o canibalismo pupal por abelhas operárias contribui para a propagação do vírus das asas deformadas

Em consequência de muitas das nossas acções existem os chamados “efeitos/ danos colaterais”. Uma das poucas certezas que tenho acerca do maneio apícola é a de que provocamos frequentes danos colaterais, muitos deles de pouca monta e compensados pelos benefícios trazidos. Contudo alguns têm um impacto grave de difícil observação e quantificação e diferidos no tempo — ver o caso do maneio de troca de quadros com criação/reservas entre colónias, com uma delas num estádio de doença contagiosa. O resumo de um estudo recentemente publicado* dá-nos a conhecer os danos colaterais decorrentes do comportamento VSH presente em linhagens de abelhas resistentes ao ácaro Varroa.

Resumo: As rotas de transmissão afetam a virulência e a genética do patógeno, portanto, o conhecimento abrangente dessas rotas e sua contribuição para a circulação do patógeno é essencial para compreender as interações patógeno-hospedeiro e desenvolver estratégias de controle. O vírus das asas deformadas (VAD), o principal patógeno viral das abelhas associado ao aumento da mortalidade das abelhas e à perda de colónias, tornou-se altamente virulento com a disseminação de seu vetor, o ácaro ectoparasitário Varroa destructor. A reprodução dos ácaros Varroa ocorre no interior dos alvéolos de criação operculada e pupas infestadas por ácaros no interior dos alvéolos geralmente têm altos níveis de VAD. A remoção de pupas infestadas por ácaros por abelhas operárias, designado comportamento Varroa Sensitive Hygiene (VSH), leva à canibalização de pupas com altas cargas de VAD, oferecendo uma via alternativa para a transmissão do vírus. Usamos VAD geneticamente marcado para investigar a transmissão do vírus para e entre as abelhas operárias após a canibalização da pupa em condições experimentais. Demonstramos que a canibalização de pupas infectadas com VAD resultou em níveis elevados desse vírus em abelhas operárias e que o vírus adquirido foi então transmitido entre as abelhas via trofalaxia, permitindo a circulação de variantes VAD inicialmente transmitidos por Varroa mesmo após a eliminação dos ácaros. Apesar dos benefícios conhecidos do comportamento higiénico, é possível que níveis mais elevados de atividade do comportamento VSH possam resultar no aumento da transmissão de VAD via canibalismo e trofalaxia.

(a) Canibalização de pupas de abelhas por abelhas operárias. (b) Cargas médias de RNA de VAD em pupas de abelhas operculadas sem varroa [coluna à esquerda] e cargas médias de RNA de VAD em pupas de abelhas desoperculadase e parcialmente canibalizadas por abelhas com comportamento VSH.

fonte: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.11.25.396259v1.full

Ocorrem-me duas reflexões de natureza práticas a propósito dos dados recolhidos por este estudo:

  • A primeira tem a ver com os possíveis danos colaterais da prática da “raspagem de criação de obreira”, técnica relativamente em voga no país vizinho, utilizada para controlar a infestação por varroa, em particular no final do verão. Sobre este aspecto faço minhas as palavras de Randy Oliver, o apicultor que popularizou a técnica, mas que depressa a abandonou: “As descobertas deste excelente conjunto de experiências confirmam o que observei no campo quando experimentámos raspar a criação operculada em colónias infestadas de ácaros para criar uma paragem artificial de criação para o controlo da varroa. As colónias diminuíram rapidamente a sua força, e suspeito ter sido a transmissão do VAD quando as abelhas adultas canibalizaram / limparam as pupas estropiadas dos favos pelo processo de raspagem da criação.” Randy Oliver
  • A segunda está associada aos possíveis danos colaterais da prática da raspagem da criação de zângãos nos quadros-armadilha preparados para a sua criação intensiva, quando o apicultor opta por recolocá-los na colónia logo após a raspagem ou após um período prévio de congelação. Sobre os danos colaterais da primeira alternativa a explicação está dada no ponto prévio. A respeito da alternativa, a da congelação do quadro e posterior re-colocação na colónia para as abelhas o limparem, tanto quanto sei não há uma garantia credível que os vírus sejam eliminados, ou mais precisamente, definitivamente desactivados pelo processo de congelação — conhecem-se vírus que não são desactivados por congelação. Supondo que a congelação também não desactiva o VAD, ao re-colocarmos os quadros nas colónias para serem limpos pelas abelhas, estas no processo de limpeza vão morder e despedaçar as larvas mortas com ziliões de vírus no seu interior. Esta carga viral vai entrar nas abelhas e re-iniciar o seu processo de sua replicação. Que fique claro que não estou a dizer que aconteça, estou a colocar a hipótese de acontecer. Parece-me portanto que a questão que importa para quem utiliza este processo é: este vírus fica definitivamente inactivado pelo processo de congelação?

* dada a sua recenticidade esta publicação ainda não foi submetida à revisão pelos pares.

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