ácido fórmico e ácido oxálico podem ser utilizados em colónias a colherem néctar para posterior consumo humano?

Tanto quanto é do meu conhecimento, o MAQS é o único medicamento homologado que a DGAV autoriza para utilização em colónias a colherem néctar para posterior consumo humano. O MAQS é um medicamento relativamente pouco conhecido no nosso país e é baseado no ácido fórmico. Já os medicamentos baseados no ácido oxalico não estão autorizados pela DGAV para serem utilizados durante o período de colecta de néctar para posterior consumo humano.

Em baixo deixo a tradução de um excerto de um artigo de Bogdanov, frequentemente citado quando a questão no título desta publicação surge.

Acerca da alteração do sabor do mel pela utilização do ácido fórmico: “De acordo com os padrões de mel existentes, nenhuma substância pode ser adicionada ao mel que altere o seu sabor natural. O limiar de sabor para ácido fórmico adicionado ao mel foi determinado para méis de flores de sabor suave e situa-se em cerca de 300 mg/kg (Capolongo et al., 1996; Bogdanov et al., 1999a). Para méis de sabor mais forte, como melada e mel de castanheiro, fica entre 600 e 800 mg/kg (Capolongo et al., 1996; Bogdanov et al., 1999a). Os resíduos no ano seguinte após tratamentos normais com ácido fórmico no outono são muito inferiores a esses limites, portanto não há risco de alteração do sabor do mel devido ao aumento da concentração de ácido fórmico. No entanto, de acordo com nossos resultados, quando os tratamentos de emergência com ácido fórmico são realizados na primavera, os resíduos de ácido fórmico no mel de verão podem estar próximos do limiar gustativo desse ácido. Portanto, este tipo de tratamento deve ser evitado. […] Os tratamentos com ácido oxálico não provocam resíduos de ácido oxálico, pelo que não existe absolutamente nenhum perigo de alteração do sabor do mel devido aos tratamentos com ácido oxálico.

Fórmula do ácido fórmico
Fórmula do ácido oxálico

Acerca dos limites máximos de resíduos no mel: “Num regulamento da UE, o ácido fórmico e componentes de óleos essenciais como timol e mentol são definidos como substâncias GRAS (Generally Recognised As Safe), portanto, não é necessário fixar um LMR (Regulamento da UE 2796, 1995). O ácido oxálico é um constituinte natural da maioria dos vegetais e seu conteúdo situa-se entre 300 e 17.000 mg/kg, sendo o teor mais alto o da salsa (Agricultural Handbook, 1984). Assim, a maioria dos vegetais contém quantidades muito maiores de ácido oxálico do que o mel. Considerando a pequena ingestão diária de mel, sua contribuição para a ingestão diária total de ácido oxálico é insignificante. Do ponto de vista nutricional, o ácido oxálico, assim como o ácido fórmico, também deve ter status GRAS. Além disso, não são esperados resíduos significativos após tratamentos com ácido oxálico.

Este artigo fundamental de Bogdanov leva-me a perguntar: porque razão o MAQS, ácido fórmico, está homologado para poder ser utilizado em colónias a colherem néctar para posterior consumo humano e os medicamentos com ácido oxálico não estão? Julgo que tal se deve à qualidade/conteúdo dos dossiers técnicos que acompanham o processo de pedido de homologação submetido à DGAV pelas empresas que os comercializam.

fonte: https://www.researchgate.net/publication/242403759_Determination_of_residues_in_honey_after_treatments_with_formic_and_oxalic_acid_under_field_conditions

velocidade e duração da acção dos medicamentos: uma categorização possível


Entre os medicamentos atualmente disponíveis, podem ser definidas três categorias em termos de velocidade e duração de ação. Dependendo das necessidades e do contexto, o apicultor pode favorecer o uso de um medicamento de uma categoria ou de outra, ou usá-los sucessivamente (mas nunca simultaneamente).

Medicamentos com efeito rápido e curto, chamado de efeito “flash”
Apibioxal®, Oxybee®, Varromed® (administrado em 1 aplicação na primavera e inverno)

Estes medicamentos têm a propriedade de eliminar um grande número de ácaros Varroa muito rapidamente (em poucos dias) e, portanto, diminuir a pressão parasitária muito rapidamente, mas sua duração de ação é inferior a uma semana e apenas os ácaros Varroa foréticos [na fase de dispersão] desse período são afetados. Estes medicamentos não fornecem proteção contra o risco de reinfestação. Com efeito, passado um período de apenas alguns dias após a sua aplicação, não protegem contra a re-infestação de origem externa (principalmente por deriva e pilhagem), nem limitam a reprodução de ácaros varroa residuais. Com excepção do período de inverno em que este risco é muito baixo, esta pode ser considerado uma desvantagem e deve ser tido em conta se não houver um controlo colectivo concertado, ou se a vizinhança apícola constituir um perigo, com apiários tratados tardiamente, incorrectamente ou não tratados.
Para ApiBioxal® e Oxybee®, sendo o ácido oxálico a única substância ativa, recomenda-se usá-los apenas na ausência de criação, pois a eficácia do ácido oxálico é bastante reduzida quando a criação está presente e sob os opérculos e, portanto, preservada da ação acaricida do ácido oxálico. Para o VarroMed®, o uso numa aplicação única só é recomendado no inverno e na ausência de cria ou na primavera se as quedas induzidas não forem significativas. (Ver RCM – Resumo das Características do Medicamento).

Medicamentos de ação rápida com duração média (menos de 4 semanas)
Formic Pro®, maqS®, varromed® (administrado em 3 aplicações na primavera ou no verão)

Estes medicamentos permitirão que a pressão do parasita diminua rapidamente e terão uma ação mais prolongada que os da categoria anterior devido a uma libertação gradual do princípio ativo por vários dias (caso do Formic Pro® e MAQS®), ou porque o tratamento é feito em 3 aplicações (caso de VarroMed® na primavera ou no verão dependendo do nível de infestação).

NB: o apicultor deve ter cuidado ao utilizar VarroMed® (que contém, além do ácido fórmico, ácido oxálico em concentrações bastante elevadas) quando o tratamento envolve várias aplicações. Após experiências com vários tratamentos realizados com ácido oxálico, pesquisadores (Charrière e Imdorf, 2000) indicaram que as aplicações repetidas por gotejamento devem ser evitadas, pois não são bem toleradas pelas abelhas. Publicações (Hatjina, 2005; Bethany et al., 2019) também relatam os efeitos nocivos na criação aberta do ácido oxálico aplicado por gotejamento. Além disso, na primavera, a colmeia é povoada por abelhas de vida curta, e de acordo com um estudo (Martin et al., 2000) o ácido oxálico é mais tóxico para elas do que para as abelhas de vida longa (inverno) provavelmente por terem menor capacidade de desintoxicação.

Medicamentos de ação prolongada
Apiguard®, Apilife var®, Apistan®, Apitraz®, Apivar®, Bayvarol®, Polyvar Yellow®, Thymovar®, Varromed® (administrado em 5 aplicações no verão)

Estes medicamentos agem mais ou menos rapidamente, mas todas têm uma duração de ação superior a 4 semanas. Esta ação prolongada resulta quer de um tratamento em várias aplicações (VarroMed® no verão com 5 aplicações),
quer do efeito de uma forma galénica que permite a libertação gradual da substância ativa após uma única aplicação (medicamentos em forma de tiras: Apivar®, Apitraz®, Apistan®, Polyvar Yellow®), ou mesmo um tratamento com várias aplicações e uma libertação gradual da substância activa (medicamentos à base de timol: Apiguard®, Apilife Var®, Thymovar®).

Agem apenas sobre os ácaros varroa foréticos [na fase de dispersão], e o fato desta ação durar várias semanas deve permitir eliminar os ácaros varroa à medida que emergem durante a emergência das abelhas e/ou são introduzidos com as deriva/pilhagem de abelhas de outras colónias. São, portanto, a priori, os mais adequados para garantir a proteção contra a reinfestação. Devido a esta característica e à duração do tratamento, estes medicamentos são utilizados principalmente no tratamento de verão, após a última colheita.
Quando há muita criação nas colónias e uma grande população de ácaros varroa, a ação lenta de algumas destes medicamentos pode resultar na persistência da pressão parasitária nociva, além de não permitir a produção de abelhas de inverno bem constituídas, se elas sofreram os efeitos do parasitação e viroses associadas.

Importância da cinética/velocidade de ação de um tratamento anti-varroa.
Curvas teóricas da evolução do número de ácaros varroa numa colónia consoante o tratamento aplicado, com uma eficácia de 95%, tenha um efeito rápido e breve (A) ou um efeito lento e prolongado (B).

fonte: GUIDE FNOSAD : vARROA ET vARROOSE

Nota: o Amicel (está homologado em Portugal e Espanhas, mas não em França) é um medicamento que pressupõe a colocação de uma primeira tira no D1 e uma segunda tira no D12 (12 dias após a colocação da primeira) e a retirada das tiras após 35 dias. De acordo com a categorização referida em cima o Amicel partilha as características dos medicamentos de acção rápida com duração média (menos de 4 semanas) e medicamentos de acção prolongada (com uma duração superior a 4 semanas). Contudo, esta acção mais prolongada é contingente, dependendo da velocidade com que as abelhas roam as tiras de celulose.

a monitorização da eficácia de um tratamento para a varroose num mesmo apiário

Esta publicação apresenta os resultados da monitorização da eficácia do tratamento da varroose em 5 colónias localizadas no mesmo apiário (FNOSAD, 2019). O gráfico em baixo ilustra os resultados obtidos acerca da diminuição da população de varroa durante o tratamento aplicado.


Pode notar-se que num mesmo apiário, a infestação e a eficácia do tratamento podem variar muito de uma colmeia para outra.

  • Para a colmeia R1, apesar de uma infestação inicial muito forte, a eficácia é satisfatória.
  • Para R2 e R3, ambos com infestação entre 4.000 e 5.000 ácaros varroa, a eficácia é muito diferente, ótima para R2 e insuficiente para R3.
  • Para R4 e R5, que têm níveis de infestação bastante semelhantes, a eficácia é muito insuficiente para R4 e um pouco abaixo do limite de 95% para R5.
  • Para além do caso de R2 (com uma percentagem de eficácia > 99%), o número de ácaros varroa residuais é, em todas as colmeias, demasiado elevado (de 113 a 651), apesar da eficácia por vezes satisfatória do tratamento (caso de R1 com um percentual de eficiência de 98% mas 168 varroa residuais).

Notas:

  • O número total de ácaros varroa (ponto de partida das curvas) corresponde a todos os parasitas contados ao longo do seguimento, ou seja, durante o tratamento de teste e depois dos dois tratamentos de controlo. As quedas de ácaros varroa atribuídas à ação do medicamento teste são contadas até 9 dias após o término do tratamento (fim das curvas).
  • de acordo com os técnicos da FNOSAD o limiar máximo de varroas residuais, as varroas que sobrevivem ao tratamento, não deve ultrapassar o limiar de 50 no caso dos tratamentos de final de verão/outono.

Reflexão: Desde há muito que reflicto sobre esta realidade, a falta de consistência nos resultados obtidos com um determinado medicamento aplicado na mesma altura, com os mesmos procedimentos e em colónias situadas no mesmo apiário. Neste gráfico que apresento em cima como explicar que a colmeia R1, com cerca 9 mil varroas, apresente no final do tratamento 168 varroas residuais e a colmeia R4, com pouco mais de 2 mil varroas, no final do tratamento apresente 651 varroas? Que razão está subjacente a tão grande variabilidade na eficácia do tratamento? Posso tentar adivinhar algumas razões: por exemplo existirem no apiário população de ácaros com diferentes níveis de resistência ao princípio activo utilizado. Aceitando esta resposta pergunto: porque razão não será toda a população de varroas de um apiário igualmente resistente, sabendo que serão estas que se reproduzirão e acabarão por colonizar de forma rápida todas as colónias presentes no apiário?

eficácia dos acaricidas: alguns apontamentos

A eficácia geral dos acaricidas é função de diversos factores. Entre outros:

  • a oportunidade/timing do tratamento;
  • a concentração do composto envolvido;
  • o período/extensão do tratamento;
  • o ambiente interno da colónia;
  • o ambiente externo à colónia;
  • a rapidez e extensão da evaporação dentro da colónia, para alguns compostos voláteis;
  • a temperatura ambiente durante a aplicação do tratamento, para alguns compostos;
  • a quantidade de abelhas presente na colónia, para alguns compostos e galénicas — colónias com maior população tendem a favorecer a dispersão do produto e, consequentemente, alcançar maior eficácia;
  • a quantidade de criação presente no ninho;
  • a gravidade da infestação;
  • a galénica utilizada para veicular o composto acaricida;
  • o tipo de colmeia;

Vem a propósito este estudo de campo realizado há poucos anos em Espanha Field efficacy of acaricides against Varroa destructor, cujas conclusões são lapidares: “… a eficácia do tratamento depende do apiário onde é aplicado. Além disso, a variabilidade de eficácia detectada entre colmeias no mesmo apiário representa um desafio na identificação dos fatores que são significativos.

Para levar para casa:

  • não assumir que se um acaricida foi eficaz na primavera também o será no verão/outono;
  • não assumir que se um acaricida foi eficaz no meu apiário nº 1 também o será no meu apiário nº2;
  • não assumir que se o acaricida foi efectivo em 10 colmeias do meu apiário — as que monitorei — também foi efectivo nas restantes 20 colmeias assentes nesse mesmo apiário — as que não monitorei.

notas sobre a resistência a acaricidas: o caso dos piretroides

Nesta publicação faço referência à provável reversão dos mecanismos de resistência ao taufluvalianto nas minhas colónias. No decurso da mesma decidi pesquisar mais focadamente literatura acerca da resistência a piretroides, a família de sintéticos onde se inclui o taufluvalinato, veiculado pelas conhecidas tiras com a marca Apistan.

Aspectos gerais sobre o fenómeno de resistência a pesticidas

Como definem os especialistas da área um fenómeno de resistência a um determinado pesticida? A resistência a pesticidas é um fenómeno pelo qual os organismos podem sobreviver a doses ou concentrações mais altas de uma substância tóxica que anteriormente resultava em altos níveis de mortalidade. A resistência a muitas classes e tipos de pesticidas ocorre em muitas espécies de artrópodes. A resistência pode desenvolver-se muito rapidamente, ocorrer numa ampla área geográfica, evoluir em instâncias múltiplas e independentes, e os níveis de resistência podem ser extremamente altos. Os principais mecanismos de resistência incluem desintoxicação melhorada, insensibilidade no local-alvo do tóxico e penetração cuticular reduzida (ver esquema em baixo).

Os três principais mecanismos de resistência aos piretróides e seu local de ação geral.

O caso da resistência ao taufluvalinato e flumetrina

A capacidade de desenvolver resistência a uma ampla gama de pesticidas é um fenómeno generalizado entre os ácaros, por isso era quase inevitável que a varroa se tornasse resistente aos acaricidas comumente usados, como os piretroides, taufluvalinato (Apistan®) e flumetrina ( Bayvarol®). Estudos descobriram que, comparando a concentração de um composto que causa 50% de mortalidade na população de ácaros de teste (CL50), os ácaros resistentes aumentaram os valores de CL50 de 2 vezes em Israel, 11 vezes no Reino Unido e de 36 a 440 vezes em Itália.

Propagação de ácaros resistentes na Europa
Os ácaros resistentes aos piretroides foram detectados pela primeira vez na região de Lombardia, no noroeste da Itália, por volta de 1991. […] Os ácaros resistentes espalharam-se rapidamente através do movimento das abelhas para as regiões vizinhas do sul da Suíça, Eslovénia e sul da França. A partir daí, continuou a sua propagação por toda a Europa seguindo as rotas comerciais estabelecidas em França, finalmente chegando à Alemanha em 1997, através da via possível do movimento de abelhas da Itália em 1998 e Reino Unido em agosto de 2001. No Reino Unido, o primeiro surto descoberto limitou-se a apenas 25 apiários mas em Junho de 2004 já tinha alastrado a cerca de 140 apiários, alguns dos quais estão a muitas centenas de quilómetros da fonte original. O padrão de propagação de ácaros resistentes em toda a Europa continental e no Reino Unido foi muito semelhante ao padrão de propagação exibido pelos ácaros varroa “originais”. Esta é uma propagação local lenta por abelhas que derivam que transferem ácaros entre colónias, com saltos irregulares de longa distância causados por apicultores que efectuam transumância de colónias infestadas com ácaros resistentes. […] No entanto, nos casos em que nenhum movimento óbvio de abelhas é conhecido, muitas vezes assume-se que a resistência surgiu de forma independente.

Propagação de ácaros resistentes fora da Europa
Em 1997, ácaros resistentes a piretróides foram detectados nos EUA. Embora os primeiros relatos de resistência fossem do Dakota do Sul, foi rapidamente estabelecido que estava relacionado com colónias e abelhas vindas da Flórida, onde os testes confirmaram que ácaros resistentes a piretroides também estavam presentes. Aliás, a Flórida também foi o local onde os ácaros varroa originais entraram os EUA em 1987. A Flórida é um importante centro de criação e distribuição de abelhas por via dos pacotes de abelhas enviados para todos os EUA. Este comércio ajudou na disseminação a longa distância tanto da varroa original quanto agora de suas irmãs resistentes a piretroides. Em apenas sete anos, os ácaros resistentes espalharam-se por todo o país nos EUA, com quase todos os estados relatando problemas devido a ácaros resistentes. Como a varroa foi originalmente introduzida na Flórida permanece um enigma, mas permanece a possibilidade de que os ácaros resistentes a piretróides tenham usado a mesma rota ou uma rota semelhante. Fora dos EUA e da Europa, ácaros resistentes a piretroides também foram relatados em Israel e Argentina.

Mecanismos de resistência aos piretróides em ácaros varroa
Os três principais mecanismos não comportamentais pelos quais os animais se tornaram resistentes a uma ampla gama de pesticidas (esquema em cima) são modificar a dose reduzindo a sua penetração, melhorando sua desintoxicação por enzimas (resistência metabólica) ou alterando a forma do próprio local-alvo, ou seja, o canal de sódio, tornando-se menos sensível ao pesticida.

Atualmente não existe confirmação se populações de ácaros resistentes são capazes de reduzir ou impedir a penetração de piretroides por alterações nas propriedades físicas da cutícula. Na Europa e em Israel, a resistência à varroa pode ser parcialmente explicada pela resistência metabólica, pois há uma maior desintoxicação (quebra) de piretroides por meio de enzimas, em particular monooxigenases, e possivelmente por um pequeno aumento na atividade da esterase. No entanto, dados dos EUA indicaram que essas vias metabólicas não surgiam na sua população de ácaros resistentes.

Nos EUA, a resistência aos piretroides (fluvalinato) na varroa foi associada a quatro novas mutações pontuais no gene do canal de sódio. Sabe-se que mutações pontuais semelhantes num gene do canal de sódio associada ao transporte de iões sódio, reduz a sensibilidade das células aos piretroides. Estas mutações do gene do canal de sódio encontradas na população de ácaros dos EUA necessitam investigação na população europeia de ácaros resistentes. Isto porque se diferentes mecanismos de resistência fossem evidenciados nas populações de ácaros da Europa e dos EUA, esta seria a melhor evidência para o aparecimento de duas estirpes independentes de ácaros resistentes.

Custo da resistência
Muitas vezes, a resistência em populações de artrópodes pode ser cara, por exemplo pela superexpressão de certas enzimas de desintoxicação. Isto, na ausência do pesticida, leva à redução da aptidão dos indivíduos resistentes devido à menor capacidade reprodutiva. Foi sugerido que a varroa resistente a piretroides tem uma aptidão menor em comparação com ácaros suscetíveis, mas nenhum dado foi apresentado. No entanto, um estudo detalhado da capacidade reprodutiva de populações de ácaros resistentes e suscetíveis nos EUA não revelou diferenças entre as duas populações.

Em Itália nenhuma desvantagem ou apenas uma pequena redução na aptidão associado à resistência ao fluvalinato foi encontrado em varroas, o que é consistente com observações em insetos quando a resistência é devido a monooxigenases. Além disso, se o mecanismo de resistência é devido a mutações pontuais, a carga metabólica em ácaros resistentes pode novamente ser muito pequena e, portanto, não seriam esperadas diferenças na reprodução dos ácaros.

Conclusão
Todas as evidências atuais (ou seja, não temos nenhuma evidência em contrário) sugerem que a resistência dos ácaros aos piretroides surgiu apenas uma ou duas vezes e que a principal causa da rápida disseminação de ácaros resistentes é o movimento de colónias de abelhas feito pelos apicultores. Enquanto a seleção positiva ocorre apenas como consequência do uso de um acaricida (removendo os ácaros não resistentes da população, permitindo que os ácaros resistentes se desenvolvam), as mutações que dão origem à resistência ocorrem independentemente da exposição, pois são eventos casuais. Não há evidências de que o mau uso dos tratamentos selecione mais rapidamente os ácaros resistentes do que os tratamentos aplicados corretamente. Portanto, a ocorrência de ácaros resistentes não está associada ao uso indevido de tratamentos como muitas vezes tem sido alegado, pois o mesmo resultado final ocorrerá independentemente de o tratamento ter sido utilizado corretamente ou não.”

fonte: “Acaricide (pyrethroid) resistance in Varroa destructor”, Stephen J Martin (2015).

Nota: as conclusões retiradas, em especial as duas últimas afirmações produzidas pelo autor do artigo, não são consensuais na comunidade científica, na comunidade dos apicultores e mesmo entre os fabricantes de acaricidas, como sabemos. Neste documento — https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/reflection-paper-resistance-ectoparasites_en.pdf — uma publicação de revisão sobre este assunto publicado pela EMA (European Medicines Agency), fica evidente como este é um assunto complexo e cuja solução está a ser abordada com recurso e avaliação de estratégias múltiplas.

apistan: avaliação da sua eficácia

Na altura em que perfaz 8 semanas sobre o início do primeiro tratamento da temporada, chega a altura de ir retirando as tiras de Apistan, o medicamento que escolhi para esta época do ano.

Altura de retirar do ninho as tiras de Apistan…
… e colocar as primeiras meias alças.

Passados 7 ou 8 anos desde a última vez que utilizei este medicamento o optimismo relativamente à sua eficácia era elevado. Este longo período em que o não utilizei é, em principio, suficiente para reverter alguma resistência que tenha surgido ao princípio activo.

E o meu optimismo foi confirmado. Em cerca de 170 colónias não encontrei sintomas de varroose. Alguns testes na criação de zângãos confirmam o observado nas muitas inspecções realizadas ao longo destes dois meses. Em baixo deixo fotos de um destes testes realizado recentemente.

Quadro de criação intensiva de zângãos.
As tiras e a sua eficácia.
Esta foto foi tirada acidentalmente… e achei-lhe graça.

amicel: uma galénica diferente para veicular o amitraz

Diversos apicultores encontram nas familiares tiras de cartão impregnadas de Citraz ou Taktic (acaricidas com amitraz) misturado em vaselina ou óleo alimentares o plano A para controlar a varroose nas suas colónias. Alguns companheiros são bem sucedidos nesse intento de controlar a varroose com estas soluções caseiras, outros não.

Como habitual, o meu plano A passa pela utilização dos medicamentos homologados. Não tendo re-confirmado a eficácia de anos anteriores com a utilização do Apivar, que veicula o amitraz (500 mg por tira) por intermédio das conhecidas tiras de material plástico (ver aqui), este ano vou optar pelo Amicel, um medicamento homologado que veicula o amitraz através de tiras de cartão (250 mg de amitraz por tira). Espero com esta galénica diferente obter melhores resultados nos tratamentos do próximo verão.

Ver aqui a bula do Amicel.

tiras de cartão com ácido oxálico misturado em glicerina: um vídeo

Na sequência da publicação anterior, o vídeo em cima mostra os procedimentos e cuidados a ter na preparação dos cartões de ácido oxálico misturado em glicerina alimentar/vegetal.

Dispenso-me de traduzir o seu conteúdo, e fico disponível para reponder às questões/dúvidas que surgirem na caixa de comentários.

tratamento intermédio: preparação de tiras de cartão com ácido oxálico misturado em glicerina

Tendo optado pelo ácido oxálico em detrimento do ácido fórmico para realizar o tratamento intermédio das minhas colónias (ver aqui a razão mais forte), esta publicação visa esmiuçar com bom detalhe uma opção possível para tratar colónias com muita criação presente, garantindo a qualidade do mel e eficácia satisfatória: as tiras de cartão com ácido oxálico misturado em glicerina alimentar.

Como sabemos o ácido oxálico pode ser utilizado em tratamentos flash pelo método de gotejamento e por sublimação. Contudo estes dois modos de tratamento são muito pouco eficazes em enxames com muita criação operculada, como é o caso das minhas colónias nos meses de abril ou maio, os meses em que tenciono efectuar este tratamento intermédio. Neste contexto as tiras de cartão impregnadas de uma mistura de glicerina e ácido oxálico têm-se mostrado razoavelmente eficazes e são uma opção a considerar. Estas tiras, de libertação lenta do ácido oxálico, permitem atingir as varroas ao longo de um ciclo ou mais de criação, à medida que vão ficando expostas de acordo com o ritmo a que as novas abelhas vão emergindo dos alvéolos operculados onde foram criadas.

Em baixo deixo uma formulação para se fazerem estas tiras em casa. Esta formulação é copiada de um dossier técnico apícola publicado por instituições apícolas francesas idóneas (ver aqui o link para o dossier). É inabitual eu dar receitas caseiras de acaricidas (esta é a segunda vez que o faço), contudo abro esta excepção considerando a completa ausência na lista dos medicamentos homologados de um tratamento de longa duração, que não deixe resíduos preocupantes no mel e que apresente uma boa eficácia média na presença de criação operculada. Chamo a atenção para o facto que o ácido oxálico é um ácido muito forte e que deve ser manipulado com toda a precaução e com os EPI adequados. Finalmente, afirmar que pretendo apenas informar os apicultores que seguem este blog, como outros já fizeram em língua francesa ou espanhola, em dossiers técnicos apícolas, publicados por instituições que reputo de responsáveis e credíveis, que estão atentas aos problemas efectivos dos apicultores, que apresentam propostas de solução para necessidades reais sentida por muitos de nós, neste caso e em concreto a necessidade de controlar a taxa de infestação durante a temporada de fluxo.

Preparação: As tiras são feitas de tiras de cartão imersas numa mistura de glicerina (65%) e ácido oxálico (35%) por 24 horas (relação peso/peso).

Exemplo para 1000g de solução de impregnação:
“Para 50 tiras de cartão, utilize 350g de ácido oxálico e 650g de glicerina de qualidade alimentar. A glicerina é aquecida a 60°C e então o ácido oxálico é gradualmente misturado com a glicerina quente, mexendo levemente. As tiras são imersas na mistura aquecida a 40-50°C, depois deixadas à temperatura ambiente durante 24 horas (uma tira absorve entre 18 e 21 g de solução). As tiras devem ser drenadas para remover o excesso de mistura (não devem pingar na colmeia) e devem ser armazenadas em sacos herméticos longe do calor e da luz à temperatura ambiente.

Aplicação: São colocadas 4 tiras por colmeia no ninho (nos espaços entre quadros). São deixados nas colónias por 21 dias para abranger um ciclo de criação e renovadas uma vez ao final de 21 dias.

Resultados: As tiras de ácido oxalico foram aplicadas no final do verão em diferentes apiários durante 42 dias, com renovação a meio do tratamento, aos 21 dias (LAOx2 no quadro em baixo) ou sem renovação a meio do tratamento (LAO).

Dados de 2015, 2017 e 2018 da eficácia do AluenCap e das tiras preparadas (gráfico em cima) e das varroas residuais após os tratamentos (gráfico em baixo). Em 2017, a eficácia média para as tiras preparadas e com renovação a meio do tratamento (LAOx2) foi de 88,5%; o valor médio de varroas residuais* no final do tratamento foi 357. No ano de 2018, a eficácia média para as tiras preparadas e com renovação a meio do tratamento (LAOx2) foi de 83,5%; o valor médio de varroas residuais encontradas no final do tratamento foi 512. Nesse mesmo ano a eficácia média para as tiras preparadas e sem renovação a meio do tratamento (LAO) foi de 71,4%; o valor médio de varroas residuais encontradas no final do tratamento foi 582. * Ter em consideração que o número óptimo de varroas residuais após qualquer tratamento de final de verão se situa abaixo das 50 varroas.

Conclusão: As tiras preparadas em casa não são tão eficazes como as tiras de AluenCap, contudo apresentam resultados interessantes ainda que com eficácia heterogénea, dependendo dos apiários, das colónias no mesmo apiário e, sobretudo, do ano**. A renovação das tiras a meio do tratamento (21 dias) proporciona um ganho significativo na eficácia e garante uma melhor homogeneidade de resultados. […] a renovação das tiras é realmente um ponto a não ser descurado na utilização das tiras de ácido oxálico porque permite obter melhores resultados quer para as tiras preparadas quer para o Aluen CAP®. Para as tiras preparadas, essa renovação das tiras no meio do tratamento é quase obrigatória.”

** os autores do relatório destacam a heterogeneidade de resultados inter-anuais. As razões não estão ainda devidamente identificadas. A minha hipótese é esta: a humidade relativa (HR) na altura da realização deste tipo de tratamento influi na eficácia — HR mais elevada menor eficácia; HR menos elevada maior eficácia.

fonte: http://w3.avignon.inra.fr/lavandes/biosp/DocTechADA/cahierVarroaN1_2019.pdf

Nota: nesta publicação fiz a primeira menção a uma formulação caseira, publicada num reputado blog apícola espanhol, e também relativa à mistura de ácido oxálico com glicerina em suportes celulósicos.

tratamento intermédio: fórmico ou oxálico?

À luz das minhas observações e nos meus apiários faz cada vez mais sentido realizar um tratamento intermédio da varroose, isto no mês de abril ou maio. Entre outras variáveis, os invernos amenos como o actual, que não forçam as rainhas a uma paragem da sua postura, contribuem para este desfecho: a necessidade de fazer um tratamento intermédio com um bom nível de eficácia. Esta constatação é cada vez mais transversal como se pode ler neste relatório francês: “Apesar dos tratamentos anti-varroa utilizados entre duas épocas de produção, algumas colónias ainda estão demasiado infestadas na primavera. Que tratamentos estão disponíveis? Que intervenção melhora o desempenho da colónia reduzindo o nível de infestação? Dependendo do tratamento utilizado, quais são os riscos para as colónias de abelhas e para a qualidade do mel? Para responder a essas perguntas, o ITSAP-Bee Institute e a rede ADA experimentaram o uso de ácido fórmico ou ácido oxálico contra a Varroa durante a temporada apícola.

Como sabemos a questão dos resíduos no mel coloca-se com muita agudeza nos tratamentos intermédios e limita muito a opção por princípios activos. Neste contexto em regra a opção dos apicultores recai nos ácidos orgânicos naturalmente presentes no mel e que conjuguem um bom potencial acaricida: o ácido fórmico (AF) e o ácido oxálico (AO). Vejamos agora com mais detalhe se de facto estes dois ácidos não deixam resíduos anormais no mel.

Não há limite máximo de resíduos (LMR) para AF e AO no mel, mas de acordo com o Codex Alimentarius os níveis não devem alterar o sabor do mel e nenhum composto pode ser removido ou adicionado. […] As amostras de colmeias tratadas com MAQS® apresentam um teor de ácido fórmico superior ao valor usual em 8 de 14 análises, ou seja, 57% dos casos (ver Tabela em baixo). As concentrações são consideradas incomuns. […] Os níveis de ácido oxálico nas amostras analisadas não são detectáveis ​​para a maioria das amostras retiradas das colmeias tratadas com ácido oxálico dihidratado por sublimação. […] Assim, para os dois métodos de tratamento testados, apenas o tratamento MAQS® apresenta risco significativo de aumento grande de ácido fórmico além dos valores usuais no mel. Charriere et al. (2012) alertaram para a presença de resíduos de ácido fórmico no mel após tratamento contra Varroa durante a estação. Assim, o uso de MAQS® como tratamento corretivo na primavera deve ser reservado para colónias muito infestadas, mas que devem ser removidas do circuito de produção: mesmo a produção de verão pode ser poluída apesar do intervalo de tempo entre a aplicação do tratamento e a colheita mel. […] o uso de MAQS® durante o fluxo deve ser dissociado da produção de mel: várias experiências sobre o uso de ácido fórmico na primavera contra a Varroa, assim como para o tratamento contra a traça da cera, revelam resíduos de AF no mel produzido posteriormente. É necessário um período de vários meses (tipicamente: o período de invernada após a sua utilização no final do verão) para evitar qualquer risco de acumulação de ácido fórmico no mel. […] o tratamento MAQS® na primavera aumentou o teor de ácido fórmico do mel, mesmo o produzido mais tarde no verão, consolidando as observações feitas noutros estudos: tratar com ácido fórmico ou produzir, é preciso optar!

Legenda: ND-não detectável; fundo verde – conteúdo de ácido normal; fundo vermelho – conteúdo de ácido anormal.

fonte: Renforcer la lutte contre Varroa : comment réguler l’infestation en cours de saison? Julien Vallon (ITSAP-Institut de l’abeille)

Com estes dados presentes a minha opção pelo ácido oxálico para os tratamentos intermédios que pretendo realizar durante a temporada está justificada. Em próximas publicações tenciono descrever com mais detalhe algumas das opções de maneio para aumentar a eficácia do ácido oxálico nesta época do ano.