combate à varroose: times are changing

Na minha opinião estamos a atravessar, de há uns anos para cá, uma época de mudanças importantes no combate à varroa. Estas mudanças advém de dois aspectos documentados: existência de populações de varroas resistentes ao amitraz na Europa e a colonização e disseminação de uma estirpe mais virulenta de vírus no nosso continente. A juntar a estes dois factos junto um terceiro, que resulta da minha especulação e de outros apicultores informados: ao utilizarmos massivamente acaricidas que matam exclusivamente varroas na fase de dispersão (fase forética), fomos seleccionando as varroas com períodos mais curtos de dispersão, aquelas que mais adaptadas estavam para sobreviver à mecânica da maior parte dos acaricidas sintéticos e orgânicos que temos vindo a utilizar.

Nestes tempos de mudança e aumento de complexidade conheço basicamente três tipos de resposta dos apicultores para o controle da varroa:

1) os que acreditam que as mudanças biológicas e comportamentais das varroas e vírus não existem, que tudo é uma conspiração, que as varroas e os vírus continuam a ser os mesmos de sempre, apicultores cheios das certezas típicas da ignorância, e que vão falhar desastrosamente e silenciosamente, sem nunca assumirem que falharam nas suas opções e sem perceberem porque falharam;

2) os que percebendo as mudanças e que as soluções antigas estão a falhar querem mudar a sua estratégia, mas desejam alternativas milagrosas e estão apenas disponíveis para utilizar “receitas do tipo limão”, baratas e hiper-simples de utilizar. Parece-me que nunca lhes ocorreu pensar que se fosse assim tão simples já todos utilizaríamos essas “balas de prata”. Também estes, com a suas ilusões, vão falhar;

3) aqueles que estão conscientes das mudanças e que vão enriquecer as suas qualificações de combate e o seu arsenal de acaricidas. Estes assumem a necessidade de continuar a aprender e procuram conhecer o melhor possível o inimigo, as suas forças e fragilidades, e a sua evolução. Ao mesmo tempo procuram conhecer mais profundamente o potencial e as limitações dos chamados acaricidas suaves (orgânicos) e de medidas culturais (interrupção da criação, entre outras), para as introduzir numa estratégia mais inteligente e efectiva. Estes têm as melhores probabilidades de manter a varroose “at bay”.

Especulando, acho que nos dois primeiros grupos encontramos 80% dos apicultores europeus e 20% deles enquadro-os no terceiro grupo.

Para os apicultores do terceiro grupo sugiro lerem este bom artigo de revisão sobre a evolução da varroa, vírus e vantagens e limitações da utilização dos acaricidas suaves, publicado em 2021: Varroa destructor from the Laboratory to the Field: Control, Biocontrol and IPM Perspectives—A Review. Mais adiante conto fazer traduções de alguns excertos, para os que têm mais dificuldades com o inglês.

aplicação do ácido fórmico por escovagem: eficácia e impacto nas abelhas

Nestas publicações (aqui e aqui) apresentei uma técnica inovadora de aplicação do ácido fórmico por escovagem. O objectivo desta técnica é eliminar a varroa que se encontra na criação operculada das abelhas. Como sabemos, em colónias com criação, cerca de 70-90% das varroas estão na sua fase reprodutiva, a parasitarem as abelhas em formação (Rosenkranz, P., Aumeier, P., & Ziegelmann, B. (2010)). A protecção dada pelos opérculos é um factor limitante à eficácia de muitos dos acaricidas que utilizamos. O ácido fórmico, mais especificamente os seus vapores, é dos poucos acaricidas com elevado potencial nesta fase do ciclo de vida das varroas.

Os procedimentos básicos para a aplicação do ácido fórmico sobre a criação operculada por escovagem estão descritos nesta publicação e podem ser lidos com maior detalhe no artigo original aí e aqui referenciado.

No artigo podemos ler que eficácia desta técnica, avaliada pela mortalidade das varroas fundadoras e sua descendência 24 horas após a escovagem, se situa entre os 90 e 92%, para utilização de ácido fórmico com concentrações de 65% e 85%, respectivamente. A análise estatística revela que estas diferenças não são significativas, por esta razão concluo que não há vantagens em utilizar a concentração de 85%. Um aspecto que me parece revelante é o facto de os autores terem observado passadas 48h-72h após a aplicação da técnica que mesmo as varroas que ainda viviam após-24h, uma parte estava morta ou incapaz de se reproduzir.

Uma limitação desta técnica é o facto de não eliminar as varroas na fase de dispersão (fase forética). Os autores recomendam um novo tratamento com esta técnica passados 10 dias ou a utilização de um outro acaricida/técnica com efeito comprovado sobre os ácaros na fase de dispersão.

Acerca do impacto nas pupas e nas abelhas os autores escrevem: “In these experiments, all the honeybees that emerged from the treated brood were found active and healthy, the hive population and activity being normal during the whole period of experiments [2 anos].” Em poucas palavras, não encontraram efeitos negativos assinaláveis nas abelhas que emergiram após o tratamento. E acrescentam “Thus, in the brood protection perspective, the brushing procedure can be considered superior to the treatment in a closed space as the volatile substances will come in contact only with the capped stages of honeybee brood and the mites inside cells, while in treatment boxes all brood, including larvae and eggs are treated and open brood is clearly affected. Having an immediate result and being targeted only on the capped brood frames, the effect of any external temperature and humidity do not influence the results and procedures’ effectiveness as in the classical treatments with formic acids. More than this, by these new treatments we can avoid exposing the adult honeybees which are very sensitive to these substances, as their volatility is very high, increasing rapidly at high, external and nest temperatures.” Em resumo, esta técnica de aplicação do fórmico é mais segura para ovos, larvas e abelhas adultas, quando comparada com as técnicas tradicionais de aplicação do ácido fórmico.

fonte: https://animalsciencejournal.usamv.ro/pdf/2021/issue_1/Art55.pdf

Dito isto, num cenário hipotético, se fosse um apicultor confrontado com a elevada ineficácia de medicamentos homologados e/ou das formulações caseiras, não deixaria de experimentar esta técnica em 3 ou 4 colónias para a avaliar no meu território e com as minhas abelhas, com o objectivo de me preparar para um futuro que tudo aponta ser difícil e complexo.

Notas: 1) como muitas vezes mais é menos, se eu fosse aplicar o fórmico por escovagem não iria utilizar uma trincha de 25 cm de largura, e muito menos aplicá-lo com a trincha a escorrer. A aplicação deve ser só sobre a criação operculada e com o quadro ligeiramente inclinado para que alguma gotícula a mais caia para o chão e não para o interior de um alvéolo não operculado. Nunca me esqueceria que com este ácido o limiar entre matar o ácaro sem matar o hospedeiro é muito estreito. Não me esqueceria também de utilizar os EPI’s necessários na utilização de um ácido tão corrosivo.

2) Não estou a sugerir a aplicação deste tratamento por outros pois carece de homologação no nosso país. Estou a revelar o que se vai fazendo na Europa e no mundo para combater o primeiro e mais perigoso inimigo das abelhas. Espero que este olhar pelo que nos rodeia acalente em nós a esperança de que novas armas estão a ser preparadas para substituir e/ou complementar as actualmente disponíveis, que parecem não estar a acompanhar os ganhos de resistência do inimigo.

ácido oxálico: um vídeo corajoso e honesto de Bob Binnie

Recentemente o apicultor norte-americano Bob Binnie publicou este vídeo sobre a aplicação de ácido oxálico na forma sublimada em núcleos.

Vídeo sobre o tratamento de núcleos com 2 grs. de ácido oxálico sublimado.

O que mais me interessou no vídeo foi o facto de o Bob Binnie referir que aplica 2 grs. de ácido oxálico em núcleos e referir que aplica 4 grs. de ácido oxálico em colónias estabelecidas em colmeias Langstroth com 10 quadros. E do ponto de vista da eficácia está a fazer a opção correcta. No estudo Determining the dose of oxalic acid applied via vaporization needed for the control of the honey bee (Apis mellifera) pest Varroa destructor (2021), Cameron Jack e colegas referem que é essa a dosagem mais eficaz de acordo com as observações controladas que realizaram.

O pequeno problema é que a EPA (a congénere norte-americana da DGAV) definiu que as colónias não devem ser tratadas com mais do que 1 gr. de ácido oxálico quando sublimado.

O grande problema para os apicultores norte-americanos é que este limite estabelecido pela EPA, repito 1 gr. de ácido sublimado por colónia, é pouco ou nada eficaz como demonstrado pelo estudo de Cameron Jack e colegas. Bob Binnie foi honesto e corajoso por vir publicamente dizer como faz e que o “rei vai nú”, arriscando ser perseguido e multado por tal.

ácido fórmico: procedimentos de aplicação por escovagem

Na publicação anterior apresentei um vídeo técnico acerca dos procedimentos de aplicação de uma técnica inovadora, patenteada pelo investigador romeno Adrian Siceanu em 2019 e apresentada na Apimondia que se realizou no Canadá nesse mesmo ano.

Como podemos ver a técnica consiste basicamente na passagem de ácido fórmico a 65% ou 85% com um pincel sobre a superfície dos opérculos que cobrem a criação. Sabemos que os opérculos de cera (a camada externa) assim como os casulos que envolvem as pupas das abelhas (a camada interna) são porosos de forma a permitirem a respiração das abelhas em formação. Ora são este poros que permitem que os vapores libertados pelo fórmico, espalhado por meio deste processo de escovagem, penetrem nos alvéolos e casulos e asfixiem e/ou desorganizem o metabolismo e/ou danifiquem os tecidos moles das varroas presentes na criação, matando-as ou impedindo a continuação da sua reprodução. Mas aplicando o ácido fórmico das formas habituais também se verifica o mesmo, e com uma carga de trabalho menor e com mais rapidez, estarão alguns a dizer. Não tiremos conclusões precipitadas.

Como podemos ver no vídeo, o investigador romeno, apresenta três procedimentos que convém tomar em consideração: 1) aplica o fórmico depois de ter sacudido as abelhas e rainha; 2) a escovagem com o fórmico é o mais possível centrada apenas sobre criação operculada; 3) os quadros depois de escovados com o fórmico não são devolvidos de imediato à colónia, são colocados por 10-15 minutos numa caixa ventilada e só após este período são colocados na colónia a que pertencem.

O pincel utilizado é de cerdas de rigidez média, cerca de 4-10 cm de largura. O ácido fórmico foi aplicado e escovado com uma leve pressão, para ajudar o opérculo a absorvê-lo. A escovagem foi feita com movimentos da esquerda para a direita, para evitar o acúmulo de gotas na borda inferior dos alvéolos destapados e o vazamento dentro deles. Para realizar o tratamento, o ácido fórmico foi colocado numa caixa plástica especial que é fortemente fixada na parede da colmeia.


Os quadros tratados não foram devolvidos imediatamente à colónia porque a quantidade de ácido evaporado pode prejudicar as abelhas ou rainhas, especialmente nos primeiros minutos. O contato direto do ácido com qualquer indivíduo (abelhas ou rainha) pode matá-los. Por esta razão, é recomendado manter os quadros tratados após a escovagem em caixas separadas por pelo menos 10 minutos, dependendo da superfície tratada, até ao excesso de ácido se ter evaporado.


Durante a utilização do ácido fórmico, é obrigatório o uso de luvas de proteção resistentes aos ácidos, óculos e máscara para evitar a inalação de vapores do ácido ou contato direto.”

fonte: https://animalsciencejournal.usamv.ro/pdf/2021/issue_1/Art55.pdf

Escovagem da criação operculada com ácido fórmico.

Enquanto as técnicas de aplicação convencional do ácido fórmico, apresentam eficácia muito variável, são aplicações mais longas e podem ser perturbadas por alterações na temperatura e humidade ambiental com consequências nefastas nas abelhas, criação e até nas rainhas, esta técnica alcança resultados melhores e mais consistentes em poucas horas/minutos na mortalidade que provoca nas varroas que parasitam a criação.

Sobre o tempo que se demora a aplicar, não me parece que seja superior ao despendido com a técnica “rasca la cria”, utilizada por apicultores de grande dimensão em Espanha e em Portugal, com a vantagem de não se destruir criação nem se disseminar vírus entre as abelhas.

Sobre a eficácia desta forma inovadora de aplicar o fórmico fica para uma publicação próxima.

ácido fórmico: técnica inovadora para reduzir a infestação por varroa em criação operculada

Vi ontem, numa publicação de um grupo de apicultura kosovar, um apicultor a passar uma trincha com um líquido sobre um quadro repleto de criação fechada. Esse vídeo lembrou-me que tinha lido, há cerca de três meses atrás, uma publicação científica sobre uma forma muito semelhante de aplicar o ácido fórmico e o ácido láctico.

fonte: https://animalsciencejournal.usamv.ro/pdf/2021/issue_1/Art55.pdf

Nessa publicação surge, na bibliografia, uma referência para um vídeo técnico demonstrativo da sua aplicação. É esse vídeo que podem ver em baixo, com a explicação de como fazer pelo autor do referido artigo científico.

Esta técnica foi apresentada na Apimondia, no Canadá, pelo seu autor A. Siceanu. Cabe-me a mim, que não estive nessa Apimondia, apresentá-la pela primeira vez em Portugal.

Antes de apresentar/traduzir excertos do referido artigo prefiro fazer o início da apresentação deste procedimento inovador assim desta forma, com este vídeo, para termos uma ideia geral dos procedimentos, antes de avançar para os detalhes, cumprindo um dos preceito pedagógicos de “avançar do geral para o particular”.

Entretanto se quiserem colocar questões ou fazerem comentários podem utilizar o espaço de comentário.

Esta publicação, assim como outras que fiz a propósito das tiras de ácido oxálico com glicerina, não pretende incentivar a sua utilização. Este é um blog informativo que está atento às inovações apícolas que vão surgindo em várias regiões do mundo e que informa os seus leitores disso mesmo. Este é um blog que apresenta modelos alternativos de medicação para doenças e/ou luta contra predadores e que o faz sustentado em investigação controlada e apenas a título informativo. Não é um receituário de mesinhas caseiras, nem um relato de casos anedóticos. Informa sobre medicamentos e procedimentos testados em ambientes controlados, nada mais. O objectivo é viver numa sociedade informada, verdade?

2023: um ano de varroa, uma reflexão e questões

Todos os anos são anos de varroa, é bem verdade! Contudo, alguns anos são mais graves do que outros. E 2023 está a ser um ano muito mau, a este respeito.

Esta impressão que tenho, de conversas com amigos acaba de me ser confirmada pelo Francisco Rogão, apicultor amigo que dispensa apresentações, mas que com justiça devo dizer que me tem ensinado e a muitos outros com base na sua vasta experiência e profundo conhecimento do que se passa no terreno.

Nesta conversa o Franciso dizia-me que vários apicultores já retiraram 40-50% das suas colónias colapsadas nas útimas semanas, e que na sua opinião e com base nos relatos que lhe fizeram, este lamentável acontecimento se deveu à varroa.

Tanto ou mais impressionante é o Francisco dizer-me que apesar de estar a monitorizar e a tratar como nunca fez, continua a encontrar uns impressionantes 34% de infestação na criação de várias colmeias e 2% de infestação nas abelhas adultas. Ela está lá, “escondida” dentro dos alvéolos e provavelmente com um período de dispersão (forético) significativamente mais curto do que há 10-15 anos atrás.

O Franciso pediu-me para deixar este alerta: tratem e monitorizem. E conclui que em anos como este as suas colónias estão vivas porque as tratou 5 ou 6 vezes. Também neste aspecto estamos em sintonia, acerca da importância e necessidade dos tratamentos intermédios durante a época de produção, por forma a manter as taxas de infestação abaixo dos 3-5% neste período.

Reflexão: Em boa verdade dou comigo a reflectir sobre estes números: Delaplane indica que o limiar económico da população total de varroas em agosto não deve ultrapassar o intervalo de 3000-4000 em colónias com 25000-33000 abelhas*. Neste cenário, que não devemos ignorar é um cenário optimista, e para um tratamento de final de verão/outono verdadeiramente eficaz trazer este número de varroas abaixo das 50 varroas, o recomendado pelo INRAE/ITSAP franceses, a eficácia do mesmo teria de ser superior a 98%.

Sobre tratamentos durante o período de colheita das abelhas, em especial os tratamentos com ácido oxálico é o melhor documento que conheço, à data.

Questões: qual o medicamento que na actualidade tem esta eficácia superior a 98%? Qual o medicamento que na actualidade devemos considerar “principal”? Não estaremos a entrar numa nova época em que todos eles deverão ser percepcionados como intermédios, porque com eficácias de 80% ou menos nos obrigarão a tratamentos de dois em dois meses?

Foram estes os dados, as reflexões e as questões que deixei o ano passado na palestra que fiz a convite da AALC, no âmbito do seu seminário de apicultura que decorreu em Cantanhede.

* https://www.apidologie.org/articles/apido/abs/1999/04/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004.html

acaricidas: temos de mudar de vida, mas a utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais será a solução?

Ontem, na sequência desta publicação, fui contactado por três companheiros, a confirmarem que os tratamentos com amitraz, 2 deles a utilizar os caseiros e o terceiro a utilizar homologados, não estão a limpar devidamente as suas colónias. Estes testemunhos, a juntar à minha experiência, ao testemunho de outros companheiros e aos estudos franceses e norte-americanos referenciados neste blogue, reforçam duas convicções que tenho desde 2020: o problema não é apenas uma perda de eficácia dos homologados, fruto de uma hipotética sabotagem das farmacêuticas que os produzem, o problema é um acréscimo de varroas resistentes ao amitraz, seja ele veiculado por medicamentos homologados ou por medicamentos caseiros.

Sem surpresa para mim e no seguimentos dessa mesma publicação, um ou outro apicultor, defendem que a solução está no modelo alemão ou austríaco. Estes modelos utilizam exclusivamente (ou quase) os ácidos fórmico e/ou oxálico e os óleos essenciais, o timol sobretudo. Os acaricidas de síntese foram proscritos nestes países. Não me vou focar no conjunto de ideias falsas sobre os resíduos de amitraz no mel e cera que alguns apicultores teimam em veicular, porque os estudos e relatórios estão disponíveis para a leitura de quem teima no fearmongering —alguns destes estudos estão referenciados noutras publicações deste blogue. O foco da publicação de hoje é este: o que nos dizem os inquéritos epidemiológicos acerca da utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais sobre a sobrevivência invernal das colónias de abelhas (vou chamar-lhe opção AOE).

Na Alsácia francesa os dados recolhidos ao longo de mais de 10 anos revelam que a opção AOE está associada a taxas de mortalidade invernal superior quando comparada com a opção tratar com amitraz — fiz várias publicações em torno destes relatórios.

Nos EUA, um estudo de 2019 que apresenta a análise de dados recolhidos ao longo de 4 anos naquele país, revela que a utilização do amitraz está associado a taxas de mortalidade mais baixas do que a que resulta da utilização de outros acaricidas, entre os quais estão os da opção AEO *.

Mais impressivo é um estudo, publicado em 2019, que compara a morte invernal durante 4 anos em dois países europeus vizinhos, onde num deles a opção AOE é a mais comum e no outro a opção mais comum é a utilização de acaricidas de síntese, nomeadamente o amitraz. Os dois países são a Áustria e a Chéquia. No primeiro país temos uma população de apicultores das mais educadas da Europa, com muitos anos de experiência na utilização de ácidos e óleos essenciais e, ainda assim, a mortalidade invernal de colónias é superior à do país vizinho que utiliza maioritariamente o amitraz na forma fumigada**.

Depois de em 2020 ter constatado uma menor eficácia do Apivar, em 2021 decidi fazer um tratamento intermédio à base de um ácido orgânico. Para as minhas abelhas ainda bem que não fui um apicultor teimoso, radical e purista. Não lhes causei morte e sofrimento evitável.

Em conclusão, espero que no conjunto destas duas publicações fique bem claro o meu pensamento:

  • estou convicto que em Portugal há populações de varroas resistentes ao amitraz;
  • nestes casos, é uma prática arriscada continuar a tratar exclusivamente com amitraz;
  • confrontados com esta realidade não defendo que a estratégia de tratamentos se deva restringir à utilização de acaricidas ditos orgânicos. Esta opção, mesmo que utilizada por uma população de apicultores educados como os austríacos, está associada a taxas de mortalidade superior às que se registam quando a opção é um cruzamento de acaricidas sintéticos com acaricidas orgânicos, como no caso da Chéquia;
  • em Portugal, com temperaturas elevadas ao longo de muitos meses seguidos, com criação presente durante (quase) todo o ano, copiar modelos de países do centro e do norte da Europa não acredito que seja a solução. Dos dados que conheço para Portugal, as taxas de mortalidade em modo BIO situam-se entre os 26% e os 50%, em média (cf. Manual de Apicultura em MPB, FNAP);
  • em Portugal, continuar a insistir na utilização exclusiva de amitraz em apiários onde se tem verificado abaixamento da sua eficácia numa percentagem importante de colónia nos últimos anos, não me parece o caminho;
  • o caminho, na minha opinião, está na utilização adequada e pertinente de acaricidas sintéticos e acaricidas orgânicos, sem preconceitos ideológicos, até porque a varroa não é travada por ideologias, é travada por uma estratégia de tratamentos realista e ajustada às condições particulares de cada país e de cada apiário.
Lista parcial de MUV em 2017. Como vemos esta estratégia mista que tanto me agrada é perfeitamente viável com os medicamentos homologados em Portugal. O maior entrave a esta estratégia é a política de apoio à sua aquisição. Os apoios para apenas dois tratamentos por ano são insuficientes segundo a minha experiência e a de outros. Um tema para uma outra publicação.

fontes: * https://academic.oup.com/jee/article/112/4/1509/5462560; ** https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167880919300027

varroas resistentes ao amitraz: facto ou ficção?

Entre 2011 e 2020 o amitraz, veiculado pelas tiras de Apivar, foi o princípio activo que preferi para medicar as minhas colónias. Ressalvo que não o utilizei em exclusivo neste período, e que fui fazendo rotações com outros princípios activos: o tau-fluvalinato e a flumetrina. Além da rotação dos princípios activos fiz também um ajustamento nas datas de tratamento e na duração dos mesmos. Estes procedimentos basilares permitiram-me manter, entre 2014 e 2019, taxas de mortalidade de colónias por varroa abaixo dos 3%, com dois tratamentos anuais em 4 destes 6 anos.

Em 2020, e seguindo basicamente a mesma estratégia vencedora dos anos anteriores, choquei contra a parede! Não tivesse feito adequadamente a habitual monitorização das minhas colónias durante e no final do tratamento de verão, e teria perdido 20-25% das minhas colónias para a varroa (ver aqui). Felizmente re-tratei a tempo e as perdas não ultrapassaram os 5%.

Confrontado com estes resultados insatisfatórios, resolvi modificar a minha estratégia de medicação como relatei em diversas publicações que fiz a este propósito. De forma sumária, em 2021 e 2022 introduzi um tratamento intermédio à base de ácido oxálico, em 2022 fiz a rotação dos princípios activos no tratamento de final de inverno com a utilização do Apistan, e utilizei uma galénica diferente para veicular o amitraz no tratamento de verão de 2022. Os resultados melhoraram. Em 2023, caso tivesse colmeias, iria introduzir mais alterações como por exemplo, a interrupção artificial da postura para uma utilização mais eficaz do oxálico ou um tratamento adicional com fórmico.

Hoje, olhando para trás, desde 2020 procurei encontrar uma resposta gradualista para um problema acerca do qual não tinha a certeza da sua causa. Nestes últimos anos, a mortalidade por varroa subiu um pouco, mas não ultrapassou os 5%. A habitual monitorização assídua das colmeias durante o período de tratamento (10 a 12 semanas) em muito contribuiu para este desfecho.

Seria um problema de decréscimo da qualidade dos medicamentos, isto é, as farmacêuticas estariam a sabotar os medicamentos para os tornar menos eficazes? Seria um problema de populações de varroas resistentes aos medicamentos que estava a utilizar? Seria um problema de maneio? Seria outra razão qualquer?

Para perceber o que se estava a passar, pesquisei em relatórios e estudos à procura de respostas para as minhas dúvidas. Em finais de 2021 tomo conhecimento que em França são identificadas pela primeira vez populações de varroa com níveis moderados a elevados de resistência ao amitraz (ver aqui).

A descoberta destas populações resistentes conduziu a mais investigações para se identificar o mecanismo subjacente à resistência. Em simultâneo estava a realizar-se nos EUA um estudo semelhante para as populações resistentes também lá encontradas recentemente. Estes dois estudos identificaram duas mutações genéticas associadas à resistência ao amitraz: estas mutações genéticas ocorrem em dois aminoácidos presentes nos receptores celulares dos ácaros onde o amitraz se liga (ver Resistance to amitraz in the parasitic honey bee mite Varroa destructor is associated with mutations in the β-adrenergic-like octopamine receptor [https://link.springer.com/article/10.1007/s10340-021-01471-3].

Este “filme” da resistência ao amitraz está a seguir um guião muito semelhante ao da resistência ao fluvalinato, ocorrido cerca de duas décadas antes. Mais tarde ou mais cedo, a natureza encontra um caminho para a espécie sobreviver e transmitir os genes a novas gerações, neste caso o caminho da resistência aos acaricidas utilizados para a eliminar.

Tiras de apivar retiradas da minha colmeia número 514, no final do período de tratamento.

Respondendo à questão do título: a minha opinião, documentada, é que a resistência ao amitraz é já um facto inquestionável em certas populações de ácaros varroa em França e EUA. E em Portugal? Desconheço que tenha sido feita alguma avaliação formal e devidamente controlada no nosso país e nos anos mais recentes. Ainda assim, seria surpreendente que por cá não existam populações de ácaros com algum grau de resistência ao amitraz, tendo em consideração a minha experiência pessoal e a de companheiros que referem uma menor eficácia com este princípio activo nos últimos dois a três anos. Estou convencido de que os “anos dourados” dos dois tratamentos anuais com amitraz, veiculados por medicamentos homologados e/ou caseiros, que funcionavam em mais de 90% das colónias, acabaram!

o cisne negro ou quando os resíduos de acaricidas são surpreendentemente baixos

Como tornar credível uma publicação que contraria a tese de que todos os cisnes são brancos? Apresentando evidências de que existe pelo menos um cisne negro.

Um apicultor, que conheço bem, teve necessidade de tratar as suas colónias com um medicamento acaricida com meias alças com mel em cima. Caso não o fizesse uma percentagem significativa das mesmas iria colapsar antes de ter oportunidade de efectuar a cresta. O medicamento que utilizou para controlar a infestação, que já ía alta, foram as tiras celulósicas de Amicel.

Após a cresta efectuada, dado esta circunstância heterodoxa e por uma questão de segurança alimentar, decidiu enviar uma amostra deste mel para ser submetida a análise aos resíduos do acaricida utilizado. Tomou essa decisão para controlar a qualidade do mel extraído no que respeita à presença de amitraz e seus metabolitos, considerando o Limite Máximo de Resíduos (LMR) dos mesmos no mel (sobre este aspecto ver esta publicação).

O LMR do amitraz e seus metabolitos no mel são de 200 ppb (partes por bilião) por kg de mel. Sabemos que estando abaixo desse valor o mel pode ser colocado no mercado para consumo humano, por não apresentar qualquer risco alimentar.

Sabemos também que para o mel em Modo de Produção Biológica o LMR do amitraz e seus metabolitos são de 10 ppb.

As análises foram realizadas num laboratório reconhecido nacionalmente, com vasta experiência no campo.

Resultados da análise a acaricidas na amostra do mel. Como podemos confirmar o “TOTAL AMITRAZ”, isto é a soma de amitraz e seus metabolitos, nesta amostra é inferior a 10 ppb.

Os resultados são inequívocos: a amostra de mel analisada estava abaixo do LMR para o mel em modo de produção convencional, isto é, abaixo de 200 ppb. Mais, o mel analisado estava abaixo do LMR para o mel em modo de produção biológico, isto é, abaixo de 10 ppb.

Em conclusão, neste caso o mel que saiu de colmeias tratadas com Amicel de forma urgente, em altura inoportuna, não o tornou impróprio para consumo. A evidência disso mesmo está em cima.

Temos um cisne negro em cima da mesa. Que fazer com ele? Eliminá-lo e continuar a defender que todos os cisnes são brancos, ou fazer uma melhor pesquisa para confirmar se há mais cisnes negros e, sobretudo, compreender o melhor possível porque razão há cisnes negros? A humanidade evoluiu em conhecimento fazendo o segundo percurso.

Notas: 1) Esta publicação não é um incentivo à utilização dos medicamentos fora do protocolo definido pelo fabricante.

2) Esta publicação é um incentivo aos fabricantes para refazerem os seus estudos sem enviesamentos ideológicos, sem quimiofobia radical*. Transparência precisa-se! Para que as nossas colónias não colapsem porque chegámos tarde com os medicamentos que as poderiam ter salvo caso tivessem sido colocados mais cedo, sejam eles quais forem.

3) Lembro que a DGAV apenas aconselha a utilização de um medicamento durante o fluxo, o MAQS.

4) *Quimiofobia radical é uma doença, que no caso das colónias de abelhas tem condenado muitas a um sofrimento e morte evitável.

5) Dos resultados surpreendentemente baixos dos resíduos de acaricidas neste caso, não podemos concluir que se repetirão sempre e em qualquer circunstância.

6) Neste contexto, o apicultor não menosprezou o risco alimentar. Sabendo que a utilização do acaricida poderia levar a níveis superiores ao LMR, fez o que devia ter feito: enviou para análise uma amostra do mel extraído e confirmou que está em perfeitas condições de salubridade para ser colocado no mercado. Neste caso despendeu umas dezenas de euros nas análises e evitou o colapso de colónias no valor de uns poucos de milhares de euros.

7) Não me repugna este caminho em situações de excepcionalidade como a apresentada, sempre que se tenha o cuidado de com as análises requeridas garantir a salubridade do mel.

o limite máximo de resíduos, um grande desconhecido

A Agência Europeia de Avaliação de Produtos Médico-Veterinários estabeleceu desde há décadas o Limite Máximo de Resíduos (LMR) de amitraz e seus metabolitos por kg de mel em 200 microgramas (µg). Vejamos como se estabelece e calcula este LMR em três passos e que passo a descrever de forma sumária.

1) A dose de amitraz e seus metabolitos sem efeito em animais é avaliada a partir de estudos toxicológicos. Define-se este nível abaixo do qual nenhum estudo demonstrou ter efeitos na saúde.

2) A Ingestão Diária Aceitável é calculada com uma margem de segurança da ordem de 100 a 1000 inferior à dose observada no ponto 1) de resíduos que o consumidor pode ingerir todos os dias durante toda a sua vida sem pôr em perigo a sua saúde.

3) O Limite Máximo de Resíduos (LMR) é determinado pelo consumo médio diário de mel estimado*. Para cada tipo de alimento, um LMR é definido para que o indivíduo humano consumindo quantidades usuais desses alimentos nunca exceda esta ingestão diária cumulativa aceitável calculada no ponto 2).

fonte: http://gds19.org/Docs/PDF/Apiculture/Fiches/Fiche27_MedicamentApicoleReglementation.pdf

Nota: *A Agência Europeia de Avaliação de Produtos Médico-Veterinários estimou um consumo médio diário de 20gr de mel para calcular o LMR , que corresponde a um consumo anual de 7,3 kgs por indivíduo. Tanto quanto sei, o consumo médio de mel per capita no nosso país ronda os 700-800 grs./ano.

fonte: https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/note-guidance-risk-analysis-approach-residues-veterinary-medicinal-products-food-animal-origin_en.pdf

Por outras palavras, os 200 µg de amitraz e seus produtos de degradação (metabolitos) por kg de mel são estabelecidos com um margem de segurança de pelo menos 100 vezes inferior à quantidade que todos os estudos reconhecidos de toxicologia encontraram não ter qualquer efeitos adversos na saúde de indivíduos humanos. Como este LMR foi calculado para um consumo médio diário de 20gr. de mel, o consumidor teria de consumir 7,3 kgs/ano de mel para atingir este limiar. Sabemos que este limiar foi calculado numa base 100 a 1000 vezes inferior ao nível em que deixam de se observar efeitos adversos na saúde. Portanto e concluindo, apenas os consumidores que consumam mais de 730 kgs/ano de mel poderão ter alguns efeitos negativos na sua saúde! Onde estão esses hiper-consumidores de mel?

Bruce Nathan Ames (n. 1928) é um bioquímico e biólogo norte-americano. Um dos seus trabalhos mais notáveis é a criação do teste Ames para identificação de compostos mutagénicos.

A terminar relembro o que publiquei aqui, com este esclarecimento de Bruce N. Ames, um eminente toxicologista: “Possíveis riscos de cancro decorrentes de resíduos de pesticidas nos alimentos têm sido muito discutidos e debatidos com afinco na literatura científica, na imprensa popular, na arena política e nos tribunais. Pesquisas de opinião do consumidor indicam que grande parte do público dos EUA acredita que os resíduos de pesticidas nos alimentos são um sério risco de cancro (Opinion Research Corporation, 1990). Em contraste, estudos epidemiológicos indicam que os principais fatores de risco de cancro são o fumo do tabaco, desequilíbrios alimentares, hormonas endógenas e inflamação (por exemplo, infecções crónicas). Outros fatores importantes incluem exposição intensa ao sol, falta de atividade física e consumo excessivo de álcool“(Ames et al., 1995).