vespa velutina: os cavalos de troia são ineficazes?

Nos três primeiros vídeos um apicultor galego apresenta-nos a sua experiência e conclusões dos efeitos alcançados com a utilização de cavalos de troia num ninho localizado no interior de uma habitação nos últimos dias de agosto.

Aspectos que considero relevantes: 1) o apicultor verificou que tendo colocado fipronil no abdómen de uma velutina, esta estava morta passada 1h30m mas as restantes que ocupavam o mesmo espaço limitado de uma jaula não estavam; 2) o apicultor enviou no total 175 troianos ao longo de 5 dias, 50 dos quais ao pé do ninho; 3) verificou que dos 50 troianos libertados junto ao ninho nenhum voo directamente para o mesmo; 4) no final destes 5 dias, o ninho localizado continua activo; 5) foram detectados outros 5 ninhos activos nas proximidades, entre 437m e 1100m de distância;

O apicultor conclui que os troianos com fipronil não têm capacidade de eliminar os ninhos. No final confessa que esperava que os troianos com fipronil seria o suficiente para eliminar os ninhos. Neste ponto pergunto se as expectativas deste apicultor são realistas, isto é, podemos esperar realisticamente que libertar 175 troianos num ambiente com 6 ninhos activos os elimine por completo?

Na sequência do vídeo anterior o apicultor colocou este onde nos mostra como eliminou o ninho no dia 29 de agosto, com recurso a várias mechas tóxicas (cipermetrina?) colocadas no mesmo. Aspectos que considero relevantes: 1) o ninho estava instalado quase na totalidade no interior da habitação, ao abrigo das agruras ambientais, em princípio teve condições óptimas para se desenvolver; 2) o ninho tem cerca de 60 cm de altura.
Na sequência dos dois vídeos anteriores o apicultor apresenta este terceiro, onde apresenta o resultado da dissecação que fez do ninho. Tiro o chapéu a este apicultor pelo trabalho que fez e documentação do mesmo. Aspectos que considero relevantes: 1) o ninho apresentava 8 discos com muito poucas larvas, cerca de 150; 2) estima que a população total de indíviduos adultos sejam 1500; 3) mostra um frasco com uma ou duas dezenas do que acha que são futuras fundadoras; 4) refere que no dia 1 de setembro na Galícia as velutinas já baixaram do pico de criação e que isso explica a diminuição de predação das velutinas porque não há necessidade de proteína; 5) conclui que os troianos porque não se dirigem ao ninho não são efectivos; 6) conclui que a diminuição dos ataques às colmeias não se deve aos troianos mas à diminuição de necessidade de proteínas no ninho.
Neste último vídeo temos uma posição oposta acerca da efectividade dos cavalos de troia por parte de um outro apicultor asturiano.

Nesta publicação, com dois anos, observou-se que cada velutina distribui o alimento por oito 8-10 irmãs. Sustentando e informado por estes dados escrevi: “Proposta quantitativa para a preparação de Cavalos de Tróia: Operando com esta média de distribuição de alimento por cada operária V. velutina, e sabendo que no pico de desenvolvimento dos ninhos existem cerca de 2000 a 4000 indivíduos adultos presentes, teremos que preparar entre 50 e 100 vespas se pretendemos eliminar 25% da população do ninho, entre 100 e 200 se o objectivo é eliminar 5o% da população do ninho, entre 200 e 400 se o objectivo é eliminar 100% da população do ninho.

A terminar pergunto se as expectativas deste apicultor são realistas, isto é, podemos esperar realisticamente que libertar 175 troianos num ambiente com 6 ninhos activos os elimine por completo? Será que num ninho com 60 cm de altura, em excelentes condições de abrigo e em finais de agosto, não seria de esperar encontrar mais do que 1500 adultos e 150 larvas e uma a duas dezenas de futuras fundadoras? É de descartar um efeito letal dos troianos em parte da população adulta e larvas que explique estes números baixos? Será possível que todas as diminuições de predação que se relatam após a libertação dos troianos se devam à coincidência de acontecerem precisamente na altura de diminuição de criação?

Na minha opinião não encontro nos três primeiros vídeos evidências que os cavalos de troia não produzam efeito nenhum sobre os ninhos; encontro contudo aspectos que me fortalecem a convicção de que é necessário enviar uma grande quantidade de troianos para eliminar por completo um ninho, como já era minha convicção há dois anos atrás. Na minha opinião, a questão que cada um terá que responder para si, caso acredite nos efeitos desta técnica, é se o procedimento de besuntar o abdómen ou o tórax das velutinas será o mais prático para enviar o número suficiente de velutinas para que causem um grande dano no ninho ou ninhos envolventes aos nossos apiários.

vespa velutina: harpas eléctricas, o testemunho de um apicultor amigo

O meu amigo Fernando Moreira, com apiários no extremo norte da Beira Alta, decidiu fabricar harpas eléctricas para reduzir a pressão das V. velutinas sobre as suas colónias. Verificou que a partir de finais de Julho a pressão aumentou a um ponto que paralisava o voo das abelhas. Como é um homem que trabalha a madeira como poucos, decidiu meter mãos à obra e em meados de agosto tinha as harpas feitas e prontas a colocar no terreno.

O Fernando está a colocar as harpas de acordo com as facilidades do próprio terreno, com cerca de 4 colmeias de espaço entre elas.

Observou que passado um dia após a sua colocação quase deixou de ver velutinas nos seus apiários. Põe a hipótese de algum tipo de comunicação que alerta as irmãs para o perigo e que seria um tema interessante para uma publicação neste blog. O desafio está aceite, tenho andado a ler sobre o que se sabe com algum rigor sobre os processos de comunicação na sub-família Vespinae, o grupo taxonómico dos vespões, e para já constato duas coisas: 1) as grandes lacunas de conhecimento rigoroso sobre os processos de comunicação neste grupo de insectos; 2) do que li até agora apenas a V. mandarinia marca com feromonas as colmeias para atrair/recrutar mais irmãs para o massacre que costumam fazer nas colónias de abelhas.

Do que li até agora começo a construir uma hipótese que explica o sucesso das harpas que alguns observam, assim como insucesso ou menor sucesso que outros encontram com a utilização das mesmas. Talvez lhe chame a “hipótese abutre”, a ver vamos para onde me conduzirão as leituras que tenho andando a fazer. A hipótese de uma feromona de alarme ou repelente explicar o abandono dos apiários com a colocação de harpas parece-me, neste momento, pouco sustentável à luz destes aspectos: 1) com as armadilhas em garrafas essas feromonas atraem mais irmãs, não as repelem; 2) essas feromonas são voláteis, provavelmente de curta duração, e não explicam como passados horas/dias continuam a exercer o seu efeito repelente; 3) se são feromonas, como explicar que os apicultores que relatam sucesso com as harpas, deixem de ver quase por completo velutinas; ao contrário, seria caso para ver velutinas a rondar os apiários, a farejar as redondezas das harpas e colmeias, e só depois dessa inspecção inicial fugirem rapidamente porque detectaram uma hipotética feromona de alarme, feromona que persistiu horas ou até dias no local.

“As colmeias que no início de agosto estavam paralisadas, agora trabalham como na primavera (02-09-2023)” palavras de meu amigo Fernando Moreira. Bom combate!

Sobre o efeito das harpas ver os resultados de um estudo controlado aqui.

Notas: 1) dispenso comentários lacónicos do tipo “isto é só negócio”, porque obviamente para mim não o é, nunca vendi harpas, não vendo harpas, e não está no meu horizonte vir a vender harpas; 2) ou comentários do tipo “isto não elimina os ninhos”, porque obviamente que não elimina, o objectivo é defender as colónias de abelhas. Para eliminar ninhos as técnicas são outras. Para erradicar todas as V. velutinas do nosso país não conheço neste momento técnica nenhuma; 3) ou comentários “comigo não funcionou”, porque é óbvio que técnica nenhuma funciona com eficácia igual para todos os que a aplicam. Agradeço comentários detalhados, sejam positivos sejam negativos, mas com pormenores, porque com esses aprendemos. Muito obrigado pela vossa atenção!

vespa velutina: os abelharucos impedem a expansão da vespa velutina?

Vi hoje no Facebook esta imagem em que se procura encontrar uma correlação entre a presença dos abelharucos (Merops apiaster) e a dificuldade de expansão da V. velutina.

Fonte: https://www.facebook.com/photo/?fbid=6537607732999312&set=gm.318419287352795&idorvanity=310795051448552

Olhando com vista grossa até parece haver essa correlação, isto é, o mapa da esquerda com os territórios onde a vespa tem presença consolidada parece ser também o território onde o abelharuco está ausente. Mas olhando com um pouqinho mais de atenção para os dois mapas vejo duas falhas nesta correlação, uma assinalada com um rectângulo na zona do extremo nordeste transmontano e outra assinalada com uma oval na zona ribatejana — isto aceitando que os mapas estão correctos.

Na primeira zona não temos abelharuco mas também não temos uma grande implantação da vespa; na segunda verifica-se que é zona de grande implantação de abelharucos e de V. velutina. Podem fazer-se todo o tipo de correlações e mesmo assim não acertarmos com relações de causalidade. Neste caso nem correlação temos.

Do que de melhor se sabe até agora, os principais factores que determinam uma maior e mais rápida expansão da V. velutina em Portugal e noutros países da Europa são basicamente dois: disponibilidade de alimento e factores abióticos. Os primeiros são abundantes em muitas regiões e o segundos são resumidamente os seguintes: temperaturas mínimas altas, orvalho, humidade relativa alta e baixas temperaturas máximas favorecem a ocorrência e disseminação de V. velutina. Estas condições […] promoveram a rápida dispersão desta praga. (ver aqui).

Neste momento do que sei, é da destruição/eliminação massiva dos ninhos que poderá haver um impacto assinalável na expansão e consolidação desta praga em territórios com factores abióticos que lhes são favoráveis.

A realidade é esta: dos milhares e milhares de ninhos que temos em território nacional, basta que apenas uma fundadora se “safe” de cada um deles e funde uma nova colónia na época seguinte para que população global de V. velutina se mantenha constante, exactamente a mesma do ano anterior. Que cada um faça o que tem a fazer para proteger da melhor forma possível as suas colónias e que não espere que os pássaros e sonhos coloridos resolvam a expansão e consolidação da praga.

vespa velutina: habituação às manjedouras by apicant

O meu amigo João Gomes fez a sua estreia no YouTube para que eu pudesse fazer o upload deste vídeo. Não tenho 100% de certeza, mas creio que o vídeo do João é o primeiro vídeo realizado por um apicultor português que coloco no meu blog. Sendo o primeiro, espero que seja o primeiro de muitos, realizados pelo João e outros companheiros portugueses. Nesta fase da vida do meu blog, com uma exposição como nunca teve, importa-me trabalhar cada vez mais próximo com a nossa comunidade apícola. Ontem fiz uma publicação que passou algo despercebida, mas que considero das mais importantes que fiz este ano para os apicultores do nosso rectângulo e arquipélagos. Fi-la com a preciosa ajuda do Francisco Rogão.

Hoje conto com o João Gomes, da Apicant Queen Bees que, para além de criar magníficas abelhas rainha, tem uma preocupação extremosa em alimentar as V. velutinas sempre que se tornam visitas frequentes nos seus apiários.

Como todas as belas histórias de amor, esta também se define pela simplicidade da interacção e pelo sempre oportuno KISS — keep it simple and small — em momentos chave.

Durante uns dias as V. velutinas são alimentadas em locais pré-definidos com carne moída, simplesmente e sem qualquer tempero. É preciso habituar os animais às manjedouras. KISS. Depois de estabelecido o hábito, depois de estabelecida a dependência, chega a altura de dar algum tempero à carne (podem ver aqui uma forma de temperar quanto baste para não haver estragação do tempero). KISS. O tempero (ver aqui) é utilizado universalmente nos mais variados pontos de globo, onde faz o controlo de pragas de vespas invasoras, sem conservantes e, sobretudo, sem repelentes. KISS.

Não as tratem à paulada… alimentem-nas!

Nesta manjedoura de habituação, vemos os animais a prepararem a sua carga, carga que não conseguem ingerir por ser sólida, e levantarem voo para alimentarem as suas larvas. As larvas ou pupas já operculadas não são alimentadas. Será esta geração não alimentada que poderá aparecer passados 15-20 dias nos nossos apiários e que haverá que atender novamente.

Notas: 1) esta publicação tem aqui e ali uma pontita de ironia, um recurso expressivo, simplesmente.

2) obviamente não posso garantir resultados efectivos sempre e em todo o lado. Cada caso é um caso. Por ex. os iscos de habituação muito provavelmente terão de ser renovados diariamente, porque desidratarão rapidamente com temperaturas altas. Em alguns casos a habituação será alcançada no primeiro dia, noutros casos poderá demorar um pouco mais , e noutros casos tarde ou nunca será alcançada. Dependerá das fontes de proteínas— insectos e outras — disponíveis na zona. Se passadas 48h não observarem uma habituação ao alimento colocado nas manjedouras sugiro que não insistam nesta técnica.

3) reforço que o tempero não deve ser repelente de insectos e que a quantidade a utilizar deve ser a mais baixa possível por razões ambientais.

4) os efeitos na redução da predação, a existirem, devem ser observados nas primeiras 48h e perduram, em regra, durante cerca de 15-20 dias.

5) para quem não se achar capaz de seguir com imenso cuidado e rigor a utilização desta ou de outras técnicas semelhantes, há outras propostas de defesa das colónias com menos riscos envolvidos.

6) por favor leiam as hiperligações (cliquem nas palavras sublinhadas a azul) antes de me enviarem mensagens privadas a solicitar a receita, porque me obrigariam a escrever novamente aquilo que já tive o cuidado de escrever e publicar. Obrigado pela V. atenção e compreensão.

vespa velutina: exemplar encontrado nos EUA

Depois de há três anos ter sido encontrado o primeiro exemplar de V. mandarinia e seus ninhos nos EUA, foi encontrado o primeiro exemplar de V. velutina no Estado da Geórgia. Não é referido se é um indíviduo reprodutor (fundadora ou macho). Espero que as autoridades administrativas juntamente com os especialistas façam esse diagnóstico rapidamente, para afinarem a sua estratégia de eliminação/contenção deste insecto invasor.

Como foi encontrado no passado dia 9 de Agosto por um apicultor (provavelmente a predar junto das suas colónias, especulo eu) é muito provável que se trate de uma obreira, o que deverá querer dizer que, pelo menos, há um ninho activo nas proximidades. Havendo apenas um ninho, não sendo localizado e eliminado antes da dispersão de novas fundadoras, a praga tem todas as probabilidades de se expandir como aconteceu na Europa. Havendo vários ninhos, só um milagre impedirá o começo da invasão.

fonte: 8.14.23 Yellow Legged Hornet Release.pdf

Lembro o que já escrevi noutra publicação: “A acontecer a erradicação deste insecto invasor seria um feito nunca visto. A história diz-nos que nenhuma vespa social invasora foi alguma vez erradicada dos novos territórios colonizados (Beggs et al., 2011). À luz deste histórico deprimente o futuro não se afigura brilhante para os companheiros apicultores da américa do norte, que muito provavelmente irão ter de se conformar a viver com este insecto invasor e dar-lhe luta, como nós apicultores europeus o temos vindo a fazer com a Vespa velutina.”

vespa velutina: qual o insecticida adequado para os iscos proteicos?

“A obra prima do mestre” e “A prima do mestre de obra” parecendo semelhantes, são duas coisas muito diferentes. Também assim se passa no domínio dos insecticidas que se utilizam na formulação dos iscos proteicos. Sendo todos eles insecticidas apresentam grandes diferenças nos resultados finais do combate a pragas de vespas exóticas, uns muito mais eficazes que outros. Qual ou quais os devemos preferir para garantir os melhores resultados no combate às vespas velutinas?

Sabemos que na Nova Zelândia é comercializado um isco no combate a pragas de vespas exóticas e o insecticida utilizado é o fipronil. Sabemos que em Espanha, num estudo recente sobre a eficácia dos iscos proteicos na redução de predação da V. velutina em apiários, também se utilizou o fipronil. Vejo aqui um padrão: uma empresa comercial neo-zelandesa, que seguramente deseja fornecer o melhor produto possível aos seus clientes, escolheu o fipronil; os investigadores espanhóis, que seguramente fizeram investigação bibliográfica prévia para selecionar o melhor insecticida, também escolheram o fipronil.

Vejamos o que nos diz uma equipa de investigadores japoneses a este respeito, no artigo de revisão em torno da escolha do insecticida adequado para o controlo da V. Velutina no Japão e com recurso a iscos proteicos. (Review of the invasive yellow‑legged hornet, Vespa velutina nigrithorax (Hymenoptera: Vespidae), in Japan and its possible chemical control (Appl Entomol Zool (2017)).

(a) uma vista dorsal de uma Vespa
velutina nigrithorax rainha. (b)
Ninho de V. velutina nigrithorax
num galho de árvore (círculo vermelho).
(c) ninho de V. velutina nigrithorax

“Encontramos 17 relatórios/estudos dedicados exclusivamente ao controle químico de três espécies de Vespula no campo. No total, 22 pesticidas foram usados em 35 casos. A isca mais comum era comida de gato enlatada, contendo frango, atum ou sardinha, que foi utilizado em 21 casos. Ambos, frango e peixes foram avaliados como os melhores para atrair as vespas.

Seis dos pesticidas reduziram bastante a atividade das colónias, sete deram uma redução limitada, oito não apresentaram redução […].”

Pode ver-se no artigo que entre os oito pesticidas ineficazes, se encontram o acetaprimida e o imidacloprida. Estes pelo seu efeito repelente de insectos são pouco eficazes. O primeiro insecticida está presente no Blattanex, o segundo está presente no Advantix. Estas duas marcas de antiparasitantes estão a ser utilizados por alguns apicultores no combate à pressão da V. velutina, pelos relatos que vou lendo nos grupos de apicultura. Para levar para casa, insecticidas repelentes de insectos não são adequados.

Tabela [parcial] dos pesticidas utilizados nos iscos. Podemos confirmar que o fipronil é a principal opção, com uma avaliação muito positiva em diversos ensaios. Por outro lado a acetiprimida [presente no Blattanex], que é altamente repelente, a sua eficácia é avaliada como negativa.

Da lista dos seis pesticidas com melhor eficácia os autores japoneses retiraram 4, por terem sua venda condicionada e limitada em muitos países. Os dois pesticidas que restam na lista são o diazinon e o fipronil. Da lista destes dois, os investigadores referem que o primeiro é suspeito de ser carcinogénico. Da lista inicial com 22 pesticidas, o fipronil é a opção mais adequada.

Sabemos que o fipronil é um potente insecticida e portanto a sua utilização deve ser bem ponderada e apenas ser levada a cabo em casos de pressão elevada de velutina sobre as colmeias, isto é quando as velutinas começam a provocar a paralisia do voo das abelhas; deve ser utilizado com extrema prudência, de forma a evitar que as abelhas contactem com o isco e superfícies onde esteve depositado; e deve utilizar-se a dose mínima necessária de fipronil — entre 0,01% (p/p) e 0,1% (p/p) —, para minimizar eventuais danos colaterais e as velutinas tenham tempo de chegar ao ninho, num voo que demora em média +15 minutos a efectuar.

Respondendo à questão do título concluo, fundamentado nos documentos apresentados, que o insecticida mais adequado para utilizar nos iscos é o fipronil. A opção por outros não me parece fundamentada. Sei que alguns apicultores gostam de ser inventivos, mas neste caso sou de opinião que nada se ganha com isso.

vespa velutina: da sua caça e dieta básica aos iscos proteicos

Caçadoras muito ágeis

A V. velutina é das melhores caçadoras no mundo das vespas. Já escrevi anteriormente que de todas as vespas que poderiam colonizar a Europa esta é muito provavelmente a pior, pois é muito mais rápida e ágil do que outras espécies de vespa (Kuo e Yeh, 1990). Na verdade, é uma das vespas mais hábeis a apanhar abelhas em voo. Outras espécies pousam nas entradas das colmeias para caçarem abelhas, e este comportamento permite às abelhas embolarem-nas/pelotarem-nas. Já a V. velutina paira na frente da colmeia a uma distância de 30 –40 cm, e desce tentando repetidamente capturar forrageiras. Este comportamento de caça impede que as abelhas as embolem. Já vi as abelhas a embolarem as V. crabro, e outras vespas, que poisam e/ou entram nas colmeias fortes. Nunca vi uma velutina a correr o risco de ser embolada entrando numa colmeia forte.

O que comem as vespas adultas

Como é habitual na família das Vespidae, as V. velutinas não consomem carne (embora possam ingerir sucos de carne). As proteínas que recolhem da caça de outros insectos, da carne de carcaças de mamíferos, aves e peixes são transportadas para o seu ninho para alimentar as larvas. A V. velutina adulta alimenta-se de carboidratos doces, como néctar, frutas maduras, seiva de árvores, e de regurgitações especiais das larvas (Matsuura e Yamane, 1990). As larvas produzem secreções larvais ricas em carboidratos e aminoácidos. Estas secreções alimentam as operárias adultas assim como as futuras rainhas, para que construam os seus corpos gordos, antes do acasalamento e hibernação.

Transferência das regurgitações larvares para vespas adultas (mecanismo já descrito em publicações anteriores deste blog, nomeadamente nas publicações acerca do brilhante trabalho levado a cabo por Ernesto Astiz, imbuído pelo espírito de ciência cidadã).

Os iscos proteicos

Os iscos proteicos são utilizados mundialmente para controlar as pragas de insectos exóticos da família Vespidae, por ex. nos EUA, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Chile, Argentina, … Por cá, alguns enterram a cabeça na areia e esperam que pai natal chegue na forma de abelhas treinadas a embolar as velutinas em voo, abelharuco vorazes, ou de chips milagrosos, baratos, mais leves que meio cabelo e cujo sinal atravesse os declives do terreno até a um radar que cabe num bolso e é pago com uma nota de cinco euros!!! Plagiando as profundas e riquíssimas tiradas do José Silva, aka Lem Sipa,… ENFIM.

E os iscos proteicos funcionam porque toda a V. velutina que agarre na sua bolinha de carne ou peixe, dirige-se de imediato para o ninho para a entregar às suas larvas. Estas, por sua vez, vão entregar-lhe as regurgitações açucaradas e ricas em aminoácidos já temperadas com uma ínfima quantidade de “free-pro”, que depressa as libertará de forma muito definitiva e permanente dos labores terrestres.

Notas: 1) bom, bom era que estas regurgitações “tingidas” chegassem à rainha do ninho. E nada impede que em circunstâncias afortunadas chegue, porque também elas se alimentam destas regurgitações.

2) bom, bom era também que uma linha de investigação explorasse esta ideia que deixei em 2019 nesta publicação.

vespa velutina: efeito inicial dos iscos proteicos — apêndice

Do meu conhecimento, e na sequência desta publicação, 3 amigos experimentaram pela primeira vez os iscos proteicos com quantidades baixas de fipronil. Ligaram-me a descrever os efeitos positivos observados, com uma diminuição muito acentuada na predação e o retorno das abelhas à actividade normal de forrageio. As pipetas utilizadas foram da marca Frontline Combo, a referida na publicação, e que contém um adulticida (o fipronil) e um larvicida (o metopreno).

Também na sequência desta publicação outro companheiro relatou que utilizou uma pipeta de Fronline Tri-Act para elaborar o isco proteico. Observou que nas quatro horas que manteve as colónias fechadas as velutinas não apanharam isco absolutamente nenhum! De forma espirituosa remata a sua observação com esta tirada bem humorada: “Posso ter feito alguma coisa mal.. não ter salteado os camarões em azeite e não ter acompanhado com um verde cá da casa.”

De facto o problema e a razão do insucesso está noutro aspecto. O Frontline Tri-Act, como o nome indica é um composto que actua em três frentes: a adulticida e a larvicida, até aqui igual ao Fronline Combo, mas às quais adiciona um efeito repelente dos insectos. É este efeito repelente que explica o facto de as velutinas não terem pegado no isco.

Os desparasitantes com um ingrediente repelente de insectos não devem ser utilizados na elaboração de iscos proteicos, como o caso do Frontline Tri-Act, entre outros.

Fica a chamada de atenção para este detalhe de importância crítica para que a palatibilidade/atracção do isco proteico seja adequada.

Utilizem esta ou outra técnica, mas pela saúde das vossas abelhas façam o possível para evitar a paralisia de voo, comportamento que ocorre habitualmente nas colónias quando na presença de 3 ou mais velutinas a pairar sobre a entrada das colmeias. Para além de não fazerem as naturais tarefas de forrageio, as abelhas nestas circunstâncias sofrem uma carga de stresse oxidativo que lhes retira saúde. Acossadas, unem-se pelo medo. Por muita valentia que as abelhas mostrem formando um “tapete” compacto à entrada da colmeia, estão a envelhecer demasiadamente depressa neste ambiente que as aterroriza.

vespa velutina: contas e reflexões

As contas:

(i) Sabemos que os ninhos de uma colmeia Lusitana ou Langstroth bem povoado tem cerca de 20 mil abelhas.

(ii) Sabemos que 20 mil abelhas pesam 2 kgs, aproximadamente.

(iii) Sabemos que em Portugal e por quilómetro quadrado podemos estimar com bom grau de confiança uma presença média de 5 ninhos maduros de vespa velutina que escaparam às rudimentares medidas de controlo das fundadoras de que dispomos.

(iv) Sabemos que cada ninho maduro consome cerca de 12 kgs de insectos.

(v) Podemos agora calcular que por cada quilómetro quadrado as vespas velutinas consomem 60 kgs de insectos, o correspondente a trinta ninhos de abelhas bem povoados.

V. velutina com uma mosca das flores entre as mandíbulas.

As reflexões:

  1. a grande ameaça à biodiversidade são as velutinas em si mesmo, e só a destruição dos ninhos, mecânica ou química, antes da produção de futuras fundadoras permite algum controlo da praga;
  2. os abelharucos não são um meio de controlo das velutinas ; apenas consomem algumas poucas velutinas. Para serem um meio de controlo deveriam atacar e destruir os ninhos da vespa antes da produção de futuras fundadoras. Na melhor das hipóteses afugentam durante uns dias ou semanas as velutinas dos nossos apiários;
  3. só na nossa imaginação cada fundadora capturada corresponde a menos um ninho mais adiante. Uma boa parte das fundadoras não chegam a criar ninhos porque morrem por causas naturais antes de o fazerem. No entanto e apesar disso basta uma taxa de sobrevivência de 10% das fundadoras criadas no ano anterior para por cada ninho termos mais 35 a 50 novos ninhos no ano seguinte e enquanto os recursos locais permitirem esta taxa de crescimento.

vespa velutina: efeito inicial dos iscos num apiário com pressão elevada

Na sequência de duas publicações, aqui e aqui, um companheiro apicultor decidiu experimentar nesta terça-feira a utilização de iscos tóxicos para diminuir e controlar a elevada predação/presença de vespas velutinas no seu apiário. O contexto era indicado à utilização desta técnica pois na véspera tinha observado entre 15 e 30 vespas a rondarem as suas colmeias.

Como atractivo utilizou 400 grs. de camarão triturado aos quais adicionou uma pipeta de Frontline Combo de 2,68 ml de volume e com 268 mg de fipronil. De acordo com os cálculos, cada 100 grs. de isco continha 0,067 grs. de fipronil. Esta concentração está situada num valor intermédio entre as concentrações referidas no estudo espanhol (0,01% p/p) e as concentrações utilizadas na Nova Zelândia e Argentina (0,1% p/p).

Os procedimentos que utilizou seguiram de perto o protocolo do estudo espanhol. Por volta das 6h30m fechou as colmeias com esponjas dedicadas, que permitem a entrada de ar, ou com as réguas de transumância. Por volta das 7h30m distribuiu o isco por várias zonas do apiário. Nas duas primeiras horas do procedimento a maior parte vespas pouco ligou ao isco, preferindo fazer o habitual: pairar à frente das colmeias à espera de abelhas que desta vez não saíam. Passadas estas duas horas iniciais as vespas mudaram o chip e passaram a focar-se nos iscos, poisaram sobre eles, fizeram as habituais bolas deles e com o (pet)isco bem agarrado entre as patas levantavam voo. Durante as quatro horas que manteve as colónias fechadas estima que as velutinas levaram cerca de 50% do isco. Passadas as 4 horas retirou o isco sobrante e abriu as colónias. De tarde voltou ao apiário e encontrou apenas 3 velutinas a rondarem as colmeias. Efeito do isco? efeito da sua presença horas antes?

Ontem, passadas 48h, diz-me o seguinte: “Vi uma a duas vespas e enxames a trabalhar. Tenho de dar a mão à palmatória, porque estava muito céptico em relação ao resultado. Acho estranho na segunda-feira haver a quantidade que havia e agora não. É que nem lhes dei porrada, o que as poderia afastar. Só as deixei andar a levar a comida.

Passadas 48h, ou a bichas são muito assustadiças e ainda tremem de medo só de pensar voltar àquele apiário habitado por um vulto branco fantasmagórico, ou ficaram de cama com uma indigestão estranha, associada a febre alta, suores frios e tremores musculares. Será que o camarão estava estragado?