randy oliver: uma conversa sobre a alimentação com substitutos de pólen

Bidão transformado em alimentador externo colectivo de substitutos de pólen.

Nos últimos anos a opção de alimentar as colónias nas épocas de escassez com substitutos de pólen fornecidos em alimentadores externos colectivos tem vindo a recolher adeptos entre os apicultores. As abelhas aparentemente gostam desta alternativa alimentar, carregando afanosamente grandes quantidades do substituto para a colmeia. Mas como vimos aqui este comportamento, por si só, não é um indicador fiável da qualidade do alimento. Mais, alguns apicultores profissionais relatam que têm assistido ao colapso de colónias no inverno e associam este facto a esta estratégia de alimentação. Ora é sobre esta questão em particular que Randy Oliver se debruça no início desta conversa publicada no YT anteontem.

Randy Oliver, conversando anteontem, 14, sobre abelhas.

Randy Oliver, apicultor desde a sua juventude, biólogo e entomólogo, é provavelmente a voz mais influente no meio daqueles que procuram um conhecimento objectivo sobre estes insectos polinizadores.

É precisamente sobre a necessidade de uma maior objectividade nas afirmações que se fazem a respeito das abelhas que Randy inicia a conversa. Para ele muitas vezes a internet e a comunicação social abordam a apicultura de uma forma “nonsense”/absurda e não de uma forma objectiva, baseada na evidência científica e na experiência controlada.

Refere que neste momento está a conduzir dois ensaios controlados, um sobre o desenvolvimento de abelhas resistentes — programa que já mereceu duas publicações neste blog, aqui e aqui — e um outro sobre os efeitos da alimentação com substitutos de pólen, que iniciou há sete meses e está agora a terminar.

Uma tirada engraçada, mas muito séria como o são as coisas engraçadas, é Randy afirmar que se algum apicultor não disser de quando em quando que não sabe, o melhor a fazer é ouvir essa pessoa com “um grão de sal”/com algum cepticismo, porque há muita coisa que objectivamente desconhecemos.

Sobre os ensaios com suplementação proteica no outono as conclusões preliminares que tirou foram:

  • quando o substituto de pólen seco é fornecido em alimentadores externos colectivos as abelhas recolhem-no em grande quantidade e armazenam-no, fermentam-no e fazem pão-de-abelha a partir dele;
  • quando o substituto pólen é fornecida na forma de bifes as abelhas não armazenam nem uma grama;
  • a colecta e armazenamento do substituo de pólen seco fornecido em alimentadores externos varia muito de colónia para colónia;
  • em situação de escassez de pólen natural no outono e quando alimentadas com substitutos de pólen o melhor teste para avaliar o impacto da suplementação passa por verificar se as abelhas produzem mais geleia real para alimentar as larvas; segundo ele, as abelhas param a produção geleia real se a proteína de substituição fornecida não tiver os ingredientes que lhes permitam produzir geleia real com qualidade;
  • verificaram-se efeitos adversos nas abelhas alimentadas em laboratório (em Tucson) com pão-de-abelha feito a partir dos substitutos de pólen; estes dados necessitam de ser replicados com novos ensaios, na sua opinião;
  • estes efeitos adversos nas abelhas alimentadas com pão-de-abelha feito a partir dos substitutos de pólen confirmam a experiência negativa observada por vários apicultores profissionais que testemunharam colónias a colapsar no inverno depois de alimentadas com grandes quantidades de substituo de pólen seco fornecido em alimentadores externos colectivos.

Foi o que retirei nos primeiros dez minutos desta conversa de Randy Oliver. Espero que a tradução tenha sido fiel, mas caso encontrem alguma falha/erro importante agradeço desde já que me alertem.

a gestão da desigualdade entre colónias

Foto de ontem (14-01-2021) do território a 900 m de altitude.

Desde o início da minha actividade apícola fui confrontado com colónias desiguais nesta época do ano. Tendo aprendido que este é um fenómeno normal e incontornável, procurei aprender acerca de como o gerir e optimizar. Entre outras, a ferramenta de gestão que adoptei, utilizada desde há muitas décadas, foi cunhada com o termo equalização. No meu território, neste mês de janeiro é impraticável iniciar o maneio de equalização das colónias. Resta-me alimentá-las com pasta de açúcar, confinar uma ou outra mais fraca numa caixa de 5 quadros, e esperar mais cerca de um mês a mês e meio para iniciar a transferência de quadros com criação fechada, prestes a emergir, das mais fortes e trocá-los por quadros com criação aberta ou com reservas das colónias mais fracas. E assim apoiadas as colónias mais frágeis se fazem fortes e vigorosas à entrada do fluxo de néctar. Se a colónia é um indivíduo (super-organismo para alguns), o apiário é a a aldeia, que eu quero comunitária, onde a partilha de forças traz ganhos a todos. Para mim o cuidador, os ganhos são claros desde há uns anos, e estão aqui elencados. Este é um maneio que francamente me dá grande prazer fazer, que assenta como uma luva na minha idiossincrasia, colocando as colónias mais fortes ao dispor das mais fracas. Tenho para mim que a forma como fazemos a nossa apicultura também é terreno para a expressão da nossa ética e da nossa mundovisão.

Foto de ontem de uma colónia muito forte, que será uma colónia doadora de quadros com criação prestes a emergir, dentro de um mês a mês e meio.
Foto de ontem de uma colónia forte. Previsivelmente será uma colónia doadora de quadros com criação prestes a emergir, dentro de um mês a mês e meio.
Foto de ontem de uma colónia média, susceptível de vir a ser receptora de quadros com criação prestes a emergir, dentro de um mês a mês e meio.
Foto de ontem de uma colónia fraca, que apresenta sinais de diarreia visíveis na fotografia, e previsivelmente ficará fora do lote de colónias receptoras. Esta colónia sofreu PMS que, a juntar ao frio das últimas semanas, a colocou numa situação muito difícil. Será transferida para uma caixa de 5 quadros nos próximos dias.

sumo de limão no xarope: um benefício ou um prejuízo? (parte 2)

Nesta publicação, de novembro do ano passado, escrevi: “Muitos apicultores misturam o sumo de limão nos xaropes de açúcar que fornecem às abelhas para evitar a sua fermentação e/ou promover a inversão dos açucares. O sumo de limão, para além de ser um acaricida ineficiente, pode ser prejudicial quando adicionado aos xaropes açucarados, de acordo com o estudo em baixo, publicado já este ano.” Na altura, a publicação foi feita apenas com base na leitura do resumo do estudo — em consequência de estar atrás de uma “paywall”.  Hoje, após uma leitura integral e atenta do conteúdo do artigo, posso confirmar o essencial do que escrevi na altura: o sumo de limão nos xaropes de açúcar que fornecemos às abelhas para evitar a sua fermentação e/ou promover a inversão dos açucares […] pode ser prejudicial quando adicionado aos xaropes açucarados.

Na discussão dos resultados os autores escrevem:

A adição de limão é normalmente feita para facilitar a inversão dos açúcares dissacarídeos para obter os monossacarídeos, glicose e frutose supostamente mais digeríveis. Na verdade, acredita-se comumente que a sacarose hidrolisada é nutricionalmente melhor para as abelhas (Bailey 1966). O efeito negativo da adição de limão aqui obtido sugere testar se a adição de limão é realmente necessária; descobrimos que a sacarose pode ser tão eficaz quanto a glicose e a frutose para sustentar uma sobrevivência normal em condições de laboratório. Isto sugere que a adição de limão pode não ser necessária como normalmente se pensa, possivelmente porque as abelhas são capazes de inverter dissacarídeos, graças à α-invertase (White 1975). No entanto, não podemos excluir que outros resultados possam ser obtidos em condições de campo, onde as necessidades nutricionais das abelhas podem ser diferentes. No entanto, nossos resultados permitiram uma avaliação cuidadosa deste aspecto e, por precaução, sugere-se aos apicultores que não adicionem o sumo de limão na preparação da calda de açúcar.

Fica a tradução de alguns excertos do artigo:

De acordo com sua sobrevivência, as abelhas que receberam os diversos tratamentos puderam ser agrupadas da seguinte forma. A maior sobrevivência foi observada em abelhas alimentadas com xarope de açúcar ao qual nenhum sumo de limão foi adicionado

Como se identificou um efeito negativo da acidez do xarope de açúcar na sobrevivência das abelhas, testamos esse efeito usando limão e cloreto de hidrogénio. Abelhas alimentadas com uma solução de açúcar acidificada ao mesmo pH (2,80) com limão ou cloreto de hidrogénio mostraram uma sobrevivência significativamente reduzida em comparação com as abelhas alimentadas com a mesma solução de açúcar sem adição de ácido

A análise de qRT-PCR destacou uma expressão significativamente mais baixa de apidaecina* nas abelhas alimentadas com xaropes acidificados em comparação com abelhas do grupo de controle alimentadas com xarope não-acidificado

Uma vez que a acidificação dos xaropes de açúcar parece ser crítica para a sobrevivência das abelhas e o objetivo da acidificação é obter a inversão dos açúcares dissacarídeos em monossacarídeos, testámos se alimentar as abelhas com uma solução de sacarose em vez de glicose e frutose influencia a sua sobrevivência. Descobrimos que as abelhas alimentadas com xarope de sacarose tiveram uma sobrevivência mais longa do que as abelhas alimentadas com uma solução 1: 1: 1 de água, glicose e frutose

A regra de ouro da medicina “primum non nocere” (primeiro não causar dano), atribuída a Hipócrates, sublinha a necessidade de se considerar cuidadosamente os possíveis efeitos colaterais negativos… da nutrição complementar, uma vez que esta se tornou uma prática comum devido ao aumento da fragilidade das abelhas destacado acima. Esperamos sinceramente que seja encontrado um equilíbrio entre a necessidade de manter as colónias de abelhas e o risco de perturbar seu funcionamento normal.

fonte: DOI: 10.1007/s13592-020-00745-6

* apidaecina é um peptídeo antimicrobiano presente no intestino das abelhas com um papel importante na imunocompetência das abelhas.

perdas de colmeias em três regiões francesas no inverno de 2019-2020: dados, análise e discussão

Esta publicação, com a tradução de excertos do mais recente relatório da Chambre d’Agriculture d’Alsace acerca das perdas de colónias de abelhas ocorridas no inverno de 2019-2020 nas três regiões da região Grand Est (Alsace, Champagne-Ardenne et Lorraine), segue uma tradição já com vários anos de atenção dada aos excelentes relatórios produzidos por esta Câmara — seguindo as hiperligações encontram as traduções de sucessivos relatórios publicados em 2016, 2017 e 2018.

Aspectos gerais do relatório: 1) apresenta a quantificação objetiva da perda de colmeias no inverno 2019-2020, a partir das respostas recolhidas pelo inquérito enviado aos apicultores da região; 2) identifica os factores relacionados com perdas elevadas, a fim de sugerir cursos de ação para minimizá-los.

Ponto 1), responderam perto de 1 000 apicultores que invernaram perto de 40 mil colónias. Destas, morreram durante o inverno 9,3%; ficaram zanganeiras ou demasiado fracas para produzirem 9,2%. 81,5% estavam em boas condições à entrada da primavera de 2020.

Ponto 2), ao comparar as perdas sofridas pelos apicultores de acordo com alguns parâmetros, o relatório estabelece que há:

  • 2.1) correlações fortes entre as perdas e o medicamento escolhido contra o Varroa, assim como com a data de início do tratamento contra o Varroa;
  • 2.2) correlações fracas entre perdas e o número de colónias por apicultor, áreas geográficas dos apiários, transumância, renovação de rainhas, presença de sintomas de “varroa”, alimentação;
  • 2.3) correlações inexistentes entre perdas e número de colmeias na vizinhança, presença do vespão asiático, estado das colónias e recursos alimentares disponíveis.

Aspectos mais específicos do relatório: no decurso da minha experiência de uma relativa ineficácia do segundo tratamento anual com Apivar — esta ineficácia não significa necessariamente varroas resistentes; não tenho dados para o confirmar ou infirmar — vou procurar testar em 2021 uma estratégia mista, com utilização de princípios activos sintéticos e não-sintéticos (químicos todos são!). Neste contexto, os dados apresentados no relatório interessam-me mais que nunca, em especial os relativos à eficácia dos medicamentos não-sintéticos utilizados pelos apicultores desta região francesa.

Das três famílias de medicamentos não-sintéticos o MAQS (baseado em ácido fórmico) está associado ao menor número de perdas invernais (13,8%). Os medicamentos à base de timol e o Varromed estão associados a resultados menos bons, 38,4% e 40,2% de perdas invernais, respectivamente.

Talvez pelo facto de o Varromed ser um medicamento recente e, ao mesmo tempo, ter sido aquele que foi utilizado pelo maior número de apicultores em modo “bio”, no universo dos que responderam ao questionário, o relatório é mais pormenorizado e analítico, distinguindo estes dois cenários: entre os apicultores que referem que utilizaram o Varromed desde a primavera e utilizaram também no verão, como indicado pelo fabricante — fazer cerca de 10 aplicações ao longo do ano — as perdas invernais foram de 29%; entre os apicultores que o utilizaram somente no verão as perdas no inverno 2019-2020 foram de 54%. À luz destes dados os relatores recomendam que o Varromed não deve ser usado “no final da temporada” como se de um tratamento convencional se tratasse.

fonte: https://www.adage.adafrance.org/downloads/documents%20ressources/2020_synthese_enquetes_printemps_2020_grand_est_vfinale.pdf

Nota: uma vez mais importa-me realçar que uma correlação não implica causalidade.

abelhas mortas à frente da colmeia, motivo de preocupação?

Nesta publicação menciono que a mortalidade normal de inverno situa-se entre as 2000-3000 abelhas (A. Imdorf, 2010). Nestes dias frios é habitual encontrarmos algumas destas abelhas mortas na rampa de voo. Tal não deve ser motivo de preocupação, sem mais. Julgo que as abelhas com funções funerárias as deixam logo ali para não se exporem ao risco de um voo mais demorado, em dias com temperaturas muito baixas, que muito provavelmente as mataria. Portanto, encontrar algumas dezenas de abelhas mortas à entrada ou na proximidade da colmeia é nestes dias mais frios, em condições normais, um sinal de vitalidade da colónia, um indicador que o balanço entre a vida e a morte segue os padrões naturais, próprios de uma colónia em equilíbrio, com as abelhas funerárias a executarem as suas tarefas habituais.

Uma abelha arrasta uma companheira morta para o exterior da colmeia.

A propósito deste grupo de abelhas com funções funerárias, saiu recentemente um estudo muito interessante acerca dos mecanismos envolvidos no reconhecimento das abelhas mortas, no ambiente escuro típico do interior da colmeia. Segundo Wen, os dados experimentais que recolheu levaram-no a concluir que nas abelhas mortas a libertação dos hidrocarbonetos cuticulares é muito reduzida, e provavelmente este é um sinal importante que as abelhas funerárias utilizam para identificar rapidamente as companheiras caídas. (ver referência ao estudo: https://www.sciencemag.org/news/2020/03/how-undertaker-bees-recognize-dead-comrades)

os gigantes estão a chegar? previsão do potencial de propagação e impactos da vespa gigante asiática (Vespa mandarinia, Hymenoptera: Vespidae) nos EUA

Vespa mandarinia, um gigante entre gigantes.

A tradução do sumário em baixo, de um artigo recente sobre uma preocupação recente, acerca da invasão da Vespa mandarinia de territórios da América do Norte, tem o propósito de reflectir sobre dois aspectos:

  • a minha suspeita que os autores acreditam que a sensibilização dos decisores políticos para o problema passa por fornecer-lhes dados fiáveis do impacto económico da invasão, em especial nos serviços de polinização;
  • aproveitar para relevar novamente a importância económica das colónias de abelhas nos serviços de polinização que prestam ao sistema agro-pecuário — US $ 101,8 milhões, o que equivale a uma mais-valia de mil dólares por colónia.

Teremos alguma coisa a aprender na Europa sobre como fazer a sensibilização de políticos? Seguramente que sim, e esta publicação poderá ajudar a ilustrar como o fazer: enfatizando perdas económicos mais gerais, em particular as decorrentes do empobrecimento de todo o sector agro-pecuário, se a luta contra a V. velutina não se traduzir em melhores resultados que os alcançados até à data.

Sumário

Contexto: As invasões biológicas são uma preocupação global na agricultura, produção de alimentos e biodiversidade. Entre as espécies invasoras, sabe-se que algumas vespas causam sérios efeitos sobre as abelhas, como as encontradas durante a invasão da Vespa velutina na Europa. As recentes descobertas de indivíduos Vespa mandarinia no estado de Washington, na costa oeste dos EUA, levantaram o alarme em todo o país. Aqui nós estimamos o potencial de propagação de V. mandarinia nos EUA, analisando seus impactos potenciais nas colónias de abelhas, perdas económicas na indústria de abelhas e áreas de cultivo polinizadas por abelhas.

Resultados: Descobrimos que a V. mandarinia poderia colonizar os estados de Washington e Oregon na costa oeste e uma proporção significativa da costa leste. Se esta espécie se espalhar por todo o país, poderá ameaçar 95.216 ± 5551 de colónias de abelhas, ameaçando uma renda estimada de US $ 11,9 e 101,8 milhões para produtos derivados de colmeias e produção de colheitas polinizadas por abelhas, respectivamente, quando colonizar 60.837,8 km2 de plantações polinizadas por abelhas.

Conclusão: Os nossos resultados sugerem que V. mandarinia terá graves efeitos nos EUA, aumentando a necessidade de ações de monitorização e planeamento imediatos em diferentes níveis administrativos para evitar sua potencial disseminação.

fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/ps.6063

as baixas temperaturas actuais irão matar as abelhas?

Per si não!

As colónias de abelhas são capazes de tolerar temperaturas frias mais extremas do que a maioria dos mamíferos e pássaros. A tolerância a temperaturas muito frias de pelo menos -80 ° C de um cacho de abelhas é tão boa quanto a de animais de “sangue quente” muito preparados para invernos rígidos. Grandes raposas árticas e cães esquimós podem tolerar -80º C, já o Ptarmigan do Alasca (Lagopus lagopus alascensis), uma ave que tem penas até nas patas tem um limite a temperaturas frias de cerca de -50º C. Os humanos nus, em contraste, podem tolerar perto de 0º C temperatura do ar e por apenas uma hora antes que a temperatura corporal comece a cair e entrem em hipotermia.

O mecanismo mais importante que as abelhas utilizam para produzir e controlar a transferência de calor é a formação de cachos ou agrupamentos de abelhas no interior do ninho. Estes cachos de abelhas apresentam um controle térmico praticamente indistinguível de pássaros e mamíferos. Contudo, para sobreviver a baixas temperaturas, é necessário um grupo de pelo menos 2.000 abelhas(Southwick, 1984). Sabemos que 2 mil abelhas é o número de abelhas necessário para cobrir as 2 faces de um quadro do modelo Langstroth ou Lusitano.

Esquema básico da geração e controlo da temperatura nos aglomerados/cachos de abelhas.

Em condições de frio extremo, mesmo os animais com uma espessa camada de pelos ou penas devem gerar calor adicional para manter a temperatura corporal elevada. A eficácia do isolamento da superfície está inversamente relacionada ao tamanho do corpo, portanto, os aglomerados de abelhas, bem como mamíferos menores e pássaros, têm que contar principalmente com a produção de calor para compensar a perda de calor nos dias frios. Nas abelhas, esse calor é geralmente produzido por rápidas contracções geradas no tecido muscular das asas, que aumenta a taxa metabólica por um fator de 25. Nos vertebrados os tremores musculares são uma forma menos eficaz de produção de calor, e produzem um aumento metabólico de apenas duas a cinco vezes as taxas metabólicas basais.

Neste dias frios um grupo de abelhas (abelhas termogénicas ou “abelhas aquecedor”) enfiam-se de cabeça para baixo nos alvéolos e produzem calor através dos tremores referidos. Camadas adicionais de operárias cobrem estas “abelhas aquecedor” e fornecem isolamento para reter o calor. Estas abelhas são alimentadas continuamente por um outro grupo de abelhas que trazem a comida (combustível), recolhida por ex. no mel armazenado em áreas mais ou menos distantes do cacho de abelhas. 

 As abelhas de cabeça enfiada nos alvéolos não estão à procura de mel no fundo dos alvéolos. Abelhas saudáveis, bem alimentadas e com a cabeça dentro dos alvéolos são uma parte normal de um aglomerado de inverno. Jurgen Tautz explicou este fenómeno em detalhes no livro que publicou em 2008, The Buzz about Bees. Filmando um cacho de abelhas com uma câmera sensível à temperatura, Tautz descobriu que algumas abelhas são capazes de elevar suas temperaturas corporais cerca de 10º C acima do normal, usando contrações musculares rápidas. Depois de aquecerem, algumas das abelhas entram de cabeça nos alvéolos vazios, onde permanecem cerca de 30 minutos, ou até que seus corpos voltem à temperatura normal.

Para todas as colónias que vierem a sucumbir nos próximos dias nos meus apiários e, até agora, em território com duas semanas seguidas com temperaturas mínimas abaixo do 0ºC, irei tentar perceber que factor ou factores confluíram e desaguaram nesta altura para que não superassem esta exigente prova. O frio, per si, está ilibado!

  • fontes: https://www.researchgate.net/publication/236984332_Temperature_Control_in_Honey_Bee_Colonies
  • www.honeybeesuite.com/bees-head-down-in-cells-did-they-starve/
  • www.honeybeesuite.com/heater-bees/

suplementação com proteína, não obrigado

Foi no passado dia 19 de Dezembro que tirei estas três fotos em baixo:

Horta com nabiças floridas situada nas proximidades de um dos meus apiários.
Depois de uma intervenção mais profunda e demorada neste núcleo, fica visível que as abelhitas têm pólen disponível, o recolhem, o transportam e armazenam, à porta do solstício de inverno.
No mês de dezembro, pão-de-abelha recém ensilado.

Neste território, em que as fontes de pólen estão presentes no campo durante esta época, a minha opção tem sido não fornecer pólen ou seus substitutos às colónias. E apesar desta malfeitoria, ano após ano cerca de 75% a 80% das colónias chega a meados de abril, altura do primeiro fluxo sério de néctar, com um número de abelhas suficientes para garantir médias de 16 a 24 kgs de mel por colónia (valores médios, mínimo e máximo, de produção desde 2010).

Em baixo ficam duas fotos ilustrativas do estado de algumas colónias em setembro 2020, num apiário localizado a cerca de 900 m de altitude no Parque Natural da Serra da Estrela.

Pão-de-abelha de diversas origens botânicas, o melhor alimento proteico que as abelhas conhecem até à data.
Havendo proteína de qualidade a entrar ou devidamente armazenada vou encontrando quadros com áreas apreciáveis de onde emergirão as futuras abelhas de inverno, logo após a escassez do mês de agosto.

Recuando mais alguns meses no ano, em finais de março ou durante a primeira quinzena de abril encontro uma boa parte das colónia mais ou menos assim…

É verdade que as minhas colónias não têm 80 mil abelhas nem produzem médias de 60 kgs, mas esse é o campeonato de outros não o meu… eu jogo na liga da realidade!

Como a Rusty Burlew, acho que neste território o melhor é mesmo deixar as abelhas “fazerem a sua coisa”, e deixar os suplementos com proteína para os companheiros de outras latitudes e/ou longitudes.

As abelhas estão, na verdade, bem equipadas para dispensar qualquer suplemento. As chamadas abelhas de inverno (abelhas diutinus) armazenam reservas de alimentos no seu corpo gordo. O corpo gordo também produz uma substância chamada vitelogenina, que permite a secreção de geleia real mesmo na ausência de pólen fresco. Durante muitos anos, não alimentei com nenhum substituto do pólen e não tive problemas. Acho que o maior erro está em fornecê-lo muito cedo no ano. Há vários anos atrás, experimentei dar suplementos mais cedo, a partir de outubro, e meti-me em muitos problemas. Nos primeiros dias de janeiro, tinha colónias enormes que precisavam de ser alimentadas quase que diariamente. Eu estava realmente cansado de abelhas em abril, então quando todas aquelas colónias superlotadas começaram a enxamear, eu pensei, “Boa viagem!” Nunca fiquei tão feliz em ver o traseiro de uma abelha na minha vida. Em resumo, a alimentação com suplemento de pólen é como qualquer outro aspecto da apicultura. A necessidade de um suplemento varia de acordo com sua localização, estação, ano e colónia. Para saber se suas abelhas precisam, examine suas colmeias, observe suas abelhas e aprenda com a experiência.

fonte: https://www.honeybeesuite.com/when-to-feed-pollen-substitute/

Notas: 1) esta publicação, em especial o quadro regressivo no final, complementa bem o conteúdo da presente; 2) sobre as melhores receitas proteicas e sobre os seus efeitos a diversa literatura científica que consultei não é consensual; contudo é bastante consensual sobre o impacto nulo da suplementação com proteína quando as colónias têm pólen disponível no exterior, este é de origem botânica diversa e as abelhas têm condições meteorológicas para o colher, transportar e ensilar na proximidade da criação larvar — consenso bem sumariado nas palavras de Laidlaw (o pai das abelhas VSH) “pollen supplement, or pollen substitute is not beneficial after the pollen flow begins” [suplemento de pólen ou substituto de pólen não é benéfico após o início do fluxo de pólen].

as lições retiradas dos relatórios apícolas dos EUA

Sou um leitor ávido e habitual de relatórios anuais publicados por algumas associações/institutos de apicultura, tendo já publicado um ou outro pelo interesse que encontro nos seus dados (ver por ex. aqui). Acho os relatórios extremamente didácticos pela visão macroscópica que me permitem elaborar, pelo sentido que dão às observações mais fragmentares que vou fazendo nos meus apiários e pelo reforço que dão a algumas das acções basilares no maneio das minhas colónias.

As observações demasiado fragmentares, sem a devida integração e comparação com dados de natureza mais global, são semelhantes ao “olhar de um boi para um palácio”!

Nas duas últimas newsletter (28/12/2020 e 05/01/2021) que recebi do Bee Informed (EUA) é apresentada, na primeira, a análise de vários especialistas regionais acerca das tendências encontradas nas operações apícolas “comerciais” (operações com mais de 500 colónias) e os resultados do Sentinel Apiary Program, na segunda.

Relativamente à primeira newsletter (28/12/2020) chamou-me a atenção a organização e a quantidade de trabalho realizado pelos diversos especialistas que acompanham as operações comerciais e transumância de colónias entre várias regiões, da qual podemos ver um vislumbre no esquema em baixo.

Mapa das regiões das equipes de transferência de tecnologia BIP. Os pontos amarelos representam a base de cada especialista de campo e os pontos laranja identificam os estados onde eles fornecem serviços de supervisão de colónias. As setas indicam os movimentos dos especialistas de campo à medida que seguem as migrações de colónias de abelhas dos apicultores “comerciais” dos EUA durante a temporada de apicultura.

Na Região Noroeste, Ben Sallmann, o especialista de campo dessa região apresenta o seguinte sumário, no qual revejo boa parte dos eventos meteorológicos no território dos meus apiários em 2020: “Em fevereiro passado (2020), as condições climáticas da Califórnia foram ideais para a produção de amêndoas, e as abelhas também tiveram acesso a uma quantidade maior de pastagem este ano em comparação com o anterior. Portanto, as colónias cresceram muito rapidamente e os apicultores constaram muita enxameação. Durante este período, o clima da região noroeste foi chuvoso e muitos destes enxames fracassaram na fecundação das novas rainhas [não tive esta experiência, julgo que em boa medida porque consegui adiar a enxameação para “fora” da época das chuvas, para lá de meados de maio para ser mais concreto]. Não surpreendentemente, os níveis de infestação pelo ácaro Varroa também aumentaram mais cedo este ano. A loque europeia foi menos prevalente em 2020 em comparação com 2019, mas foi observada em algumas das colónias utilizadas para polinizar mirtilos [não sei o que é loque europeia, felizmente] . O mesmo padrão também se verificou nas taxas de infecção por ascosferiose (cria de giz) [doença muito esporádica e rara nas minhas colónias]. Embora os dados do Nosema sejam difíceis de avaliar devido à redução nos testes do Nosema este ano, em geral, as amostras que foram analisadas mostraram contagens de esporos mais baixas em comparação com os dados de 2019 [ao longo dos anos não tenho notado colónias com problemas críticos de nosemose, felizmente]. Neste outono, os níveis regionais de Varroa aumentaram consideravelmente depois que as rainhas começaram a diminuir a sua postura e muitas dessas colónias continuaram a enfraquecer, mesmo após a aplicação de tratamentos de controle de Varroa [sim, este ano constatei o mesmo em cerca de 20% das colónias tratadas]. Por outro lado, observamos menos sintomas visíveis de infecções virais do que anteciparíamos com cargas de Varroa tão altas [vi sinais evidentes e intensos das infecções virais nos 20% das colónias referidas em cima]. No geral, os apicultores que realizaram um tratamento de Varroa no início do verão se saíram muito bem.” fonte: https://beeinformed.org/2020/12/28/the-bee-informed-partnership-field-specialists-report-on-2020-commercial-beekeeping-trends/

Da segunda newsletter (05/01/2021) com os resultados do Sentinel Apiary Program

Em 2020, apicultores com 76 apiários representando 394 colónias participaram no Programa Sentinela. O laboratório da Universidade de Maryland processou quase 2.000 amostras do programa durante a temporada para monitorar Varroa e Nosema! 

… quero enfatizar uma vez mais a importância crítica do mês de agosto para iniciar o segundo tratamento contra o ácaro varroa (ver mais aqui). Também nos EUA este mês adquire, em muitas regiões, a mesma importância para quem deseja controlar efectivamente e a tempo e horas o ácaro. No gráfico em baixo verifica-se que o limiar de 3% de infestação de abelhas adultas (demarcado pela linha tracejada) é ultrapassado no mês de agosto para a média nacional. Estes dados não me surpreendem; já há alguns anos leio relatos no Beesource, por parte dos apicultores mais experimentados, para a necessidade de controlar a varroa nos meses de julho e agosto.

No relatório detalhado podemos ler: “Detectámos Varroa em mais de 70% das amostras do Sentinel recebidas em 2020. A percentagem de amostras contendo Varroa aumentou ao longo da temporada. A partir dessas amostras positivas, a fração das que atingiram o valor limite de 3 ácaros por 100 abelhas também aumentou ao longo dos meses (linha tracejada).

fonte: https://beeinformed.org/2021/01/05/sentinel-apiary-program-2020-wrap-up-and-2021-sign-up/

perspectivando o novo ano apícola

Terminado 2020, um ano inesperado do ponto de vista da saúde pública, contudo relativamente normal no que respeita à minha actividade apícola — os diversos constrangimentos surgidos não alteraram de forma importante o trabalho que fui realizando ao longo do ano nos apiários — proponho-me nesta publicação elencar algumas linhas-de-força do que pretendo para o novo ano, enunciando o que pretendo modificar e aquilo que pretendo manter e até intensificar no maneio das colónias.

Em 2020 fui confrontado com uma taxa de insucesso no segundo tratamento anual contra a varroose, aqui relatada, que me impele a fazer algumas modificações na abordagem que pretendo fazer neste novo ano. O plano está gizado, escreverei sobre ele após a sua concretização e depois de avaliados os primeiros resultados.

Pretendo manter o maneio de prevenção e controlo da enxameação.

Finalmente, pretendo intensificar esta técnica de desdobramento.

Um novo ano com muita saúde para todos!