corrigir o que há a corrigir, naturalmente

Hoje, numa manhã quente, acompanhei o Marcelo numa visita ao seu apiário 2, nas redondezas de Coimbra.

Uma das tarefas era avaliar o estado de evolução de uma série de núcleos onde introduziu rainhas virgens de criador português em gaiola há cerca de 15 dias atrás.

Lembro-me que há cerca de dois meses atrás em conversa com o Marcelo sobre esta nova vertente da sua apicultura, comercialização de enxames em núcleo, me pedir opinião sobre a utilização de rainhas compradas e introdução em gaiola. Sugeri-lhe, com base na minha experiência, que por uma questão de poupança de tempo e padronização dos timings de entrega dos enxames, achava que sim, que devia comprar rainhas virgens. Em boa hora decidiu adquirir rainhas de criadores portugueses.

Como o disse várias vezes no passado, entendo que as rainhas de criadores são uma proposta comercial válida e que responde às necessidades da comunidade apícola nacional.

Dito isto, nunca me ouvirão dizer que as rainhas criadas naturalmente são por definição de qualidade inferior e a evitar a todo o custo. E não o digo por sofrer de algum bloqueio mental; não o digo porque as minhas observações não me permitem dizê-lo e porque o que a ciências diz hoje sobre o efeito materno nos ovos confirma e reforça o que vi e vejo. Se o que vi em milhares de colmeias minhas e em colmeias de amigos é que, em geral, a qualidade destas rainhas não fica atrás de outras produzidas por outros métodos, vou agora dizer que vejo o que não vejo para agradar a alguns? Felizmente nesta fase da minha vida não tenho que andar a lamber as solas das botas de ninguém e, respeitando o trabalho de todos, não me sinto inibido nem incapaz para apresentar os meus pontos de vista e fundamentá-los como poucos o fazem.

Portanto, deixem-me uma vez mais realçar que as rainhas naturais produzidas no processo de enxameação têm total cabimento numa operação apícola quer pela sua qualidade quer pela sua disponibilidade numa época particular da vida dos enxames, o momento da sua reprodução. E isto nas pequenas operações apícolas, com poucas colmeias, como nas grandes operações (ver o exemplo de Bob Binnie que com uma operação de cerca de 2 mil colónias, não vira a cara para o lado à utilização de mestreiros de enxameação, e sem preconceitos divulga que os utiliza no seu canal de YouTube).

Neste caso em concreto, como o meu amigo encontrou no seu efectivo, de cerca de 20 colónias estabelecidas, 3 em processo de enxameação e com vários mestreiros disponíveis fez o que é natural qualquer apicultor fazer: introduziu um mestreiro em cada um dos núcleos onde as rainhas compradas não tinham sido aceites. Simples, económico e oportuno.

Não vejo polémica nenhuma neste procedimento.

Um mestreiro de enxameação de onde emergiu uma virgem à frente dos nossos olhos.
A virgem, acabada de nascer, e que poderia ser colocada de imediato e directamente em qualquer núcleo orfanado e que teria uma elevadíssima probabilidade de ser aceite. Mas introduzi-la passados 2, 3 ou 4 dias… a história já é diferente.
Mais um exemplo do padrão de postura de uma rainha criada naturalmente

desdobramentos Doolittle: um pormenor de grande importância

Sei da minha experiência, assim como da experiência partilhada por outros companheiros de lides, que uma das principais causas do insucesso na introdução de rainhas em desdobramentos decorre da presença de mestreiros nos quadros do núcleo aquando da libertação da rainha da gaiola. Para evitar o mais possível que as abelhas puxem mestreiros a partir das larvas e ovos presentes nos quadros do desdobramento passei a proceder da forma que passo a descrever, isto sempre que os timings se ajustavam e o permitiam.

A partir de 2017/2018 passei a utilizar a técnica Doolittle sempre que necessitava produzir núcleos para introduzir rainhas virgens (a maioria) ou fecundadas (a minoria) em gaiola. Para tal elegia várias colónias muito fortes do apiário. A seleção destas colónias começava a ser feita em finais de fevereiro/início de março.

Colónia com população a ocupar todo o ninho e com mais de 6 quadros com criação. São os sinais que quero ver para saber que estou na presença de uma colónia de uma linhagem precoce. Uma das quatro que tenho neste momento neste apiário. (foto de 6 março de 2022)

O passo seguinte passa por colocar-lhes um sobreninho com quadros puxados vazios.

Colocação do sobreninho. Nas posições 4, 5 e 6 coloco os quadros com a maior quantidade possível de alvéolos vazios. Calculo que nos próximos 8-10 dias a rainha subirá ao sobreninho para encher de ovos dois ou três destes quadros (foto de 6 março de 2022.)

Em geral, passadas uma a duas semanas a rainha inicia a postura em vários destes quadros no sobreninho. Nessa altura confino a rainha ao ninho por via de uma excluidora de rainhas.

Coloco os quadros com abelhas e criação no sobreninho.

A colónia permanece nesta condição durante 5 a 9 dias antes de as utilizar para fazer os desdobramentos pela técnica Doolittle.

Ao tirar os quadros para os núcleos inspeccionava-os com cuidado com vista a eliminar todos os mestreiros que as abelhas pudessem ter puxado nessa condição de semi-orfanação. Nem sempre puxam mestreiros no estado de semi-orfanação, mas não é absolutamente certo que não os puxem. Por outro lado e como introduzia a rainha em gaiola fechada durante 48 a 72 h garantia sem qualquer dúvida que todas as larvas presentes nos quadros já teriam 7 ou mais dias. Nesta condição, as abelhas do núcleo não tinham matéria prima para puxarem mestreiros, isto é larvas com menos de três de dias de idade. Assim, a propensão para aceitarem aquela rainha estranha que vai emergir de uma gaiola de plástico, uma rainha que não criaram, aumenta. Neste contexto, a aceitação da rainha é a única alternativa de que dispõem para não ficarem irremediavelmente órfãs e condenadas enquanto enxame.

Ainda que confrontadas com este contexto artificial criados pelo homem nos últimos 100 anos, as abelhas apresentam uma plasticidade comportamental admirável para darem a volta a esta situação concreta e específica para a qual a evolução de milhões de anos as não preparou. Tiro o chapéu!

multiplicando os enxames: as opções de Bob Binnie

Neste recente vídeo de Bob Binnie é muito interessante verificar que tanto ele como eu chegámos às mesmas conclusões, isto nunca tendo falado um com o outro. Estou a referir-me aos seguintes aspectos:

  • equalizar colónias 30-45 dias antes do principal fluxo de néctar qualifica-as para a produção de mel e para a produção de núcleos — estas colmeias que vemos neste vídeo foram equalizadas com cerca de 5 quadros de criação há três semanas atrás e à data de 15 de março, com o ninho e sobreninho repletos de abelhas, estão a ser preparadas para produzirem núcleos ;
  • assim como eu, Bob Binnie aplica a técnica “não mais de 6”. Na minha opinião esta convergência no maneio resulta de um olhar para o que de facto os enxames nos dizem de semelhante aos dois, quando os olhamos atentamente… com um oceano a separar-nos;
  • assim como Bob Binnie, aplico a técnica Doolittle para multiplicar os enxames. Como ele, prefiro esta técnica porque respeita a integridade do enxame no ninho onde permanecem 6 ou mais quadros com criação com as abelhas e respectiva rainha, conjugada com a simplicidade dos procedimentos na altura da produção dos núcleos.

a performance de rainhas que estiveram a um milímetro de enxamear no ano passado

Começo por referir que na minha apicultura a prevenção da enxameação e o controlo da enxameação são duas “coisas” muito diferentes. Têm razões, momentos e técnicas de abordagem muito diferentes uma da outra. Este é um assunto que já abordei em publicações anteriores e dispenso a repetição.

Nesta publicação, entre outras, apresentei a abordagem que tenho utilizado mais frequentemente nos último três anos quando pretendo controlar a enxameação nas minhas colónias — antes disso utilizava mais frequentemente o desdobramento vertical com recurso ao tabuleiro divisor para o fazer.

Ontem no mesmo apiário, inspeccionei 5 núcleos com as velhas senhoras que o ano passado foram “controladas”, e foram passadas para núcleos nas condições que referi na publicação do ano passado. Três deles estão já muito bem compostos. Em baixo deixo as fotos de dois destes três núcleos.

Os três núcleos marcados com um ramo de giesta. As rainhas que o ano passado foram “controladas” quando estavam de malas aviadas para enxamearem com as suas filhas, estão provavelmente no seu terceiro ano de postura.

Núcleo A: o verde mais à direita, ao fundo.

Nos próximos 12 dias vão nascer abelhas que tornarão esta casa muito apertada.
Padrão de criação de uma rainha provavelmente no seu terceiro ano de postura.
A “velha” senhora.

Núcleo B: o mais à esquerda, na primeira foto.

Na próxima inspecção este núcleo e os outros dois serão intervencionados.
Neste quadro deverão estar cerca de 4 mil abelhas a nascer durante os próximos 12 dias. Tem mais dois quadros semelhantes.
A “velha” senhora a iniciar muito provavelmente a sua terceira época de postura. Tivesse eu deixado esta senhora enxamear provavelmente estaria morta assim como as suas filhas, em razão da varroose.

Na próxima inspecção, estes três núcleos serão passados para caixas-colmeia de 10 quadros ou, em alternativa, iniciarei a sua palmerização. Uma decisão que irei tomar até lá, a que me permita optimizar os ganhos marginais que quero continuar a retirar destas rainhas e colónias que não permiti que partissem no ano passado.

os primeiros desdobramentos: a minha opção quando introduzo rainhas

Na publicação do passado dia 9 escrevi: “Para a semana conto colocar mais cerca de cinco excluidoras num outro apiário, desta feita em colmeias muito fortes do modelo Langstroth. Numa publicação a surgir num futuro próximo pretendo explicitar a estratégia que persigo com a colocação destas excluidoras nas colónia mais fortes e tão cedo na época. Em 2018 e para atingir o fim que pretendo atingir este ano também assim fiz e correu muito bem. Se não tiver desaprendido, com trabalho e uma pitada de sorte, acho que irei alcançar os objectivos que pretendo, e uma parte dever-se-á a esta estratégia. Este pequeno passo hoje dado vai revelar-se fundamental.”

Com três dia de trabalho já cumpridos, esta semana observo que as colónias têm aproveitado muito bem o pólen disponível e estão a crescer um pouco mais rapidamente do que aquilo que previa. Assim, à data de ontem, tinha colocado mais 13 grelhas excluidoras sobre colónias muitos fortes. Conto no início da próxima semana ter atingido o número de 20-25 colónias com grelha excluidora, o que me permite perseguir a estratégia de desdobramentos para o início desta temporada. O objectivo é simples: pretendo que estas 20-25 colónias me permitam fazer 70 núcleos de forma gradual, para introduzir 5 rainhas fecundadas esta semana, 25 rainhas virgens na próxima, 20 na seguinte e as últimas 20 na semana que se iniciará a seguir à Páscoa. No final deste período conto ter estas 20-25 colónias-mãe prontas e disponíveis para produzir mel.

Os procedimentos são em tudo semelhantes aos que utilizei em 2018 para produzir cerca de 250 núcleos, com recurso a um número relativamente pequeno de colónias, cerca de 40, que utilizei recorrentemente ao longo de dois meses para fornecerem abelhas, quadros e criação, ao mesmo tempo que mantinha a integridade da colónia preservada, isto é, com rainha, abelhas, criação e reservas. Em simultâneo podia trabalhar à vontade no sobreninho dado que a rainha estava confinada ao ninho pela excluidora.

Este ano fiquei a saber que esta técnica é conhecida por “desdobramento Doolittle” (sim, o mesmo Doolittle da técnica de translarve).

Em baixo fica o foto-filme com a sequência dos principais procedimentos.

Esta colónia do modelo Lusitana, que passou o outono-inverno nesta configuração (ninho+sobreninho), apresentava 12 quadros com criação no dia 1 de março. No dia 6 confinei a rainha no ninho com recurso à excluidora de rainhas.
Anteontem, dia 16, era este o aspecto do sobreninho logo após a sua abertura.
Em primeiro plano o núcleo para onde transferi as abelhas e 3 quadros com criação e 2 com reservas retirados do sobreninho.
Vista do núcleo após a transferência dos 5 quadros. Como o núcleo ficou no mesmo apiário sacudi as abelhas de mais um quadro.
Nesta colónia-mãe ainda ficaram quadros com criação no sobreninho. A idade destas larvas não lhes irá permitir criar mestreiros. Preenchi os restantes espaços com quadros puxados vazios. Hoje, ou amanhã, vou colocar mais um ou dois quadros com criação, retirados da própria ou doutra colónia do apiário, para a preparar novamente para um novo desdobramento na próxima semana.
Nesta outra colónia onde realizei o mesmo procedimento, introduzi um quadro com alguma criação, visto que retirei todos os quadros com criação presentes no sobreninho para um segundo núcleo. Estes quadros com criação irão “chamar” abelhas nutrizes e aquecedoras à caixa superior.
O quadro com criação foi retirado desta terceira colónia só com ninho e com 7 quadros com criação. O quadro foi substituído por um quadro com cera puxada completamente disponível para a rainha fazer oviposição.
Um dos dois núcleos orfanados. Assim irão ficar até hoje ou amanhã, quando chegarem as rainhas fecundadas e as introduzir em gaiola.
O ninho da primeira colónia com 8 quadros com criação foi objecto de inspecção atenta. A rainha estava confinada há 10 dias no ninho pela excluidora. Como suspeitava, não vi o mais pequeno sinal de enxameação!

Nota: quando pretendo que os novos enxames desdobrados/orfanados criem as suas próprias rainhas não utilizo esta técnica.

introdução de rainhas fecundadas: as causas da sua substituição precoce

A minha experiência com a introdução em gaiola de rainhas fecundadas é relativamente pequena. Nestes mais de dez anos de actividade apícola terei introduzido perto de 40 rainhas fecundadas. A taxa de aceitação inicial rondou os 100%, dos dados que registei na memória — como fiquei satisfeito com o facto dos procedimentos que me ensinaram e apliquei com o melhor rigor que me foi possível terem dado tão bons resultados! Contudo, mais adiante, cerca de 30% destas rainhas vieram a ser substituídas. Sei muito bem que a minha experiência é pouco representativa, a amostra é muito pequena, mas foi expressiva o suficiente para me elucidar que por vezes as abelhas também mudam de ideias, e aquela relação que começa bem evolui e termina mal.

Introdução de rainhas em gaiola.

Na altura não me empenhei em perceber melhor as causas do sucedido, o trabalho era muito e tinha de seguir em frente. Intimamente achei que tal se deveria a uma deficiência qualquer presente nestas rainhas, difícil ou até impossível de corrigir, fruto de uma certa aleatoriedade natural inultrapassável. E fui andando com a minha vida sem investir muito tempo neste assunto. Afinal introduzir rainhas fecundadas não é a minha praia; há mais de 5 anos que não o faço, já passaram mais de dois anos desde que introduzi massivamente rainhas virgens, tirando duas excepções que resultaram da oferta generosa de dois amigos de umas poucas rainhas virgens. Este não era, e continua a não ser, um assunto do meu interesse imediato. Apesar disso tal não me impede de reconhecer a sua importância para o sector apícola nacional, dado que vários companheiros recorrem à introdução de rainhas fecundadas pelos mais diversos motivos. Estava eu a preparar esta publicação e, nem de propósito, um companheiro contactou-me a solicitar uma opinião para o ajudar a entender, entre outras coisas, a razão da elevada taxa de substituição precoce das rainhas fecundadas que tem introduzido. Mal irei, e este blog comigo, quando me auto-centrar exclusivamente nas minhas práticas. Ficarei mais pobre e limitado nos conhecimentos, o blog menos abrangente e diversificado, enfim correria o risco de o tornar um diário, desinteressante e auto-proclamatório.

Será então adequada e actual a hipótese de que a substituição precoce de rainhas, 2 a 4 meses após a sua introdução e aceitação inicial, é uma situação inultrapassável própria de uma situação natural, da qual conhecemos, dominamos e controlamos pouco as diversas variáveis envolvidas? Não, nem a hipótese é actual nem é adequada. Hoje sabemos mais que isso. Hoje estão identificadas as variáveis que condicionam a taxa de sucesso deste processo.

Neste pequeno vídeo Bob Binnie identifica as principais causas da não aceitação ou substituição precoce de rainhas fecundadas introduzidas em gaiola e afirma que os criadores de rainhas podem melhorar o processo a montante. Recorre às reflexões e observações do Irmão Adam (o enorme apicultor alemão da Abadia de Buckfast) e aos estudos controlados levados a cabo por Doug Summerville (o autor da obra fundamental Fat Bees, Skinnie Bees).

Hoje, tudo leva a crer que os factores de sucesso/insucesso se encontram a montante, e uma vez mais os timings são muito relevantes. Bob Binnie afirma e identifica as principais condicionantes e factores de insucesso do processo: “a maioria dos problemas com rainhas e com pacotes, como fraca aceitação e substituição precoce deve ser atribuída a:

  • rainhas colhidas demasiado novas;
  • rainhas criadas demasiado cedo;
  • rainhas armazenadas em banco por demasiado tempo.

Bob Binnie, apicultor norte-americano com cerca de 2000 colónias na Geórgia, e criador de rainhas.

Também nesta publicação da prestigiada revista apícola Bee Culture — https://www.beeculture.com/requeening/— referem os mesmos motivos subjacentes à elevada taxa de substituição precoce de rainhas fecundadas.

criando as condições para que as colónias produzam naturalmente mestreiros de boa qualidade

Sempre que não tenho a pressão de clientes para lhes fornecer um número gordo de colónias até determinada data ou não desejo introduzir “sangue novo”, razões para adquirir rainhas virgens ou fecundadas aos bons criadores que tenho no nosso país, prefiro utilizar os mestreiros que as colónias vão produzindo nesta época do ano para aumentar o meu efectivo. E actualmente é este o contexto da minha operação, sem a pressão que tive até recentemente, profissão que hoje é vivida mais como um hobby e me permite certos luxos de tempo, algumas delicadezas e um pouco de experimentalismo no maneio.

Colónia armazém que apresentava indícios de ter iniciado um processo de enxameação.
Indício inequívoco do processo de enxameação: vários mestreiros na sua fase inicial de desenvolvimento.
Rainha encontrada é colocada num núcleo com mais um ou dois quadros com alguma criação e reservas.

Depois de orfanada a colónia mãe (neste caso a colmeia armazém) é deixada intocada por 5 ou 6 dias. Nestas colónias super-povoadas os mestreiros embrionários, isto é, mestreiros com as larvas muito jovens das futuras rainhas vão continuar a ser alimentadas, aquecidas e atendidas por um grande número de abelhas ama, pré-requisito essencial para a qualidade das rainhas. Passada esta meia-dúzia de dias, volto ao apiário para dividir estas colónias em três colónias (2 no mínimo, 4 no máximo), fazendo o melhor aproveitamento/divisão possível dos mestreiros e abelhas presentes.

Aspecto interessante: aparentemente as abelhas roeram/rebaixaram um pouco os alvéolos nesta zona do quadro para poder construir mais verticalmente os mestreiros. A cera nova, mais maleável, ajuda as abelhas a fazê-lo.
Dois belos mestreiros, que ultrapassam o travessão inferior do quadro, parcialmente ocultos pelas abelhas.
A colónia mãe, orfanada e com 2 a 3 mestreiros com 6 a 9 dias.
E mais duas colónias filhas, também orfanadas e com os respectivos mestreiros a concluir a sua maturação durante a próxima semana.

Estas três colónias são colocadas muito próximas umas das outras para potenciar uma melhor distribuição das abelhas campeiras entre elas.

E alimentadas… caso não o estejam a ser.

Nestes últimos dias terei produzido entre 40 e 50 novas colónias e até à data tenho uma elevada convicção que nenhuma colónia enxameou. Dados os condicionalismos das condições edafo-climáticas nos últimos 15 a 20 dias, frio e chuva muito frequente e fluxo frouxo, as colónias não entram em modo de armazenamento e estão a “optar” pelo modo de enxameação. O trabalho de inspecção das colmeias tem sido feito com intervalos de tempo muito curtos em dois apiários a 600 m de altitude, ainda que limitado pelas condições climatéricas. O terceiro apiário, a 900 m de altitude, tem recebido menos atenção. É um apiário onde o período de enxameação começa 2 a 3 semanas mais tarde, e estou a contar com este desfasamento para me concentrar nas demoradas tarefas de inspecção e divisão das colónias dos apiários situados em cotas mais baixas.

a criação de rainhas e as propostas formativas: algumas questões

Nos livros de referência acerca de criação de rainhas, descobrimos rapidamente que há mais de uma maneira de criarmos as nossas próprias rainhas. Entre as mais conhecidas estão o Método Miller e o Método Doolittle ou translarve de larvas (grafting). Foco-me neste último, o método de criação de rainhas por translarve, porque me parece que é o mais ensinado pelos formadores nos cursos de curta duração sobre criação de rainhas.

Para que o método do translarve seja levado a cabo deparamo-nos com a necessidade de recorrer a uma parafernália de objectos e múltiplas etapas: desde cúpulas, agulhas de enxertia/translarve, barras de enxertia, enxertia simples, dupla enxertia… Temos ainda colónias iniciadoras com rainha, colónias iniciadoras sem rainha, colónias acabadoras, incubadoras de rainhas, gaiolas de rainhas,  recolha de amas, engaiolamento de rainhas e amas, preparar o candy para as gaiolas, núcleos de fecundação das mais diversas dimensões, e mais coisas ainda pelo meio.

Para o apicultor com apenas algumas colmeias, a informação a assimilar em pouco tempo pode ser avassaladora, assim como o investimento a fazer em material dedicado. Para o apicultor com centenas de colónias, torna-se incomportável do ponto de vista do equipamento e do trabalho envolvido. Isso não quer dizer que este método não funciona ou é ineficiente, porque funciona bem o suficiente para nele se basear uma indústria de criação de rainhas.

A primeira questão que me surge: será o método de criação de rainhas por translarve o mais indicado para se ensinar, e sobretudo praticar, em cursos de curta duração, onde a população-alvo maioritariamente se constitui de pequenos apicultores e/ou jovens que se estão a iniciar na apicultura? Responderia que sim se todos eles estivessem a dar os primeiros passos para no futuro serem criadores de rainhas. Mas será realisticamente esse o caso?

O método Doolittle é o método mais utilizado pelos criadores profissionais de rainhas. Para ter certeza de que as rainhas produzidas a partir deste método são as melhores possível estes criadores experimentados fazem enxertos com larvas o mais jovens possível (12 a 24 h de idade). Estas larvas são do tamanho desta virgula “,” e podem ser facilmente danificadas no processo de enxertia.  É uma operação delicada que exige excelente visão e mãos treinadas.

Segunda questão: em cursos de curta duração há tempo e oportunidade para que todos os formandos façam enxertos, treinem a mão, errem e voltem a repetir o processo até que o gesto técnico esteja minimamente apreendido e dominado? Se sim voltarão ao seu apiário e realizarão os primeiros translarves com algum sucesso e continuarão motivados. Caso contrário muitos deixarão de utilizar a técnica por desmotivação. Neste caso todo o tempo e dinheiro despendido por eles e/ou estado pouco ou nenhum retorno terá.

Para se alcançar a excelência na produção de rainhas pelo método de translarve as cúpulas devem estar preparadas com geléia real ou mesmo ser efectuado o duplo enxerto de larvas. Procura-se que a larva esteja constantemente em contato com a alimento vital que torna a larva numa rainha de qualidade. A alimentação adequada das jovens abelhas amas com grandes quantidades de néctar e pólen assegurará que as larvas da rainha em desenvolvimento serão alimentadas copiosamente e que as rainhas virgens estarão em excelentes condições na altura da eclosão. Se a cúpula da rainha não estiver devidamente preparada com geléia real, todo o esforço colocado na criação de rainhas de qualidade será desperdiçado. O Dr. C. L. Farrar declarou no seu artigo Production Management of Honey Bee Colonies que “qualquer interrupção na nutrição larvar é prejudicial quando se sabe que a larva de uma rainha deve aumentar cerca de 1.500 vezes o seu peso entre incubação e conclusão da alimentação 5 dias depois. Não basta que uma rainha ponha ovos férteis; ela deve estar completamente desenvolvida se for uma boa rainha, uma rainha capaz de construir e manter uma colónia na sua força total“.

Terceira questão: quantos formandos depois de um curso de curta duração poderão enxertar sem interromper por mais tempo que o desejável a nutrição larvar? Se poucos ou nenhum, sugiro que sejam informados pelos formadores no final do curso para as lacunas críticas que a sua aprendizagem ainda apresenta.

O método de criação de rainhas por translarve é na opinião de Gilles Fert, conceituado criador de rainhas, um método adequado aos apicultores que se focam na criação de rainhas na ordem das várias centenas ou milhares. Ele avança inclusivamente com um número bastante preciso: para os apicultores que desejem criar mais de 200 rainhas/ano justifica-se a utilização deste método. Para os que não pretendem atingir esse número aconselha a utilização de outros métodos.

A última questão: estes cursos de curta duração, maioritariamente frequentados por apicultores que não irão necessitar de criar rainhas em grande número têm em devida conta o perfil de saída dos formandos, as suas reais necessidades actuais e futuras?

Fig. 1: Capa do livro de Gilles Fert L’élevage des reines, com tradução portuguesa. 

Apêndice: No contexto actual de desenvolvimento da apicultura nacional já temos vários criadores profissionais de rainhas que procuram responder às necessidades do mercado. Se, ainda assim, as necessidades de rainhas ultrapassam a sua capacidade de resposta então justifica-se a montagem de cursos de média-longa duração para futuros criadores de rainhas. Destes cursos sairão criadores de rainhas devidamente qualificados e motivados para satisfazer as lacunas no lado da oferta. Nestes casos, e só nestes casos, justifica-se a aprendizagem e o treino de criação de rainhas pelo método aqui abordado.

um método para criar rainhas sem ter de encontrar a rainha

Este método (conhecido por método Bentley) é usada principalmente pelos apicultores que não conseguem ou não desejam ter de encontrar a rainha, especialmente numa colmeia densamente povoada ou quando a câmara de criação se encontra espalhada por duas ou mais caixas, ou ainda no caso de uma colmeia muito agressiva, ou quando as condições meteorológicas são adversas.

De preferência na época de enxameação, insira num corpo vazio (A) pelo menos cinco quadros de criação de todas as idades, sem abelhas, podendo ser de diferentes colmeias. Coloque um quadro de mel e pólen em cada lado desta câmara de criação e preencha o espaço restante com quadros de cera puxada ou laminada.

Coloque este corpo (A) debaixo de uma colónia muito forte (B) mantendo a mesma localização. Coloque entre estes dois corpos uma prancheta que impeça a passagem das abelhas entre as caixas e com um buraco com uma malha que impeça a passagem de abelhas mas que permita a mistura de odores entre as caixas. Crie uma saída nesta zona superior da colónia inserindo um pequeno bloco de madeira entre os quadros desta caixa (B) e a prancheta que a cobre de modo a que as abelhas consigam sair por lá. As abelhas forrageiras regressarão através da entrada original ao corpo (A). Pretende-se que as abelhas amas, responsáveis pela difusão da feromona mandibular da rainha, não passem para o corpo (A). Com esta manipulação visa-se diminuir a inibição para a criação de realeiras neste corpo inferior da colmeia.

Nove dias depois, o corpo inferior (A) deverá apresentar várias realeiras operculadas. Removemos o corpo (A) ou apenas as realeiras, as quais podem ser  distribuídas por outras colmeias ou núcleos, orfanizados 24h a 72h antes. É muito importante efetuar estas operações com o máximo cuidado e remover estas realeiras com uma faca bem afiada ou x-acto e colocá-los o mais cedo possível nas colmeias ou núcleos previamente orfanizados.

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Fig. 1 — 5 realeiras operculadas

Actualização (09/01/2017): este procedimento pode ser realizado utilizando um tabuleiro divisor simples a separar a caixa A da caixa B.

um método muito simples para criar rainhas: a semi-orfanação

Um pequeno número de rainhas com qualidade pode ser criado numa câmara de criação orfanada, criada pelo apicultor no topo de uma colónia forte. No final dos procedimentos descritos mais abaixo a disposição da colónia deve respeitar esta ordem vista debaixo para cima:

  1. Câmara de criação inferior com a rainha
  2. Grelha excluidora de rainhas
  3. Meia-alça
  4. Grelha excluidora de rainhas
  5. Câmara de criação superior orfanizada.

Neste arranjo da colmeia, a câmara de criação superior é utilizada para a criação de mestreiros e as meia-alças para o armazenamento do néctar. A presença da rainha, no ninho inferior, irá manter a força da colónia no decorrer do processo.

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Fig. 1 — Grelha/grade excluidora de rainhas

Procedimentos:

  • Retiramos os quadros com criação não operculada juntamente com as abelhas amas aderentes do ninho original que colocamos num corpo de colmeia vazio. A rainha deve ser encontrada e mantida no ninho original.
  • Substituímos os quadros retirados ao ninho por quadros de cera puxada ou laminada.
  • Colocamos uma grelha excluidora de rainhas no topo deste ninho por forma a confinar a rainha.
  • Colocamos uma meia-alça com quadros puxados ou laminados em cima da grelha excluidora de rainhas.
  • Uma segunda grelha excluidora de rainhas é colocada por cima da meia-alça.
  • O segundo corpo com os quadros e abelhas resultante da etapa 1 é colocado no topo desta colmeia, com dois quadros com mel e pólen. Coloca-se a prancheta, um alimentador com alimento e o telhado da colmeia.
  • Depois de 3 – 12 horas subsequentes aos procedimentos anteriores, colocamos um quadro com ovos e larvas muito jovens retirados de uma colónia que nos agrade e inserimo-lo no meio da câmara de criação situada no corpo superior. Devemos colocar uma marca neste quadro para o reconhecermos mais tarde.

O objectivo é que as abelhas amas produzam algumas realeiras nesta condição de semi-orfanação. Passados 8 a 9 dias inspecionamos os quadros deste ninho superior. Destruímos as realeiras que encontramos nos quadros não assinalados e/ou não nos agradem.

As etapas seguintes podem ser as mais variadas dependendo dos objectivos do apicultor. Esta técnica contribui ainda para a prevenção da enxameação e renovação de ceras no ninho. Utilizo frequentemente esta técnica, a partir do momento em que as temperaturas nocturnas rondem ou ultrapassem os 10-12º C, para produzir novos enxames.