas semanas os epermatozoides dos diversos lotes são misturados de forma aleatória na espermateca. Por exemplo, em 1000 ovos colocados uns a seguir aos outros pela rainha durante um dia, as abelhas que daí emergirão provavelmente terão pais diferentes. No caso do translarve como facilmente se depreende, as larvas transferidas pelo apicultor, mesmo as escolhidas no mesmo quadro, têm uma forte probabilidade de serem geneticamente bastante diferentes entre si.

** partícula viral completa, ou seja, infecciosa.

crescimento da população de abelhas e da população de varroas no hemisfério norte

A animação em baixo representa o crescimento teórico de uma colónia de abelhas saudável sem tratamentos para os ácaros varroa em regiões do hemisfério norte com um inverno de 3 meses. Deixo a descrição desta animação, um excelente instrumento didáctico que nos permite observar, numa perspectiva anual e global, as interacções que se estabelecem entre o crescimento destas duas populações.

Nas colónias de abelhas a população no inverno é composta predominantemente por abelhas adultas de inverno (população representada a azul escuro na animação) com muito pouca criação de operárias (representada a castanho claro na animação) e baixas populações de varroa (representadas pelos pontos vermelhos).

No final do inverno/início da primavera, à medida que novas abelhas vão surgindo, a colónia aumenta rapidamente a sua população de abelhas adultas (representada a amarelo) e criação. No final do inverno/início da primavera a colónia inicia a criação de zângãos* (representada a castanho escuro) que, sendo preferida pela varroa, permite um aumento rápido da população do parasita.

No final da primavera/início do verão, após a época de enxameação, as abelhas param de criar zângãos, forçando a varroa a reproduzir-se na criação de abelhas. À medida que os níveis de ácaros aumentam, uma única larva é co-infestada por várias varroas fundadoras. Neste casos de co-infestação a taxa de reprodução de cada varroa é menor, mas a taxa de produção de descendentes femininos fertilizados aumenta. Por outro lado esta co-infestação permite acasalamentos cruzados, isto é a hibridação entre diferentes famílias de varroas, ao qual está associada a potencial disseminação de resistência a acaricidas.

No final do verão, tanto a população de abelhas quanto a área de criação contrai-se, e as infestações de varroa tem um aumento proporcional súbito e dramático na população de abelhas adultas, podendo ultrapassar rapidamente os limites de acção dos tratamentos acaricidas que, desejavelmente, devem fazer regredir a população de varroas para um patamar abaixo das 50 por colónia**.

No final de verão/início do outono as colónias iniciam a criação de abelhas de inverno (representada a azul claro), de vida longa (representada a azul) com uma camada extra de gordura corporal, da qual a varroa se alimenta.

No outono/inverno, à medida que a colónia pára de criar novas abelhas, a varroa não tem onde se reproduzir e sua população diminui — isto no caso de a colónia não ter sucumbido à entrada do outono/inverno pelos danos causados pelas varroas e pelos vírus que veiculam, em particular os vírus das asas deformadas e os vírus da paralisia aguda.

Crescimento teórico de uma colónia saudável sem tratamentos de ácaros varroa em regiões do hemisférios norte com um inverno de 3 meses (clima temperado).

fonte: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S147149222030101X#bb0500

* Este ano, em algumas colónias mais fortes encontrei nesta semana alguma criação de zângãos! Este facto, muito atípico neste território, promete tornar a luta contra a varoose um enorme desafio este ano.

** Foi o que não consegui obter na colónia em baixo, que morreu esta semana devido aos efeitos de um controlo insuficiente da população dos ácaros com o tratamento de verão que efectuei no ano passado. Até à data, no inverno 2021-2022 e nos meus apiários morreram duas colónias por efeitos diferidos da varroose (um pouco acima de 1%).

Colónia a ser pilhada no dia 10-01-2022.
Neste quadro vi alguns ovos, o que significa que a pilhagem se terá iniciado neste dia ou um ou dois dias antes.

porquê é tão difícil criar abelhas melhores? parte 2.

Já estava em dívida com esta publicação há demasiado tempo. Nesta publicação referi: “Existem três bloqueios principais na estrada para manter populações bem controladas – haplodiploidiapoliandria e panmixia – além de algumas outras pequenas complicações.” A poliandria e a panmixia foram aí abordadas. Nesta publicação vou abordar a haplodiploidia, um fenómeno mais complexo de descrever. Vou procurar ser claro e simplificar o mais possível e, ao mesmo tempo, procurar evitar o simplismo e reducionismo.

Os cromossomas, a diploidia e a haploidia

Os cromossomas são as estruturas que contêm os genes de um organismo. As abelhas têm cerca de 15.000 genes. A maioria dos animais normalmente possui dois conjuntos de cromossomas. Um conjunto vem da mãe e outro do pai. São chamados de diplóides. Di significa dois e plóide significa cromossoma. Nas pessoas, temos 46 cromossomas, 23 do óvulo da mãe e 23 do esperma do pai. As abelhas têm um número diferente de cromossomas. As fêmeas, operárias e rainhas têm 32, 16 provêem dos óvulos da rainha e 16 vêm dos espermatozoides dos zângãos. São, por esta razão, diplóides . Como os zângãos nascem de ovos não fertilizados, eles têm apenas os 16 cromossomas que estavam no óvulo. Os zângãos são haplóides porque possuem apenas um conjunto de cromossomas.

Partenogénese

Partenogénese refere-se ao crescimento e desenvolvimento de um embrião sem fertilização. Na sociedade das abelhas ocorre este fato curioso: tanto os óvulos fecundados como os não fecundados podem originar novos indivíduos. As rainhas e as operárias resultam do desenvolvimento de óvulos fecundados, sendo, portanto, diploides.

Os zângãos são haploides, uma vez que resultam do desenvolvimento de óvulos não fecundados. Os zângãos, originando-se de óvulos não fecundados, herdam todos os genes que possuem da “mãe”(rainha), uma vez que não têm “pai”. Geneticamente os zângãos apenas têm avós paternos, isto é, temos de recuar uma geração para encontrarmos a ascendência genética masculina directa. O esquema em baixo é um pouco simplista, mas ilustra este fenómeno de forma clara.

A rainha (Queen), herdou um dos cromossomos de sua mãe (Queen mother) e um do companheiro de sua mãe (Queen father). Os zângãos (drones), podem ser uma cópia de seu avô ou uma metade dos cromossomas de sua avó.

Implicação: Se desejamos escolher os zângãos a selecionar para o nosso programa de alegado melhoramento de abelhas será mais avisado considerar a colónia avó/avô daqueles zângãos. Dito de outra maneira, o valor genético desses zângãos no que respeita, por exemplo, ao comportamento higiénico, observa-se melhor na colónia avó, mais semelhante geneticamente aos zângãos, do que na colónia mãe.

A recombinação genética: os zângãos de uma colónia não são clones da rainha sua mãe

Apesar de os zângãos receberem exclusivamente os seus cromossomas de sua mãe, isto não faz deles um clone (indivíduo geneticamente igual) da mãe. A razão está no processo de recombinação genética que ocorre na produção de gâmetas (espermatozoides e óvulos).

Na recombinação genética ocorrem quebras nos cromossomos e trocas de pedaços entre os seus filamentosEstas quebras podem ocorrer em qualquer ponto do cromossoma e com igual probabilidade. O resultado é que os genes de cada pai podem aparecer no organismo haplóide (o zângão neste caso) de uma forma bastante aleatória. Os ovos, dos quais resultam os zângãos, são resultado da “mistura” aleatória de genes, mistura esta que não é idêntica à mistura genética de sua mãe.

Controlar o lado paterno não acelera necessariamente o processo de melhoramento de rainhas

Dada a natureza haplodiploide dos acasalamentos no mundo das abelhas podemos ser levados a pensar que uma vez que cada rainha obtém apenas 50% do material genético de sua mãe e 100% do material de seu pai, ela será “basicamente” 75% como seu pai. Em consequência, podemos ser levados a pensar que ao controlar a paternidade das rainhas, podemos ver um aumento mais rápido dos traços que desejamos. É melhor não apostar.

Mesmos que através da inseminação instrumental controlemos os outros dois fenómenos que introduzem aleatoriedade no processo de melhoramento, a panmixia e a poliandria, os zângãos doadores de esperma filhos de uma mesma rainha não são gémeos idênticos. Assim como os zângãos não podem ser clones da rainha, cada zângão não é necessariamente idêntico a seus irmãos devido aos eventos de recombinação e segregação genética aleatória que ocorre na produção dos gâmetas. Ainda assim pode pensar-se que as probabilidades de obter uma genética muito semelhante aumentam se trabalharmos com zângãos irmãos enquanto doadores de esperma para o nosso processo de inseminação instrumental. Sim aumentamos, mas em que medida? Sabendo que a intensidade/frequência da recombinação genética nas abelhas é cerca de 100 vezes superior à de muitos outros animais, as garantias de estarmos a trabalhar com “material” genético quase idêntico descem muito.

A possibilidade de estarmos a fazer tudo ao contrário ou a deitar fora ouro

Finalmente os nossos bem intencionados esforços de melhoramento podem ter um final infeliz. A maior parte dos traços que interessam ao apicultor (produtividade, comportamento higiénico, baixa enxameação, prolificidade, frugalidade, mansidão, …) são geneticamente multideterminados. Sabemos que ao seleccionar para dois traços, apenas cerca de 2% das colónias os irão apresentar na população original (tema a desenvolver em breve, espero eu!). Portanto no afã de seleccionar para melhorar isto e aquilo podemos ser tentados a “deitar fora” 98% da variabilidade genética nos nossos apiários. Ora todos estes três mecanismos naturais, panmixia, poliandria e haplodiploidia, foram desenvolvidos pelas abelhas, ao longo de milhões de anos, para aumentar a diversidade genética, não para a restringir. É altura de perguntar se sabemos mesmo o que estamos a fazer e com que consequências no futuro. Outro ponto: a rainha “ranhosa” de uma colónia insatisfatória, pode ter uma genética de ouro. Não nos precipitemos a esmagá-la. Pode, por exemplo, vir a ser uma excelente rainha-mãe de zângãos, e assim que estes acasalem com uma linha em que os seus genes raros e de natureza recessiva, aditiva e epistática, não observáveis até aí, se combinem em boa harmonia com os genes de uma rainha e aquela genética rara e escondida emirja e brilhe, como ouro num campo florido.

Esta publicação foi muito trabalhosa de fazer. Mas se for útil para alguns de nós não caírem no canto de sereia dos marketeers de rainhas ou enxames que da elevada produção à frugalidade, passando por um excelente comportamento higiénico e baixa enxameação, tudo anunciam ter alcançado, controlado e estabilizado, já valeu a pena.

fontes: https://www.perfectbee.com/learn-about-bees/the-science-of-bees/honey-bee-genetics; http://www.glenn-apiaries.com/principles.html; https://pt.wikipedia.org/wiki/Partenogénese; https://www.beesource.com/threads/why-arent-drones-clones.316929/page-2; https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/biologia/cromossomos-homologos

comportamento de invernagem e fisiologia das abelhas de inverno

O comportamento das abelhas na colónia muda dramaticamente conforme a colónia atravessa as diferentes estações do ano. No final da primavera, verão e início do outono, as operárias têm vida curta (cerca de 􏰑30-35 dias) e apresentam uma divisão de trabalho baseada na idade (polietismo). As abelhas mais novas, geralmente com menos de 10 dias de idade, realizam tarefas de amas, as abelhas de meia idade entre 10 e 20 dias de idade envolvem-se em tarefas como construção de favos, armazenamento de alimentos, guarda, enquanto as abelhas mais velhas da colónia atuam como forrageadoras.

No outono, conforme a criação diminui, as abelhas de vida longa (até 8 meses) que sobreviverão ao inverno são produzidas (chamadas ‘abelhas de inverno’). Estas abelhas de inverno formam o aglomerado/cacho termorregulador quando as temperaturas caem. Logo que a criação é reiniciada de forma significativa no final do inverno/início da primavera, a divisão do trabalho é retomada entre as abelhas operárias que hibernaram.

Além destas profundas diferenças de comportamento, as abelhas atravessam mudanças fisiológicas notáveis ao longo das estações. Os níveis da hormona juvenil (JH), vitelogenina (Vg) e proteínas da hemolinfa, bem como o tamanho da glândula hipofaríngea (HPG), estão correlacionados e regulados entre si e variam significativamente entre as amas, forrageiras e as abelhas do inverno (ver infografia em baixo). Resumidamente, os níveis de JH são baixos em abelhas amas e de inverno, e mais altos nas forrageadoras. Em contraste, os níveis de Vg e proteínas hemolínicas são significativamente mais altos e o HPG é maior em amas e abelhas de inverno do que em forrageadoras.

Embora as diferenças fisiológicas em abelhas nutrizes, forrageiras e abelhas de inverno estejam bem documentadas, poucos estudos examinaram as mudanças na fisiologia das abelhas ao longo do inverno. Fluri, um colega de Imdorf no centro suíço de investigação Liebefeld, marcou as abelhas recém-emergidas no outono (início de setembro) e depois analisou-as em janeiro e fevereiro para comparar os níveis de JH, Vg, proteína total e peso da HPG. Curiosamente, não houve diferenças significativas entre as abelhas no outono e no meio do inverno ou no final do inverno. Estes resultados sugerem que as abelhas produzidas no outono já estão no estado fisiológico de “inverno”, e esse estado permanece estável durante todo o inverno. Huang e Robinson descobriram ainda que a taxa de biossíntese de JH diminui do início de outubro a meados de novembro, atinge seu nível mais baixo em meados de janeiro e, em seguida, aumenta acentuadamente em fevereiro e março. O aumento de JH no início da primavera está correlacionado com uma diminuição nos níveis de Vg, níveis de proteína hemo-linfática e o tamanho da HPG; assim, as abelhas que hibernaram retornam ao estado fisiológico de abelha forrageira na primavera.

Interação dos principais fatores fisiológicos em abelhas nutrizes, forrageadoras e de inverno. Os discos coloridos ao lado de cada fator representam a abundância relativa do fator em abelhas nutrizes (verde), abelhas forrageiras (vermelho) e abelhas de inverno (azul). À medida que as abelhas passam da função nutriz para a função forrageadora, os níveis de hormona juvenil (JH) na hemolinfa aumentam. Nas obreiras, a Vitelogenina (Vg) funciona como uma proteína de armazenamento de nutrientes e está envolvida num ciclo de feedback negativo com a JH, isto é, quando os níveis de JH aumentam, os níveis de Vg diminuem e a diminuição do Vg resulta no aumento de JH. Os níveis totais de proteínas da hemolinfa – que incluem Vg e todos os outros tipos de proteínas – são maiores nas abelhas nutrizes do que nas forrageiras. Por fim, as glândulas hipofaríngeas (HPG), que se localizam nas cabeças das abelhas operárias produzem as secreções que constituem a geleia real fornecidas aos demais membros da colónia; o tamanho das HPG é maior em abelhas nutrizes (de 2 até 15 dias de idade). * Projeto gráfico de Harland Patch, Penn State.

fonte: Overwintering honey bees: biology and management, Current Opinion in Insect Science · June 2015

coortes de abelhas de inverno entre agosto e dezembro

Já escrevi algumas vezes sobre as abelhas de inverno, as abelhas que habitam as minhas colónias entre setembro e março. No meu território, estas abelhas dão-me despesa, trabalho e preocupações. Contudo são a peça crítica para tirar rendimento das minhas colónias durante a primavera e verão. Por esta razão procuro conhecer este tipo de abelhas o melhor possível, para lhes dar exactamente o que elas precisam e na quantidade que precisam. A questão fundamental a que procurarei dar resposta numa série de publicações que agora inicio é esta: no meu território, o que fazer para ter o número suficiente de abelhas longevas e saudáveis por enxame durante o outono-inverno e que permitam um bom arranque das colónias em março, que as coloquem na pista certa para atingir os objectivos anuais, com um satisfatório retorno do investimento? O primeiro passo a dar é conhecer o melhor possível estas abelhas de vida longa (diutinus) e os factores que determinam a sua longevidade. Para iniciar esta tarefa socorro-me de uma infografia (retirada do blog The Apiarist) que apresenta as diversas coortes* de abelhas presentes numa colmeia entre os meses de agosto e dezembro (esta infografia é uma razoável aproximação à realidade das minhas colónias tanto quanto fui capaz de observar até à data).

Estrutura de idade das abelhas nas colónias de agosto a dezembro.

Cada cor distinta representa as abelhas criadas numa “janela” de 12 dias. Todas as abelhas presentes antes de 31 de agosto são azuis. A coorte de abelhas dos 12 dias seguintes é amarela, etc. A área ocupada por cada cor indica o número de abelhas de uma coorte de idade específica.

Vemos que a postura de ovos (preto) é insignificante entre o início de outubro e o final de novembro, quando se reinicia.

O gráfico mostra que não há mudança abrupta da produção de abelhas de verão para a produção de abelhas de inverno.

Por exemplo, cerca de 95% das abelhas azuis desapareceram a 1 de dezembro. Das abelhas amarelas, que apareceram pela primeira vez em meados de setembro, cerca de 33% estão presentes em dezembro. Finalmente, a maioria das abelhas cor de limão, que apareceram pela primeira vez no início de outubro, estão presentes no final de dezembro.

A colónia não pára abruptamente de produzir abelhas de verão de vida curta numa data específica e muda para a geração de abelhas de inverno ‘diutinus’ de longa duração. Em vez disso, conforme o final do verão chega e com o início do outono, menos abelhas de vida curta e mais abelhas de vida longa são produzidas.

Observe-se que cada coorte emerge de ovos postos 21 dias antes. A coorte de laranja emergente de 24/09 a 05/10 foi colocada nas primeiras duas semanas de setembro. Isso enfatiza a necessidade de tratar precocemente para reduzir os níveis de ácaros o suficiente para proteger as abelhas de inverno.

Para levar para casa: para conseguir abelhas de inverno saudáveis e suficientemente longevas as minhas colónias devem apresentar um baixo número de varroas e uma carga viral igualmente muito baixa a partir de finais de julho/início de agosto, quando se inicia o primeiro ciclo de criação de abelhas de inverno no território onde as tenho.

*coorte: conjunto de indivíduos que têm em comum um evento que se deu no mesmo período; exemplo: coorte de pessoas que nasceram entre 1960 e 1970. No caso desta publicação, cada coorte é definida pelo grupo de abelhas nascidas em cada “janela” de 12 dias.

sam: uma ferramenta para melhorar abelhas num futuro próximo

Tendo ficado apeado, com as chaves da pick-up no interior da carrinha, e as portas inexplicavelmente trancadas (tenho um comando de portas com vontade própria?), ocupo-me a limar alguns rascunhos por publicar. Este deu-me algum trabalho, mas muito gosto a escrever. Boa leitura!; eu vou continuar a limar arestas de futuras publicações enquanto espero que me tragam a segunda chave!

Não sou um grande crente nas proclamações de selecção e melhoria de abelhas que se fazem na actualidade, em Portugal e no estrangeiro. Neste cepticismo estou acompanhado por Keith Delaplane, entre outros (ver a palestra nesta publicação de 2019). Por exemplo, nos últimos vinte anos diversos programas de melhoria de abelhas no que respeita à resistência ao ácaro varroa produziram resultados decepcionantes. Como poderei fazer outra avaliação se após duas décadas de trabalho se identifica de forma comprovada apenas uma região onde persistem linhas resistentes: Gorgona, em Itália (ver o artigo Geographical Distribution and Selection of European Honey Bees Resistant to Varroa destructor, publicado em dezembro de 2020, de Yves Le Conte e Ralph Büchler, dois dos maiores especialistas neste domínio)?

Dito isto, acredito que num futuro próximo iremos assistir a desenvolvimentos importantes na nossa capacidade de selecção e melhoramento de abelhas. A genómica em geral e a Seleccção Assistida por Marcador (SAM) em particular fazem já parte do presente, e estão a ser utilizados para nos ajudar e capacitar a fazer esse melhoramento de forma económica e confiável. É sobre esta ferramenta a Seleccção Assistida por Marcador o conteúdo desta publicação.

“Selecção Assitida por Marcador é o uso de um marcador molecular* que é conhecido por estar associado a uma característica comercialmente importante para identificar indivíduos portadores de um genótipo desejado. A capacidade de selecionar indivíduos superiores diretamente e com base nos seus genótipos permite a possibilidade de ganhos substanciais no melhoramento das abelhas. Uma vez que os marcadores moleculares para uma característica estejam identificados, eles podem ser usados para facilitar a avaliação do valor reprodutivo (breeding value) estimado das colónias. Esta capacitação terá o maior valor para características comportamentais que são difíceis de quantificar com precisão. Além disso, rainhas e zângãos podem ser genotipados antes do acasalamento (Oldroyd e Thompson, 2007), proporcionando uma intensidade selectiva muito forte (Lande e Thompson, 1990) e ganhos mais rápidos na melhoria de características.

fonte: The Genetic Architecture of Honeybee Breeding, Peter R. Oxley and Benjamin P. Oldroyd, Behaviour and Genetics of Social Insects Laboratory, School of Biological Sciences, The University of Sydney, New South Wales, Australia

* marcador genético/molecular: historicamente, o princípio da utilização de marcadores genéticos está baseado no dogma central da biologia molecular, no princípio da replicação do DNA, e na pressuposição de que estes marcadores refletem alterações nas sequências do DNA podendo muitas vezes resultar em diferenças fenotípicas. A partir disto, dados morfológicos e bioquímicos também servem como marcadores genéticos. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcador_genético)

Um estudo de caso de colónias de abelhas canadianas

A criação seletiva de abelhas produtoras de mel é atualmente usada por um pequeno grupo de criadores de rainhas que escolhem características com base em comportamentos exibidos por abelhas no campo (Seleção Assistida em Campo ou SAC). Existem diversos obstáculos a esta metodologia como os custos, recursos e eficácia que limitam a adoção generalizada de testes baseados em campo, resultando em que poucos criadores se empenham na metodologia SAC e menos ainda em resultados precisos e eficazes (Spivak e Gilliam 1998, Pernal et al. 2012). O teste de campo para comportamento higiénico, em particular, depende de um teste específico de características que não pode ser usado para testar outras características, como produção de mel ou defensividade, tornando o processo de teste para características múltiplas muito exigente em recursos.

Uma alternativa aos testes de campo é o uso de diagnósticos moleculares, especificamente a Seleção Assistida por Marcador (SAM), que usa marcadores moleculares para auxiliar na identificação de colónias que apresentem características específicas de interesse ou a falta de características indesejáveis ​​(por exemplo, defensividade). A seleção assistida por marcadores em abelhas é baseada em marcadores de proteínas e tem o potencial de fornecer uma capacidade de seleção mais rápida na criação de rainhas do que a metodologia SAC, pois permite aos criadores testar um número maior de colónias, abrangendo e maximizando a diversidade genética no pool de seleção . Uma vez identificados os marcadores adicionais, os testes de marcadores podem incluir uma série de características diferentes simultaneamente (como comportamento higiénico, produção de mel e mansidão) e podem ser avaliados por monitorização de múltiplas reações na mesma análise sem aumento de custo (Parker et al. 2014 ) Uma vez que uma característica hereditária tenha sido identificada e ligada a marcadores específicos de proteína por pesquisadores, os apicultores podem colectar e enviar amostras de abelhas para um laboratório de diagnóstico para teste. Os resultados podem então ser usados ​​para rastrear colónias de reprodutores com potencial, de acordo com as próprias prioridades de reprodução do apicultor ou índice de seleção.

[…]

Uma equipe de cientistas canadianos identificou recentemente marcadores nas antenas de abelhas que correspondem a características comportamentais em abelhas e podem ser testados em laboratório. Esses cientistas demonstraram que esta seleção assistida por marcador (SAM) pode ser usada para produzir colónias de abelhas melíferas higiénicas e resistentes a patógenos. Com base nesta pesquisa, apresentamos um estudo de um caso de apicultura onde a função de lucro de um apicultor é usada para avaliar o impacto económico da adoção de colónias selecionadas para comportamento higiénico usando SAM num apiário. Nossos resultados mostram um ganho de lucro líquido de colónias SAM entre 2% e 5% quando os ácaros Varroa são tratados de forma eficaz. No caso de tratamento ineficaz, o SAM gera um benefício de lucro líquido entre 9% e 96%, dependendo da carga de Varroa. Quando uma população de ácaros Varroa desenvolveu alguma resistência ao tratamento, mostramos que as colónias SAM geram um ganho de lucro líquido entre 8% e 112% dependendo da carga de Varroa e do grau de resistência ao tratamento.

[…]

Ferramentas de reprodução com seleção assistida por marcador (SAM) têm o potencial de aumentar o lucro da colónia e reduzir a mortalidade, o que pode contribuir positivamente para a viabilidade da indústria apícola, particularmente em face do aumento das infestações de Varroa e o risco de resistência aos tratamentos. “[…] 

fonte: https://academic.oup.com/jee/article/110/3/816/3073489

Notas:

  • esta publicação decorre desta outra;
  • em conjunto com um pequeno grupo de amigos, em 2016, talvez tenha sido dos primeiros a tentar introduzir uma linhagem resistente em Portugal. Os resultados foram maus! Ou a proclamação feita pelo criador, John Kefuss, era exagerada ou a hibridação com zãngãos nacionais diluiu ou eliminou o efeito aditivo e/ou epistático dos genes envolvidos na característica. Por feitio acredito mais na segunda hipótese.