um documento essencial para a sobrevivência da apicultura portuguesa

Deixo em baixo o documento elaborado pelos apicultores João Neto e José Vicente, da Melbionisa, no âmbito de 2ª fase de consulta para a elaboração do PEPAC, 2023-2027 (ver aqui). Este documento deve ser lido com toda a atenção por todos nós, em particular pelas Associações de Apicultores, que o poderão/deverão ter como base de trabalho nesta fase de consulta do PEPAC 2023-2027. Tal como actualmente está desenhado, este Plano Estratégico para os próximos 5 anos não responde às dificuldades, necessidades e justas aspirações dos apicultores portugueses. A todos os companheiros, incentivo que façam chegar este documento às Vossas Associações, para que estas sejam os megafones das nossas preocupações, das nossas propostas, das nossas esperanças.

resposta às perguntas do Randy Oliver

Numa das conversas que vou tendo ocasionalmente com o Randy Oliver através de e-mail, há poucos dias atrás perguntou-me: “You obviously follow how we do it in the U.S.  What are the main differences in beekeeping in Portugal?   And what do most beekeepers there use for varroa management?” (Obviamente acompanhas como fazemos nos EUA. Quais são as principais diferenças da apicultura em Portugal? E o que a maioria dos apicultores usam para o controlo da varroa?)

Sem pretensões a ser exaustivo, e muito menos desmesuradamente analítico, dei-lhe as minhas impressões na resposta que copio em baixo:

A minha mulher a ajudar-me a fazer apicultura em Portugal (foto de julho deste ano).

“Vou enviar alguns números globais: em Portugal, de acordo com os últimos dados oficiais (2018), havia cerca de 12 mil apicultores e 760 mil colmeias. Destes, apenas 1300 apicultores têm mais de 150 colónias (eu cheguei a 700, e agora tenho 170, fui vendendo para reduzir minha operação). Esses 1300 apicultores possuem 60% do número total de colónias.

As principais diferenças são estas, em minha opinião: nos EUA, a polinização traz bons rendimentos e segurança financeira aos apicultores comerciais/profissionais; aqui em Portugal este negócio da polinização começou a aumentar nos últimos 4 anos, devido à plantação de grandes pomares de amendoeiras numa zona do nosso país que passou a beneficiar de canais de irrigação. Porém os valores são bastante baixos, rondando os 20-30 euros por colónia.

Por outro lado, em Portugal e em muitos países europeus, a compra de acaricidas homologados é apoiada pelo Estado e pela UE na ordem dos 80%. Para você ter uma ideia, cada tratamento com tiras de Apivar custa ao apicultor cerca de 1,5 €. Dois tratamentos por ano são comparticipados.

Em Portugal, o produto da colmeia mais vendido é o mel, seguido do pólen e, em terceiro lugar, a própolis. O mercado de pólen é muito oscilante, com quedas e aumento de ano para ano em torno de 200% a 300%. Este ano, o mercado do mel a granel está a pagar mais do que nos últimos três anos: o mel multifloral a 3,50 €, o mel monofloral a 4,50 € e o mel de melada a 5 €.

A vespa velutina afasta muitos pequenos apicultores, embora muitas vezes atribuam à velutina a elevada mortalidade das colmeias quando de facto é a varroa que as mata. Porém, a falta de conhecimento para fazer um bom diagnóstico e talvez por vergonha, são levados a culpar a velutina. No entanto, a velutina está a desmoralizar muitos apicultores creio que porque é mais visível, mais observável em comparação com a varroa.

O tratamento mais utilizado é o Apivar e o Apitraz, mas muitos também utilizam formulações caseiras com amitraz em cartão. Há um número crescente de apicultores que notam uma diminuição na eficácia do Apivar e Apitraz. Este ano fiz pela primeira vez um tratamento intermédio com tiras de cartão de ácido oxálico. Até agora, nenhuma colónia morreu. Minha taxa de mortalidade no inverno nos últimos 7 anos não ultrapassou 5%, e muito graças ao que aprendo consigo.

Outra diferença, em Portugal ou não existem apicultores treatment-free, ou são poucos. Eu não conheço nenhum.

Randy, desculpe pela extensão da resposta. Se você tiver algum aspecto que queira abordar com mais detalhes, sinta-se à vontade para me perguntar.”

Nota 1: por que razão acho que a segurança financeira que os serviços de polinização oferece aos apicultores norte-americanos é assim tão importante? Uma vez mais repito o que já referi várias vezes, a principal ameaça à apicultura nacional em geral, e à apicultura profissional em particular, é a ausência de segurança financeira. As abelhas melíferas domésticas não correm actualmente perigo de extinção, mas o número de colónias depende inexoravelmente do retorno do investimento. Se esse retorno for cada vez mais incerto, ou pior, inexistente, o cenário de abundância relativa de abelhas melíferas domésticas pode mudar súbita e drasticamente por abandono da actividade de boa parte dos seus cuidadores.

Nota 2: por que razão acho que a comparticipação dos estados europeus e da UE na aquisição e consequente obrigação de tratamento da varroose, ao contrário do que se passa nos EUA é assim tão importante? As estatísticas globais de mortalidade invernal e estival de enxames dos últimos 20 anos colocam regularmente os EUA à frente da Europa. Sabendo que a varrooose e os vírus associados a esta doença são os principais indutores de mortalidade de colónias de abelhas, concluo que na Europa se está a abordar este problema de forma mais efectiva. Sabendo também que a principal diferença na abordagem está na comparticipação dos medicamentos na Europa, comparticipação inexistente nos EUA, na obrigação de tratar a varroose na Europa, em contraste com apenas a recomendação para tratar nos EUA, não posso deixar de considerar este um outro ponto muito saliente na diferença que encontro no modo como se faz na Europa por comparação com o modo como se faz nos EUA.

Incentivo os leitores a comentarem, e assim enriquecer, esta reflexão que fiz de forma tão sumária e pessoal às questões que o Randy me colocou.

o meu olhar sobre um apicultor californiano: Randy Oliver

Ler as publicações mensais do Randy Oliver é uma daquelas coisas que me dá enorme satisfação. Faço-o pelo menos há 10 anos, quando nas minhas deambulações pela “net-apícola” descobri o seu blog, logo nos primeiros anos da minha actividade apícola. Entre os muitos aspectos que me dá satisfação no trabalho que o Randy faz e na forma como o descreve no seu blog vou destacar estes:

  • é um apicultor que não orienta o seu maneio por crendices/dogmas antigos ou recentes. Prefere fazer a sua apicultura sustentada nos muitos dados dos ensaios controlados que ele ou outros fazem;
  • é um apicultor que gosta de dados numéricos, estatísticas, cálculos. Não recusa aplicar a matemática quando ela deve ser aplicada, ao contrário de alguns apicultores que tudo julgam saber e perceber sem fazerem uma única medição, sem fazerem um único cálculo (pois,… nem todos temos estes dons sobrenaturais de tudo saber sem nada medir, sem nada contabilizar!);
  • aprecia e valoriza o detalhe, observa e descreve as minúcias, é céptico em relação às sua primeiras impressões. Não tem o banal e preguiçoso discurso generalista, desprovido de detalhe de quem nada tendo observado com atenção e medido com rigor enche as bochechas de ar e dispara princípios sem sustentação, princípios sem pai nem mãe, cheios de auto-indulgência e soberba;
  • é um apicultor que vive das abelhas e se preocupa com o seu bem-estar. Mantém-nas saudáveis o mais possível, tem baixas taxas de mortalidade e explora novos caminhos, como por exemplo os dispensadores lentos de ácido oxálico (extendedrelease oxalic acid), a melhor invenção que surgiu no campo dos acaricidas de que me dei conta desde que iniciei a minha actividade apícola em 2009.

Mas nada melhor que ler o que ele escreve sobre si mesmo, sobre o seu trabalho, sobre a sua filosofia de vida e abordagem à apicultura, sobre o seu blog:

  • Sobre o seu blog escreve: Este não é um site que lhe diz “Como você deve manter as abelhas”; em vez disso, sou um defensor da apicultura “O que funciona para você”. Eu sou um a pessoa que prefere os “dados ao dogma” e imploro aos meus leitores que me corrijam sobre qualquer informação neste site que esteja desatualizada ou não seja suportada por evidências.
  • Sobre si próprio escreve: “É aquilo de que você tem certezas que o impede de aprender. E eu adoro aprender. Gostaria de deixar perfeitamente claro que não me considero o árbitro final em qualquer assunto! Ao investigar muitos desses assuntos polémicos, meu cérebro parece um equipamento de GPS, dizendo repetidamente: “Recalculando” e às vezes até “Vire quando possível.” É por isso que tomo cuidado para não ter posições dogmáticas e aprecio ser desafiado de forma inteligente em qualquer aspecto. Se algo me chama a atenção que me faz repensar ou corrigir qualquer coisa que escrevi, fico mais do que feliz em me corrigir nestas páginas.
  • Sobre a apicultura, escreve: “Visitei apicultores em muitos países e percebi que existem tantas maneiras de manter as abelhas quanto apicultores. As abelhas não se importam se você é um apicultor comercial/profissional ou amador, nem se sua preferência pessoal é Langstroth, Warre, top-bar, alvéolo pequeno, sem cera laminada, apicultura “natural” ou convencional – a mesma biologia aplica-se a todos. Meu objetivo é fornecer a todo e qualquer apicultor um recurso de informação legível e direta sobre como praticar a boa apicultura e exercer a sua responsabilidade ambiental e comunitária.
  • A sua postura: “Este site é mais ou menos um registro do meu processo de aprendizagem à medida que aplico meu treinamento formal como biólogo à prática de administrar minha operação de apicultura comercial/profissional em constante evolução na Califórnia. Não tenho interesse em oferecer conselhos (há muitos apicultores mais do que ansiosos para os dar). Em vez disso, o que eu ofereço são explicações baseadas em evidências e cientificamente verificadas dos processos biológicos que ocorrem na colmeia, bem como os efeitos de várias opções de maneio. Deixo então a cada apicultor usar essas informações para tomar suas próprias decisões práticas de maneio mais bem informadas.
  • Sobre como utilizar o seu blog: “Nesta “era pós-verdade”, a “era da sobrecarga de informação”, os apicultores novatos podem ficar muito confusos por uma internet e uma imprensa popular repleta de opiniões conflitantes e conselhos questionáveis. Se você é um apicultor iniciante em busca de informações básicas, ou um apicultor experiente em busca de um resumo das opções de tratamento de ácaros, sugiro que vá diretamente para Apicultura Básica no meu site. Caso contrário, sugiro que você clique nas categorias azuis à direita de cada página para ver quais são os artigos estão disponíveis por categoria, ou vá para Artigos por data de publicação ou use a função Pesquisar no topo de cada página para procurar tópicos.

fonte: https://scientificbeekeeping.com

Randy muita saúde e muita energia para continuares o teu caminho que ilumina muitos de nós!

terceiro encontro de apicultores do distrito da Guarda

É a terra onde fui parido há quase 55 anos. Lá estarei no próximo dia 11 de Dezembro com o mesmo prazer com que estive nos dois encontros anteriores.

Encontram o link para fazer a vossa inscrição aqui: https://www.facebook.com/profile.php?id=100014118912429

Mais uns momentos para continuarmos esta conversa inesgotável sobre as abelhas e a relação que vamos tendo com elas.

a análise do sector apícola com vista à elaboração do Plano Estratégico da PAC 2023-2027

Em baixo deixo alguns excertos do relatório de Análise Sectorial da Apicultura, elaborado pelo do GPP (Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral), para dar resposta à elaboração do Plano Estratégico da PAC 2023-2027.

Da minha leitura, as linhas directrizes básicas mantêm-se relativamente ao último relatório: o sector apícola é reconhecido como um sector essencial para a agricultura pelo papel relevante que tem na polinização, … e continua a não ter medidas específicas de apoio directo. Se isto não é incoerente, alguém que encontre melhor qualificador. Como já tive oportunidade de referir neste blog, há uns anos atrás, a maior ameaça ao sector não é a varroa, a velutina, os pesticidas, a fragmentação do território, as alterações climáticas, …; é o baixo e imprevisível retorno do investimento financeiro e humano feito. Sem um conjunto de ajudas do estado português e UE, justas e efectivas, que garanta alguma segurança e tranquilidade a quem investe no sector, o presente e o futuro não são difíceis de descrever: quem está no sector tenderá a diminuir o efectivo ou até a abandoná-lo e os jovens, que deveriam ir substituindo os mais velhos, dificilmente o farão por não encontrarem os atractivos mínimos para o considerar uma oportunidade profissional e empresarial.

Ficam os excertos do relatório que achei relevantes e oportuno destacar nesta publicação.

A apicultura é praticada em todos os Estados-Membros da UE, sem exceção, sendo caracterizada pela diversidade das condições de produção, em que os rendimentos e as práticas apícolas representam um pequeno setor, mas considerado essencial para a agricultura por causa papel relevante da polinização.” (pg. 4)

O setor apícola em Portugal, tal como no resto da União Europeia, é uma atividade tradicionalmente ligada à agricultura, normalmente encarada como um complemento ao rendimento das explorações, sendo porém de assinalar um crescente universo de apicultores profissionais, para os quais a apicultura é a base das receitas de exploração. A apicultura representa, contudo, um serviço vital para a agricultura através da polinização e contribui para a preservação da biodiversidade ao manter a diversidade genética das plantas e o equilíbrio ecológico.

É uma atividade que desempenha um papel relevante no aproveitamento integrado e economicamente sustentável do espaço rural, na animação do nosso tecido rural e na ligação do homem urbano àquele meio, que deve, como tal, ser avaliada tendo por base não só os fatores de produção envolvidos e o valor dos produtos diretos da atividade, como o mel, a cera, o pólen, a própolis, a geleia real e as abelhas, mas também outros fatores da ação na interação humana com o meio em que se desenvolve.

Trata-se contudo, de um setor com uma baixa taxa de profissionalização, com fraca concentração de oferta, mas por outro lado com um crescente interesse do consumidor e da indústria (por ex. cosmética e farmacêutica), não só do produto mel, mas também de outros produtos inerentes à atividade apícola.” (pg. 7)

Segundo dados relativos à conta de cultura da atividade apícola em Portugal, em 2018, verifica-se que:

A atividade apícola não profissional, é atribuída uma produtividade de 15 Kg por colmeia e em que se apresenta o caso de um apicultor com 25 colmeias;

Um apicultor com uma dimensão média de 30 colmeias, correspondente à dimensão média do apicultor não profissional (ou seja, a 90% dos apicultores portugueses) apresenta um custo total de 91€/colónia;” (pg.13)

Relativamente ao triénio anterior o REL [Rendimento Empresarial Líquido] médio passou de 33.642 euros [2013-2015] para 15.459 [2016-2018] euros o que corresponde a uma diferença de – 46 %.

Esta diferença deve-se à diminuição da produção de mel por colmeia (22 para 15Kg nos apicultores profissionais e não profissionais e 33 para 22Kg nos apicultores profissionais com transumância) e à diminuição do preço dos enxames de 75€ para 55 €). Por outro lado, nos encargos com consumos intermédios (custos variáveis) a reposição de ceras e a alimentação artificial aumentaram 67% (de 6 para 10€/colmeia e de 4,5 para 7,5 €/colmeia, respetivamente).” (pg.16)

O setor da apicultura não tem medidas de apoio direto específicas.” (pg. 29).

Sobre as ajudas que proponho já escrevi aqui de forma relativamente detalhada.

fontes: https://www.gpp.pt/images/PEPAC/Anexo_NDICE_ANLISE_SETORIAL___APICULTURA.pdf ; https://www.gpp.pt/index.php/pepac/plano-estrategico-da-pac-2023-2027-consulta-alargada

o catedrático que acarreta pedras

Soube ontem que um apicultor veterano da nossa praça, resolveu destratar-me nas minhas costas chamando-me depreciativamente de apicultor “catedrático”. Não fico admirado que alguns não gostem de mim, vivo bem com o desamor/ódio de alguns. Nunca procurei agradar a ninguém. E apesar disso (ou por isso) agrado a muitos mais. Vamos aos factos.

Sei de fonte muito segura, através das estatísticas do WordPress, o servidor que abriga este blog, que as minhas publicações são vistas, em média, por cerca 10 mil leitores todos os meses (destes, 70% são leitores frequentes). Os leitores atentos já perceberam há muito que não sou de dar receitas. Que não sou de ter certezas. Que procuro sempre circunstanciar as minhas observações aos meus apiários, no seu território. Que tenho uma aversão a proclamar verdades universais e absolutas. Que apenas me atrevo a dizer o que faço, porque o faço, e que resultados obtenho. Alguns leitores, que vão escrevendo no espaço dos comentários, dizem-me que algumas das minhas opções também têm resultado quando as ensaiam nos seus apiários. Alguns mais corajosos, digo eu, têm inclusive dado os seus testemunhos que aqui tenho publicado com muito gosto. É este respeito que tenho conquistado entre os mais novos, mas inclusivamente entre os “mestres” da nossa praça, ainda que não o admitam (nunca o admitirão, eu sei).

Se estas publicações fossem de um arrogantezinho catedrático, que publica um conjunto de tretas sem adesão com a realidade, então 10 mil leitores/mês seriam uns néscios. Mas não, não o são! São pessoas como eu, apaixonados pelas abelhas e com mais dúvidas informadas que com certezas cegas, à procura de um caminho para fazer melhor e com o espírito aberto.

Se sou um “catedrático”, sou um catedrático com muitas dúvidas, que sustenta o que diz e faz no que observa e que, quando não é possível observar, vai e lê o que observam os investigadores em experiências devidamente controladas. Se sou um catedrático é porque tenho aversão a afirmações peremptórias fruto de “achismos”, porque tenho uma atitude de cepticismo informado e sou muito mal-disposto com os vendilhões de ilusões, que não fazem a arte avançar, apenas procuram o lucro com os incautos ao virar de cada esquina. Para estes não tenho complacência, daí não gostarem de mim nem das minhas intervenções.

O mais belo e eterno livro escrito em língua portuguesa, os Lusíadas, termina os seus dez cantos com a palavra “inveja”. Das poucas certezas que tenho, sei que quem me apelida de catedrático sofre do pior mal que acomete frequentemente alguns portugueses, o mal de inveja.

Hoje fiz 300 km de urgência e andei a fazer o meu trabalho, sem o adiar para um dia em que já é tarde demais. Andei a colocar pedras sobre os tectos das colmeias para não levantarem voo com as rajadas de vento que se prevêem nos próximos dias. Hoje, uma vez mais sujei as mãos, transpirei, fiz o que tinha que fazer para conseguir o que poucos conseguem no nosso país: viver exclusivamente das abelhas (e ainda ter algum tempo para outras coisas, como ir escrevendo uma linhas neste blog).

Ah, e sou pouco dado a um outro mal, que me parece demasiado frequente nas nossas gentes, e que o meu querido filho tão certeiramente apelidou de “ofendidismo”. Como não me dou a esses achaques, não vou deixar de publicar e comentar o que desejar e me apetecer. E que outros “catedráticos” apareçam a descrever o seu trabalho no campo e as leituras e os conhecimentos actualizados que vão adquirindo. Que falta fazem!

Leio investigação controlada à segunda-feira e acarreto pedras para colocar sobre as minhas colmeias à terça. Esta é uma frase que me define de forma cristalina.

viabilidade de imagens térmicas na detecção de ninhos da Vespa velutina

“Resumo: A Vespa velutina é uma espécie invasora de vespas que está a colonizar a Europa, provocando impactos consideráveis ​​nas abelhas, na apicultura e na biodiversidade. As estratégias de controle e alerta precoce baseiam-se principalmente em planos de monitorização e procedimentos de detecção e destruição de ninhos. Ferramentas tecnológicas (radar harmónico e radiotelemetria) têm sido desenvolvidas para aumentar as probabilidades de detecção de ninhos em novos surtos. Uma vez que as vespas são capazes de regular a temperatura do ninho, a termografia pode representar uma técnica adicional que pode ser usada, tanto isoladamente quanto em apoio a outras técnicas. Neste estudo, a viabilidade da imagem térmica na detecção de ninhos de V. velutina foi avaliada em condições controladas. A influência de diferentes variáveis ​​ambientais e operacionais (hora do dia, presença / ausência de folhas cobrindo o ninho, distância entre o ninho e o operador) foi testada em três ninhos detectados em agosto de 2018 na Itália. Todos os ninhos foram detectados por imagens térmicas, mas as variáveis ​​ambientais e operacionais afetam sua detecção. A diferença de temperatura entre os ninhos e os arredores atinge o máximo antes do nascer do sol e sem a cobertura das copas das árvores. Embora os ninhos fossem visíveis em alguns casos a partir de 30 m, a detectabilidade foi maior em distâncias menores, mesmo que essa variável também possa depender da resolução da câmera infravermelha. Um aumento na temperatura ambiente também gera uma diminuição na detectabilidade do ninho. Embora possam ocorrer algumas limitações, esses resultados mostram a aplicabilidade da termografia na detecção de ninhos de V. velutina antes do início da fase reprodutiva e, consequentemente, sua potencialidade em estratégias de controle.”

Aplicação de imagens térmicas para detecção de ninhos de V. velutina: (A) ninho número um; (B) ninho número dois; (C) ninho número três; (D) ninho número um pela manhã a 30 m do operador; (E) ninho número um à noite a 30 m do operador.

“[…] O aumento da temperatura ambiente durante o dia pode limitar a detectabilidade dos ninhos, devido à maior temperatura do ar e à presença de raios solares na folhagem das árvores. Além disso, V. velutina é predominantemente diurna; uma vez que a temperatura do ninho está positivamente correlacionada com o número de indivíduos dentro do ninho, pode-se supor que a diferença de temperatura entre o ninho e seu meio envolvente está no seu máximo antes do nascer do sol, quando todos as vespas ficam dentro do ninho e a temperatura ambiente do entorno atinge o mínimo. Pelo contrário, a detectabilidade diminui após o nascer do sol, quando a temperatura ambiente atinge valores semelhantes à temperatura interna dos ninhos de vespas. Isso pode representar um limite no uso destas câmeras em países do sul da Europa caracterizados por altos valores de temperatura durante o verão, enquanto em países mais frios esta variável pode ter menos influência na detectabilidade do ninho. A distância entre o ninho e o operador que realiza a amostragem parece influenciar a detectabilidade do ninho, mas este efeito pode estar relacionado com resolução da câmera usada para este estudo (320 × 240 px). Uma vez que câmeras de infra vermelhos com uma resolução mais alta estão disponíveis no mercado (por exemplo, 1024 × 768 px), é possível supor que o efeito desta variável pode diminuir com um equipamento de qualidade superior, com um consequente aumento na detectabilidade do ninho.[…]”

fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1744-7917.12760

vespa velutina em confronto com cinco vespas nativas da Coreia do Sul

Na publicação anterior escrevi: “Os níveis populacionais de V. velutina são bastante baixos na Ásia em comparação com a Europa, provavelmente devido à competição com muitas outras espécies de Vespa por recursos alimentares e locais de nidificação (Matsuura, 1984).” Apresento em baixo o sumário de um estudo sul coreano, publicado em 2020, sobre a agressividade interespecífica da exótica V. velutina nigrithorax (introduzida na Coreia do Sul em 2003) e cinco outras espécies de vespas nativas.

Comportamento agressivo entre uma vespa alienígena invasora, Vespa velutina, e cinco espécies de vespas nativas coreanas (Vespa simillima, Vespa mandarinia, Vespa analis, Vespa crabro e Vespa dybowskii).
A: mordendo, V. velutina morde V. simillima usando suas mandíbulas, B: levantando antenas e sacudindo as asas, V. mandarinia ameaça V. velutina levantando sua antena e sacudindo suas asas quando V. velutina se aproxima, C: matando, V. mandarinia caça V. velutina, D: forçando para baixo e jogando, V. analis atira V. velutina, E: batendo ou empurrando com a cabeça, V. crabro empurra V. velutina com sua cabeça, F: abre a mandíbula, V. dybowskii ameaça V .velutina com suas mandíbulas. Códigos das espécies: vel: V. velutina, sim: V. simillima, homem: V. mandarinia, ana: V. analis, cra: V. crabro, dyb: V. dybowskii.

“Título: Hierarquias interespecíficas de agressividade e tamanho do corpo entre a vespa alienígena invasora, Vespa velutina nigrithorax e cinco vespas nativas na Coreia do Sul

Sumário: A vespa alienígena invasora, Vespa velutina nigrithorax, tem-se expandido continuamente desde sua invasão da Coreia em 2003. Aqui, comparamos os comportamentos agressivos e o tamanho do corpo da V. velutina nigrithorax com cinco espécies de vespas nativas para identificar as hierarquias interespecíficas que contribui para a propagação desta espécie. Os comportamentos agressivos foram classificados em 11 categorias e cada interação foi pontuada como vitória, derrota ou empate. Como resultado, V. velutina foi superior a V. simillima em 153 lutas em que V. velutina venceu 71% e apresentou uma alta incidência de comportamento ameaçador. V. mandarinia superou V. velutina em 104 lutas onde V. mandarinia ganhou 91% e o comportamento de agarrar foi frequente. V. analis foi superior a V. velutina em 67 lutas em que V. analis venceu 76% e mostrou uma alta quantidade de comportamento ameaçador. V. crabro foi superior a V. velutina em 93 lutas em que V. crabro venceu 73% e apresentou um alto índice de comportamento ameaçador. V. dybowskii foi superior a V. velutina em 132 lutas em que V. dybowskii venceu 91%, e apresentou um alto índice de comportamentos de ameaça e luta. O tamanho corporal de V. velutina era maior do que V. simillima (embora não estatisticamente significativo) e menor do que todas as outras espécies de Vespa. Portanto, de acordo com os resultados deste estudo, as baixas hierarquias interespecíficas de V. velutina parecem ser uma das principais causas de taxas de propagação mais lentas do que tem mostrado na Europa. No entanto, com o tempo, sua densidade foi aumentando gradualmente no interior da floresta, na qual parece estar superando suas desvantagens e expandindo seu alcance, possivelmente porque grandes colónias e boas habilidades de voo facilitam a obtenção de alimento.”

fonte: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0226934

vespa velutina: repostas a questões de um companheiro apicultor

Um companheiro apicultor colocou-me algumas questões num grupo de apicultores do Facebook. Como me questionou sobre aspectos do ciclo de vida das V. velutinas e da biologia dos reprodutores (machos e fundadoras), frequentemente abordados por muitos de nós, decidi responder neste espaço para lhes dar outra visibilidade. As respostas obviamente não decorrem das minhas observações pessoais, sim das observações que investigadores fizeram no terreno ao longo dos últimos anos. Estas observações foram realizadas em território francês, contudo são confirmadas por observações realizadas noutras zonas do mundo. Em Portugal as coisas passar-se-ão da mesma forma? A minha ideia é que em alguns aspectos sim, noutros poderá haver diferenças. Por exemplo, tenho ouvido referências pontuais indicando que a hibernação das fundadoras no litoral terá um período muito mais curto ou será mesmo inexistente. Não me surpreende que assim seja. Sabemos que as velutinas despertam da sua hibernação com temperaturas diurnas acima dos 12-13ºC; sabemos que no litoral os recursos nectaríferos estão presentes e são relativamente abundantes no outono/inverno; na conjugação destes dois factores em regiões do litoral do nosso país pode estar a explicação para o curto período de hibernação ou mesmo a sua inexistência. Tendo em consideração que se trata de seres vivos, cujo ciclo de vida é condicionado por factores abióticos (temperatura e humidade) o estudo do seu ciclo de vida deve ser cada vez mais local. Enquanto não disponho de dados locais publicados vou-me socorrendo dos estudos existentes, que no pior dos casos serão uma aproximação à realidade local.

Ciclo de vida comumente divulgado e aceite pelas entidades oficiais, baseado em estudos internacionais (a imagem da vespa colocada no hexágono relativo ao mês de novembro não corresponde a uma V. Velutina, um pormenor!).

P: Neste momento existem ou não machos para fecundar as vespas? R: A esmagadora maioria dos machos de V. velutina é produzida no outono, juntamente com as fundadoras (fenómeno de sincronização do surgimento dos indivíduos reprodutores comum nas vespas desta e outras espécies). Contudo tem-se encontrado ninhos na primavera com muitos machos. Estes machos primaveris e precoces aparentam ter um potencial reprodutivo mais limitado. Por outro lado é invulgar encontrar futuras fundadoras para acasalar nessa altura precoce do ano. Julga-se que a longevidade média dos machos não deverá ultrapassar os 40 dias.

Dimorfismo sexual em Vespa velutina. A: cabeças masculinas (esquerda) e operárias (direita) de V. velutina. B: Visão ventral do abdómen de um macho de V. velutina. As setas indicam a localização dos dois pequenos pontos característicos deste sexo. C: Visão ventral do abdómen de uma operária de V. velutina. O abdómen é pontiagudo e aqui o ferrão é visível (seta). (Fotos J. Poidatz).

P: Se a rainha morrer alguma obreira passa a por ovos? R: Rainhas e operárias têm ovários com um número semelhante de ovaríolos, bem como uma espermateca. A morte das rainhas, permite que algumas operárias desenvolvam seus ovários (Spradbery 1973) e ponham óvulos não fertilizados (haplóides), que darão origem a machos (Foster & Ratnieks 2000).

P: Na literatura as vespas só fecundam em outubro/ novembro e depois hibernam. Sabe-me dizer se é assim? R: Para o sucesso da espécie é necessário que a emergência/”nascimento” de machos férteis e futuras fundadoras seja síncrona, isto é, aconteça na mesma altura do ano. Do que se observou até agora esta sincronia acontece nos meses de outono. As fundadoras fecundadas hibernam isoladamente ou em pequenos grupos de 2 ou 3 fundadoras. Saem da hibernação quando as temperaturas sobem acima de 12-13 ºC num período de vários dias seguidos. Só depois de hibernarem completam a maturação dos ovários e iniciam a postura.

P: O que come a rainha? R: líquidos açucarados que recebe das obreiras e líquidos açucarados ricos em aminoácidos que recebe das regurgitações das larvas.

Nota: Os níveis populacionais de V. velutina são bastante baixos na Ásia em comparação com a Europa, provavelmente devido à competição com muitas outras espécies de Vespa por recursos alimentares e locais de nidificação (Matsuura, 1984). Na França, densidades extremamente altas de ninhos foram relatadas: 8 ninhos por km2 em zonas rurais a 23 ninhos por km2 numa área urbana (Franklin et al., 2017).

Fonte principal: De la biologie des reproducteurs au comportement d’approvisionnement du nid, vers des pistes de biocontrôle du frelon asiatique Vespa velutina en France,  Juliette Poidatz;

Fonte secundária: https://www.cabi.org/isc/datasheet/109164