Nos livros de referência acerca de criação de rainhas, descobrimos rapidamente que há mais de uma maneira de criarmos as nossas próprias rainhas. Entre as mais conhecidas estão o Método Miller e o Método Doolittle ou translarve de larvas (grafting). Foco-me neste último, o método de criação de rainhas por translarve, porque me parece que é o mais ensinado pelos formadores nos cursos de curta duração sobre criação de rainhas.
Para que o método do translarve seja levado a cabo deparamo-nos com a necessidade de recorrer a uma parafernália de objectos e múltiplas etapas: desde cúpulas, agulhas de enxertia/translarve, barras de enxertia, enxertia simples, dupla enxertia… Temos ainda colónias iniciadoras com rainha, colónias iniciadoras sem rainha, colónias acabadoras, incubadoras de rainhas, gaiolas de rainhas, recolha de amas, engaiolamento de rainhas e amas, preparar o candy para as gaiolas, núcleos de fecundação das mais diversas dimensões, e mais coisas ainda pelo meio.
Para o apicultor com apenas algumas colmeias, a informação a assimilar em pouco tempo pode ser avassaladora, assim como o investimento a fazer em material dedicado. Para o apicultor com centenas de colónias, torna-se incomportável do ponto de vista do equipamento e do trabalho envolvido. Isso não quer dizer que este método não funciona ou é ineficiente, porque funciona bem o suficiente para nele se basear uma indústria de criação de rainhas.
A primeira questão que me surge: será o método de criação de rainhas por translarve o mais indicado para se ensinar, e sobretudo praticar, em cursos de curta duração, onde a população-alvo maioritariamente se constitui de pequenos apicultores e/ou jovens que se estão a iniciar na apicultura? Responderia que sim se todos eles estivessem a dar os primeiros passos para no futuro serem criadores de rainhas. Mas será realisticamente esse o caso?
O método Doolittle é o método mais utilizado pelos criadores profissionais de rainhas. Para ter certeza de que as rainhas produzidas a partir deste método são as melhores possível estes criadores experimentados fazem enxertos com larvas o mais jovens possível (12 a 24 h de idade). Estas larvas são do tamanho desta virgula “,” e podem ser facilmente danificadas no processo de enxertia. É uma operação delicada que exige excelente visão e mãos treinadas.
Segunda questão: em cursos de curta duração há tempo e oportunidade para que todos os formandos façam enxertos, treinem a mão, errem e voltem a repetir o processo até que o gesto técnico esteja minimamente apreendido e dominado? Se sim voltarão ao seu apiário e realizarão os primeiros translarves com algum sucesso e continuarão motivados. Caso contrário muitos deixarão de utilizar a técnica por desmotivação. Neste caso todo o tempo e dinheiro despendido por eles e/ou estado pouco ou nenhum retorno terá.
Para se alcançar a excelência na produção de rainhas pelo método de translarve as cúpulas devem estar preparadas com geléia real ou mesmo ser efectuado o duplo enxerto de larvas. Procura-se que a larva esteja constantemente em contato com a alimento vital que torna a larva numa rainha de qualidade. A alimentação adequada das jovens abelhas amas com grandes quantidades de néctar e pólen assegurará que as larvas da rainha em desenvolvimento serão alimentadas copiosamente e que as rainhas virgens estarão em excelentes condições na altura da eclosão. Se a cúpula da rainha não estiver devidamente preparada com geléia real, todo o esforço colocado na criação de rainhas de qualidade será desperdiçado. O Dr. C. L. Farrar declarou no seu artigo Production Management of Honey Bee Colonies que “qualquer interrupção na nutrição larvar é prejudicial quando se sabe que a larva de uma rainha deve aumentar cerca de 1.500 vezes o seu peso entre incubação e conclusão da alimentação 5 dias depois. Não basta que uma rainha ponha ovos férteis; ela deve estar completamente desenvolvida se for uma boa rainha, uma rainha capaz de construir e manter uma colónia na sua força total“.
Terceira questão: quantos formandos depois de um curso de curta duração poderão enxertar sem interromper por mais tempo que o desejável a nutrição larvar? Se poucos ou nenhum, sugiro que sejam informados pelos formadores no final do curso para as lacunas críticas que a sua aprendizagem ainda apresenta.
O método de criação de rainhas por translarve é na opinião de Gilles Fert, conceituado criador de rainhas, um método adequado aos apicultores que se focam na criação de rainhas na ordem das várias centenas ou milhares. Ele avança inclusivamente com um número bastante preciso: para os apicultores que desejem criar mais de 200 rainhas/ano justifica-se a utilização deste método. Para os que não pretendem atingir esse número aconselha a utilização de outros métodos.
A última questão: estes cursos de curta duração, maioritariamente frequentados por apicultores que não irão necessitar de criar rainhas em grande número têm em devida conta o perfil de saída dos formandos, as suas reais necessidades actuais e futuras?
Fig. 1: Capa do livro de Gilles Fert L’élevage des reines, com tradução portuguesa.
Apêndice: No contexto actual de desenvolvimento da apicultura nacional já temos vários criadores profissionais de rainhas que procuram responder às necessidades do mercado. Se, ainda assim, as necessidades de rainhas ultrapassam a sua capacidade de resposta então justifica-se a montagem de cursos de média-longa duração para futuros criadores de rainhas. Destes cursos sairão criadores de rainhas devidamente qualificados e motivados para satisfazer as lacunas no lado da oferta. Nestes casos, e só nestes casos, justifica-se a aprendizagem e o treino de criação de rainhas pelo método aqui abordado.