varroas resistentes ao amitraz: facto ou ficção?

Entre 2011 e 2020 o amitraz, veiculado pelas tiras de Apivar, foi o princípio activo que preferi para medicar as minhas colónias. Ressalvo que não o utilizei em exclusivo neste período, e que fui fazendo rotações com outros princípios activos: o tau-fluvalinato e a flumetrina. Além da rotação dos princípios activos fiz também um ajustamento nas datas de tratamento e na duração dos mesmos. Estes procedimentos basilares permitiram-me manter, entre 2014 e 2019, taxas de mortalidade de colónias por varroa abaixo dos 3%, com dois tratamentos anuais em 4 destes 6 anos.

Em 2020, e seguindo basicamente a mesma estratégia vencedora dos anos anteriores, choquei contra a parede! Não tivesse feito adequadamente a habitual monitorização das minhas colónias durante e no final do tratamento de verão, e teria perdido 20-25% das minhas colónias para a varroa (ver aqui). Felizmente re-tratei a tempo e as perdas não ultrapassaram os 5%.

Confrontado com estes resultados insatisfatórios, resolvi modificar a minha estratégia de medicação como relatei em diversas publicações que fiz a este propósito. De forma sumária, em 2021 e 2022 introduzi um tratamento intermédio à base de ácido oxálico, em 2022 fiz a rotação dos princípios activos no tratamento de final de inverno com a utilização do Apistan, e utilizei uma galénica diferente para veicular o amitraz no tratamento de verão de 2022. Os resultados melhoraram. Em 2023, caso tivesse colmeias, iria introduzir mais alterações como por exemplo, a interrupção artificial da postura para uma utilização mais eficaz do oxálico ou um tratamento adicional com fórmico.

Hoje, olhando para trás, desde 2020 procurei encontrar uma resposta gradualista para um problema acerca do qual não tinha a certeza da sua causa. Nestes últimos anos, a mortalidade por varroa subiu um pouco, mas não ultrapassou os 5%. A habitual monitorização assídua das colmeias durante o período de tratamento (10 a 12 semanas) em muito contribuiu para este desfecho.

Seria um problema de decréscimo da qualidade dos medicamentos, isto é, as farmacêuticas estariam a sabotar os medicamentos para os tornar menos eficazes? Seria um problema de populações de varroas resistentes aos medicamentos que estava a utilizar? Seria um problema de maneio? Seria outra razão qualquer?

Para perceber o que se estava a passar, pesquisei em relatórios e estudos à procura de respostas para as minhas dúvidas. Em finais de 2021 tomo conhecimento que em França são identificadas pela primeira vez populações de varroa com níveis moderados a elevados de resistência ao amitraz (ver aqui).

A descoberta destas populações resistentes conduziu a mais investigações para se identificar o mecanismo subjacente à resistência. Em simultâneo estava a realizar-se nos EUA um estudo semelhante para as populações resistentes também lá encontradas recentemente. Estes dois estudos identificaram duas mutações genéticas associadas à resistência ao amitraz: estas mutações genéticas ocorrem em dois aminoácidos presentes nos receptores celulares dos ácaros onde o amitraz se liga (ver Resistance to amitraz in the parasitic honey bee mite Varroa destructor is associated with mutations in the β-adrenergic-like octopamine receptor [https://link.springer.com/article/10.1007/s10340-021-01471-3].

Este “filme” da resistência ao amitraz está a seguir um guião muito semelhante ao da resistência ao fluvalinato, ocorrido cerca de duas décadas antes. Mais tarde ou mais cedo, a natureza encontra um caminho para a espécie sobreviver e transmitir os genes a novas gerações, neste caso o caminho da resistência aos acaricidas utilizados para a eliminar.

Tiras de apivar retiradas da minha colmeia número 514, no final do período de tratamento.

Respondendo à questão do título: a minha opinião, documentada, é que a resistência ao amitraz é já um facto inquestionável em certas populações de ácaros varroa em França e EUA. E em Portugal? Desconheço que tenha sido feita alguma avaliação formal e devidamente controlada no nosso país e nos anos mais recentes. Ainda assim, seria surpreendente que por cá não existam populações de ácaros com algum grau de resistência ao amitraz, tendo em consideração a minha experiência pessoal e a de companheiros que referem uma menor eficácia com este princípio activo nos últimos dois a três anos. Estou convencido de que os “anos dourados” dos dois tratamentos anuais com amitraz, veiculados por medicamentos homologados e/ou caseiros, que funcionavam em mais de 90% das colónias, acabaram!

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