notas sobre a resistência a acaricidas: o caso dos piretroides

Nesta publicação faço referência à provável reversão dos mecanismos de resistência ao taufluvalianto nas minhas colónias. No decurso da mesma decidi pesquisar mais focadamente literatura acerca da resistência a piretroides, a família de sintéticos onde se inclui o taufluvalinato, veiculado pelas conhecidas tiras com a marca Apistan.

Aspectos gerais sobre o fenómeno de resistência a pesticidas

Como definem os especialistas da área um fenómeno de resistência a um determinado pesticida? A resistência a pesticidas é um fenómeno pelo qual os organismos podem sobreviver a doses ou concentrações mais altas de uma substância tóxica que anteriormente resultava em altos níveis de mortalidade. A resistência a muitas classes e tipos de pesticidas ocorre em muitas espécies de artrópodes. A resistência pode desenvolver-se muito rapidamente, ocorrer numa ampla área geográfica, evoluir em instâncias múltiplas e independentes, e os níveis de resistência podem ser extremamente altos. Os principais mecanismos de resistência incluem desintoxicação melhorada, insensibilidade no local-alvo do tóxico e penetração cuticular reduzida (ver esquema em baixo).

Os três principais mecanismos de resistência aos piretróides e seu local de ação geral.

O caso da resistência ao taufluvalinato e flumetrina

A capacidade de desenvolver resistência a uma ampla gama de pesticidas é um fenómeno generalizado entre os ácaros, por isso era quase inevitável que a varroa se tornasse resistente aos acaricidas comumente usados, como os piretroides, taufluvalinato (Apistan®) e flumetrina ( Bayvarol®). Estudos descobriram que, comparando a concentração de um composto que causa 50% de mortalidade na população de ácaros de teste (CL50), os ácaros resistentes aumentaram os valores de CL50 de 2 vezes em Israel, 11 vezes no Reino Unido e de 36 a 440 vezes em Itália.

Propagação de ácaros resistentes na Europa
Os ácaros resistentes aos piretroides foram detectados pela primeira vez na região de Lombardia, no noroeste da Itália, por volta de 1991. […] Os ácaros resistentes espalharam-se rapidamente através do movimento das abelhas para as regiões vizinhas do sul da Suíça, Eslovénia e sul da França. A partir daí, continuou a sua propagação por toda a Europa seguindo as rotas comerciais estabelecidas em França, finalmente chegando à Alemanha em 1997, através da via possível do movimento de abelhas da Itália em 1998 e Reino Unido em agosto de 2001. No Reino Unido, o primeiro surto descoberto limitou-se a apenas 25 apiários mas em Junho de 2004 já tinha alastrado a cerca de 140 apiários, alguns dos quais estão a muitas centenas de quilómetros da fonte original. O padrão de propagação de ácaros resistentes em toda a Europa continental e no Reino Unido foi muito semelhante ao padrão de propagação exibido pelos ácaros varroa “originais”. Esta é uma propagação local lenta por abelhas que derivam que transferem ácaros entre colónias, com saltos irregulares de longa distância causados por apicultores que efectuam transumância de colónias infestadas com ácaros resistentes. […] No entanto, nos casos em que nenhum movimento óbvio de abelhas é conhecido, muitas vezes assume-se que a resistência surgiu de forma independente.

Propagação de ácaros resistentes fora da Europa
Em 1997, ácaros resistentes a piretróides foram detectados nos EUA. Embora os primeiros relatos de resistência fossem do Dakota do Sul, foi rapidamente estabelecido que estava relacionado com colónias e abelhas vindas da Flórida, onde os testes confirmaram que ácaros resistentes a piretroides também estavam presentes. Aliás, a Flórida também foi o local onde os ácaros varroa originais entraram os EUA em 1987. A Flórida é um importante centro de criação e distribuição de abelhas por via dos pacotes de abelhas enviados para todos os EUA. Este comércio ajudou na disseminação a longa distância tanto da varroa original quanto agora de suas irmãs resistentes a piretroides. Em apenas sete anos, os ácaros resistentes espalharam-se por todo o país nos EUA, com quase todos os estados relatando problemas devido a ácaros resistentes. Como a varroa foi originalmente introduzida na Flórida permanece um enigma, mas permanece a possibilidade de que os ácaros resistentes a piretróides tenham usado a mesma rota ou uma rota semelhante. Fora dos EUA e da Europa, ácaros resistentes a piretroides também foram relatados em Israel e Argentina.

Mecanismos de resistência aos piretróides em ácaros varroa
Os três principais mecanismos não comportamentais pelos quais os animais se tornaram resistentes a uma ampla gama de pesticidas (esquema em cima) são modificar a dose reduzindo a sua penetração, melhorando sua desintoxicação por enzimas (resistência metabólica) ou alterando a forma do próprio local-alvo, ou seja, o canal de sódio, tornando-se menos sensível ao pesticida.

Atualmente não existe confirmação se populações de ácaros resistentes são capazes de reduzir ou impedir a penetração de piretroides por alterações nas propriedades físicas da cutícula. Na Europa e em Israel, a resistência à varroa pode ser parcialmente explicada pela resistência metabólica, pois há uma maior desintoxicação (quebra) de piretroides por meio de enzimas, em particular monooxigenases, e possivelmente por um pequeno aumento na atividade da esterase. No entanto, dados dos EUA indicaram que essas vias metabólicas não surgiam na sua população de ácaros resistentes.

Nos EUA, a resistência aos piretroides (fluvalinato) na varroa foi associada a quatro novas mutações pontuais no gene do canal de sódio. Sabe-se que mutações pontuais semelhantes num gene do canal de sódio associada ao transporte de iões sódio, reduz a sensibilidade das células aos piretroides. Estas mutações do gene do canal de sódio encontradas na população de ácaros dos EUA necessitam investigação na população europeia de ácaros resistentes. Isto porque se diferentes mecanismos de resistência fossem evidenciados nas populações de ácaros da Europa e dos EUA, esta seria a melhor evidência para o aparecimento de duas estirpes independentes de ácaros resistentes.

Custo da resistência
Muitas vezes, a resistência em populações de artrópodes pode ser cara, por exemplo pela superexpressão de certas enzimas de desintoxicação. Isto, na ausência do pesticida, leva à redução da aptidão dos indivíduos resistentes devido à menor capacidade reprodutiva. Foi sugerido que a varroa resistente a piretroides tem uma aptidão menor em comparação com ácaros suscetíveis, mas nenhum dado foi apresentado. No entanto, um estudo detalhado da capacidade reprodutiva de populações de ácaros resistentes e suscetíveis nos EUA não revelou diferenças entre as duas populações.

Em Itália nenhuma desvantagem ou apenas uma pequena redução na aptidão associado à resistência ao fluvalinato foi encontrado em varroas, o que é consistente com observações em insetos quando a resistência é devido a monooxigenases. Além disso, se o mecanismo de resistência é devido a mutações pontuais, a carga metabólica em ácaros resistentes pode novamente ser muito pequena e, portanto, não seriam esperadas diferenças na reprodução dos ácaros.

Conclusão
Todas as evidências atuais (ou seja, não temos nenhuma evidência em contrário) sugerem que a resistência dos ácaros aos piretroides surgiu apenas uma ou duas vezes e que a principal causa da rápida disseminação de ácaros resistentes é o movimento de colónias de abelhas feito pelos apicultores. Enquanto a seleção positiva ocorre apenas como consequência do uso de um acaricida (removendo os ácaros não resistentes da população, permitindo que os ácaros resistentes se desenvolvam), as mutações que dão origem à resistência ocorrem independentemente da exposição, pois são eventos casuais. Não há evidências de que o mau uso dos tratamentos selecione mais rapidamente os ácaros resistentes do que os tratamentos aplicados corretamente. Portanto, a ocorrência de ácaros resistentes não está associada ao uso indevido de tratamentos como muitas vezes tem sido alegado, pois o mesmo resultado final ocorrerá independentemente de o tratamento ter sido utilizado corretamente ou não.”

fonte: “Acaricide (pyrethroid) resistance in Varroa destructor”, Stephen J Martin (2015).

Nota: as conclusões retiradas, em especial as duas últimas afirmações produzidas pelo autor do artigo, não são consensuais na comunidade científica, na comunidade dos apicultores e mesmo entre os fabricantes de acaricidas, como sabemos. Neste documento — https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/reflection-paper-resistance-ectoparasites_en.pdf — uma publicação de revisão sobre este assunto publicado pela EMA (European Medicines Agency), fica evidente como este é um assunto complexo e cuja solução está a ser abordada com recurso e avaliação de estratégias múltiplas.

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