rainhas de emergência: põem menos ovos e gastam-se mais depressa?

Ontem com um bom amigo e criador de rainhas conversámos sobre a qualidade das rainhas de emergência.

Em publicações passadas, esta entre outras pobres rainha de emergência revisitado, apresentei dados que não confirmam a crença de que as abelhas numa situação de orfandade súbita e inesperada produzem mestreiros de pouca qualidade a partir de larvas com 6 ou mais dias de idade, contados a partir da oviposição. Mais, é defendido que são estas rainhas morfologicamente e nutricionalmente comprometidas que eliminam as suas irmãs mais novas e que acabam por ser aceites pelas abelhas. Esta crença tão profundamente instalada nos apicultores como a crença de que o mel cristalizado está misturado com açucar de mesa nos consumidores, não é confirmada por estudos empíricos devidamente controlados. O que estes estudos confirmam é de que as abelhas seleccionam os mestreiros e seleccionam a melhor rainha de emergência que têm disponível.

Mas será a melhor rainha de emergência suficientemente boa? Não irá pôr menos ovos e/ou durante menos tempo, isto é, não tendem a ser menos prolíficas e menos longevas?

Para responder a estas duas questões importa conhecer o número médio de ovaríolos presentes em cada ovário e o volume da espermateca em rainhas de reputada qualidade. O número de ovaríolos determina a prolificidade, isto é o potencial de oviposição de uma rainha; o volume da espermateca determina o potencial de armazenamento de sémen, portanto a longevidade das rainhas.

Contagem de ovaríolos. Da esquerda para a direita: um ovário após a coloração, um ovário durante a contagem dos ovaríolos, detalhe da estrutura dos ovaríolos. (fonte:
Investigating Genetic and Phenotypic Variability of Queen Bees: Morphological and Reproductive Traits, 2021)

Num estudo recente (Investigating Genetic and Phenotypic Variability of Queen Bees: Morphological and Reproductive Traits, 2021) são apresentados, entre outros, os valores médios para estas duas características resultantes da análise de 147 rainhas criadas por translarve de um reputado criador italiano*: (i) o número médio de ovaríolos é 282 (141 por ovário); (ii) o volume médio da espermateca é 1,27 milímetros cúbicos.

Tomando estes números como referência, 282 ovaríolos e 1,27 mílimetros cúbicos para o volume da espermateca, comparemo-los com os dados referidos num estudo de Tarpy e colegas, estudo já aqui mencionado (Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality, 1999), onde avaliaram estes mesmo parâmetros em 89 rainhas criadas naturalmente e numa situação de emergência: (i) o número médio de ovaríolos não desceu abaixo de 305; (ii) o volume médio da espermateca não desceu abaixo de 1,21 milímetros cúbicos (na categoria rainhas criadas a partir de larvas com até 24 h) e, em todas as outras categorias analisadas, foi sempre igual ou superior a 134 milímetros cúbicos (ver quadro em baixo)

Fonte: Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality, 1999.

Em conclusão e respondendo resumidamente às duas questões do título: as rainhas criadas naturalmente num processo de emergência têm potencial morfológico (número de ovaríolos) para porem os mesmo ovos que as rainhas criadas por translarve e, simultaneamente, têm o mesmo potencial para durarem tanto como as rainhas criadas por translarve (volume da espermateca).

Na minha prática apícola foram muitas as vezes que recorri aos criadores de rainhas para fazer novas colónias. Comprei mais rainhas de boa qualidade do que rainhas de pouca qualidade, o que revela que o trabalho está a ser bem feito. Contudo, nunca reneguei umas nem outras por preconceitos baseados em crenças de maior ou menor qualidade de umas ou de outras. As minhas opções guiavam-se por critérios de custo-oportunidade para atingir os objectivos do momento. Numas alturas esta análise levava-me a adquirir rainhas de criadores, noutras alturas levava-me a criar as minhas rainhas de forma natural. Como não estou aqui a vender nada, digo isto sem estar a puxar a brasa à minha sardinha, digo-o com sustentação em evidências empíricas, de outros e minhas, e não porque ouvi dizer nas avenidas e nos becos da conversação apícola, tão alimentada por mitos e interesses, mais ou menos expressos ou latentes.

Nota: * a propósito do método de criação de rainhas do referido criador italiano lê-se no artigo: “As rainhas foram fornecidas por uma empresa italiana de criação de rainhas e apicultura que produz e vende cerca de 400 a 600 rainhas por semana, da primavera ao final do verão. A criação das rainhas foi caracterizada por um sistema de produção padronizado e pela rastreabilidade das linhagens materna e paterna de cada rainha (o pedigree). O sistema de criação padronizado consiste em utilizar apenas colónias finalizadoras sem rainha.”

2 comentários em “rainhas de emergência: põem menos ovos e gastam-se mais depressa?”

  1. Não tenho bagagem para comentar, apenas assimilar e adquirir conhecimentos sobre a apicultura.
    Tenho seguido as suas exposições, que clarificam as minhas dúvidas e com certeza as de muitos mais. Espero continuar o enriquecimento nesta actividade tão apaixonante como delicada e sensível. Tão diferente de, quando iniciei o contacto com estes espectaculares seres há 40 anos, em que a actividade resumia-se a fazer cortiços, recolher os enxames e tirar o mel.
    Quantas interrogações, surpresas e dúvidas.
    A última: encontrei num quadro de uma meia alça sobre o ninho, criação de zangãos .
    Trata-se de colonia em boa actividade, da qual já retirei uma meia alça de mel, operculada, tem outra quase cheia e uma terceira com os quadros de cera em crescimento. Foi neste que vi a criação de zangãos já operculados .

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.