a diminuição dos recursos de pólen desencadeia a transição para populações de abelhas de vida longa a cada outono

Deixo a tradução do resumo de uma artigo que li pela primeira vez há uns 5 anos atrás. Na altura achei-o contra-intuitivo e muito “fora-da-caixa”. Este estudo verificou um atraso na criação de abelhas de vida mais longa nas colónias que acederam até mais tarde a fontes de pólen, e a repercussão disso na dinâmica do número de abelhas por colónia nos meses seguintes de inverno. Todo este quadro que ilustra bem a complexidade do mundo das abelhas, da co-existência de fenómenos com várias camadas imbricadas, e da fragilidade e incompletude do nosso conhecimento, muito em especial no que respeita à nutrição do enxames. Neste contexto, em que confesso a minha grande ignorância acerca dos efeitos globais de muitos maneios com alimentação suplementar e alimentação estimulante, a minha divisa é “bee keep it simple“, ou seja, faz só o necessário para que não morram de fome. O resto, a parte mais complicada, deixo para elas.

Resumo:

1. A cada outono nas regiões do norte do hemisfério, as colónias de abelhas mudam de populações de operárias de vida curta para populações de abelhas de inverno de vida longa. Para determinar se os recursos de pólen em declínio desencadeiam essa transição, o desaparecimento natural dos recursos de pólen externos foi artificialmente acelerado ou atrasado e as colónias foram monitoradas para verificar os efeitos sobre a atividade de criação de larvas e o desenvolvimento de populações de abelhas de inverno de vida longa.

2. Atrasar o desaparecimento dos recursos de pólen adiou o declínio na criação de larvas nas colónias. As colónias com um suprimento mais prolongado de pólen criaram abelhas por mais tempo até outubro, antes que a criação das larvas terminasse, do que as colónias de controle ou para as quais o suprimento de pólen foi cortado artificialmente no outono.

3. As colónias com maior suprimento de pólen produziram mais obreiras durante o outono do que as colónias com menos pólen, mas o desenvolvimento da população de abelhas de vida longa no inverno foi adiado até relativamente mais tarde no outono. As colónias apresentaram números semelhantes de abelhas de inverno, independentemente do momento do desaparecimento dos recursos de pólen.

4. A longevidade média das operárias criadas no outono esteve inversamente relacionada com a quantidade de larvas remanescente para ser criada nas colónias quando as operárias eclodiram. Consequentemente, operárias longevas não apareciam nas colónias até que a criação de larvas diminuísse, que por sua vez era controlada pela disponibilidade de pólen.

5. A redução dos recursos de pólen fornece um dado marcante que inicia a transição para as populações de abelhas de inverno, porque afeta diretamente a capacidade de criar larvas das colónias e indica indiretamente a deterioração das condições ambientais associadas à aproximação do inverno.

fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/j.1365-2311.2007.00904.x

Notas:

1. associar à leitura desta e desta publicações anteriores;

2. no território onde tenho as minhas colónias, a fase de crescimento das mesmas inicia-se, em regra, na última semana de dezembro, muito gradualmente como gosto de observar. As abelhas de inverno morrem a uma taxa mais rápida nestes dois meses de janeiro e fevereiro, em razão da sua idade já prolongada assim como pela redução da sua longevidade, uma consequência do aumento gradual das tarefas de nutrição das larvas.

limiares de tratamento em função da fase de vida da colónia

Trato e controlo a varroose de acordo com o calendário (ver aqui outros dois programas, alternativos a este que utilizo). Realizo habitualmente dois tratamentos por ano, o primeiro iniciado no final de janeiro/início de fevereiro e o segundo iniciado no final de julho/início de agosto. Na altura do primeiro tratamento as colónias estão, em geral, na fase de aumento da população de abelhas. Na altura do segundo tratamento estão na fase de diminuição da população de abelhas. Como podemos ver no quadro em baixo não devo deixar que a infestação, medida em abelhas adultas, ultrapasse os 3% para estas alturas do ano em que habitualmente faço os tratamentos.

Este ano, pretendo avaliar mais precisamente a eficácia do apivar e eventualmente efectuar algumas afinações ao calendário de tratamentos. Para isso tenciono fazer a avaliação das taxas de infestação pós-tratamentos e avaliar a taxa de infestação no pico da população (ver estes três excelentes vídeos com os procedimentos). O pico da população ocorre, na generalidade das minhas colónias, na última quinzena de maio (sobre a dinâmica populacional ver mais aqui). Caso a testagem feita nesta fase me dê uma taxa de infestação entre os 2%-3% vou fazer por baixar a taxa de infestação, com um acaricida não-sintético em finais de maio (uma possibilidade aqui referida, entre outras), para que o medicamento colocado no verão, em agosto, não seja colocado em colónias com uma taxa de infestação superior a 3%. Sei que vários dos acaricidas homologados, sintéticos e não-sintéticos, tendem a apresentar resultados de eficácia baixa quando a taxa de infestação ultrapassa os 3% (ver estudo aqui).

Fase da colóniaAceitável
Não é necessário um controle próximo
Cuidado
O controle pode ser necessário
Perigo Controlo urgente
Dormente com criação<1%1%–2%>2%
Dormente sem criação<1%1%–3%>3%
Aumento da População<1%1%–3%>3%
Pico da População <2%2%–5%>5%
Diminuição da População<2%2%–3%>3%
Aceitável: as populações atuais de ácaros não são uma ameaça imediata. 
Cuidado: a população de ácaros está a atingir níveis que podem causar danos em breve; um acaricida não-sintético pode ser utilizado; um acaricida sintético pode ser necessário dentro de um mês. Continue a testar e esteja preparado para intervir. 
Perigo: a perda da colónia é provável, a menos que o apicultor controle o Varroa imediatamente e eficazmente.

fonte*: https://edis.ifas.ufl.edu/in1257

Nota: nesta publicação* da Universidade da Florida é referida também uma fórmula para calcular a taxa de infestação a partir do número de varroas caídas numa cartolina pegajosa ou estrado sanitário. Dizem o que habitualmente é dito acerca desta técnica de cálculo: é muito falível e pode induzir o apicultor a tratar tardiamente. Na fórmula (“x = 3.76-y/-0.01 divided by the number of days in a colony, where y represents the total number of Varroa captured on the sticky board and x represents the actual mite population within the colony. (Dr. Keith Delaplane, personal communication“)) despertou-me interesse o factor 3,76, que representa, no entender do prestigiado entomólogo Dr. Keith Delaplane, a relação entre o número de varroas na fase de dispersão (fase forética) e o número de varroas na fase de reprodução, isto é, o número de varroas alojadas nas abelhas adultas num dado momento é 3,76 vezes menor que o número de varroas que se reproduzem nos alvéolos, protegidas pelos opérculos de cera da acção imediata de quase todos os acaricidas, com excepção do ácido fórmico.

a importância do timing no tratamento da varroose: o testemunho de um amigo apicultor

Em baixo deixo o testemunho, em resposta à minha solicitação, que o meu amigo Rui Martins, apicultor com apiários no distrito da Guarda, enviou no passado dia 27 de janeiro, acerca da sua experiência no combate ao varroa. Na conversa que tivemos lembro-me de lhe referir que seria importante este testemunho para sensibilizar outros companheiros, com apiários em territórios com características edafo-climáticas semelhantes às nossas, e não esqueço a sua imediata e generosa disponibilidade para o fazer.

Há uns dias atrás o meu amigo José Eduardo lançou-me o desafio de escrever um texto para o blog “Abelhas à Beira” sobre o calendário da aplicação dos tratamentos contra a varroose.

Eu e o meu irmão entrámos no mundo da apicultura em 2016 quando nos inscrevemos num curso de iniciação à apicultura na Lousamel. Até lá, não tínhamos tido qualquer contacto com esta realidade.

A nossa aventura começou no ano de 2017 quando compramos os primeiros enxames. Atualmente temos mais de 100 colónias. Mas não foi fácil chegar até aqui. Cometemos muitos erros, apesar da boa formação inicial que tivemos e com a leitura de livros e informação veiculada em sítios da internet (já há vários anos que acompanhamos o blog “Abelhas à Beira”). Também contámos com ajuda e partilha de experiências de apicultores que fomos conhecendo nesta caminhada.

Deparámo-nos desde o início da atividade apícola com grandes perdas invernais de colónias. Inexplicavelmente algumas colmeias ficavam vazias e noutras as abelhas morriam de “frio” em pequenos cachos. Informo que os nossos apiários localizam-se a altitudes que variam entre os 600 m e os 900 m, na zona da Beira Interior. Mas o verdadeiro assassino das colónias tem pelo nome Varroa destructor. Sempre fizemos dois tratamentos um no fim do Inverno (início de março) e o outro no início do Outono (início de Outubro) / fim do Verão (Setembro). O resultado foi catastrófico, todos os anos tivemos perdas anuais superiores a 30 %. Durante este período usámos dois medicamentos diferentes e o resultado foi sempre o mesmo.

Na comunidade apícola não há um consenso, nem relativamente ao medicamento, nem em relação ao timing do tratamento contra a varroose. Este ano até à data as perdas invernais são de apenas 2,9 % e a maioria das colónias estão fortes. O que mudou? Já tínhamos conhecimento da importância dos timings na colocação do tratamento ao lermos as publicações do José Eduardo no blog “Abelhas à Beira” e em conversas informais, onde este alertava para a colocação atempada do tratamento (1º tratamento em início de fevereiro/fim de janeiro e o 2ª tratamento no início de agosto) e a sua duração (10 a 12 semanas). Este ano decidimos seguir os conselhos do José Eduardo e de outros apicultores da região que já praticam esta metodologia e como já mencionei anteriormente a taxa de sucesso do tratamento aumentou significativamente. Já agora, o princípio ativo do medicamento que usámos é o amitraz.

O tema da sanidade apícola é muito complexo e depende de várias variáveis: da genética das abelhas (comportamento higiénico), do maneio, da nutrição das abelhas (floração variada), etc. Não podemos, assim, reduzir este assunto apenas ao tratamento fitofarmacêutico. Mas enfatizo a importância de se tratar a varroose com medicamentos homologados nas alturas certas e com a duração adequada.

Nota: relacionado com o testemunho do meu amigo Rui Martins sugiro a leitura desta publicação.

o frio e a mortalidade de colónias nos meus apiários

Este inverno caracterizou-se, até à data, por uma semana e meia com temperaturas anormalmente baixas um pouco por todo o lado do nosso território continental.

O fenómeno isolation-starvation (fome por isolamento) é frequente no inverno, quando os enxames têm poucas abelhas.

Como todos os anos, também este ano me morreram colónias de abelha neste período de inverno já decorrido. Até ao momento a percentagem de mortalidade é mais elevada que noutros invernos. Seria humano e expectável que culpasse o frio anormal daquela semana e meia pela morte destas colónias. Contudo este tipo de reflexão não promove um bom e completo entendimento do processo da morte das minhas colónias. E só o bom e completo entendimento me coloca no ponto de partida adequado para evitar que o próximo inverno, que deverá caracterizar-se novamente por tempo frio, me venha a matar tantas ou mais colónias.

Como em todos os fenómenos letais podemos e devemos distinguir os factores precipitantes e os factores predisponentes. Os primeiros dizem respeito aos factores mais imediatos e próximos do fenómeno letal e os segundos respeitam aos factores mais distantes que predispuseram o organismo para uma fragilidade e quebra de resistência e capacidade para responder à mais pequena adversidade ambiental, os factores precipitantes mencionados em cima.

Não tenho dúvida que a morte das minhas colónias nestas duas a três semanas tiveram no frio um factor precipitante. Contudo o frio, por si só, não mata uma colónia com um mínimo de dois a três quadros de abelhas saudáveis na minha zona, uma das mais frias do país. O frio sim precipita, isto é, antecipa a morte de colónias muito fracas, aquelas com 500 abelhas que mal cobrem a face de um quadro. Como não consigo controlar o frio que faz no inverno, a alternativa que tenho é controlar melhor a dimensão dos enxames que entram no inverno.

Esta alternativa passa pela adequada e atempada minimização dos factores predisponentes, habitualmente os mais decisivos na morte das colónias no período invernal. Sei para mim três coisas que me garantem uma mortalidade invernal muito baixa: os enxames entram tão mais fortes no inverno quanto mais eficaz tiver sido o tratamento contra a varroose aplicado no verão (um eventual tratamento de inverno não salva as abelhas de inverno, salva as abelhas da primavera); as reservas alimentares devem ser suficientes e de boa qualidade; a rainha, nova ou menos nova, deve apresentar vitalidade e estar em sintonia com os inputs que recebe do exterior por intermédio das suas filhas.

Num dos territórios mais frios do país nunca me morreu uma colónia por causa do frio. As causas primeiras — os factores predisponentes — foram outras, e boa parte delas vou encontrá-las no verão, nos dias quentes, não nos dias frios.

o primeiro tratamento do ano contra a varroose

Ontem, entre as 11h30 e as 15h30, andei ocupado a fazer o primeiro tratamento do ano contra a varroose. O apiário está situado a 900 m de altitude e as colónias estão a despertar da dormência. Assim sendo, entendo ser este momento o mais indicado e oportuno. Com este timing pretendo manter o varroa em níveis muito baixos, por forma a garantir que as novas abelhas, que irão nascer durante os próximos 4 meses, se desenvolvam o mais possível saudáveis. Simultaneamente, é uma boa altura para apanhar boa parte dos ácaros — por haver ainda pouca criação operculada nas colónias, muitos varroas estão alojados nas abelhas adultas, logo mais desprotegidos dos efeitos de um acaricida que actua por contacto.

Por volta das 11h30 (27-01-2021) as abelhas andavam no exterior e traziam pólen amarelo nas corbículas.

Apesar da menor eficácia do Apivar no último tratamento em que o utilizei (verão de 2020), decidi ainda assim voltar a utilizá-lo. As razões são: o aumento gradual da criação que diminui a probabilidade de multi-infestações, isto é, a infestação de cada larva de abelha por mais que um ácaro; a fecundidade dos varroas nesta época do ano é mais baixa (ver aqui); com pouca criação operculada os ácaros estão mais expostos aos efeitos deste acaricida que funciona por contacto. Naturalmente ficarei vigilante!

Tiras de Apivar colocadas entre os quadros com mais abelhas, nas zonas centrais dos quadros, suspensos por palitos introduzidos nos orifícios das tiras.
Em colónias Langstroth com ninho e sobre-ninho, com a rainha em postura exclusivamente no sobreninho, coloco as tiras no sobre-ninho.

Neste apiário, com 44 colónias, retirei hoje as primeiras 4 colónias mortas ou seriamente comprometidas, 2 por estarem órfãs e outras duas por estarem extremamente fracas devido aos efeitos da PMS verificada no verão passado — estas abelhas viveram menos 30 a 40 dias que o expectável e não asseguraram a rotação/turnover para a nova geração de abelhas que iria começar a surgir nos próximos 15 dias. Até agora a mortalidade invernal neste apiário é de 9%.

No dia de hoje confirmei a entrada de pólen nas colmeias e seu armazenamento. Este é um aspecto essencial para o crescimento natural e gradual das colónias, em sintonia com o território.

Reparar que algum pólen foi recentemente colocado nos alvéolos, não estando ainda compactado.
Surgem pequenas áreas com criação operculada, geralmente no lado mais quente do quadro.
Transferi 4 colónias menos povoadas para caixas-núcleo.

Às 16h30 sentei-me à mesa para almoçar!

Nota: o amitraz tem um efeito sub-letal nos varroas. Não os mata, paralisa-os. Paralisados, os varroas desprendem-se das abelhas e acabam por morrer à fome, caídos sobre os estrados das colmeias.

a selecção de abelhas: o passado, o presente e o futuro

Gilbert M. Doolittle (1846-1918) 

O primeiro avanço significativo na selecção de abelhas aconteceu com o desenvolvimento de procedimentos que permitiram a produção de um grande número de rainhas a partir de uma só mãe (Doolittle, 1889). Pela primeira vez, foi possível produzir um grande número de rainhas a partir de colónias selecionadas.

A descoberta de que rainhas e zângãos acasalam em voo fora da colmeia (Huber, 1814) teve implicações importantes para a selecção das abelhas, pois mostrou que a paternidade era aleatória. O estabelecimento de apiários isolados de colónias selecionadas já se verificava em 1928 (Weatherhead, 1986). O controle completo do lado paterno tornou-se possível com o desenvolvimento da inseminação instrumental (II) por Watson em 1927, embora só com os desenvolvimentos adicionais trazidos por Laidlaw em 1944 a inseminação instrumental se tenha tornado mais rotineira e confiável (Laidlaw, 1944; Cale e Rothenbuhler, 1975).

Harry Hyde Laidlaw (1907–2003)

A aplicação das técnicas de multiplicação de rainhas por translarve e inseminação instrumental permitiram o estabelecimento de programas de melhoria de abelhas. A maioria dos programas de melhoria concentrou-se nos traços produção de mel, temperamento e resistência a doenças. Infelizmente, poucos foram os programas que tiveram sucesso a longo prazo, muitos deles tiveram curta duração desmotivados pelo progresso lento e limitado na melhoria de características, pelos efeitos prejudiciais da endogamia (consanguinidade) e baixos retornos do investimento.

No entanto, avanços recentes na genética das abelhas (Weinstock et al., 2006; Bienefeld et al., 2007; Oldroyd e Thompson, 2007) permitiram uma maior compreensão da arquitetura genética da colónia de abelhas e hoje fornecem novas oportunidades à utilização de novas técnicas genéticas para o aprimoramento da selecção de abelhas. Estes avanços podem inaugurar uma nova era, em que métodos moleculares mais baratos e mais refinados são/serão usados ​​para identificar e propagar indivíduos superiores.

fonte: The Genetic Architecture of Honeybee Breeding, Peter R. Oxley and Benjamin P. Oldroyd, Behaviour and Genetics of Social Insects Laboratory, School of Biological Sciences, The University of Sydney, New South Wales, Australia

Numa publicação futura abordarei com mais detalhe a metodologia de selecção assistida por marcadores moleculares e apresentarei alguns dados de um estudo de caso onde esta nova metodologia e tecnologia foi aplicada.

a importância do acasalamento controlado na selecção e melhoria de abelhas

Será expectável seleccionar e melhorar as abelhas no caso de as rainhas fecundarem livremente num ambiente em que não se controlam os zângãos? Vejamos primeiro o que nos dizem os especialistas.

Rainha regressando do seu voo de acasalamento.

Contexto: Os procedimentos de acasalamento controlados são amplamente aceites como um aspecto chave para o sucesso da selecção em quase todas as espécies animais. Nas abelhas, no entanto, o acasalamento controlado é difícil de conseguir. Contudo, tem havido várias tentativas de melhorar as abelhas usando rainhas acasaladas livremente. Nestes esquemas de melhoria, a seleção ocorre apenas do lado materno, uma vez que os zângãos são casos aleatórios da população.

Resultados: Nossas simulações mostraram uma redução do sucesso das melhorias entre 47 e 99% se o acasalamento não é controlado. Nos casos mais drásticos, praticamente nenhum ganho genético é gerado sem acasalamento controlado.

Conclusões: Concluímos que […] o acasalamento controlado é imperativo para esforços de melhoria bem-sucedidos.

fonte: https://gsejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12711-019-0518-y

Com alguma frequência leio e ouço apicultores afirmarem que estão a seleccionar e melhorar as suas abelhas, isto num contexto em que não têm qualquer tipo de controlo sobre os zângãos presentes no território. Tenho, portanto, muitas dúvidas acerca do rigor e realismo destas afirmações. Ou sabem alguma coisa que eu desconheço, ou desconhecem aspectos básicos que deveriam conhecer. Sabemos que 90% dos acasalamentos ocorrem a uma distância até 7,5 km (ver nesta publicação).  Não é credível que em Portugal, um dos países da Europa com uma das mais elevadas densidades de colónias por Km2, exista uma área com 15 km de circunferência com zângãos todos eles provenientes de colónias “melhoradas”. Sabendo que as melhorias que mais nos interessam estão muitas vezes associadas a conjuntos de genes alelos recessivos e/ou aditivos (ver nesta publicação) e/ou epistáticos, portanto com contributos de origem paterna, seria um jackpot acontecer melhorias sistemáticas e sustentáveis num contexto de acasalamento natural, com várias dezenas de zângãos na jogada (ver nesta publicação). Estas minhas dúvidas estão fortemente interiorizadas porque desde os meus 6 anos que vou a apiários e, no geral, as abelhas de hoje parecem-me muito semelhantes às de cerca de 50 gerações atrás. Outros poderão ter opinião diferente, estranho seria que não tivessem. A estes, peço que identifiquem especificamente em que aspectos as suas abelhas divergiram notavelmente nos últimos 40 a 50 anos?

Nota: em 2017 já tinha feito considerações acerca deste tema.

desinfecção por maçarico de colmeias com esporos de loque americana: o contexto, a reflexão, os dados

As colmeias com loque americanadevem ser
queimadas devido aos esporos que permanecem
viáveis por até 40 anos.

O contexto: Quando deparamos com uma colónia com loque americana, uma das questões que se coloca é como podemos desinfectar a caixa-colmeia. Vários apicultores, senão a maioria, opta por queimar os quadros e desinfectar com recurso ao maçarico a superfície de madeira da caixa-colmeia, isto é, o seu estrado, corpo e prancheta de agasalho. Quem o faz garante que este procedimento é suficiente, afirmando que não teve problemas de novas infestações.

A reflexão: Estou convicto que para cada um dos testemunhos que refere esse bom resultado, provavelmente haverá outros com resultados negativos. Contudo é próprio da nossa natureza humana apresentar os bons resultados, e deixar em privado aquilo que não correu bem. Por outro lado, como uma equipa de futebol que ganhe dez jogos seguidos não garante que ganhará os dez seguintes, também ser bem sucedido dez vezes com a desinfecção com maçarico de caixas contaminadas pelos esporos de loque não garante que o mesmo volte a acontecer ao desinfectar a décima primeira.

Os dados: A desinfecção com maçarico não garante a eliminação de todos os esporos. Esta afirmação não resulta de uma noite mal dormida ou de uma imaginação fértil. É uma afirmação sustentada nos dados que conheço de um ensaio controlado, bastante claro a este respeito, do qual traduzo pequenos excertos bastante elucidativos.

A queima [com maçarico] deu uma descontaminação superficial completa, enquanto um número substancial de esporos permaneceram viáveis nas camada mais internas da madeira.

A desinfecção das colmeias [com maçarico] não pode ser recomendada.” 

Em conclusão, a descontaminação de estruturas de madeira, como colmeias, continua a ser um problema. Isso parece dever-se principalmente à estrutura da madeira, e não à natureza dos esporos.

fonte: https://sfamjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1046/j.1365-2672.2001.01376.x

Nota: sobre a loque americana escrevi em 2017: “Para quem quer impedir o alastramento do contágio e assim preservar as suas colmeias e as colmeias dos vizinhos só tem um caminho: eliminar pelo fogo as fontes de loque americana. Isso implica matar as abelhas e queimar tudo: abelhas, quadros e caixas num buraco aberto no solo que depois deve ser bem coberto com terra para evitar que as abelhas nas redondezas se infectem em alguns restos mal queimados.” O artigo em cima aponta outros caminhos, mas pouco viáveis para muitos apicultores.

os Varroa destructor de inverno são menos fecundos que os de verão

No seguimento desta publicação, traduzo em baixo o sumário de um estudo que revela um conjunto de dados com muito interesse para a compreensão da questão que coloquei: qual a razão para as aparentes diferenças na resposta aos tratamentos entre as gerações de varroas que surgem no inverno quando comparadas com as gerações de verão. Os dados deste estudo revelam que a fecundidade e fertilidade dos ácaros é mais baixa no inverno que no verão. No seguimento deste estudo, valeria a pena dar-lhe continuidade com o intuito de tentar perceber melhor os mecanismos subjacentes e intervenientes na maior mortalidade dos ácaros macho no inverno e, posteriormente, verificar se é possível replicar esses mecanismos, por algum tipo de maneio exequível em campo, com vista à sua utilização durante o verão pelos apicultores.

Antes da tradução do sumário, julgo que será pedagógico re-lembrar esquematica e sumariamente o ciclo reprodutivo do varroa.

Os varroas mãe colocam o primeiro ovo aproximadamente 70 horas após a operculação do alvéolo onde está a larva de abelha hospedeira. Este ovo não é fertilizado e dá origem a um macho, enquanto os três a quatro ovos subsequentes, que são postos com intervalos de aproximadamente 30 horas, dão origem a fêmeas filha que serão fecundadas pelo ácaro macho seu irmão. Estas descendentes fêmeas fecundadas e férteis emergem do opérculo com as novas abelhas dando continuidade ao ciclo de vida destes parasitas.

Título: Reprodução do Varroa destructor durante o inverno nas colónias de Apis mellifera no Reino Unido

Sumário: “O ciclo reprodutivo do Varroa destructor inicia-se com a invasão dos alvéolos com larvas de abelha durante os meses de inverno (janeiro a meados de março) e foi investigado em quatro colónias de Apis mellifera no Reino Unido. O número de descendentes viáveis ​​produzidos durante o ciclo reprodutivo, por ácaro, foi de apenas 0,5 durante o inverno em comparação com 1,0 durante o verão. Isso deveu-se principalmente a um grande aumento na população de ácaros inférteis (inverno 20%, verão 8%). Esse aumento pode ser explicado pelo alto nível de mortalidade de filhos machos observada no inverno (42% no inverno contra 18% no verão), o que resulta em quase metade dos ácaros fêmeas recém-criados não fecundados. Uma vez que os ácaros mãe põem um número semelhante de ovos no inverno (X = 4,7) e no verão (X = 4,9), e o nível de mortalidade sofrido pela descendência feminina é semelhante no inverno (7%) e no verão (6% ), provavelmente não é o estado fisiológico do hospedeiro que causa o alto nível de não fecundação no inverno, como se suspeitava anteriormente.

fonte: https://www.researchgate.net/publication/11746259_Varroa_destructor_reproduction_during_the_winter_in_Apis_mellifera_colonies_in_UK

a questão apícola mais premente para 2021

Sinais na criação e nas abelhas do
Parasitic Mite Syndrome (PMS)

Nos onze anos da minha actividade apícola como apicultor profissional, tenho verificado que os resultados dos tratamentos contra a varroose apresentam taxas de eficácia aparentemente diferentes, quando comparo os resultados entre os tratamentos de final de inverno e os tratamentos de final de verão. Encontro mais regularmente colónias com PMS após os tratamentos de verão (por ex. nos anos de 2014, 2016 e 2020) do que após os tratamentos de final de inverno. E porquê? Esta é a questão apícola mais premente na minha cabeça, decorrente do que observo e considerando as minhas opções por medicamentos não dependentes da temperatura ambiente, não voláteis*, com alguma rotação de princípios activos ao longo destes anos e, sobretudo, com o que considero um bom ajustamento do calendário de tratamentos realizado a partir de 2015/2016**.

As hipóteses explicativas que confluem todas (com que peso cada uma?) para a maior dificuldade em manter as taxas de infestação abaixo do dano ao nível da colónia são, na minha opinião, basicamente as três que apresento em baixo:

  • a interacção entre a dinâmica populacional das abelhas e a dinâmica populacional dos varroas, ao longo de um ano, provoca mais pressão parasitária no final do verão do que no final do inverno/início da primavera (tive oportunidade de explicar este fenómeno numa palestra que fiz em 2019, na Guarda);
  • a hipótese dos ácaros no final do verão serem mais resistentes que os do final do inverno, hipótese ainda não testada pelo que sei, e aqui apresentada por Frank Rinkevich uma das referências mundiais actuais neste domínio;
  • o fenómeno de multi-infestação, isto é, a parasitação de uma larva de abelha por 2 ou mais ácaros muito mais frequente no final do verão do que no final do inverno, fenómeno pouco considerado por muitos apicultores, apesar de já conhecido e referido na literatura científica desde a década 90 do século passado. A multi-infestação contribui de forma importante para o aumento da carga viral em cada uma das futuras abelhas e as asas deformadas são a expressão mais visível desta maior carga viral.

* o amitraz do Apivar, o tau-fluvalinato do Apistan, a flumetrina do Bayvarol, os princípios activos até agora utilizados por mim, não são voláteis;

** tenho recebido testemunhos de amigos apicultores da minha zona, que decidiram experimentar o meu calendário de final de verão, isto é, antecipar o segundo tratamento para agosto. Fico naturalmente satisfeito com o feedback que me têm dado da melhoria notável dos resultados, quando comparados com os resultados que obtinham quando medicavam em setembro ou até em outubro.