acaricidas: temos de mudar de vida, mas a utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais será a solução?

Ontem, na sequência desta publicação, fui contactado por três companheiros, a confirmarem que os tratamentos com amitraz, 2 deles a utilizar os caseiros e o terceiro a utilizar homologados, não estão a limpar devidamente as suas colónias. Estes testemunhos, a juntar à minha experiência, ao testemunho de outros companheiros e aos estudos franceses e norte-americanos referenciados neste blogue, reforçam duas convicções que tenho desde 2020: o problema não é apenas uma perda de eficácia dos homologados, fruto de uma hipotética sabotagem das farmacêuticas que os produzem, o problema é um acréscimo de varroas resistentes ao amitraz, seja ele veiculado por medicamentos homologados ou por medicamentos caseiros.

Sem surpresa para mim e no seguimentos dessa mesma publicação, um ou outro apicultor, defendem que a solução está no modelo alemão ou austríaco. Estes modelos utilizam exclusivamente (ou quase) os ácidos fórmico e/ou oxálico e os óleos essenciais, o timol sobretudo. Os acaricidas de síntese foram proscritos nestes países. Não me vou focar no conjunto de ideias falsas sobre os resíduos de amitraz no mel e cera que alguns apicultores teimam em veicular, porque os estudos e relatórios estão disponíveis para a leitura de quem teima no fearmongering —alguns destes estudos estão referenciados noutras publicações deste blogue. O foco da publicação de hoje é este: o que nos dizem os inquéritos epidemiológicos acerca da utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais sobre a sobrevivência invernal das colónias de abelhas (vou chamar-lhe opção AOE).

Na Alsácia francesa os dados recolhidos ao longo de mais de 10 anos revelam que a opção AOE está associada a taxas de mortalidade invernal superior quando comparada com a opção tratar com amitraz — fiz várias publicações em torno destes relatórios.

Nos EUA, um estudo de 2019 que apresenta a análise de dados recolhidos ao longo de 4 anos naquele país, revela que a utilização do amitraz está associado a taxas de mortalidade mais baixas do que a que resulta da utilização de outros acaricidas, entre os quais estão os da opção AEO *.

Mais impressivo é um estudo, publicado em 2019, que compara a morte invernal durante 4 anos em dois países europeus vizinhos, onde num deles a opção AOE é a mais comum e no outro a opção mais comum é a utilização de acaricidas de síntese, nomeadamente o amitraz. Os dois países são a Áustria e a Chéquia. No primeiro país temos uma população de apicultores das mais educadas da Europa, com muitos anos de experiência na utilização de ácidos e óleos essenciais e, ainda assim, a mortalidade invernal de colónias é superior à do país vizinho que utiliza maioritariamente o amitraz na forma fumigada**.

Depois de em 2020 ter constatado uma menor eficácia do Apivar, em 2021 decidi fazer um tratamento intermédio à base de um ácido orgânico. Para as minhas abelhas ainda bem que não fui um apicultor teimoso, radical e purista. Não lhes causei morte e sofrimento evitável.

Em conclusão, espero que no conjunto destas duas publicações fique bem claro o meu pensamento:

  • estou convicto que em Portugal há populações de varroas resistentes ao amitraz;
  • nestes casos, é uma prática arriscada continuar a tratar exclusivamente com amitraz;
  • confrontados com esta realidade não defendo que a estratégia de tratamentos se deva restringir à utilização de acaricidas ditos orgânicos. Esta opção, mesmo que utilizada por uma população de apicultores educados como os austríacos, está associada a taxas de mortalidade superior às que se registam quando a opção é um cruzamento de acaricidas sintéticos com acaricidas orgânicos, como no caso da Chéquia;
  • em Portugal, com temperaturas elevadas ao longo de muitos meses seguidos, com criação presente durante (quase) todo o ano, copiar modelos de países do centro e do norte da Europa não acredito que seja a solução. Dos dados que conheço para Portugal, as taxas de mortalidade em modo BIO situam-se entre os 26% e os 50%, em média (cf. Manual de Apicultura em MPB, FNAP);
  • em Portugal, continuar a insistir na utilização exclusiva de amitraz em apiários onde se tem verificado abaixamento da sua eficácia numa percentagem importante de colónia nos últimos anos, não me parece o caminho;
  • o caminho, na minha opinião, está na utilização adequada e pertinente de acaricidas sintéticos e acaricidas orgânicos, sem preconceitos ideológicos, até porque a varroa não é travada por ideologias, é travada por uma estratégia de tratamentos realista e ajustada às condições particulares de cada país e de cada apiário.
Lista parcial de MUV em 2017. Como vemos esta estratégia mista que tanto me agrada é perfeitamente viável com os medicamentos homologados em Portugal. O maior entrave a esta estratégia é a política de apoio à sua aquisição. Os apoios para apenas dois tratamentos por ano são insuficientes segundo a minha experiência e a de outros. Um tema para uma outra publicação.

fontes: * https://academic.oup.com/jee/article/112/4/1509/5462560; ** https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167880919300027

2 comentários em “acaricidas: temos de mudar de vida, mas a utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais será a solução?”

  1. Tenho que concordar com esta estratégia, neste momento é o que estou a utilizar nas minhas colmeias, para a Varroa uma combinação de tratamentos, mais especificamente o Apivar, e Apibioxal por gotejamento. Mas tal como refere o grande problema é arranjar os tratamentos homologados já que apenas fornecem dois.

  2. Pois como apicultor há trinta anos ,para mim tratar varroas nos tempos que decorrem é uma grande dor de cabeça e uma grande desilusão.

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