Ontem, após 150 km feitos e 100 € deixados na bomba de combustível, entrei no apiário a 900 m de altitude com três objectivos principais: (i) identificar colónias com boa população e rainha com bom padrão de postura para entregar a um cliente; (ii) identificar e preparar colónias para uma pequena transumância de 10 Km, descendo dos 900m para uma altitude de 600m onde um significativo fluxo de néctar se iniciou nos últimos dias; (iii) palmerizar alguns núcleos.
Hoje, num dos apiários de 600m e depois de colocadas nos assentos as colónias transumadas, apliquei uma mescla de técnicas para atingir diversos objectivos: (i) prevenir a enxameação; (ii) controlar a enxameação; (iii) preparar núcleos para introduzir rainhas virgens em gaiola. Para optimizar da melhor forma o material que tinha disponível, caixas-núcleo e excluidoras de rainhas, e o tempo de que dispunha, tive de utilizar alguma capacidade inventiva e sair da minha zona de conforto.
No segundo apiário a 600m de altitude, os objectivos eram sobretudo dois: (i) espreitar algumas colónias orfanadas faz hoje 17 dias; (ii) preparar 5 colónias para serem desdobradas pela técnica Doolittle.
Nesta publicação faço referência à provável reversão dos mecanismos de resistência ao taufluvalianto nas minhas colónias. No decurso da mesma decidi pesquisar mais focadamente literatura acerca da resistência a piretroides, a família de sintéticos onde se inclui o taufluvalinato, veiculado pelas conhecidas tiras com a marca Apistan.
Aspectos gerais sobre o fenómeno de resistência a pesticidas
Como definem os especialistas da área um fenómeno de resistência a um determinado pesticida? A resistência a pesticidas é um fenómeno pelo qual os organismos podem sobreviver a doses ou concentrações mais altas de uma substância tóxica que anteriormente resultava em altos níveis de mortalidade. A resistência a muitas classes e tipos de pesticidas ocorre em muitas espécies de artrópodes. A resistência pode desenvolver-se muito rapidamente, ocorrer numa ampla área geográfica, evoluir em instâncias múltiplas e independentes, e os níveis de resistência podem ser extremamente altos. Os principais mecanismos de resistência incluem desintoxicação melhorada, insensibilidade no local-alvo do tóxico e penetração cuticular reduzida (ver esquema em baixo).
O caso da resistência ao taufluvalinato e flumetrina
A capacidade de desenvolver resistência a uma ampla gama de pesticidas é um fenómeno generalizado entre os ácaros, por isso era quase inevitável que a varroa se tornasse resistente aos acaricidas comumente usados, como os piretroides, taufluvalinato (Apistan®) e flumetrina ( Bayvarol®). Estudos descobriram que, comparando a concentração de um composto que causa 50% de mortalidade na população de ácaros de teste (CL50), os ácaros resistentes aumentaram os valores de CL50 de 2 vezes em Israel, 11 vezes no Reino Unido e de 36 a 440 vezes em Itália.
Propagação de ácaros resistentes na Europa Os ácaros resistentes aos piretroides foram detectados pela primeira vez na região de Lombardia, no noroeste da Itália, por volta de 1991. […] Os ácaros resistentes espalharam-se rapidamente através do movimento das abelhas para as regiões vizinhas do sul da Suíça, Eslovénia e sul da França. A partir daí, continuou a sua propagação por toda a Europa seguindo as rotas comerciais estabelecidas em França, finalmente chegando à Alemanha em 1997, através da via possível do movimento de abelhas da Itália em 1998 e Reino Unido em agosto de 2001. No Reino Unido, o primeiro surto descoberto limitou-se a apenas 25 apiários mas em Junho de 2004 já tinha alastrado a cerca de 140 apiários, alguns dos quais estão a muitas centenas de quilómetros da fonte original. O padrão de propagação de ácaros resistentes em toda a Europa continental e no Reino Unido foi muito semelhante ao padrão de propagação exibido pelos ácaros varroa “originais”. Esta é uma propagação local lenta por abelhas que derivam que transferem ácaros entre colónias, com saltos irregulares de longa distância causados por apicultores que efectuam transumância de colónias infestadas com ácaros resistentes. […] No entanto, nos casos em que nenhum movimento óbvio de abelhas é conhecido, muitas vezes assume-se que a resistência surgiu de forma independente.
Propagação de ácaros resistentes fora da Europa Em 1997, ácaros resistentes a piretróides foram detectados nos EUA. Embora os primeiros relatos de resistência fossem do Dakota do Sul, foi rapidamente estabelecido que estava relacionado com colónias e abelhas vindas da Flórida, onde os testes confirmaram que ácaros resistentes a piretroides também estavam presentes. Aliás, a Flórida também foi o local onde os ácaros varroa originais entraram os EUA em 1987. A Flórida é um importante centro de criação e distribuição de abelhas por via dos pacotes de abelhas enviados para todos os EUA. Este comércio ajudou na disseminação a longa distância tanto da varroa original quanto agora de suas irmãs resistentes a piretroides. Em apenas sete anos, os ácaros resistentes espalharam-se por todo o país nos EUA, com quase todos os estados relatando problemas devido a ácaros resistentes. Como a varroa foi originalmente introduzida na Flórida permanece um enigma, mas permanece a possibilidade de que os ácaros resistentes a piretróides tenham usado a mesma rota ou uma rota semelhante. Fora dos EUA e da Europa, ácaros resistentes a piretroides também foram relatados em Israel e Argentina.
Mecanismos de resistência aos piretróides em ácaros varroa Os três principais mecanismos não comportamentais pelos quais os animais se tornaram resistentes a uma ampla gama de pesticidas (esquema em cima) são modificar a dose reduzindo a sua penetração, melhorando sua desintoxicação por enzimas (resistência metabólica) ou alterando a forma do próprio local-alvo, ou seja, o canal de sódio, tornando-se menos sensível ao pesticida.
Atualmente não existe confirmação se populações de ácaros resistentes são capazes de reduzir ou impedir a penetração de piretroides por alterações nas propriedades físicas da cutícula. Na Europa e em Israel, a resistência à varroa pode ser parcialmente explicada pela resistência metabólica, pois há uma maior desintoxicação (quebra) de piretroides por meio de enzimas, em particular monooxigenases, e possivelmente por um pequeno aumento na atividade da esterase. No entanto, dados dos EUA indicaram que essas vias metabólicas não surgiam na sua população de ácaros resistentes.
Nos EUA, a resistência aos piretroides (fluvalinato) na varroa foi associada a quatro novas mutações pontuais no gene do canal de sódio. Sabe-se que mutações pontuais semelhantes num gene do canal de sódio associada ao transporte de iões sódio, reduz a sensibilidade das células aos piretroides. Estas mutações do gene do canal de sódio encontradas na população de ácaros dos EUA necessitam investigação na população europeia de ácaros resistentes. Isto porque se diferentes mecanismos de resistência fossem evidenciados nas populações de ácaros da Europa e dos EUA, esta seria a melhor evidência para o aparecimento de duas estirpes independentes de ácaros resistentes.
Custo da resistência Muitas vezes, a resistência em populações de artrópodes pode ser cara, por exemplo pela superexpressão de certas enzimas de desintoxicação. Isto, na ausência do pesticida, leva à redução da aptidão dos indivíduos resistentes devido à menor capacidade reprodutiva. Foi sugerido que a varroa resistente a piretroides tem uma aptidão menor em comparação com ácaros suscetíveis, mas nenhum dado foi apresentado. No entanto, um estudo detalhado da capacidade reprodutiva de populações de ácaros resistentes e suscetíveis nos EUA não revelou diferenças entre as duas populações.
Em Itália nenhuma desvantagem ou apenas uma pequena redução na aptidão associado à resistência ao fluvalinato foi encontrado em varroas, o que é consistente com observações em insetos quando a resistência é devido a monooxigenases. Além disso, se o mecanismo de resistência é devido a mutações pontuais, a carga metabólica em ácaros resistentes pode novamente ser muito pequena e, portanto, não seriam esperadas diferenças na reprodução dos ácaros.
Conclusão Todas as evidências atuais (ou seja, não temos nenhuma evidência em contrário) sugerem que a resistência dos ácaros aos piretroides surgiu apenas uma ou duas vezes e que a principal causa da rápida disseminação de ácaros resistentes é o movimento de colónias de abelhas feito pelos apicultores. Enquanto a seleção positiva ocorre apenas como consequência do uso de um acaricida (removendo os ácaros não resistentes da população, permitindo que os ácaros resistentes se desenvolvam), as mutações que dão origem à resistência ocorrem independentemente da exposição, pois são eventos casuais. Não há evidências de que o mau uso dos tratamentos selecione mais rapidamente os ácaros resistentes do que os tratamentos aplicados corretamente. Portanto, a ocorrência de ácaros resistentes não está associada ao uso indevido de tratamentos como muitas vezes tem sido alegado, pois o mesmo resultado final ocorrerá independentemente de o tratamento ter sido utilizado corretamente ou não.”
fonte: “Acaricide (pyrethroid) resistance in Varroa destructor”, Stephen J Martin (2015).
Nota: as conclusões retiradas, em especial as duas últimas afirmações produzidas pelo autor do artigo, não são consensuais na comunidade científica, na comunidade dos apicultores e mesmo entre os fabricantes de acaricidas, como sabemos. Neste documento — https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/reflection-paper-resistance-ectoparasites_en.pdf — uma publicação de revisão sobre este assunto publicado pela EMA (European Medicines Agency), fica evidente como este é um assunto complexo e cuja solução está a ser abordada com recurso e avaliação de estratégias múltiplas.
Ontem o Randy publicava no Bee-L este testemunho, acerca dos progressos difíceis e lentos no seu programa de selecção de abelhas resistentes ao ácaro varroa.
“Eu tenho criado rainhas seleccionadas há muitos anos. A selecção da cor, mansidão ou resistência à loque americana foi fácil. Idem para a resistência aos ácaros da traqueia, alémde não ver mais colapsos devido a Nosema ceranae.
A selecção para a resistência à varroa provou ser muito mais difícil, apesar de estarmos e executar um programa sério de reprodução seletiva em que controlamos a vasta maioria dos acasalamentos.
Após cinco anos substituindo cada uma das rainhas de nossas 1500 colónias anualmente e exclusivamente com filhas de rainhas totalmente resistentes aos ácaros, até agora apenas 15-20% de nossas colónias exibem forte resistência à varroa.
Temos um programa de “população reprodutora”, inundando nossas zonas de acasalamento com nossos próprios zângãos quando as nossas colónias retornam repletas de cria de zângão a seguir à polinização das amendoeiras. Cada zângão é um neto de uma rainha selecionada.
Passei centenas de horas nos últimos meses executando uma enorme número de cálculos para descobrir a genética envolvida para corresponder ao nosso progresso real. Eu executei simulações com alelos únicos, alelos duplos, alelos dominantes ou recessivos, epistáticos dominantes ou efeitos recessivos, etc. Mas cada simulação sugere que mesmo se o traço vem originalmente de um zângão raro, ao reproduzir-se apenas com filhas de mães cujas colónias demonstram total resistência, deveríamos ver um progresso mais rápido [nota: as leis de Mendel só raramente têm expressão no mundo real, no mundo das abelhas também assim é] .
É frustrante não entender a genética na base do comportamento resistente, mas é encorajador ter alcançado mais de 150 colónias (de 1000 levadas para as amendoeiras) nesta temporada que não requerem um único tratamento de ácaros durante um ano inteiro. Todas as nossas 30 rainhas matriarcas este ano tiveram contagens por lavagem de ácaros de zero ou 1 após um ano sem tratamentos.
Não investiguei todos os mecanismos reais usados para resistência, mas o comportamento de desoperculação-reoperculação (REC) épredominante.
As mensagens para levar para casa são:
Pode haver colónias (não rainhas) que são à prova de bala para varroa, fortes, dóceis e produtivas.
Não é fácil fixar essa característica numa população reprodutora inteira, mesmo com a seleção meticulosa e extrema dos reprodutoress em cada estação.
Este verão eu pretendo tentar acasalamentos por endogamia em populações absolutamente isoladas em alguns locais de alta altitude que não têm nenhum outro enxame selvagem ou colónias de abelhas maneadas ou zângãos presentes.
Saiu recentemente um estudo sobre uma linha de abelhas resistente (a Pol-line). Nestas colónias, com um tratamento anual à base de amitraz em setembro, no mês de fevereiro do ano seguinte cerca de 40% das colónias estavam mortas . Com um regime de dois tratamentos baseados no amitraz, um em setembro e outro em dezembro, estavam mortas 27% das colónias no mês de fevereiro do ano seguinte. Ainda que estas linhas de abelhas resistentes tenham revelado uma mortalidade significativamente menor que as linhas não resistentes, acho que os resultados continuam a ser muito insatisfatórios, considerando que nos meus apiários desde há 8 anos que não assisto a uma mortalidade por varroa acima dos 10%, e na grande maioria destes a mortalidade tem estado abaixo dos 2% — este ano a mortalidade por varroose foi de de 1,2 %.
fonte do estudo: https://www.nature.com/articles/s41598-022-08643-w
estudo mencionado num artigo de divulgação científica com qualidade duvidosa: https://phys.org/news/2022-04-sustainably-honey-bees-varroa-mite.html?fbclid=IwAR3M-2JHyCF0ma6cfZtAoxPZUa6ndQHaSd_RdkaqZZfo2u1tj6EOIhxcsgY
Na altura em que perfaz 8 semanas sobre o início do primeiro tratamento da temporada, chega a altura de ir retirando as tiras de Apistan, o medicamento que escolhi para esta época do ano.
Passados 7 ou 8 anos desde a última vez que utilizei este medicamento o optimismo relativamente à sua eficácia era elevado. Este longo período em que o não utilizei é, em principio, suficiente para reverter alguma resistência que tenha surgido ao princípio activo.
E o meu optimismo foi confirmado. Em cerca de 170 colónias não encontrei sintomas de varroose. Alguns testes na criação de zângãos confirmam o observado nas muitas inspecções realizadas ao longo destes dois meses. Em baixo deixo fotos de um destes testes realizado recentemente.
Há cerca de um ano atrás fiz esta publicação que intitulei “o trabalho num apiário e a sua dimensão lúdica”. Ontem, no mesmo apiário, o meu trabalho teve uma orientação predominantemente investigatória — não deixando de ter a dimensão lúdica.
Dado que o trabalho previsto para um dos meus apiários a 900m foi adiado para o dia seguinte considerando as baixas temperaturas, voltei ao apiário onde no passado sábado utilizei uma solução de antecipação para prevenir e para controlar a enxameação em seis colónias como relatei aqui. Nesse sábado, das seis colónias orfanadas, uma apresentava mestreiros de enxameação. As outras cinco tinham 8 ou mais quadros com criação e não lhes vi mestreiros de enxameação.
Tendo este pequeno grupo de seis colónias orfanadas aproveitei para iniciar um teste muito informal sem cariz científico — sei o suficiente das exigências método científico para o reconhecer —, e me permitirá confirmar a título meramente indicativo e pessoal se algumas das minhas crenças e cepticismos têm ou não algum chão para se sustentarem. Entre outras:
uma colónia orfanada, desde que com muitas abelhas jovens e bem nutrida, tem todas as condições para criar rainhas de emergência com grande qualidade;
com boas condições iniciais, muitas abelhas e nutrição suficiente, os mestreiros de emergência são seleccionados pelas abelhas, isto é, aqueles iniciados com larvas mais velhas acabam por ser eliminados pelas abelhas (ver aqui);
uma colónia, ainda que artificialmente orfanada, se tiver muitas abelhas pode ainda assim enxamear com uma ou mais das rainhas virgens que emergirem;
uma colónia orfanada, com uma grande população e que crie várias rainhas virgens pode tardar em ficar resolvida, até ter uma só rainha fecundada e em postura;
uma colónia orfanada, com uma grande população, numa época de fluxo de néctar pode ficar parcialmente bloqueada no ninho no período que medeia a orfandade e o momento em que consegue que uma rainha inicie a postura.
Para testar informalmente estes aspectos decidi fazer o quer relato e ilustro em baixo. A questão do bloqueio não me interessa testar porque tem uma solução expedita e simples.
Nesta época, no meu território, em condições regulares, as minhas colónias com 5 quadros de abelhas crescem a um ritmo de um a dois quadros por semana — reconfirmo uma vez mais o que li descrito pelo enorme apicultor Randy Oliver, como referi nesta publicação, publicação que foi um marco pessoal, quando há 5 anos atrás me permiti sumariar, estruturar e tornar inteligível num texto feliz um conjunto de observações que tinha vindo a fazer nos anos anteriores).
No passado dia 19 de março, nesta publicação, descrevi a transferência de alguns enxames para caixas-colmeia (modelo Langstroth).
Passados 16 dias e sem qualquer outro maneio neste intervalo de tempo, anteontem, dia 3 de abril, os enxames tinham passado dos iniciais 5 quadros com abelhas para os 9 quadros com abelhas e 7 quadros com criação. Deixo em baixo as fotos de uma destas colónias.
Nota: São enxames como estes que tenho a coragem de vender aos meus clientes. Nem menos nem mais, simplesmente e transparentemente como estes.
Em território de urgueiras, que começam a expressar-se também no interior das minhas colmeias por via do magnífico cheiro do seu néctar que começou a ser armazenado nos ninhos, dei início a uma nova etapa no meu maneio. Utilizei pela primeira vez esta técnica: cura radical da enxameação.
Em duas colónias encontrei sinais inequívocos de preparação de uma das últimas etapas do processo de enxameação: o surgimento de mestreiros de enxameação.
Apliquei a técnica como prescrito pelo seu autor com recurso a um garfo de desopercular, tipo “rasca la cria”.
Apliquei esta técnica como “último recurso”, uma vez que já tinha doado os quadros com criação às poucas colónias um pouco mais atrasadas do apiário e, aqui chegado, ou criava duas novas colónias, ou aplicava a técnica Demaree, ou avançava para esta cura radical. Nenhuma das duas primeiras me são oportunas por constrangimentos que nada têm a ver com a apicultura. A eficácia desta solução será avaliada na próxima visita e caso se confirmem as garantias que o autor deu há mais de 100 anos, esta passará a ser uma técnica a juntar-se a outras que utilizo nesta época de prevenção e de controlo da enxameação. Esta não será privilegiada em relação a outras e muito menos as excluirá. Haverá um tempo e um momento próprio para cada uma delas.
Como todos, houve uma altura em que fui um iniciante de apicultor. Como bom iniciante apetrechei o meu pensamento com as proclamações de verdades absolutas que alguns dos meus companheiros debitavam nos fóruns e redes sociais de grupos de apicultores. Como todo o iniciante foi-me reconfortante ouvir estas certezas absolutas numa actividade que estava a iniciar! E assim, com o pensamento conformado por essas proclamações, me iniciei no maneio das minhas colónias em 2009-2010. E logo em 2010, as minhas abelhas desmentiram algumas dessas proclamações. De lá para cá continuam a desmentir umas e outras, quase todas.
Chegado ao dia de hoje, confirmo uma vez mais que as verdades proclamadas são desmentidas pelas minhas abelhas à frente dos meus olhos. Tive hoje oportunidade e vontade de fotografar para partilhar com os meus leitores dois exemplos desses desmentidos acerca das seguintes proclamações:
1) é errado aproveitar mestreiros de enxameação porque perpetua a genética de enxameação — na verdade o que é isso de genética de enxameação? é determinada por um gene herdado da mãe? por um conjunto de genes herdados da mãe e dos vários genes dos pais presentes nas várias sub-famílias da colónia? o comportamento de enxameação da rainha é determinado por ela só ou também e sobretudo é determinado pelas suas filhas, filhas de vários pais? é determinado sobretudo por factores hereditários ou predominantemente por factores ambientais/contextuais?;
2) se quero encontrar a rainha numa colónia devo-a procurar nos quadros com ovos porque de certeza é ali que ela anda, porque como todas as boas mães anda junto da sua prole — na verdade quem é a mãe das abelhas? a rainha que só as pariu ou as abelhas operárias que as amamentam e criam? se por acaso anda longe do quadro com ovos, isso faz dela uma má mãe? quando todos os quadros de uma colónia já foram utilizados para dois ou três ciclos de criação ainda se encontrará um quadro só com ovos? todos os quadros da colónia não terão neste caso uma mistura de ovos, criação aberta e criação fechada? se sim, em qual deles andará a rainha que tanto me interessa encontrar para realizar aquele maneio específico que me obriga a descobri-la?
Como estas muitas outras proclamações me passam pela cabeça. Um terceiro exemplo: os apiários não devem ter mais que 20-30 colónias por encabeçamento — interrogo-me se em todos os locais? só em alguns, e como saber quais? não há condições para ter 100 colónias num apiário rodeado sobretudo por giestas? e quando essas 100 colónias num apiário rodeado sobretudo por giestas produz uma média de 20 kgs por colónia, ano após ano, caso tivesse apenas 30 colónias produziria as mesmas 2 toneladas de mel?
Sobre esta terceira proclamação deixo uma foto de um apiário meu com capacidade para assentar 100 colónias, onde já estiveram 100 colónias e me deram vários anos seguidos 1600 kgs de mel.
Sobre a segunda proclamação deixo esta foto de hoje onde encontrei uma rainha não a cuidar dos ovos, mas num quadro com uma imensa mancha de criação fechada.
Sobre a primeira proclamação deixo este conjunto de fotos de uma rainha emergida de um mestreiro de enxameação que enxertei o ano passado (ver aqui). Hoje o núcleo cheio como um ovo, nem sinais de cálices reais lhe vi quanto mais mestreiros de enxameação.
Desde que me conheço, que sempre procurei a opinião dos mais experimentados, mas também me lembro de sempre o fazer sem desligar o cérebro. Procurei e procuro cada vez mais intensamente ter a humildade e a capacidade de me manter um observador o mais possível neutro dos fenómenos naturais. Sempre que o consigo, a natureza amiúde encarrega-se de me dizer que não se move pelas linhas rectas que em determinada altura, no início do meu processo de aprendizagem, me cheguei a convencer existirem por ouvir tantas proclamaçãos cheias de certezas.
Hoje, no apiário das Lusitanas a 600m de altitude, o rosmaninho está a desabrolhar. Como no ano passado, assim como nos anteriores, antes de 15 de abril as abelhas pouco ou nada tirarão dele.
No entanto as colónias, como habitualmente, estão à frente do rosmaninho. Nunca foi do pólen e do néctar do rosmaninho que elas dependeram para crescer. Sim de diversas flores subsidiárias presentes no campo já em fevereiro. À entrada de abril as colónias, formadas por 20 mil ou um pouco mais de indivíduos , estão a atingir a maturidade. Algumas iniciam os últimos preparativos para se reproduzirem, enxameando. Ora como este ano vou ter menos disponibilidade para fazer a prevenção da enxameação nos moldes em que a tenho feito em anos anteriores, decidi queimar algumas etapas e antecipar-me. Em termos práticos isto significa que estou a isolar desde já rainhas de colónias que têm 8 quadros com criação e 10 quadros com abelhas. Isolo a rainha-mãe com 2 a 3 quadros e abelhas retiradas da colónia-mãe. Coloco-os em núcleo. Os núcleos são deixados num outro local do mesmo apiário, e por esta razão sacudo mais um ou dois quadros de abelhas, contando que uma parte delas regressará à colónia-mãe.
Para lá da identificação de boas colónias para entregar a um outro cliente, da verificação do estádio sanitários de todas as colónias, da alimentação de algumas e colocação de sobreninhos sobre umas poucas, foi o maneio de isolamento de rainhas o que mais tempo me levou e, simultaneamente, o mais prazeroso. Encontrar uma rainha entre 20 mil indivíduos e em menos de 5 minutos é um jogo que gosto de jogar comigo mesmo. Evitar que estas rainhas e abelhas, nas quais despendi tempo e recursos nos meses de outono-inverno, enxameiem e vão para um canto qualquer nesta altura do ano e que, ao contrário, as mantenho nas minhas caixas é uma recompensa que muito me agrada. Hoje neste apiário procurei seis rainhas, encontrei 6 rainhas e vi muitas dezenas de milhar de abelhas a passarem-me diante dos olhos e… não me cansei. No final da tarde entreguei os enxames ao meu cliente. Trabalho feito por hoje.
As 6 colónias orfanadas vão levar a cabo a criação de novas rainhas. Esta realidade não precisa de mim.
Hoje, a 900 m de altitude, entrei no apiário por volta das 13h30. A temperatura rondava os 11ºC, o vento era fraco e o sol ía aparecendo por detrás de algumas nuvens ocasionais. As colónias estão saudáveis e a crescer.
Os objectivos centrais desta inspecção eram dois: (i) alimentar as colónias com pasta de açúcar; (ii) identificar colónias fortes, com pelo menos 7 quadros com criação e 9 quadros bem cobertos de abelhas, para entregar amanhã a um dos meus clientes. Como habitualmente tirei umas fotos.