prevenção da traça durante o armazenamento da cera

O armazenamento e protecção de quadros de cera depois da extracção do mel é um dos principais problemas dos apicultores, especialmente em regiões com um Inverno ameno. A causa do problema está num insecto vulgarmente designado entre nós de traça da cera.

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Fig. 1: Larvas da traça da cera

As traças da cera são presença frequente na maioria dos apiários durante os meses mais quentes. Estes insectos são noturnos e passam o dia escondido em arbustos, árvores ou outros locais abrigados. No início da noite, as mariposas adultas fêmeas esgueiram-se para o interior das colmeias. Uma vez dentro da colmeia põem ovos nas fendas que encontram e saem da colmeia nas primeiras horas da manhã não sendo detectadas pelas abelhas.

O ciclo de vida da traça gigante (Galleria mellonella L.) e da traça pequena (Achroea grisella) na cera de abelha passa por 4 fases: o ovo, a larva, a pupa ou ninfa e o adulto. O ciclo de vida da traça é retardado devido a baixas temperaturas e ausência de alimento (principalmente pólen). O ciclo pode variar entre 6 semanas a 6 meses dependendo da temperatura e alimento.

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Fig. 2: Traça gigante (Galleria mellonella L.)

As larvas destroem a cera porque se alimentam do pólen e outros materiais orgânicos nela depositados. Assim são, em regra, os quadros onde houve criação porque apresentam maiores ou menores quantidades de pólen e acumulam a seda dos casulos das pupas. Estes quadros são uma fonte de alimento muito mais atraente do que os favos que apenas armazenaram mel. Estes últimos oferecem um alto nível de resistência às traças de cera.

As traças adultas não causam estragos na cera devido às suas mandíbulas estarem atrofiadas.

Os tratamentos na prevenção e luta contra a traça podem ser os físicos (arejamento e congelamento), os químicos (enxofre, dissulfeto de carbono, ácido acético e fórmico) e os biológicos (Bacillus thuringiensis) para a prevenção e controlo da traça. É necessário ter em atenção que nem todos os tratamentos matam todas os estádios da traça (ver tabela 1).

Após a aplicação de tratamentos é essencial um período de 1 a 2 semanas de arejamento das alças antes de serem colocadas nas colmeias. Embora não exista legislação específica para os tratamentos no controlo da traça, é importante saber que alguns destes tratamentos são perigosos para a saúde pública devido ao risco de serem difundidos para o mel mesmo com o arejamento das alças. É o caso do paradiclorobenzeno (PDCB) e da fosfina. Outros tratamentos, como é o caso do dissulfeto de carbono, representam um risco para o apicultor devido à sua dificuldade de maneio como também apresentam riscos para a saúde do apicultor. Nos tratamentos mais seguros para a saúde pública estão o dióxido de enxofre (“mechas” ou “pastilhas” de enxofre), pois é uma substância que não se acumula nas ceras, tal como o Bacillus thuringiensis.

Método Tratamento Objectivos Observações
 Físico  Arejamento (< 15ºC)  Retardar crescimento  Só é eficiente com luminosidade
 Físico  Refrigeração Mata todos os estádios 2h/-15ºC; 3h/-12ºC;

5h/-7,5ºC

  Físico  Calor Mata todos os estádios 80 min/46ºC;

40 min/50ºC

 Biológico  Bacillus thuringiensis (subespécie aizawai) Não mata os ovos  Por spray
 Químico Enxofre  Não mata os ovos  1 tira ± 10 meias-alças
 Químico  Ácido acético  Mata todos os estádios 200 ml (60-80%)/100 L
 Químico  Ácido fórmico Mata todos os estádios 80 ml (85%)/100 L

Tabela 1: Tratamentos na luta contra a traça da cera

A concluir refiro que nos últimos 4 anos tenho armazenado centenas de meias-alças do modelo Langstroth e Lusitana no período de Setembro a Março/Abril na Beira Alta a uma altitude de cerca de 900m. Estas meias-alças são colocadas em pilhas de 8 a 10 numa casa rústica, com bom arejamento e iluminação natural. Refiro ainda que não armazeno quadros com pólen e/ou ceras escurecidas onde houve vários ciclos de criação. Falta apenas dizer que coloco as meias-alças na pilha de forma cruzada/perpendicular de forma a que a meia-alça debaixo e a imediatamente de cima formem uma + ou um x. Procuro que o ar e a luz entrem o mais possível na pilha. Até agora esta técnica simples, orgânica e económica de armazenamento dos quadros de cera puxados resultantes da cresta, nas condições ambientais que descrevi, tem sido adequada no combate à traça da cera.

Fontes: “INTRODUÇÃO ÀS BOAS PRÁTICAS NA OBTENÇÃO DE CERA DE QUALIDADE”; http://www.clemson.edu/extension/beekeepers/publications/wax_moth_ipm.html

uma arma revolucionariamente simples contra a vespa velutina

Como muitos de nós sabem, por um saber de experiência feito, a apicultura quando levada seriamente é uma atividade muito exigente no que respeita à carga de trabalho a ela inerente. Por essa razão procuro, e julgo que procuramos todos nós, soluções simples, rápidas e que tenham uma elevada eficácia na resolução dos diversos problemas com os quais nos vamos confrontando.

Um dos problemas mais atuais em alguns países europeus e também em várias regiões de Portugal chama-se Vespa Velutina (também conhecida por Vespa asiática ou Vespa das patas amarelas). Ora nas minhas deambulações pela net encontrei aqui uma solução para eliminar pelo menos uma parte das Vespas Velutinas rainhas (também conhecidas por “fundadoras”).

A bandeja coletora de Vespas Velutinas rainhas

Um apicultor francês, Denis Jaffré, apicultor na Finisterra francesa e co-presidente da Associação Anti Vespa Asiática, descobriu uma forma inteligente para acabar com o pesadelo. “Em 2014, eu perdi seis colmeias, mas descobri o culpado no outono: dois enormes ninhos de vespa asiática, previamente escondida pelas folhas, e que estavam empoleirados nas árvores situadas num raio de 200 metros meu apiário “, diz ele. No ano seguinte, este apicultor decidiu utilizar pela primeira vez a “bandeja coletora” de Vespas Velutinas rainhas. É um dispositivo simples e eficaz que atrai e elimina as rainhas na primavera, antes de formarem uma nova colónia.

Um atrativo poderoso

O resultado é eloquente: “entre o início de março, quando elas saem da hibernação, e no final de junho, eu capturei 13 rainhas, o que me permitiu impedir a criação de 3 a 4 ninhos no meu ambiente imediato e lamentar a predação nas minhas colmeias “, diz este apicultor. O princípio é o de atrair estas jovens rainhas usando um poderoso atrativo: mel cristalizado colhido no outono, amalgamado com cera de uma colmeia saudável (para evitar a propagação de pragas, como loque americana). Denis Jaffré coloca este atrativo numa bandeja de metal grande (60 x 70 cm no mínimo) que é colocada sobre cavaletes. O conjunto é colocado em campo aberto, mas protegido da chuva, num local bem iluminado, garantindo que o sol não derreta o isco.

Esfomeadas por alimentos ricos em açucares

“No final do inverno e toda a primavera, as rainhas sentem uma bulimia por alimentos açucarados”, explica ele. “As rainhas nesta época do ano procuram avidamente acumular reservas de energia necessárias para a atividade reprodutiva no futuro próximo. Mel com cera misturada liberta aromas que atraem todas as fêmeas dentro que eu acho que cerca de 1,5 km”. “A captura é realizada no momento da visita diária com um frasco de boca larga com uma tampa (ver aqui vídeo exemplificativo), ou com um pau de espeto revestidos com cola (ver aqui vídeo exemplificativo) ou com um pequeno aspirador (ver aqui vídeo exemplificativo). Não há risco de ser picado “nesta época do ano, as rainhas jovens só pensam em comida e não são agressivas” garante Denis Jaffré. Além disso, ao contrário de um aprisionamento convencional, a bandeja coletora de rainhas é muito seletiva: não são eliminados as rainhas dos abelhões, vespas ou vespas europeias (inofensiva para as abelhas) para não mencionar as abelhas campeiras atraídas também pelo cheiro perfumado do mel e cera.

“Simples, eficaz, seletivo e limpo”

A última vantagem deste método revolucionário: não custa nada – o seu inventor (vespavelutinabzh@orange.fr) fornece o seu parecer gratuitamente — e é para todos: indivíduos, mas também as comunidades. “Os investigadores continuam a procurar e eu descubro num ano um truque simples, eficiente, seletivo e orgânico”, diz ele sarcasticamente. Segundo ele, a destruição de ninhos custa cerca de 300.000 euros por ano e por departamento, uma soma de 20-30 milhões de euros em todo o país. Tudo em vão, porque, ano após ano, a vespa asiática continua a proliferar …”

Quanto a nós, por cá, é pôr mãos à obra porque uma boa velutina é uma velutina morta, sobretudo se ela for uma rainha.

o futuro da apicultura (por Gilles Ratia)

Numa entrevista publicada na Abeilles et Fleures (ed. nº 779 de Fevereiro de 2016), a Gilles Ratia, presidente da Apimondia até muito recentemente, foi-lhe colocada a seguinte questão: Como vê a apicultura no mundo e o seu futuro, à luz das muitas viagens que realizou pelo mundo?

Porque achei a resposta deste experimentado e viajado apicultor muito interessante, deixo aqui a tradução da sua resposta.

“Na verdade, existem várias apiculturas. Há países onde ainda existem os api-coletores — você sabe, aqueles que sobem a árvores para colher o mel das Apis dorsata, ou o ainda mais temerário como suspender escadas feitas de cordas improváveis para re-colectar o mel da Apis laboriosa que vivem agarradas às altas falésias nepalesas.

Há também a apicultura tradicional onde as colmeias sem quadros, feitos de todos os tipos de material, utilizando raças locais (cerana, andansonii, etc.), sem qualquer selecção ou insumo (não utiliza cera laminada, alimentação artificial, tratamento veterinário, etc.).

Em terceiro lugar há a chamada apicultura “intermédia”, com as colónias instaladas em colmeias minimalistas como a famosa KTBH (colmeia queniana de barras superiores) ou as Warré, às vezes alimentadas artificialmente.

Finalmente, há a apicultura como a conhecemos em França, com colmeias Dadant e Langstroth. Este última categoria é altamente afetada no seu lado intensivo e muitas vezes é levantada a questão do seu futuro. Embora eu não seja um adivinho, nem um futurólogo, existem cenários mais ou menos complexos/difíceis de definir, esta é a minha visão quadripartida face ao declínio das colónias de abelhas:

  • Ou os apicultores nada fazem além de se adaptar continuamente, mal ou bem, às novas pressões da profissão: pesticidas cada vez mais perniciosos, globalização das doenças e das parasitoses, produtos veterinários de eficácia questionável, climatologia aleatória, legislação cada vez mais rigorosa a respeito da qualidade dos produtos apícolas, deixando passar simultaneamente as adulterações industriais vindas do Extremo Oriente, custos de produção crescentes, etc. Poucos sobreviverão …
  • Ou os apicultores se voltam para a “apicultura slow”: abandono da criação de rainhas, das ceras laminadas, da alimentação artificial que não seja a estritamente necessária à sobrevivência dos enxames, da redução da transumância e dos tratamento alopáticos, etc., com os outros agricultores a fazerem o mesmo ao seu nível e na sua prática, como parte de uma abordagem holística e cautelosa sobre o futuro da biodiversidade,  e assim de toda a humanidade. Todos sobreviverão…
  • Ou os apicultores se tornam grandes consumidores de alta tecnologia para arrancar com a apicultura 2.0: abelhas geneticamente modificadas, produtos para todos os estádios da colónia e personalizados para cada uma de acordo com o seu estado fisiológico — à imagem das vacas equipadas com coleiras de identificação —, todas as colmeias equipadas com vários sensores para monitorar 24/24 e 7 dias/7 por satélite, previsões metereológicas finas, diversificação de produtos para venda, como sabem fazer os chineses: o pólen + geleia real + ginseng + placenta humana, etc.. Não se sabe se se tratará da sobrevivência a longo prazo ou de um suicídio a curto prazo …
  • Ou ninguém precisa dos apicultores e os políticos vão deixá-los morrer no altar do progresso: plantas GM auto-férteis que não requerem polinização, e nos casos raros em que tal não será possível, micro-drones tocarão o pistilo das flores em vez desses insetos traquinas que picam! Como para o mel, ele é tão facilmente substituído pelo “xarope de frutose de milho” com sabor, não é cavalheiros das fraudes?
  • É óbvio que haverá (na verdade, já existe) uma re-partição dos apicultores na arte das três primeiras apiculturas referidas acima, de acordo com a sua cultura, crença, idade, experiência passada e conta bancária. A verdadeira pergunta que todos devem fazer será: “Em que tipo de mundo viverão os nossos filhos se a quarta opção se impuser?”

Vespa asiática de patas amarelas (V. velutina nigrithorax): ciclo de vida

Nota prévia: Estes dados são de uma região francesa (Aquitaine). Poderá ser necessário fazer alguns ajustamentos na sazonalidade e intensidade de comportamentos para a realidade portuguesa acerca dos aspectos abaixo descritos. Desconheço se há algum estudo deste tipo feito na nossa terra. Contudo, os dados desta região francesa, ajudam-nos a compreender melhor o ciclo de vida deste indesejado e exótico predador por terras lusas.

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Fig. 1 — Exemplar de uma V. velutina nigrithorax (as patas amarelas são um elemento distintivo em relação às V. crabro)

  • Período de postura: A emergência do período de hibernação das fundadoras da V. velutina vai do período de fevereiro a maio. A construção do ninho primário e os primeiros ciclos de postura ocorrem durante este período. Sabemos que a atividade das fêmeas fundadoras depende da temperatura ambiente. A antecipação dos dias de calor podem levar ao aparecimento precoce de alguma atividade, mas a fundação de uma nova colónia está dependente de alimentos em quantidades adequadas que a rainha fundadora possa encontrar. Nesta fase inicial da vida da nova colónia há uma preferência destes insectos por carbo-hidratos, daí que se aconselhe que as armadilhas para a captura das vespas fundadoras sejam elaboradas com uma base açucarada.

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Fig. 2 — Preparação de armadilhas para caçar as V. velutinas

  •  A invernagem: Em geral, para passar o inverno, as rainhas jovens já fecundadas escondem-se num lugar protegido (troncos podres, aterros, pilhas de madeira, buracos nas paredes, etc…).
  • Uma fundadora por ninho e por ano: A fundadora é, originalmente, apenas uma por colónia e por ano. Ela morre depois de um ano e são os seus descendentes (fêmeas fecundadas) que, no ano seguinte, se tornam as fundadoras de novos ninhos. Na primavera, cada fundadora constrói um novo ninho e desenvolve uma nova colónia que pode chegar a atingir 1800 indivíduos no final do verão.

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Fig.  3 — Exemplar de um ninho de uma colónia de V. velutinas

  • Modo de fecundação: Em geral, o acasalamento é realizado em vôo e prossegue no solo. A fecundação das fêmeas fundadoras da próxima geração tem lugar no final do verão ou no início do outono. As feromonas sexuais produzidas pela fêmea parecem estar envolvidos na atracção dos machos.
  • Composição da dieta alimentar: A componente proteica da dieta da V. velutina é composto por 80% de abelhas, quando em áreas urbanas e 45 a 50% nas zonas rurais. O resto da dieta é composta de lagartas, borboletas, moscas, libélulas e outros insetos. No final da temporada, as V. velutinas são especialmente atraídas por fruta madura (fazem estragos assinaláveis, por exemplo, em vinhas). A sua dieta depende do alimento disponível, do estágio de desenvolvimento da colónia e uma possível concorrência com outros predadores.

Os hidratos de carbono (açucares) e as proteínas são necessários ao desenvolvimento das colónias destes vespões. Os hidratos de carbono necessários para suprir os gasto de energia dos adultos estão sempre presentes na sua dieta. As proteína são necessárias para a criação da sua prole. E, infelizmente para as abelhas e para nós apicultores, uma das principais fontes de proteína desta praga de vespões são as abelhas.

Nota: Julgo que está a chegar a altura do ano para iniciar a caça das vespas fundadoras.  Neste momento sugiro armadilhas com um atraente açucarado . Espero que em breve surjam métodos de combate a esta praga mais efectivos que os actuais. Deposito uma grande esperança no aperfeiçoamento dos cavalos de tróia, uma estratégia que poderá levar a melhores resultados que os até agora alcançados.

apresentação do blog abelhas à beira

Inicio hoje este blog de Apicultura por dois grandes motivos. O primeiro motivo, de natureza um pouco egoísta, é o prazer que me dá escrever; o segundo, de natureza diria mais altruísta, é o prazer que me dá partilhar estes textos com todos vós que o estais a ler neste momento.

 

A razão do nome de blog “abelhas à beira” nasce de um jogo de palavras: a maior parte dos meus apiários estão na região da Beira Alta e, por outro lado, as abelhas como qualquer outro ser vivo, estão permanentemente à beira de qualquer coisa, num estado dinâmico que as aproxima ou afasta de um determinado ponto — estão à beira de enxamear, por exemplo, à beira de colapsarem devido à varroa, … à beira tão somente de um novo dia em que as coisas vão manter-se muito parecidas com as do dia anterior.

 

As grandes linhas de orientação que neste momento tenho para este blog é fazer dele um espaço para escrever sobre o que me interessa no domínio da apicultura, e que espero possa interessar a outros, sejam apicultores ou não. Algumas vezes relatarei as minhas experiências, fazendo uma espécie de diário apícola, outras vezes farei considerações de natureza mais teórica, fundadas em leituras, reflexões e observações sobre este mundo complexo que é o das abelhas e da nossa relação com elas.

 

Sejam todos bem-vindos!

Eduardo Gomes, apicultor profissional desde 2009