categoria desdobramentos porquê

O objectivo desta nova categoria é dar aos leitores do blog informação acerca desta componente tão importante da atividade apícola. Os desdobramentos são uma ferramenta crucial para todo o apicultor que pretenda tornar-se auto suficiente, quer para aquele que através da criação de novas colónias visa aumentar o seu efectivo apícola, quer para aquele que através da substituição de colónias perdidas procura manter um número estável das mesmas de ano para ano.  Muitos dos métodos que aqui serão descritos não estão projetados para a criação de rainhas em grande escala. Na opinião de Gilles Fert, todos os apicultores que não necessitam de produzir mais de 200 rainhas por ano, podem/devem adoptar estes métodos simples, mais orgânicos, com menos necessidade mão de obra, menor necessidade de equipamento especializado e menos exigentes do ponto de vista da calendarização das atividades. Seguramente, e aceitando esta baliza das 200 rainhas/ano proposta por este experimentado criador de rainhas, este é o cenário que enquadra as necessidades de uma larga maioria dos apicultores portugueses.

A minha intenção não passa tanto por fornecer receitas acabadas per si para efectuar os desdobramentos, que são muitas e diversificadas. Procurarei dar um enfoque enquadrador dos princípios subjacentes nos quais os métodos e técnicas dos desdobramentos assentam. A biologia da abelha, ao nível individual, e os comportamentos sociais das abelhas, ao nível colectivo, serão as pedras basilares que nos permitirão explicar, compreender, atuar e até inovar. Por forma a que as nossas intervenções alcancem o sucesso pretendido, de acordo com os objectivos e capacidades de cada um. Se os princípios forem compreendidos, os apicultores podem adaptar os detalhes para os fazer coincidir e ajustar a uma ampla gama de situações, entre as quais destaco: os recursos (as colónias que estão disponíveis), o montante do aumento/recuperação necessário, a época do ano e os equipamentos disponíveis. Também deve ser levado em conta o grau de controle/prevenção da enxameação, um prémio a juntar à necessidade de efetuar os desdobramentos.  A minha experiência tem demonstrado que a utilização de métodos de desdobramentos que são muito semelhantes ao comportamento natural de uma colónia de abelhas tem muitas vantagens práticas, e com taxas de sucesso muito gratificantes.

Não quero deixar de ligar também esta prática de auto sustentabilidade ao efeito benéfico, na minha opinião, de produzirmos rainhas mais adaptadas ao local e em condições sanitárias mais controladas. O resultado de introduções de raças não-nativas provoca um certo grau de “mestiçagem” (introgressão genética) nas abelhas adaptadas localmente. Se esta condição tende a persistir ao longo de várias gerações, pode significar que os genes envolvidos conferiram algumas vantagens adaptativas. Contudo, muitas vezes esta vantagem não ocorre: estes cruzamentos perturbam e introduzem no “pool” genético características não-adaptativas, provocadas pela dispersão de zângãos não autóctones, criando ondulações genéticas, que podem significar um passo atrás no tempo. Naturalmente estas ondulações genéticas não adaptativas serão resolvidas pela seleção natural, mas demoram o seu tempo e têm os seus custos, que como sabemos não ficam a só a cargo do próprio mas também dos apicultores vizinhos. Por outro lado, e do ponto de vista sanitário, sabemos que as viroses não são todas iguais no que respeita à sua virulência. Os desdobramentos de abelhas locais funcionam como uma barreira à introdução de estirpes de vírus mais virulentos, que poderão ser veiculados pelas rainhas e abelhas amas aquando das importações das mesmas.

Sem querer cair no demagógico e estafado slogan “o que é nacional é bom” não quero também deixar-me iludir-me pelas promessas “o que é estrangeiro é melhor”. Outros pensarão de forma diferente, e terão os seus argumentos. Melhorar o que é nosso é a minha proposta de fundo.

pobres rainhas de emergência

Entre os apicultores está mais ou menos generalizada  a opinião de que as rainhas de emergência são rainhas de qualidade inferior, portanto a evitar. Associada a esta opinião, e decorrendo em grande medida da mesma, acredita-se que o translarve, ou a criação de rainhas pelo método Doolittle, produz rainhas de qualidade superior. Uma das razões mais vezes lida e ouvida, que dá suporte a esta ideia, é a de que o translarve é feito com larvas com a idade adequada: larvas com não mais que 48 h de idade. Por contraste, afirma-se que as rainhas de emergência são produzidas a partir de larvas com várias idades, podendo até ultrapassar as 72 horas de idade. Será mesmo assim ou não passará de uma ideia feita? Fazendo a pergunta de uma outra forma: até que ponto estas ideias são confirmadas por estudos controlados, com métodos bem definidos, replicáveis e com avaliações mais finamente calibradas?

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Fig. 1 — Quadros com cúpulas preparados para efectuar o translarve

Numa experiência em que 8 colónias foram orfanadas por forma a construírem realeiras de emergências constatou-se que:

  • as abelhas iniciaram a construção da maioria das realeiras até 24h depois da orfanação ocorrer e nenhuma realeira foi construída após 3 dias a contar do dia da orfanação;
  • foram criadas realeiras a partir de todas as idade de ovos (1, 2 e 3 dias) e de larvas com não mais de dois dias a contar do dia da orfanação;
  • a maioria das rainhas foram criadas a partir de indivíduos que eram ovos  no dia da orfanação (69,2%) e cerca de metade destes eram ovos de 48-72 horas de idade (34,1 %);
  • 37,0% das realeiras construídas em torno de ovos  com 0-24 h de idade e mais do que metade (61,1%) das realeiras começadas em torno de larvas de 24-48 h de idade foram destruídas pelas abelhas antes das rainhas nascerem;
  • rainhas criadas a partir de ovos com 48-72 h eram significativamente mais pesadas do que rainhas criadas a partir de larvas com 0-24 h ou larvas de 24-48 h de idade;
  • rainhas criadas a partir de ovos de 48-72 h de idade tinham o tórax significativamente maior do que as rainhas criadas a partir de ovos com 24-48 h idade ou a partir de larvas de 0-24 h de idade;
  • finalmente, não se verificou nenhuma relação significativa entre o peso da rainha e o número de ovaríolos.

Fonte consultada: Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality

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Fig. 2 — Quadro com várias realeiras de emergência

Podemos concluir, com alguma segurança, que as rainhas de emergência, por regra, têm o mesmo número de ovaríolos (condição crítica para o seu bom desempenho) e produzem colónias com o mesmo nível de desempenho, ou melhor, que as rainhas criadas com o método de translarve. Tudo o que é necessário para produzir rainhas de emergência bem desenvolvidas é que a colónia em que estas são criadas disponha de recursos adequados de abelhas, particularmente abelhas novas em boa quantidade, ovos e larvas de todas as idades e boas reservas alimentares. Nestas condições, as abelhas criam rainhas tão bem ou até melhor que qualquer bom criador de rainhas que utiliza o método de translarve.