2023: um ano de varroa, uma reflexão e questões

Todos os anos são anos de varroa, é bem verdade! Contudo, alguns anos são mais graves do que outros. E 2023 está a ser um ano muito mau, a este respeito.

Esta impressão que tenho, de conversas com amigos acaba de me ser confirmada pelo Francisco Rogão, apicultor amigo que dispensa apresentações, mas que com justiça devo dizer que me tem ensinado e a muitos outros com base na sua vasta experiência e profundo conhecimento do que se passa no terreno.

Nesta conversa o Franciso dizia-me que vários apicultores já retiraram 40-50% das suas colónias colapsadas nas útimas semanas, e que na sua opinião e com base nos relatos que lhe fizeram, este lamentável acontecimento se deveu à varroa.

Tanto ou mais impressionante é o Francisco dizer-me que apesar de estar a monitorizar e a tratar como nunca fez, continua a encontrar uns impressionantes 34% de infestação na criação de várias colmeias e 2% de infestação nas abelhas adultas. Ela está lá, “escondida” dentro dos alvéolos e provavelmente com um período de dispersão (forético) significativamente mais curto do que há 10-15 anos atrás.

O Franciso pediu-me para deixar este alerta: tratem e monitorizem. E conclui que em anos como este as suas colónias estão vivas porque as tratou 5 ou 6 vezes. Também neste aspecto estamos em sintonia, acerca da importância e necessidade dos tratamentos intermédios durante a época de produção, por forma a manter as taxas de infestação abaixo dos 3-5% neste período.

Reflexão: Em boa verdade dou comigo a reflectir sobre estes números: Delaplane indica que o limiar económico da população total de varroas em agosto não deve ultrapassar o intervalo de 3000-4000 em colónias com 25000-33000 abelhas*. Neste cenário, que não devemos ignorar é um cenário optimista, e para um tratamento de final de verão/outono verdadeiramente eficaz trazer este número de varroas abaixo das 50 varroas, o recomendado pelo INRAE/ITSAP franceses, a eficácia do mesmo teria de ser superior a 98%.

Sobre tratamentos durante o período de colheita das abelhas, em especial os tratamentos com ácido oxálico é o melhor documento que conheço, à data.

Questões: qual o medicamento que na actualidade tem esta eficácia superior a 98%? Qual o medicamento que na actualidade devemos considerar “principal”? Não estaremos a entrar numa nova época em que todos eles deverão ser percepcionados como intermédios, porque com eficácias de 80% ou menos nos obrigarão a tratamentos de dois em dois meses?

Foram estes os dados, as reflexões e as questões que deixei o ano passado na palestra que fiz a convite da AALC, no âmbito do seu seminário de apicultura que decorreu em Cantanhede.

* https://www.apidologie.org/articles/apido/abs/1999/04/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004.html

acaricidas: temos de mudar de vida, mas a utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais será a solução?

Ontem, na sequência desta publicação, fui contactado por três companheiros, a confirmarem que os tratamentos com amitraz, 2 deles a utilizar os caseiros e o terceiro a utilizar homologados, não estão a limpar devidamente as suas colónias. Estes testemunhos, a juntar à minha experiência, ao testemunho de outros companheiros e aos estudos franceses e norte-americanos referenciados neste blogue, reforçam duas convicções que tenho desde 2020: o problema não é apenas uma perda de eficácia dos homologados, fruto de uma hipotética sabotagem das farmacêuticas que os produzem, o problema é um acréscimo de varroas resistentes ao amitraz, seja ele veiculado por medicamentos homologados ou por medicamentos caseiros.

Sem surpresa para mim e no seguimentos dessa mesma publicação, um ou outro apicultor, defendem que a solução está no modelo alemão ou austríaco. Estes modelos utilizam exclusivamente (ou quase) os ácidos fórmico e/ou oxálico e os óleos essenciais, o timol sobretudo. Os acaricidas de síntese foram proscritos nestes países. Não me vou focar no conjunto de ideias falsas sobre os resíduos de amitraz no mel e cera que alguns apicultores teimam em veicular, porque os estudos e relatórios estão disponíveis para a leitura de quem teima no fearmongering —alguns destes estudos estão referenciados noutras publicações deste blogue. O foco da publicação de hoje é este: o que nos dizem os inquéritos epidemiológicos acerca da utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais sobre a sobrevivência invernal das colónias de abelhas (vou chamar-lhe opção AOE).

Na Alsácia francesa os dados recolhidos ao longo de mais de 10 anos revelam que a opção AOE está associada a taxas de mortalidade invernal superior quando comparada com a opção tratar com amitraz — fiz várias publicações em torno destes relatórios.

Nos EUA, um estudo de 2019 que apresenta a análise de dados recolhidos ao longo de 4 anos naquele país, revela que a utilização do amitraz está associado a taxas de mortalidade mais baixas do que a que resulta da utilização de outros acaricidas, entre os quais estão os da opção AEO *.

Mais impressivo é um estudo, publicado em 2019, que compara a morte invernal durante 4 anos em dois países europeus vizinhos, onde num deles a opção AOE é a mais comum e no outro a opção mais comum é a utilização de acaricidas de síntese, nomeadamente o amitraz. Os dois países são a Áustria e a Chéquia. No primeiro país temos uma população de apicultores das mais educadas da Europa, com muitos anos de experiência na utilização de ácidos e óleos essenciais e, ainda assim, a mortalidade invernal de colónias é superior à do país vizinho que utiliza maioritariamente o amitraz na forma fumigada**.

Depois de em 2020 ter constatado uma menor eficácia do Apivar, em 2021 decidi fazer um tratamento intermédio à base de um ácido orgânico. Para as minhas abelhas ainda bem que não fui um apicultor teimoso, radical e purista. Não lhes causei morte e sofrimento evitável.

Em conclusão, espero que no conjunto destas duas publicações fique bem claro o meu pensamento:

  • estou convicto que em Portugal há populações de varroas resistentes ao amitraz;
  • nestes casos, é uma prática arriscada continuar a tratar exclusivamente com amitraz;
  • confrontados com esta realidade não defendo que a estratégia de tratamentos se deva restringir à utilização de acaricidas ditos orgânicos. Esta opção, mesmo que utilizada por uma população de apicultores educados como os austríacos, está associada a taxas de mortalidade superior às que se registam quando a opção é um cruzamento de acaricidas sintéticos com acaricidas orgânicos, como no caso da Chéquia;
  • em Portugal, com temperaturas elevadas ao longo de muitos meses seguidos, com criação presente durante (quase) todo o ano, copiar modelos de países do centro e do norte da Europa não acredito que seja a solução. Dos dados que conheço para Portugal, as taxas de mortalidade em modo BIO situam-se entre os 26% e os 50%, em média (cf. Manual de Apicultura em MPB, FNAP);
  • em Portugal, continuar a insistir na utilização exclusiva de amitraz em apiários onde se tem verificado abaixamento da sua eficácia numa percentagem importante de colónia nos últimos anos, não me parece o caminho;
  • o caminho, na minha opinião, está na utilização adequada e pertinente de acaricidas sintéticos e acaricidas orgânicos, sem preconceitos ideológicos, até porque a varroa não é travada por ideologias, é travada por uma estratégia de tratamentos realista e ajustada às condições particulares de cada país e de cada apiário.
Lista parcial de MUV em 2017. Como vemos esta estratégia mista que tanto me agrada é perfeitamente viável com os medicamentos homologados em Portugal. O maior entrave a esta estratégia é a política de apoio à sua aquisição. Os apoios para apenas dois tratamentos por ano são insuficientes segundo a minha experiência e a de outros. Um tema para uma outra publicação.

fontes: * https://academic.oup.com/jee/article/112/4/1509/5462560; ** https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167880919300027

varroas resistentes ao amitraz: facto ou ficção?

Entre 2011 e 2020 o amitraz, veiculado pelas tiras de Apivar, foi o princípio activo que preferi para medicar as minhas colónias. Ressalvo que não o utilizei em exclusivo neste período, e que fui fazendo rotações com outros princípios activos: o tau-fluvalinato e a flumetrina. Além da rotação dos princípios activos fiz também um ajustamento nas datas de tratamento e na duração dos mesmos. Estes procedimentos basilares permitiram-me manter, entre 2014 e 2019, taxas de mortalidade de colónias por varroa abaixo dos 3%, com dois tratamentos anuais em 4 destes 6 anos.

Em 2020, e seguindo basicamente a mesma estratégia vencedora dos anos anteriores, choquei contra a parede! Não tivesse feito adequadamente a habitual monitorização das minhas colónias durante e no final do tratamento de verão, e teria perdido 20-25% das minhas colónias para a varroa (ver aqui). Felizmente re-tratei a tempo e as perdas não ultrapassaram os 5%.

Confrontado com estes resultados insatisfatórios, resolvi modificar a minha estratégia de medicação como relatei em diversas publicações que fiz a este propósito. De forma sumária, em 2021 e 2022 introduzi um tratamento intermédio à base de ácido oxálico, em 2022 fiz a rotação dos princípios activos no tratamento de final de inverno com a utilização do Apistan, e utilizei uma galénica diferente para veicular o amitraz no tratamento de verão de 2022. Os resultados melhoraram. Em 2023, caso tivesse colmeias, iria introduzir mais alterações como por exemplo, a interrupção artificial da postura para uma utilização mais eficaz do oxálico ou um tratamento adicional com fórmico.

Hoje, olhando para trás, desde 2020 procurei encontrar uma resposta gradualista para um problema acerca do qual não tinha a certeza da sua causa. Nestes últimos anos, a mortalidade por varroa subiu um pouco, mas não ultrapassou os 5%. A habitual monitorização assídua das colmeias durante o período de tratamento (10 a 12 semanas) em muito contribuiu para este desfecho.

Seria um problema de decréscimo da qualidade dos medicamentos, isto é, as farmacêuticas estariam a sabotar os medicamentos para os tornar menos eficazes? Seria um problema de populações de varroas resistentes aos medicamentos que estava a utilizar? Seria um problema de maneio? Seria outra razão qualquer?

Para perceber o que se estava a passar, pesquisei em relatórios e estudos à procura de respostas para as minhas dúvidas. Em finais de 2021 tomo conhecimento que em França são identificadas pela primeira vez populações de varroa com níveis moderados a elevados de resistência ao amitraz (ver aqui).

A descoberta destas populações resistentes conduziu a mais investigações para se identificar o mecanismo subjacente à resistência. Em simultâneo estava a realizar-se nos EUA um estudo semelhante para as populações resistentes também lá encontradas recentemente. Estes dois estudos identificaram duas mutações genéticas associadas à resistência ao amitraz: estas mutações genéticas ocorrem em dois aminoácidos presentes nos receptores celulares dos ácaros onde o amitraz se liga (ver Resistance to amitraz in the parasitic honey bee mite Varroa destructor is associated with mutations in the β-adrenergic-like octopamine receptor [https://link.springer.com/article/10.1007/s10340-021-01471-3].

Este “filme” da resistência ao amitraz está a seguir um guião muito semelhante ao da resistência ao fluvalinato, ocorrido cerca de duas décadas antes. Mais tarde ou mais cedo, a natureza encontra um caminho para a espécie sobreviver e transmitir os genes a novas gerações, neste caso o caminho da resistência aos acaricidas utilizados para a eliminar.

Tiras de apivar retiradas da minha colmeia número 514, no final do período de tratamento.

Respondendo à questão do título: a minha opinião, documentada, é que a resistência ao amitraz é já um facto inquestionável em certas populações de ácaros varroa em França e EUA. E em Portugal? Desconheço que tenha sido feita alguma avaliação formal e devidamente controlada no nosso país e nos anos mais recentes. Ainda assim, seria surpreendente que por cá não existam populações de ácaros com algum grau de resistência ao amitraz, tendo em consideração a minha experiência pessoal e a de companheiros que referem uma menor eficácia com este princípio activo nos últimos dois a três anos. Estou convencido de que os “anos dourados” dos dois tratamentos anuais com amitraz, veiculados por medicamentos homologados e/ou caseiros, que funcionavam em mais de 90% das colónias, acabaram!

o cisne negro ou quando os resíduos de acaricidas são surpreendentemente baixos

Como tornar credível uma publicação que contraria a tese de que todos os cisnes são brancos? Apresentando evidências de que existe pelo menos um cisne negro.

Um apicultor, que conheço bem, teve necessidade de tratar as suas colónias com um medicamento acaricida com meias alças com mel em cima. Caso não o fizesse uma percentagem significativa das mesmas iria colapsar antes de ter oportunidade de efectuar a cresta. O medicamento que utilizou para controlar a infestação, que já ía alta, foram as tiras celulósicas de Amicel.

Após a cresta efectuada, dado esta circunstância heterodoxa e por uma questão de segurança alimentar, decidiu enviar uma amostra deste mel para ser submetida a análise aos resíduos do acaricida utilizado. Tomou essa decisão para controlar a qualidade do mel extraído no que respeita à presença de amitraz e seus metabolitos, considerando o Limite Máximo de Resíduos (LMR) dos mesmos no mel (sobre este aspecto ver esta publicação).

O LMR do amitraz e seus metabolitos no mel são de 200 ppb (partes por bilião) por kg de mel. Sabemos que estando abaixo desse valor o mel pode ser colocado no mercado para consumo humano, por não apresentar qualquer risco alimentar.

Sabemos também que para o mel em Modo de Produção Biológica o LMR do amitraz e seus metabolitos são de 10 ppb.

As análises foram realizadas num laboratório reconhecido nacionalmente, com vasta experiência no campo.

Resultados da análise a acaricidas na amostra do mel. Como podemos confirmar o “TOTAL AMITRAZ”, isto é a soma de amitraz e seus metabolitos, nesta amostra é inferior a 10 ppb.

Os resultados são inequívocos: a amostra de mel analisada estava abaixo do LMR para o mel em modo de produção convencional, isto é, abaixo de 200 ppb. Mais, o mel analisado estava abaixo do LMR para o mel em modo de produção biológico, isto é, abaixo de 10 ppb.

Em conclusão, neste caso o mel que saiu de colmeias tratadas com Amicel de forma urgente, em altura inoportuna, não o tornou impróprio para consumo. A evidência disso mesmo está em cima.

Temos um cisne negro em cima da mesa. Que fazer com ele? Eliminá-lo e continuar a defender que todos os cisnes são brancos, ou fazer uma melhor pesquisa para confirmar se há mais cisnes negros e, sobretudo, compreender o melhor possível porque razão há cisnes negros? A humanidade evoluiu em conhecimento fazendo o segundo percurso.

Notas: 1) Esta publicação não é um incentivo à utilização dos medicamentos fora do protocolo definido pelo fabricante.

2) Esta publicação é um incentivo aos fabricantes para refazerem os seus estudos sem enviesamentos ideológicos, sem quimiofobia radical*. Transparência precisa-se! Para que as nossas colónias não colapsem porque chegámos tarde com os medicamentos que as poderiam ter salvo caso tivessem sido colocados mais cedo, sejam eles quais forem.

3) Lembro que a DGAV apenas aconselha a utilização de um medicamento durante o fluxo, o MAQS.

4) *Quimiofobia radical é uma doença, que no caso das colónias de abelhas tem condenado muitas a um sofrimento e morte evitável.

5) Dos resultados surpreendentemente baixos dos resíduos de acaricidas neste caso, não podemos concluir que se repetirão sempre e em qualquer circunstância.

6) Neste contexto, o apicultor não menosprezou o risco alimentar. Sabendo que a utilização do acaricida poderia levar a níveis superiores ao LMR, fez o que devia ter feito: enviou para análise uma amostra do mel extraído e confirmou que está em perfeitas condições de salubridade para ser colocado no mercado. Neste caso despendeu umas dezenas de euros nas análises e evitou o colapso de colónias no valor de uns poucos de milhares de euros.

7) Não me repugna este caminho em situações de excepcionalidade como a apresentada, sempre que se tenha o cuidado de com as análises requeridas garantir a salubridade do mel.

o limite máximo de resíduos, um grande desconhecido

A Agência Europeia de Avaliação de Produtos Médico-Veterinários estabeleceu desde há décadas o Limite Máximo de Resíduos (LMR) de amitraz e seus metabolitos por kg de mel em 200 microgramas (µg). Vejamos como se estabelece e calcula este LMR em três passos e que passo a descrever de forma sumária.

1) A dose de amitraz e seus metabolitos sem efeito em animais é avaliada a partir de estudos toxicológicos. Define-se este nível abaixo do qual nenhum estudo demonstrou ter efeitos na saúde.

2) A Ingestão Diária Aceitável é calculada com uma margem de segurança da ordem de 100 a 1000 inferior à dose observada no ponto 1) de resíduos que o consumidor pode ingerir todos os dias durante toda a sua vida sem pôr em perigo a sua saúde.

3) O Limite Máximo de Resíduos (LMR) é determinado pelo consumo médio diário de mel estimado*. Para cada tipo de alimento, um LMR é definido para que o indivíduo humano consumindo quantidades usuais desses alimentos nunca exceda esta ingestão diária cumulativa aceitável calculada no ponto 2).

fonte: http://gds19.org/Docs/PDF/Apiculture/Fiches/Fiche27_MedicamentApicoleReglementation.pdf

Nota: *A Agência Europeia de Avaliação de Produtos Médico-Veterinários estimou um consumo médio diário de 20gr de mel para calcular o LMR , que corresponde a um consumo anual de 7,3 kgs por indivíduo. Tanto quanto sei, o consumo médio de mel per capita no nosso país ronda os 700-800 grs./ano.

fonte: https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/note-guidance-risk-analysis-approach-residues-veterinary-medicinal-products-food-animal-origin_en.pdf

Por outras palavras, os 200 µg de amitraz e seus produtos de degradação (metabolitos) por kg de mel são estabelecidos com um margem de segurança de pelo menos 100 vezes inferior à quantidade que todos os estudos reconhecidos de toxicologia encontraram não ter qualquer efeitos adversos na saúde de indivíduos humanos. Como este LMR foi calculado para um consumo médio diário de 20gr. de mel, o consumidor teria de consumir 7,3 kgs/ano de mel para atingir este limiar. Sabemos que este limiar foi calculado numa base 100 a 1000 vezes inferior ao nível em que deixam de se observar efeitos adversos na saúde. Portanto e concluindo, apenas os consumidores que consumam mais de 730 kgs/ano de mel poderão ter alguns efeitos negativos na sua saúde! Onde estão esses hiper-consumidores de mel?

Bruce Nathan Ames (n. 1928) é um bioquímico e biólogo norte-americano. Um dos seus trabalhos mais notáveis é a criação do teste Ames para identificação de compostos mutagénicos.

A terminar relembro o que publiquei aqui, com este esclarecimento de Bruce N. Ames, um eminente toxicologista: “Possíveis riscos de cancro decorrentes de resíduos de pesticidas nos alimentos têm sido muito discutidos e debatidos com afinco na literatura científica, na imprensa popular, na arena política e nos tribunais. Pesquisas de opinião do consumidor indicam que grande parte do público dos EUA acredita que os resíduos de pesticidas nos alimentos são um sério risco de cancro (Opinion Research Corporation, 1990). Em contraste, estudos epidemiológicos indicam que os principais fatores de risco de cancro são o fumo do tabaco, desequilíbrios alimentares, hormonas endógenas e inflamação (por exemplo, infecções crónicas). Outros fatores importantes incluem exposição intensa ao sol, falta de atividade física e consumo excessivo de álcool“(Ames et al., 1995).

amiflex – primeiro tratamento “flash” com amitraz contra ácaros varroa

Quando há dois ou três meses atrás chegou ao meu conhecimento este novo medicamento à base de amitraz hesitei em fazer uma publicação acerca dele, por estas duas razões: (i) tanto quanto sei não está homologado em Portugal à data desta publicação; (ii) pelo facto de estarem homologados três medicamentos com base no amitraz e este ser “apenas” mais um.

Contudo acredito que o Amiflex, produzido por uma conhecida farmacêutica, a Véto-pharma, venha a ser proposto para homologação e que possa contribuir para o cada vez mais difícil combate contra a varroose e viroses associadas. Segundo a Véto-pharma a rapidez de actuação deste novo medicamento pode e deve ser utilizado para contrabalançar a lentidão de actuação de outros medicamentos acaricidas, como por exemplo o Apivar.

É de realçar o alinhamento da Véto-pharma com o meu pensamento quando a propósito da categorização dos acaricidas lentos e rápidos escrevia há 7 anos, nesta publicação, o seguinte: “Estes dados são, na minha opinião, de grande utilidade quando a urgência de uma infestação nos exige a colocação de um acaricida de acção rápida, ou quando pelo contrário o contexto no qual efectuamos o tratamento não nos exige essa rapidez. Finalmente talvez nos ajude também a perceber que muitas das vezes se o tratamento não foi bem sucedido e a colónia acabou por colapsar, não foi por uma questão de resistência dos ácaros ao princípio activo do tratamento por nós escolhido, mas tão só porque chegámos demasiado tarde à corrida e com um cavalo lento, ainda que forte (será o caso do Apivar). Como costumamos dizer “cada coisa é para o que foi feita”.”

Segundo o fabricante:

“Este é o resultado de 6 anos de pesquisa e desenvolvimento. O objetivo era fornecer um produto “flash” com amitraz, legal, seguro e pronto para uso.

O novo gel Amiflex oferece uma maneira fácil de tratar as colmeias antes, entre ou depois dos fluxos de mel, ou imediatamente antes de iniciar um tratamento de libertação lenta, sem restrições de temperatura.

Em caso de alta infestação, pode-se fazer até 2 aplicações, com intervalo de 7 dias entre elas.

Pode usar o Amiflex no final da temporada, antes do tratamento de libertação lenta, para obter um efeito de choque antes de aplicar o tratamento de ação longa. A combinação de um tratamento flash + tratamento de libertação lenta garante uma redução rápida dos ácaros e proteção a longo prazo por várias semanas.

Pode aplicar Amiflex até 4 vezes por ano na mesma colónia. Não substitui os tratamentos de longa duração. É uma ferramenta adicional para a estratégia de controle de varroa.

A aplicação do Amiflex é rápida e fácil. Basta inserir o cartucho na pistola doseadora e está pronto.

A pistola de dosagem, incluída no pacote inicial, foi projetada para fornecer uma dose específica de 3ml por aplicação.

Aplicar 2 doses de 3mL de gel Amiflex por caixa de abelhas. Isso significa um total de 6mL para uma colmeia de corpo único e 12mL para uma colmeia de corpo duplo.

Cada cartucho contém 120mL de gel. Não há mistura ou equipamento adicional necessário.

Embora os tratamentos caseiros flash de amitraz sejam proibidos, eles são amplamente utilizados há muitos anos, pois nenhum produto legal foi registrado anteriormente para esse fim.

Agora, os apicultores dos EUA finalmente têm um tratamento “flash” legal, seguro e pronto para uso. A segurança de Amiflex foi rigorosamente avaliada para:

  1. as abelhas: sem impacto na população de abelhas, na rainha ou no desenvolvimento da criação. O Amiflex também pode ser usado na presença de rainhas, realeiras ou rainhas jovens não acasaladas.
    2. Os produtos da colmeia: não tem impacto na quantidade de mel armazenado e nenhum resíduo detectado no mel ou nos favos que exceda os limites da EPA.”

fonte: https://www.veto-pharma.com/products/amiflex/#

Este novo medicamento pode ser muito útil na estratégia anual de tratamentos porque, assim como outros tratamentos flash já disponíveis em Portugal, foi concebido para eliminar rapidamente as varroas que estejam na fase de dispersão (forética). Fazer baixar a taxa de infestação para um nível de 3% ou inferior permite criar as condições para uma actuação mais eficaz de medicamentos de libertação lenta. Ao mesmo tempo e como não tem restrições de temperatura pode ser utilizado em dias de temperaturas elevadas, como por exemplo entre o fluxo de néctar da primavera e o de verão. Uma restrição que encontro: nos EUA só pode ser manuseado por aplicadores certificados para a utilização de fitofármacos.

resíduos no mel: o caso do amitraz

Genericamente, sobre a problemática dos resíduos de amitraz no mel há uma enorme ignorância na comunidade apícola. Entre outros aspectos desconhece-se que: (i) os resíduos de amitraz no mel não são estáveis, que o amitraz se degrada nos seus metabolitos (DMF e DMPF); (ii) o Limite Máximo de Resíduos (LMR ou MRL) relativo ao amitraz e seus metabolitos é de 200 nanogramas por grama de mel; (iii) o LMR nos alimentos é calculado com uma enorme margem de segurança, 100 vezes abaixo das concentrações que provocam os primeiros danos observáveis.

Dito isto, no quadro em baixo são apresentados os valores das concentrações de vários resíduos encontrados em diversas amostras de mel grego recolhidas entre 2015-2020. Como seria expectável não foi detectado amitraz nas amostras, apenas os seus metabolitos, o DMF e o DMPF, com concentrações entre os 4,9-11,2 ng/g e 6,9 ng/g, respectivamente.

Concluindo, a concentração dos metabolitos de amitraz nestas amostras está muitíssimo abaixo do LMR definido pela European Food Safety Authority (EFSA)* . Este padrão de baixos valores é replicado por vários outros estudos realizados noutros países, incluindo Portugal. Tranquilamente, vamos colher o nosso mel e tratar as nossas colónias!

fonte: Pesticide Residues and Metabolites in Greek Honey and Pollen: Bees and Human Health Risk Assessment, 2023
  • ver: https://efsa.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.2903/j.efsa.2016.4570

tratamento da varroose neste verão

Entre as 6h00 e as 7h15 de hoje andei ocupado a colocar o medicamento acaricida que escolhi para o verão deste ano, isto nas colónias Lusitanas do apiário a 600 m onde concluí a cresta anteontem.

Para este tratamento de verão estou a utilizar pela primeira vez o Amicel, decisão que referi em março nesta publicação. Espero, com a mudança das tiras de plástico do Apivar para as tiras de cartão do Amicel, obter resultados melhores nesta época do ano em que o crescimento das taxas de infestação nas abelhas adultas e na criação de abelhas é rapidíssimo — por via da diminuição da população de abelhas e criação, em particular a de zângãos.

Deixo em baixo o foto-filme dos principais procedimentos de preparação e aplicação do Amicel, que ilustram alguns cuidados que considero relevantes para seguir com o maior rigor possível o protocolo definido pelo fabricante.

O recipiente com 1 l de acaricida; as tiras de cartão; a seringa doseadora.
10 ml de solução a aplicar por tira de cartão. Esta dose contém 250 mg de amitraz, metade da quantidade de amitraz presente em cada tira de Apivar.
De acordo com o protocolo do fabricante preparei as tiras cerca de 12 horas antes de as aplicar nas colmeias. Nestas 12 horas estiveram sobre esta rede metálica para escorrer algum excesso de líquido — obrigado Pires Veiga pelas redes de metal.
O protocolo define a colocação de uma tira por colónia durante 12 dias e após este período colocar uma segunda tira. O fabricante pretende que o tratamento cubra um período de 24 dias, para abranger também o tempo de criação dos zângãos.
A tira de cartão com o acaricida foi dobrada a meio sobre o travessão superior do quadro central do ninho. Os acaricidas de contacto, como este e outros, querem-se bem centrados no ninho em contacto muito próximo com as zonas onde há criação.

como Chris Hiatt, apicultor com 20 mil colónias de abelhas, controla a varroose

Em baixo deixo a tradução de uma parte de um guia com a descrição da estratégia seguida por Chris Hiatt, apicultor “comercial” (profissional) norte-americano com 20 mil colónias, para controlar a varroose nas suas colónias. Recomendo a leitura de todo o documento, que apresenta testemunhos de mais apicultores com operações apícolas de grande dimensão e assim como uma abordagem sumária onde se identifica as vantagens e limitações de uma variedade de medicamentos e protocolos utilizados por estes apicultores para o controlo da varroose.

“Nos últimos anos, Chris usou uma combinação de métodos para controlar o Varroa:
• monitorização;
• interrupção da criação;
• uma variedade de tratamentos químicos.

Essa combinação geralmente contribui para a sua operação atingir sua meta de não mais de 35% de perdas de colónias, o que é melhor que a média nacional. Chris observou que uma perda anual de 15% era a norma há 15 anos, e era de 10% antes disso.

Monitorização
A empresa monitoriza os ácaros na primavera e no outono, e a amostragem é feita em apiários escolhidos e em 10 a 15 colmeias por apiário. Chris refere que espera ter altas cargas de ácaros depois de extrair o mel, e a monitorização é o foco depois da extracção. “Você tem que acompanhar e monitorizar, especialmente no outono e na primavera quando faz tratamentos contra os ácaros. É preciso voltar e verificar se funcionou e reduziu os ácaros abaixo do limiar”, disse ele. “Se você deixar os números de ácaros ficarem muito altos, os vírus já estão lá e são bombas-relógio.”

Rotação dos medicamentos com a utilização do timol
A operação de Chris usa o produto com timol Apiguard® na sua rotação de tratamentos químicos. A empresa aplica Apiguard® na primavera, entre as florações da amendoeiras e macieiras, e novamente em maio antes
de as colónias irem para o Dakota do Norte. Em julho, a empresa usa ácido oxálico entre a primeira e a segunda extração de mel. No final de agosto e início de setembro, Chris usa amitraz na forma de tiras Apivar®. Assim que as colónias voltam à Califórnia, a empresa aplica o Apiguard® novamente em outubro e novembro. “Depois de termos feito um tratamento com Apivar®, tratando com Apiguard®, isso realmente as limpa”, disse ele. As colmeias que invernam indoor em Idaho também recebem um tratamento com oxálico. No total, soma cinco ou seis tratamentos por ano.

Evitar a resistência nos ácaros tornou-se uma prioridade depois da empresa familiar ter sofrido grandes perdas no final dos anos 90 e início dos anos 2000, quando a resistência dos ácaros aumentou para o tau-fluvalinato e depois ao cumafos. Chris refere que os benefícios de usar esta rotação de medicamentos superam os custos. “Apiguard® é muito caro, mas nós o vemos apenas como uma rotação necessária ao amitraz”, disse ele. “O Apivar® também é caro, mas você precisa manter suas colmeias vivas, então nós apenas vemos isso como um mal necessário.” Ele disse que o oxálico é mais barato, mas o trabalho necessário para aplicá-lo torna-o caro.

Divisão e introdução de novas rainhas
Chris referiu que a operação também divide todas as suas colónias depois das amendoeiras e novamente depois das macieiras, e as contagens de ácaros ficam mais baixas por causa desta interrupção da cria. “Esta é uma forma de controle de ácaros”, disse ele. A empresa também introduz novas rainhas em 75% a 80% das suas colónias todos os anos. A sua operação começou ainda a usar várias centenas de rainhas do projeto de criação em Hilo, Havai, com o traço Varroa Sensitive Hygiene (VSH). Chris também usa linhas de rainhas Purdue Mite-Biter na renovação de rainhas de verão e outono. “Estamos tentando tudo”, disse Chris. A empresa usava apenas um tratamento por ano até cerca de 2010. “Fazíamos um no outono e dividimos tudo na primavera, e isso era o suficiente … mas esta nova realidade bateu-nos à porta como a todo mundo.

Ele vai precisar de adicionar outro tratamento à rotação num futuro próximo e está a considerar invernar mais colónias em ambientes fechados (indoor).
Como conselhos gerais, Chris recomenda ir a convenções e networking e disse que ele e sua família aprenderam muito com as conversas com outros apicultores e com o envolvimento no setor.”

fonte: https://honeybeehealthcoalition.org/wp-content/uploads/2021/06/Commercial_Beekeeping_060621.pdf

Nota: Cada caso é um caso, com diferenças e semelhanças entre si. Contudo em Portugal, da percepção que vou tendo, desenha-se cada vez mais o cenário de que dois tratamentos anuais são insuficientes para controlar o ácaro.

ácido fórmico e ácido oxálico podem ser utilizados em colónias a colherem néctar para posterior consumo humano?

Tanto quanto é do meu conhecimento, o MAQS é o único medicamento homologado que a DGAV autoriza para utilização em colónias a colherem néctar para posterior consumo humano. O MAQS é um medicamento relativamente pouco conhecido no nosso país e é baseado no ácido fórmico. Já os medicamentos baseados no ácido oxalico não estão autorizados pela DGAV para serem utilizados durante o período de colecta de néctar para posterior consumo humano.

Em baixo deixo a tradução de um excerto de um artigo de Bogdanov, frequentemente citado quando a questão no título desta publicação surge.

Acerca da alteração do sabor do mel pela utilização do ácido fórmico: “De acordo com os padrões de mel existentes, nenhuma substância pode ser adicionada ao mel que altere o seu sabor natural. O limiar de sabor para ácido fórmico adicionado ao mel foi determinado para méis de flores de sabor suave e situa-se em cerca de 300 mg/kg (Capolongo et al., 1996; Bogdanov et al., 1999a). Para méis de sabor mais forte, como melada e mel de castanheiro, fica entre 600 e 800 mg/kg (Capolongo et al., 1996; Bogdanov et al., 1999a). Os resíduos no ano seguinte após tratamentos normais com ácido fórmico no outono são muito inferiores a esses limites, portanto não há risco de alteração do sabor do mel devido ao aumento da concentração de ácido fórmico. No entanto, de acordo com nossos resultados, quando os tratamentos de emergência com ácido fórmico são realizados na primavera, os resíduos de ácido fórmico no mel de verão podem estar próximos do limiar gustativo desse ácido. Portanto, este tipo de tratamento deve ser evitado. […] Os tratamentos com ácido oxálico não provocam resíduos de ácido oxálico, pelo que não existe absolutamente nenhum perigo de alteração do sabor do mel devido aos tratamentos com ácido oxálico.

Fórmula do ácido fórmico
Fórmula do ácido oxálico

Acerca dos limites máximos de resíduos no mel: “Num regulamento da UE, o ácido fórmico e componentes de óleos essenciais como timol e mentol são definidos como substâncias GRAS (Generally Recognised As Safe), portanto, não é necessário fixar um LMR (Regulamento da UE 2796, 1995). O ácido oxálico é um constituinte natural da maioria dos vegetais e seu conteúdo situa-se entre 300 e 17.000 mg/kg, sendo o teor mais alto o da salsa (Agricultural Handbook, 1984). Assim, a maioria dos vegetais contém quantidades muito maiores de ácido oxálico do que o mel. Considerando a pequena ingestão diária de mel, sua contribuição para a ingestão diária total de ácido oxálico é insignificante. Do ponto de vista nutricional, o ácido oxálico, assim como o ácido fórmico, também deve ter status GRAS. Além disso, não são esperados resíduos significativos após tratamentos com ácido oxálico.

Este artigo fundamental de Bogdanov leva-me a perguntar: porque razão o MAQS, ácido fórmico, está homologado para poder ser utilizado em colónias a colherem néctar para posterior consumo humano e os medicamentos com ácido oxálico não estão? Julgo que tal se deve à qualidade/conteúdo dos dossiers técnicos que acompanham o processo de pedido de homologação submetido à DGAV pelas empresas que os comercializam.

fonte: https://www.researchgate.net/publication/242403759_Determination_of_residues_in_honey_after_treatments_with_formic_and_oxalic_acid_under_field_conditions