o canibalismo pupal por abelhas operárias contribui para a propagação do vírus das asas deformadas

Em consequência de muitas das nossas acções existem os chamados “efeitos/ danos colaterais”. Uma das poucas certezas que tenho acerca do maneio apícola é a de que provocamos frequentes danos colaterais, muitos deles de pouca monta e compensados pelos benefícios trazidos. Contudo alguns têm um impacto grave de difícil observação e quantificação e diferidos no tempo — ver o caso do maneio de troca de quadros com criação/reservas entre colónias, com uma delas num estádio de doença contagiosa. O resumo de um estudo recentemente publicado* dá-nos a conhecer os danos colaterais decorrentes do comportamento VSH presente em linhagens de abelhas resistentes ao ácaro Varroa.

Resumo: As rotas de transmissão afetam a virulência e a genética do patógeno, portanto, o conhecimento abrangente dessas rotas e sua contribuição para a circulação do patógeno é essencial para compreender as interações patógeno-hospedeiro e desenvolver estratégias de controle. O vírus das asas deformadas (VAD), o principal patógeno viral das abelhas associado ao aumento da mortalidade das abelhas e à perda de colónias, tornou-se altamente virulento com a disseminação de seu vetor, o ácaro ectoparasitário Varroa destructor. A reprodução dos ácaros Varroa ocorre no interior dos alvéolos de criação operculada e pupas infestadas por ácaros no interior dos alvéolos geralmente têm altos níveis de VAD. A remoção de pupas infestadas por ácaros por abelhas operárias, designado comportamento Varroa Sensitive Hygiene (VSH), leva à canibalização de pupas com altas cargas de VAD, oferecendo uma via alternativa para a transmissão do vírus. Usamos VAD geneticamente marcado para investigar a transmissão do vírus para e entre as abelhas operárias após a canibalização da pupa em condições experimentais. Demonstramos que a canibalização de pupas infectadas com VAD resultou em níveis elevados desse vírus em abelhas operárias e que o vírus adquirido foi então transmitido entre as abelhas via trofalaxia, permitindo a circulação de variantes VAD inicialmente transmitidos por Varroa mesmo após a eliminação dos ácaros. Apesar dos benefícios conhecidos do comportamento higiénico, é possível que níveis mais elevados de atividade do comportamento VSH possam resultar no aumento da transmissão de VAD via canibalismo e trofalaxia.

(a) Canibalização de pupas de abelhas por abelhas operárias. (b) Cargas médias de RNA de VAD em pupas de abelhas operculadas sem varroa [coluna à esquerda] e cargas médias de RNA de VAD em pupas de abelhas desoperculadase e parcialmente canibalizadas por abelhas com comportamento VSH.

fonte: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.11.25.396259v1.full

Ocorrem-me duas reflexões de natureza práticas a propósito dos dados recolhidos por este estudo:

  • A primeira tem a ver com os possíveis danos colaterais da prática da “raspagem de criação de obreira”, técnica relativamente em voga no país vizinho, utilizada para controlar a infestação por varroa, em particular no final do verão. Sobre este aspecto faço minhas as palavras de Randy Oliver, o apicultor que popularizou a técnica, mas que depressa a abandonou: “As descobertas deste excelente conjunto de experiências confirmam o que observei no campo quando experimentámos raspar a criação operculada em colónias infestadas de ácaros para criar uma paragem artificial de criação para o controlo da varroa. As colónias diminuíram rapidamente a sua força, e suspeito ter sido a transmissão do VAD quando as abelhas adultas canibalizaram / limparam as pupas estropiadas dos favos pelo processo de raspagem da criação.” Randy Oliver
  • A segunda está associada aos possíveis danos colaterais da prática da raspagem da criação de zângãos nos quadros-armadilha preparados para a sua criação intensiva, quando o apicultor opta por recolocá-los na colónia logo após a raspagem ou após um período prévio de congelação. Sobre os danos colaterais da primeira alternativa a explicação está dada no ponto prévio. A respeito da alternativa, a da congelação do quadro e posterior re-colocação na colónia para as abelhas o limparem, tanto quanto sei não há uma garantia credível que os vírus sejam eliminados, ou mais precisamente, definitivamente desactivados pelo processo de congelação — conhecem-se vírus que não são desactivados por congelação. Supondo que a congelação também não desactiva o VAD, ao re-colocarmos os quadros nas colónias para serem limpos pelas abelhas, estas no processo de limpeza vão morder e despedaçar as larvas mortas com ziliões de vírus no seu interior. Esta carga viral vai entrar nas abelhas e re-iniciar o seu processo de sua replicação. Que fique claro que não estou a dizer que aconteça, estou a colocar a hipótese de acontecer. Parece-me portanto que a questão que importa para quem utiliza este processo é: este vírus fica definitivamente inactivado pelo processo de congelação?

* dada a sua recenticidade esta publicação ainda não foi submetida à revisão pelos pares.

avaliação de alimentos comerciais utilizados em apicultura (em Portugal)

Este estudo, levado a cabo por uma equipa de investigadores portugueses liderada pelo Prof. Paulo Russo de Almeida (UTAD, Vila Real), já é do conhecimento de alguns entre nós. Ainda assim, e nesta altura em que me encontro a suplementar frequentemente as minhas colónias com pasta de açúcar (fondant), achei muito oportuno voltar a relê-lo e publicá-lo. O estudo definiu como critério de avaliação da qualidade dos alimentos os seus efeitos na longevidade das abelhas. Nós no campo não conseguimos utilizar este critério, por razões óbvias. Substituímos um critério pertinente por este outro de pertinência muito duvidosa: “é um alimento muito bom porque o comem muito depressa”. Como nós, as abelhas também podem ser enganadas pela boa palatibilidade de um determinado alimento, consumirem-no rapidamente, ainda que do ponto de vista nutricional o alimento seja medíocre e eventualmente tóxico.

Pão-de-abelha de diversas origens botânicas, o melhor alimento proteico que as abelhas conhecem até à data. Muito abundante no território onde tenho as minhas colónias, em especial a partir de meados de fevereiro, aspecto que me dispensa a utilização de suplementos proteicos.

Resumo: O estado nutricional de uma colónia é reconhecido como um fator chave para garantir uma colmeia saudável. Assim, é natural que se verifique por parte dos apicultores um incremento na procura de suplementos alimentares para colmatar os desequilíbrios nutricionais de acordo com os objetivos desejados pelos mesmos. As empresas ligadas à apicultura têm demonstrado uma enorme capacidade para responder a essa procura, verificando-se uma escalada crescente e agressiva no número de produtos comercializados, fruto também da baixa regulamentação de produtos alimentares para animais. Atualmente estão disponíveis mais de 40 produtos no mercado Português, com uma composição muito variável e por vezes mesmo indefinida, alegando um conjunto de ações ao nível de estimulo à criação, suplemento energético, suporte à criação de rainhas, melhoria da qualidade de postura redução de níveis de reprodução de varroa, melhoria da microflora intestinal das abelhas, prevenção da Nosemose, melhoria da saúde de colmeias infestadas por Loque americana, entre outras. Face a esta realidade o projeto ApisCibus, financiado pelo PAN (Programa Apícola Nacional), no qual intervêm a FNAP, como entidade preponente, o IPB como coordenador científico e a UTAD como parceira científica, pretende avaliar nutricionalmente alimentos presentes no mercado português. Neste trabalho são apresentados os resultados preliminares entretanto obtidos.

A metodologia utilizada segue as recomendações de um grupo de especialistas apícolas da comunidade científica internacional COLOSS. Os alimentos são avaliados de acordo com a longevidade das abelhas que os ingerem. As abelhas (Apis mellifera iberiensis) utilizadas neste estudo, nasceram em estufa à temperatura de 35 oC e humidade de 70%, num período de 10 horas sem acesso a alimento. Após o nascimento foram homogeneizadas e aleatoriamente distribuídas por gaiolas num total de 50 abelhas por gaiola.

Foram realizados 2 ensaios, no primeiro forneceu-se um alimento e água a cada gaiola com abelhas e envolveu 14 alimentos (9 energéticos e 5 proteicos); no segundo ensaio, a cada gaiola foi fornecido um alimento proteico e um energético, mais água, num total 20 gaiolas, tendo-se efetuado 2 réplicas.

Os resultados sugerem que com a utilização de alimentos energéticos se obtém uma longevidade superior à dos alimentos proteicos. Em geral, observou-se uma sinergia positiva quando se associou um alimento energético a um proteico, mas verificou-se uma exceção em que alimentos energéticos sozinhos apresentaram maior longevidade do que quando associados a um proteico o que sugere uma eventual toxicidade do segundo. O pólen quando combinado com um alimento energético mostrou ser o alimento proteico com maior capacidade para manter as abelhas vivas.

fonte: https://www.uc.pt/ffuc/congresso_iberico_de_apicultura/documentos/V_CIA_2018_livro_resumos.pdf

Nota: ainda que tenha deixado de utilizar alimentação líquida há uns anos, para aqueles que entre nós fazem “xarope caseiro” com água e açúcar branco refinado, refiro que não é necessário fervê-lo e invertê-lo. A fervura pode tornar a mistura tóxica, a inversão dos açucares diminui a longevidade das abelhas. Um caso mais em que as abelhas são enganadas pela palatabilidade de um alimento que o apicultor tornou medíocre e/ou tóxico.

adaptação local da Abelha Ibérica (Apis mellifera iberiensis): uma experiência de translocação recíproca

Um dos leitores das publicações do abelhas à beira, Tó Zé da Frágua, ligou-me há umas três semanas para trocarmos ideias, e perguntou-me se conhecia algum estudo que avaliasse o desempenho de rainhas locais comparado com o desempenho de rainhas não-locais. Na altura só me ocorreu o que tinha lido em estudos realizados nos EUA. Contudo, no último Congresso Ibérico de Apicultura realizado em Portugal foi apresentado este estudo levado a cabo no nosso país.

A foto em baixo espelha a postura de uma das rainhas criadas por mim e que em regra têm bom desempenho, mas tenho também experiências positivas com rainhas compradas a um criador da Beira Litoral e a um outro da Beira Baixa — em regra faço apenas questão que sejam fecundadas pelos zângãos locais.

Postura de rainha nova. Um detalhe: nesta altura já se começa a ver a abóbada de mel e pólen, que irá crescendo à medida que o verão for entrando. De imprevidente, a estas abelhas adaptadas, não lhes conheço nada (foto e texto de junho do ano passado).

Resumo: Na Europa, várias experiências de translocação recíproca com diferentes subespécies de abelha melífera (Apis mellifera L.) têm demonstrado a existência de adaptação local, sobretudo quando a pressão de selecção é mais forte devido, por exemplo, a novas doenças e parasitas, agroquímicos, ou rápidas mudanças climáticas. Contudo, até agora nenhum desses estudos abrangeu a subespécie da Península Ibérica, Apis mellifera iberiensis. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a existência de adaptação local em A. m. iberiensis. Em 2015 foram instalados dois apiários, com 36 colónias cada, em dois extremos latitudinais de Portugal: Bragança e Vila do Bispo*. As 36 colónias (18 da origem Bragança e 18 da origem Algarve) foram avaliadas para várias características durante um ano. Entre as características avaliadas incluem-se o número de alvéolos com mel, produção de mel, e o peso mensal das colónias. Na análise destas características foram usadas duas abordagens: (i) comparação entre as duas origens no mesmo apiário e (ii) comparação da mesma origem entre os dois apiários. Os resultados indicam que embora as três características possam sugerir uma interação genótipo-ambiente, apenas a produção de mel e o peso da colónia demostraram adaptação local, uma vez que as abelhas locais tiveram um melhor desempenho no seu apiário de origem. Adicionalmente, verificou-se que as diferenças entre as duas origens foram mais evidentes no ambiente considerado menos hostil (Vila do Bispo), onde cada colónia pode expressar todo o seu potencial genético.

fonte: https://bibliotecadigital.ipb.pt/handle/10198/18031

Nota: * Vila do Bispo é uma vila portuguesa no distrito de Faro.

sam: uma ferramenta para melhorar abelhas num futuro próximo

Tendo ficado apeado, com as chaves da pick-up no interior da carrinha, e as portas inexplicavelmente trancadas (tenho um comando de portas com vontade própria?), ocupo-me a limar alguns rascunhos por publicar. Este deu-me algum trabalho, mas muito gosto a escrever. Boa leitura!; eu vou continuar a limar arestas de futuras publicações enquanto espero que me tragam a segunda chave!

Não sou um grande crente nas proclamações de selecção e melhoria de abelhas que se fazem na actualidade, em Portugal e no estrangeiro. Neste cepticismo estou acompanhado por Keith Delaplane, entre outros (ver a palestra nesta publicação de 2019). Por exemplo, nos últimos vinte anos diversos programas de melhoria de abelhas no que respeita à resistência ao ácaro varroa produziram resultados decepcionantes. Como poderei fazer outra avaliação se após duas décadas de trabalho se identifica de forma comprovada apenas uma região onde persistem linhas resistentes: Gorgona, em Itália (ver o artigo Geographical Distribution and Selection of European Honey Bees Resistant to Varroa destructor, publicado em dezembro de 2020, de Yves Le Conte e Ralph Büchler, dois dos maiores especialistas neste domínio)?

Dito isto, acredito que num futuro próximo iremos assistir a desenvolvimentos importantes na nossa capacidade de selecção e melhoramento de abelhas. A genómica em geral e a Seleccção Assistida por Marcador (SAM) em particular fazem já parte do presente, e estão a ser utilizados para nos ajudar e capacitar a fazer esse melhoramento de forma económica e confiável. É sobre esta ferramenta a Seleccção Assistida por Marcador o conteúdo desta publicação.

“Selecção Assitida por Marcador é o uso de um marcador molecular* que é conhecido por estar associado a uma característica comercialmente importante para identificar indivíduos portadores de um genótipo desejado. A capacidade de selecionar indivíduos superiores diretamente e com base nos seus genótipos permite a possibilidade de ganhos substanciais no melhoramento das abelhas. Uma vez que os marcadores moleculares para uma característica estejam identificados, eles podem ser usados para facilitar a avaliação do valor reprodutivo (breeding value) estimado das colónias. Esta capacitação terá o maior valor para características comportamentais que são difíceis de quantificar com precisão. Além disso, rainhas e zângãos podem ser genotipados antes do acasalamento (Oldroyd e Thompson, 2007), proporcionando uma intensidade selectiva muito forte (Lande e Thompson, 1990) e ganhos mais rápidos na melhoria de características.

fonte: The Genetic Architecture of Honeybee Breeding, Peter R. Oxley and Benjamin P. Oldroyd, Behaviour and Genetics of Social Insects Laboratory, School of Biological Sciences, The University of Sydney, New South Wales, Australia

* marcador genético/molecular: historicamente, o princípio da utilização de marcadores genéticos está baseado no dogma central da biologia molecular, no princípio da replicação do DNA, e na pressuposição de que estes marcadores refletem alterações nas sequências do DNA podendo muitas vezes resultar em diferenças fenotípicas. A partir disto, dados morfológicos e bioquímicos também servem como marcadores genéticos. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcador_genético)

Um estudo de caso de colónias de abelhas canadianas

A criação seletiva de abelhas produtoras de mel é atualmente usada por um pequeno grupo de criadores de rainhas que escolhem características com base em comportamentos exibidos por abelhas no campo (Seleção Assistida em Campo ou SAC). Existem diversos obstáculos a esta metodologia como os custos, recursos e eficácia que limitam a adoção generalizada de testes baseados em campo, resultando em que poucos criadores se empenham na metodologia SAC e menos ainda em resultados precisos e eficazes (Spivak e Gilliam 1998, Pernal et al. 2012). O teste de campo para comportamento higiénico, em particular, depende de um teste específico de características que não pode ser usado para testar outras características, como produção de mel ou defensividade, tornando o processo de teste para características múltiplas muito exigente em recursos.

Uma alternativa aos testes de campo é o uso de diagnósticos moleculares, especificamente a Seleção Assistida por Marcador (SAM), que usa marcadores moleculares para auxiliar na identificação de colónias que apresentem características específicas de interesse ou a falta de características indesejáveis ​​(por exemplo, defensividade). A seleção assistida por marcadores em abelhas é baseada em marcadores de proteínas e tem o potencial de fornecer uma capacidade de seleção mais rápida na criação de rainhas do que a metodologia SAC, pois permite aos criadores testar um número maior de colónias, abrangendo e maximizando a diversidade genética no pool de seleção . Uma vez identificados os marcadores adicionais, os testes de marcadores podem incluir uma série de características diferentes simultaneamente (como comportamento higiénico, produção de mel e mansidão) e podem ser avaliados por monitorização de múltiplas reações na mesma análise sem aumento de custo (Parker et al. 2014 ) Uma vez que uma característica hereditária tenha sido identificada e ligada a marcadores específicos de proteína por pesquisadores, os apicultores podem colectar e enviar amostras de abelhas para um laboratório de diagnóstico para teste. Os resultados podem então ser usados ​​para rastrear colónias de reprodutores com potencial, de acordo com as próprias prioridades de reprodução do apicultor ou índice de seleção.

[…]

Uma equipe de cientistas canadianos identificou recentemente marcadores nas antenas de abelhas que correspondem a características comportamentais em abelhas e podem ser testados em laboratório. Esses cientistas demonstraram que esta seleção assistida por marcador (SAM) pode ser usada para produzir colónias de abelhas melíferas higiénicas e resistentes a patógenos. Com base nesta pesquisa, apresentamos um estudo de um caso de apicultura onde a função de lucro de um apicultor é usada para avaliar o impacto económico da adoção de colónias selecionadas para comportamento higiénico usando SAM num apiário. Nossos resultados mostram um ganho de lucro líquido de colónias SAM entre 2% e 5% quando os ácaros Varroa são tratados de forma eficaz. No caso de tratamento ineficaz, o SAM gera um benefício de lucro líquido entre 9% e 96%, dependendo da carga de Varroa. Quando uma população de ácaros Varroa desenvolveu alguma resistência ao tratamento, mostramos que as colónias SAM geram um ganho de lucro líquido entre 8% e 112% dependendo da carga de Varroa e do grau de resistência ao tratamento.

[…]

Ferramentas de reprodução com seleção assistida por marcador (SAM) têm o potencial de aumentar o lucro da colónia e reduzir a mortalidade, o que pode contribuir positivamente para a viabilidade da indústria apícola, particularmente em face do aumento das infestações de Varroa e o risco de resistência aos tratamentos. “[…] 

fonte: https://academic.oup.com/jee/article/110/3/816/3073489

Notas:

  • esta publicação decorre desta outra;
  • em conjunto com um pequeno grupo de amigos, em 2016, talvez tenha sido dos primeiros a tentar introduzir uma linhagem resistente em Portugal. Os resultados foram maus! Ou a proclamação feita pelo criador, John Kefuss, era exagerada ou a hibridação com zãngãos nacionais diluiu ou eliminou o efeito aditivo e/ou epistático dos genes envolvidos na característica. Por feitio acredito mais na segunda hipótese.

as colónias mais fortes do apiário: projecções de maneio

Anteontem e ontem, tenho andado focado na suplementação das colónias com hidratos de carbono, na forma de pasta alimentar e, em alguns casos, coloco também um quadro ou dois com mel. Ontem esta tarefa permitiu-me, nos apiários a 600 m de altitude e com as temperaturas entre os 16-18ºC, ver um pouco mais profundamente algumas colónias, em particular as mais fortes. A publicação de hoje vai focar-se nestas colónias mais fortes e nas projecções de seu maneio neste período de final de inverno e início de primavera.

As colónias fortes e muito fortes, uma forma rápida de designar colónias com 8 ou mais quadros de abelhas e com 4 a 5 quadros com áreas expressivas de criação de novas abelhas, representam cerca de 20-25% do total de colónias neste momento — momento este em que, habitualmente, se inicia um forte fluxo de pólen neste território.

Foto de ontem de uma colónia muito forte, na configuração de duplo ninho do modelo Lusitana. Passou o outono/inverno nesta configuração.
Foto de ontem de uma colónia muito forte, na configuração de duplo ninho do modelo Langstroth. Passou o outono/inverno nesta configuração.
Foto de ontem de uma colónia forte, na configuração de ninho simples do modelo Langstroth.

Com alguns anitos de apicultura a tempo inteiro “no meu cinturão” mal seria se não tivesse aprendido uma coisa ou meia! Por exemplo, aprendi que deixando estas colónias evoluírem “naturalmente”, ao seu gosto, sem freios, pouco ou nenhum mel irão produzir em abril/maio. Isto porque, ainda antes da entrada do principal fluxo de néctar, uma boa parte delas já terão enxameado. Ainda assim, estas colónias são-me muito úteis nestes próximos 30-45 dias, em particular para efectuar os maneios de equalização (entre outras publicações sobre a equalização, esta é a mais recentemente publicada) e criação de novos núcleos populacionais. Cada coisa é para o que nasce, costuma dizer-se, e estas colónias que cresceram de forma temporã, serão preciosas para estes maneios que tanto aprecio realizar. Para produzir mel estão as outras, as que agora estão médias ou fracas e que estarão em “ponto de rebuçado” para daqui a 60 dias se afincarem na colecta do primeiro fluxo importante por cá.

Foto de ontem de um quadro de uma colónia forte do modelo Lusitana onde, para além da bonita mancha de criação de obreira, observo criação fechada de zângão. Desconfio que 30 a 40 dias após o inicio da criação de zângãos, a “mentalidade” desta colónia é a de que reuniu boa parte das condições para se cindir/reproduzir.
Foto de ontem de um quadro de um núcleo do modelo Langstroth, onde se pode ver pão-de-abelha recentemente ensilado.

Dado o acentuado e rápido crescimento que noto nas colónias, típico desta altura do ano, estou em crer que a proporção dos diversos aminoácidos presentes no pólen deste território deve estar próximo do perfil ideal e surge com a devida antecipação. Dado que nada mais faço para as estimular nutricionalmente — há vários anos que não utilizo alimentação líquida 1:1, nunca utilizei suplementação proteica, promotor L que tipo de eletrodoméstico é ? — que melhor explicação que a da qualidade do pólen que a Natureza tão generosa e atempadamente fornece?

No topo da fotografia vemos o segredo da estimulação das minhas colónias nas patitas da abelha. Mais ao centro… a mãe – já agora refiro que quando tiro uma foto de um quadro com criação tenho que ter a certeza que a mãe anda noutro quadro, e só tenho essa certeza vendo que ela anda nesse outro quadro, ou em alternativa vou ter que sacudir todas as abelhas do quadro que pretendo fotografar.

a dinâmica de consumo de açucares de uma colónia ao longo do outono e inverno

Cacho invernal numa colónia sem criação. No interior do cacho a temperatura média é de 18ºC. Na zona mais exterior do cacho a temperatura é um pouco mais baixa. No restante espaço da colmeia a temperatura é pouco mais alta que a temperatura exterior. O cacho de abelhas quase não irradia calor para o seu exterior, pelo contrário, tudo faz para o capturar no seu interior.

No território onde tenho os apiários (distrito da Guarda), as colónias deixam de criar novas abelhas, ou abrandam significativamente esta criação, entre novembro e finais de dezembro. Nesta condição, sem criação para aquecer, as abelhas necessitam de manter a temperatura no interior do cacho invernal nos 18ºC para não entrarem em coma térmico, ficarem paralisadas, caírem no estrado da colmeia e aí morrerem.

Pouco depois do solstício de inverno, entre o início de janeiro e primeira/segunda semana de fevereiro, as colónias iniciam gradualmente a criação de novas abelhas e, nesta nova condição, surge a necessidade de manter estas áreas com criação a cerca de 35ºC.

Foto tirada a 27 de janeiro deste ano numa colónia situada a 900 m de altitude, onde se pode ver uma pequena área com criação operculada, geralmente no lado mais quente do quadro.

A partir de meados de fevereiro o fluxo de pólen aumenta significativamente e as áreas dos quadros dedicadas à criação de novas abelhas aumenta também, acompanhando os inputs do exterior, isto é o suprimento crescente de proteína saudável que a natureza lá fora vai disponibilizando. Nesta nova condição a pressão sobre as abelhas adultas aumenta em virtude da necessidade de manter a 35ºC estas áreas em crescimento linear (não exponencial, porque a rainha é só uma).

Foto de 27 de fevereiro do ano passado . Comparar a área dedicada à criação de novas abelhas na foto em cima, com um mês de diferença no calendário.

Em conclusão: a evolução da dinâmica de criação de novas abelhas que assisto regularmente, ano após ano, entre novembro e finais de março, em colónias com desenvolvimento normal, está associada de forma directa à dinâmica de consumo de hidratos de carbono/mel/açucares suplementares disponíveis na colmeia. Sabemos que as abelhas através do seu mecanismo termogénico, a contração rápida dos músculos das asas, fazem subir a temperatura do seu corpo. Este mecanismo é, naturalmente, um grande consumidor de energia, e quanto maior for a necessidade de recorrer a ele maior é o consumo do combustível, isto é o consumo de hidratos de carbono, estejam eles na forma de mel e/ou na forma dos complementos açucarados que lhes fornecemos.

Implicação prática: Nestas próximas 6 a 8 semanas a maior parte das minhas colónias estão/irão transitar para novas condições: as áreas que têm de ser mantidas a 35ºC aumentam consideravelmente, e isto num território em que o fluxo de néctar é habitualmente baixo até meados de abril. Sendo assim o maneio mais crítico para a sua sobrevivência, de agora em diante e até ao início do primeiro fluxo importante de néctar, o do rosmaninho — que surge habitualmente entre a segunda e terceira semana de abril, isto considerando um ano meteorologicamente regular —, é cuidar que cada uma delas tenha o mel e/ou os suplementos de açúcar em quantidade suficiente e sempre presentes. Porque a dura realidade já me mostrou, poucas vezes felizmente, que chegou aquela altura do ano em que colónias saudáveis e populosas podem sucumbir em poucos dias por falta de reservas e morrerem na praia.

eficácia da própolis como tratamento adjuvante para pacientes com COVID-19 hospitalizados: um ensaio clínico randomizado e controlado

Publico o resumo de um estudo recente* que identificou as vantagens da utilização da própolis como tratamento adjuvante em pacientes com COVID-19 hospitalizados, nomeadamente na redução significativa do tempo de internamento e na redução, também significativa, do número de pacientes que desenvolveram lesão renal aguda.

Resumo: Entre as opções de tratamento ao COVID-19, a própolis, produzida por abelhas a partir de exsudatos de plantas bioativas, tem demonstrado potencial contra alvos virais e propriedades imunorregulatórias. Conduzimos um ensaio clínico randomizado, controlado, aberto e de centro único, com um produto de própolis padronizado (EPP-AF) em pacientes adultos com COVID-19 hospitalizados. Os pacientes receberam tratamento padrão mais própolis na dose oral de 400mg / dia (n = 40) ou 800mg / dia (n = 42) por sete dias, ou tratamento padrão isolado (n = 42). O cuidado padrão incluiu todas as intervenções necessárias, conforme determinado pelo médico assistente. O desfecho primário foi o tempo para melhora clínica definido como o tempo de internamento hospitalar ou dependência de oxigenoterapia. Os desfechos secundários incluíram lesão renal aguda e necessidade de terapia intensiva ou drogas vasoativas. O tempo de internamento hospitalar após a intervenção foi significativamente reduzido em ambos os grupos de própolis em comparação com os controles; mediana de 7 dias com 400mg / dia e 6 dias com 800mg / dia, versus 12 dias para o tratamento padrão sozinho. A própolis não afetou significativamente a necessidade de suplementação de oxigénio. Com a dose mais alta, significativamente menos pacientes desenvolveram lesão renal aguda do que nos controles (2 contra 10 de 42 pacientes). A própolis como tratamento adjuvante foi segura e reduziu o tempo de internamento.

fonte: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.01.08.20248932v1.full

Notas:

  • * pela sua recenticidade esta publicação científica ainda não foi sujeita à revisão pelos pares;
  • nestas publicações, aqui e aqui, apresentei outros dois estudos muito credíveis acerca dos benefícios da própolis.

introdução de rainhas: algumas dicas

Há uns anos descrevi nesta publicação os princípios que sigo quando pretendo introduzir rainhas protegidas por gaiolas. Na altura escrevi: “Do saber que foi sendo construído pelas anteriores gerações de apicultores sabemos que em regra é mais fácil uma rainha estranha/nova ser aceite por uma colónia estabelecida durante um fluxo de néctar. Se não houver néctar a entrar na colmeia, a aceitação será facilitada com o fornecimento de xarope de açúcar.

Para aumentar a probabilidade de uma rainha nova ser aceite há ainda um conjunto de outras considerações a ter muito em conta:

  • dar às abelhas o tempo e a oportunidade de se acostumar com sua nova rainha. Durante este período de um a dois dias a rainha deve estar protegida por uma gaiola lhe permite manter contato “físico” com as obreiras (exsudando as feromonas reais no coração da colónia);
  • as abelhas mais jovens aceitam rainhas mais facilmente do que as abelhas velhas;
  • colónias menores aceitam as rainhas mais prontamente do que colónias maiores.

A juntar a estes princípios, Randy Oliver aconselha ainda que na altura da abertura da gaiola se observe atentamente o comportamento das abelhas sobre a mesma. Se as abelhas andam suavemente sobre a gaiola, se se deixam empurrar com um toque suave do nosso dedo, elas aceitaram a rainha. Nestas circunstâncias podemos abrir o acesso das abelhas ao candy da gaiola, para que libertem a sua futura rainha, e voltar a colocar a gaiola tranquilamente na colmeia.

Na foto em cima, as abelhas aceitaram a rainha. Na foto em baixo não a aceitaram. As abelhas denotam um comportamento agressivo para com a rainha e não se movem quando as procuramos afastar; estão a tentar “pelotar” a rainha para a matar por aquecimento e asfixia.

Neste caso, provavelmente haverá uma rainha na colmeia, ou talvez seja necessário deixar a rainha mais um ou dois dias na gaiola antes de a libertar; se o fizermos neste momento ela será morta. 

Se por um acidente uma rainha enjaulada levanta voo, o melhor a fazer é manter a calma, colocar a gaiola sobre os quadros que ela provavelmente retornará à gaiola passados alguns minutos.

interrupção artificial da postura da rainha para aumentar a eficácia do tratamento da varroose: apêndice

Dado o interesse, problematização e dúvidas que suscitou esta publicação justifica-se a meu ver este apêndice, que visa detalhar um pouco mais os equipamentos utilizados assim como reflectir sobre a avaliação do impacto da técnica ao nível da colónia.

Quadro confinador de rainha (modelo construído por Randy Oliver).

A técnica preconiza o confinamento da rainha a um quadro normal (ou mesmo dois), designado quadro armadilha para o varroa, através de um dispositivo/equipamento que permite o trânsito das abelhas obreiras para o exterior-interior da zona confinada mas impede o trânsito da abelha rainha para o exterior da zona confinada. Utilizam-se, para conseguir este objectivo, dispositivos subsidiários das grelhas excluidoras de rainhas Para tal podemos construir quadros falsos, designados por mim quadros confinadores de rainha, à imagem do que propõe Randy Oliver.

Estas imagens ilustram outros modelos:

Este tipo de equipamento é também utilizado por alguns criadores de rainhas que pretendem diminuir o ritmo de oviposição e desgaste das rainhas matriarcas.
Equipamento disponibilizado para um ou dois quadros pelos nossos vizinhos de La tienda del Apicultor, com a designação Cesto Excluidor.

A rainha é transferida para esta zona confinada no mesmo quadro onde anda em postura, ou transferida para um quadro com cera puxada com muitos alvéolos livres para iniciar a oviposiçao.

Cesto excluidor de dois quadros colocado no ninho de uma colónia (La tienda del Apicultor).

Por comparação com a técnica de enjaulamento de rainhas em jaulas dedicadas, como a utilizada por diversos apicultores, em particular os da península itálica, não conheço testemunhos que indiquem a morte e substituição da rainha confinada com recurso a esta técnica.

Sobre o impacto ao nível da colónia, decorrente desta interrupção parcial da postura, é um aspecto de avaliação complexa. O impacto negativo mais imediatamente evidente materializa-se na redução significativa de novas abelhas a nascerem nos 14 dias após o desconfinamento das rainhas. O impacto positivo mais relevante, dado o incremento assinalável da efectividade da desparasitação, verifica-se ao nível da colónia na sanidade e esperança de vida nas novas abelhas a serem criadas. A somar a este efeito positivo soma-se este outro: as abelhas, nascidas durante os 14 dias de confinamento de sua mãe, não estarão sujeitas a um envelhecimento tão rápido como o que ocorreria caso tivessem de nutrir larvas e aquecer as pupas surgidas da postura de uma rainha não confinada durante estes 14 dias.

interrupção artificial da postura da rainha para aumentar a eficácia do tratamento da varroose

Todos nós sabemos que a existência de criação operculada nas colónias diminui a eficácia dos tratamentos contra a varroose, em particular a eficácia dos tratamentos “flash” ou de curta duração. Por exemplo, os tratamentos com ácido oxálico, na forma gotejada ou sublimada, são muito eficazes quando a colónia não apresenta criação fechada, contudo essa eficácia fica seriamente comprometida quando ela está presente.

Algumas técnicas apícolas, ao alcance de todos, permitem promover a interrupção, total ou parcial, da postura. Em baixo deixo a descrição de uma destas técnicas, a partir de uma proposta de Randy Oliver:

  • Dia 1: Com recurso a quadros confinadores de rainha*, confinar a rainha a um quadro normal, que servirá de “quadro armadilha para o varroa”;
  • Dia 14: Solte a rainha;
  • Dia 21: Remover o “quadro armadilha para o varroa” e gotejar (ou sublimar) com ácido oxálico as abelhas da colónia.
* Exemplar de um quadro confinador de rainha, fabricado por Randy Oliver.

Nota: A programação em cima é para facilitar a execução no mesmo dia da semana. Se houver muita criação de zângãos, pode aumentar os intervalos para os dias 17 e 24, para uma eficácia ligeiramente superior.