Hoje, a 900 m de altitude, entrei no apiário por volta das 13h30. A temperatura rondava os 11ºC, o vento era fraco e o sol ía aparecendo por detrás de algumas nuvens ocasionais. As colónias estão saudáveis e a crescer.
Os objectivos centrais desta inspecção eram dois: (i) alimentar as colónias com pasta de açúcar; (ii) identificar colónias fortes, com pelo menos 7 quadros com criação e 9 quadros bem cobertos de abelhas, para entregar amanhã a um dos meus clientes. Como habitualmente tirei umas fotos.
Nunca satisfeito com o pouco que sei, vou lendo… vou lendo literatura recente mas também alguma literatura apícola com um século ou mais. Em toda ela aprendo. Desta vez trago um excerto de um pequeno livro, publicado em 1909, com uma técnica que o autor, Henry Jones, advoga funcionar sempre e em qualquer lugar para fazer a prevenção e o controlo da enxameação. Nunca a experimentei, mas parece-me uma técnica credível e merecedora de um ensaio-piloto em algumas colónias. Correndo tudo normalmente, conto utilizá-la ainda este ano e fazer a avaliação dos resultados atingidos. Para já deixo a tradução em baixo.
“O que os apicultores de todo o mundo estão à espera é de um plano melhor, um método simples, seguro e confiável que evitará a enxameação em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Existe, ou pode existir, alguma gestão, algum processo ou tratamento, que venha a preencher esses requisitos? A resposta esperada seria “Não”. Os bons e velhos métodos ortodoxos atraem fortemente a grande maioria dos apicultores, e parece difícil para eles se desvencilhar dos velhos métodos que têm a sanção da antiguidade. Os mitos, fábulas e superstições sobre as abelhas – herança de nossos ancestrais – ainda nos prendem com uma estranha persistência, e quase todos os avanços na apicultura tiveram que defrontar os caprichos, preconceitos e conservadorismo das massas. Nestes dias de progresso e descoberta é seguro negar alguma coisa? Muitos dos enigmas não resolvidos do passado estão sendo resolvidos hoje, e por que o enigma da enxameação deveria permanecer sem solução. Agora, irmãos apicultores, isso pode causar alguma surpresa e pode despertar em vocês algum cepticismo quando eu fizer a afirmação ampla e ousada de que posso esboçar um método de tratamento que irá curar a enxameação toda vez e todo o tempo. Ele funcionará onde as abelhas existirem, pois é baseado em um instinto da abelha que é infalível. O tratamento curará o “impulso de enxameação” se já adquirido, ou, se dado antes que as abelhas pensem em enxamear, impedirá a preparação do enxame. Ou é uma medida preventiva ou uma medida curativa, dependendo do momento do tratamento. Impedirá e impede absolutamente todos os enxames em todos os momentos e em todas as circunstâncias, apesar da velha lenda de que “as abelhas não fazem nada invariavelmente”. Não querendo sobrecarregar sua credulidade até o ponto de ruptura, nem desejando que você pense que essas linhas foram escritas com espírito de egoísmo, desistirei de quaisquer outras declarações preliminares e delinearei o plano que tenho seguido nos últimos quatro anos.
“Use todos os métodos bem conhecidos no início da primavera para fortalecer as colónias de abelhas antes que o fluxo de mel comece. Então, quando as colmeias estiverem cheias de abelhas e você tiver toda a força que quiser – todas as abelhas necessárias para fazer a colheita – vá a essas colónias poderosas, abra as colmeias e com a faca desoperculadora ou algum outro instrumento afiado desopercule toda a cria selada que você encontrar, exceto dois quadros da cria selada em cada colmeia que você vai deixar intacta. Os dois quadros de cria eclodindo manterão a força da colónia durante o fluxo de néctar. A qualquer momento após quinze dias faça um segundo tratamento, o mesmo que o primeiro, se você encontrar alguma colónia fazendo preparativos para enxamear. Este tratamento evitará toda enxameação e permitirá ao apicultor manter toda a sua força de operários reunida durante a colheita do mel. As abelhas imediatamente começam a retirar a cria decepada e a espalhá-la por toda parte, e em doze a vinte e quatro horas todo vestígio de cria sem cabeça será removido da colmeia. As abelhas irão polir os alvéolos das quais removeram a criação morta e a rainha começará a colocar ovos neles imediatamente, em vez de as abelhas os encherem com néctar, como seria de esperar. As abelhas começam a trabalhar imediatamente com todo o vigor e energia de um enxame primário, sem mais nenhuma tentativa de enxamear. É simplesmente maravilhoso como rapidamente uma colmeia cheia de abelhas prestes a fugir pode ser transformada numa equipa trabalhadora e enérgica.“
Bob Binnie tem as sua operação apícola na Geórgia, EUA. Já a minha pequena operação tem a sua base na Guarda, Portugal. Vários milhares de kms separam estes dois territórios. Decorrente desta variável inegável, seria de esperar que o que observo e o que faço fosse diferente daquilo que o Bob observa e faz, em especial se considerarmos os timings das operações e o facto de ele trabalhar com híbridos de cárnicas x caucásicas.
Muito pelo contrário… acho notável a semelhança nos timings e no fluxo de procedimentos de final do inverno/início da primavera que ambos utilizamos para abordar, entre outros aspectos, a multiplicação de colónias com recurso à técnica Doolittle, a equalização, a regra não mais de seis, a utilização do tabuleiro divisor, a forte preocupação com a prevenção da enxameação, o conhecimento do ritmo de crescimento das colónias e o planeamento do maneio à luz do ritmo de crescimento das colónias.
Ficam em baixo dois dos mais recentes vídeos que o Bob Binnie publicou e que, como habitualmente, prestam um enorme serviço à comunidade apícola por esse mundo fora.
No âmbito do curso apícola on-line organizado pela Macmel, no próximo dia 26, às 21h00, vou descrever o maneio que realizo de há uns anos para cá com a finalidade de prevenir e controlar a enxameação. Aproveito para agradecer publicamente o amável e honroso convite que o Francisco Rogão me dirigiu para participar.
Podem inscrever-se através deste link: https://formacaoapicultura.blogspot.com/2022/02/polen-propolis-e-controlo-de-enxameacao.html?fbclid=IwAR21-eMXMyz-bZCyCba2TkiunXADAi6DssLYCQ6E2ZOTbkryjXjU0HV6hZY
Se a prevenção da enxameação, como a concebo, tem como objectivo levar a colónia a sentir-se inacabada e desarrumada, e assim não produzir mestreiros de enxameação, o controlo da enxameação reúne o conjunto de procedimentos que impede a enxameação depois de iniciada a produção de mestreiros.
Deixo em baixo os grandes marcos do percurso da minha aprendizagem que me têm permitido perder muito poucos enxames quando estes, e apesar das medidas de prevenção da enxameação, evoluem na sua intenção de efectivamente enxamearem.
1º marco) Distinguir enxameação reprodutiva de enxameação por congestionamento (ver aqui) e seus timings (ver aqui). Estou muito grato a dois enormes apicultores norte-americanos Walter Wright e Randy Oliver, Mestres virtuais com os quais tenho aprendido e evoluído.
2º marco) Definir e estar atento durante as inspecções regulares a um conjunto de bio-sensores habituais nas colónias que se preparam para enxamear (ver aqui, aqui e aqui).
3º marco) Conhecer, escolher e aplicar eficientemente as técnicas para fazer o controlo da enxameação. Neste momento tenho duas que utilizo preferencialmente. A opção por uma ou outra depende se pretendo fazer uma ou mais novas colónias (solução tipo 1, aqui e aqui) ou, pelo contrário, não pretendo aumentar o número de colónias (solução tipo 2, aqui e aqui).
4º marco) Reconhecer que a enxameação é muito mais determinada pelos factores abióticos e pelo maneio que pela genética (ver aqui e aqui) e percepcionar este fenómeno natural e necessário para a perpetuação da espécie de um outro ângulo (ver aqui).
A minha abordagem à prevenção da enxameação tem-se mostrado custo-efectiva. O que me mostram estes resultados? Coisas muito simples: que sou um apicultor realizado com o que alcancei nestes 13 anos, que não tendo inventado a roda soube compreendê-la e, com a mente aberta, observei os ciclos que os enxames cumprem ano após ano, ciclos estes que aprendi a interpretar, analisar e a aproveitar, sempre com muito trabalho e dedicação quer no campo quer na biblioteca. Com estes alicerces fui capaz de montar uma estratégia que me permite optimizar e rentabilizar os meus enxames.
Deixo a visão sintética e integrada dos principais marcos da minha abordagem e que foram sendo semeados por este blog. Estes marcos foram apropriados e aplicados por vários amigos, conhecidos e desconhecidos, que me vão testemunhando como lhes têm sido muito úteis.
1º marco) ritmo de crescimento de um enxame: com boas condições uma colónia cresce 1 a 2 quadros de abelhas por semana (modelo Langstroth e Lusitana) (ver mais aqui).
2º marco) quando a colónia atinge os 8 quadros com criação (ocupa 90% do ninho da colmeia/cavidade) inicia, por norma, a fase final do processo de enxameação, isto é, inicia a construção de mestreiros de enxameação (ver aqui, aqui e aqui).
3º marco) a preparação das colmeias armazém para onde vou drenando os quadros que resultam da conformação das colónias à regra “não mais de 6” (ver aqui e aqui).
4º marco) multiplicar enxames de forma simples e aproveitando harmoniosa e sincronamente os passos dados neste fluxo de actividades da prevenção da enxameação (ver aqui).
Trabalhei o apiário das urgueiras ontem. Alimentei, coloquei dois sobreninhos sobre duas colónias fortes e procedi à palmerização de um núcleo com vista a dar apoio a uma colónia zanganeira.
Voltando a exemplificar esta técnica que denominei de palmerização, em homenagem e tributo ao apicultor que primeiro ouvi falar da sua utilização, Michael Palmer.
Porque retirei o quadro com criação do núcleo? Por duas razões: (i) como medida de prevenção da enxameação; (ii) porque este quadro me foi necessário para iniciar a reversão do estado zanganeiro de uma colónia ali ao lado.
Cerca de 10 dias depois retorno aos apiários para mais uma ronda de alimentação — é nesta época que mais se justifica este cuidado em diversas zonas do nosso país —, para colocar sobreninhos sobre as colónias mais fortes, para fazer a última inspecção a um conjunto de núcleos a entregar a um dos meus clientes e para transferir algumas colónias em núcleos de 5 quadros para colmeias de 10 quadros.
Acerca da inspecção de ontem a um conjunto de núcleos do modelo Lusitana que entreguei hoje a um cliente, as fotos em baixo ilustram o padrão que sigo: colónias saudáveis, com uma população a ocupar densamente os 5 quadros e com uma rainha com um padrão de postura compacto e extenso.
Relativamente à transferência de colónias em 5 quadros para caixas de 10 quadros este maneio permitir-lhes-á continuar a crescer e, de forma concomitante, mitigar e atrasar o surgimentos do impulso enxameador.
Nota: estou vendedor de enxames com 5 e 10 quadros nos modelos Langstroth e Lusitana. Os interessados podem contactar-me através da caixa de comentários com todo o sigilo, pois não serão tornados públicos.
Diversos apicultores encontram nas familiares tiras de cartão impregnadas de Citraz ou Taktic (acaricidas com amitraz) misturado em vaselina ou óleo alimentares o plano A para controlar a varroose nas suas colónias. Alguns companheiros são bem sucedidos nesse intento de controlar a varroose com estas soluções caseiras, outros não.
Como habitual, o meu plano A passa pela utilização dos medicamentos homologados. Não tendo re-confirmado a eficácia de anos anteriores com a utilização do Apivar, que veicula o amitraz (500 mg por tira) por intermédio das conhecidas tiras de material plástico (ver aqui), este ano vou optar pelo Amicel, um medicamento homologado que veicula o amitraz através de tiras de cartão (250 mg de amitraz por tira). Espero com esta galénica diferente obter melhores resultados nos tratamentos do próximo verão.
Um estudo suiço muito interessante avaliou os resultados obtidos no controlo dos ácaros Varroa num grupo de 30 apicultores, ao longo de dois anos e num total de 300 colónias, em função do grau de adesão destes apicultores ao regime recomendado. Como relatam os autores: “Inscrevemos 30 apicultores num estudo longitudinal em três cantões da Suíça e monitorámos o maneio e a saúde de suas colónias durante dois anos. Avaliámos o cumprimento das recomendações de controle de ácaros e medimos as taxas de infestação de V. destructor, índices de produtividade das colónias (tamanho do ninho e colheita de mel) e mortalidade de colónias em 300 colónias.“
Vejamos primeiro qual é o regime recomendado: “Na Suíça, o regime de tratamento recomendado do V. destructor inclui três aplicações de acaricidas. A primeira aplicação de ácido fórmico imediatamente após a colheita do mel, entre 25 de julho e 10 de agosto, utiliza dispensadores de longa duração. Recomenda-se uma segunda aplicação entre 25 de agosto e 15 de setembro. Entre novembro e dezembro, quando as colónias param a criação, recomenda-se a aplicação de ácido oxálico. Se mais de cinco ácaros caírem por dia no fundo das colmeias quatro semanas após este tratamento, é necessária uma segunda aplicação de ácido oxálico (Apiservice, 2021). Vários dispensadores de ácido fórmico estão disponíveis no mercado suíço [Apidea, FAM, Liebig, MAQS ou Nassenheder PRO (Apiservice, 2021)]. Esses modelos apresentam eficácia semelhante (Imdorf et al., 2003), e os apicultores participantes eram livres para usar qualquer um deles. Da mesma forma, vários modos de aplicação de ácido oxálico igualmente eficazes estão disponíveis [pulverização, gotejamento ou sublimação (Rosenkranz et al., 2010; van der Steen e Vejsnæs, 2021)], e os apicultores também eram livres para escolher seu modo preferido.“
Vejamos os critérios utilizados para classificar os apicultores de acordo com a sua adesão ao regime recomendado: “O número e o momento das aplicações de tratamento foram usados para determinar as categorias de conformidade. A categoria “conforme” incluiu apicultores que seguiram corretamente o conceito de controle (ou seja, que aplicaram o número correto de tratamentos no momento apropriado). A categoria “quase conforme” agrupou os apicultores que aplicaram o número necessário de tratamentos, mas em momentos inadequados. A categoria “não conforme” caracterizou os apicultores que aplicaram menos tratamentos do que o recomendado.“
Os resultados observados durante os dois anos deste estudo longitudinal foram assim descritos pelos autores: “Observamos um aumento de 10 vezes no risco de morte da colónia quando os apicultores se desviaram ligeiramente do regime de tratamento recomendado em comparação com os apicultores que seguiram escrupulosamente o regime recomendado. O risco de morte da colónia aumentou 25 vezes em apiários com desvios substanciais das recomendações. Os desvios levaram ao aumento dos níveis de infestação de V. destructor antes do inverno, o que provavelmente foi responsável pela mortalidade da colónia. Após comunicar aos apicultores a aparente ligação entre baixa adesão e baixa sobrevivência da colónia no final do primeiro ano, observamos melhor adesão e sobrevivência das colónias no segundo ano.“
Os dados (vale a pena olhar para eles com atenção):
O que retiro de essencial destes dados:
os apicultores que fizeram menos que os três tratamentos recomendados tiveram uma taxa de mortalidade de 55% do seu efectivo;
ao longo de 12 meses é necessário um regime de três tratamentos, mínimo, para manter um nível elevado de controlo da infestação pelo Varroa, isto mesmo quando são utilizados acaricidas para os quais não se conhecem ácaros resistentes (caso do fórmico e do oxálico);
os apicultores que fizeram os três tratamentos recomendados mas em momentos inadequados (atrasaram o segundo tratamento com o fórmico) tiveram uma taxa de mortalidade de 20% do seu efectivo;
mesmo quando se utiliza um regime de três tratamentos o timing em que os mesmos são realizados são determinantes para a sua eficácia;
os apicultores que seguiram rigorosamente o regime de três tratamentos preconizados e no timing preconizado tiveram uma taxa de mortalidade de 2% do seu efectivo;
o grau de adesão a um determinado regime de tratamento, desde que este esteja bem desenhado, é determinante de uma apicultura bem sucedida.