deslocar colmeias alguns metros: quando as abelhas nos trocam as voltas

Ao longo destes anos com abelhas, muito raramente tive de deslocar colmeias apenas alguns metros. Com vários apiários activos, quando necessito de tirar algumas colmeias do sítio, transporto-as para um outro apiário a mais de 5 km de distância.

A minha experiência mais recente com a deriva de abelhas e o regresso ao local original, foi a que passo a descrever. Este ano, na altura dos desdobramentos/multiplicação de colónias pelo método Doolittle, tive a oportunidade de aplicar três soluções alternativas para a recolocação dos novos enxames: (i) coloquei alguns destes no apiário onde estavam as colónias-mãe; (ii) coloquei alguns num outro apiário a cerca de 2,5 km/3 km do apiário original; (iii) coloquei a maior parte num apiário a cerca de 25 km de distância do apiário original. Os resultados foram facilmente observáveis: os novos enxames que perderam menos abelhas foram os que foram transferidos para o apiário a 25 km de distância; os que perderam mais abelhas foram os que ficaram no apiário original; os enxames transferidos para o apiário a 2,5/3 km de distância perderam abelhas, mas não tantas como os os que ficaram no apiário original. Nestas condições, sem utilizar nenhumas medidas que forcem a reorientação das abelhas, todos já experimentámos uma grande drenagem de abelhas para o local original se estes ficarem próximo, isto é, a menos de 3-5 km.

Contudo, há diversos protocolos que visam diminuir a deriva das abelhas campeiras para o local original quando não é possível deslocá-las para longe. Em baixo apresento um protocolo bastante completo levado a cabo pela experiente apicultora Rusty Burlew e descrito no seu blog Honey Bee Suite:

“As etapas:

  • À noite ou de manhã cedo, quando quase todas as abelhas estão na colmeia, bloqueie a entrada e mova a colmeia para seu novo local.
  • Mantenha as abelhas sequestradas nas primeiras 72 horas, se possível, e certifique-se de que elas tenham uma boa ventilação. Manter as abelhas trancadas fará com que algumas delas se reorientem na próxima vez que saírem.
  • Nesse ínterim, coloque um galho com folhas, uma cortina de contas, trapos de uma esfregona ou algo semelhante na entrada da colmeia. O objeto deve estar perto o suficiente da entrada da colmeia para que as abelhas sejam forçadas a circular em seu torno ao saírem da colmeia.
  • Após três dias, abra a entrada da colmeia. As abelhas ficarão confusas com o objeto da entrada da colmeia, param por um momento e exclamarão: “Tenho a sensação de que não estamos mais no mesmo sítio !” Cada uma delas fará um vôo curto e se reorientará para a nova localização.
  • Deixe o objecto na entrada da colmeia por dois dias ou mais e, em seguida, remova-o.
  • As abelhas ter-se-ão reorientado para seu novo lar.”
Re-orientando as abelhas com a colocação de vegetação na entrada da colmeia.

Contudo, por vezes, as abelhas trocam-nos as voltas e não seguem o protocolado. Numa publicação mais recente Rusty Burlew descreve o seguinte episódio que lhe sucedeu com uma colónia re-colocada num outro local próximo, mesmo tendo seguido todo o protocolo descrito em cima:

“Três dias depois
Perto do final do terceiro dia, prendi as folhas das samambaias na frente da colmeia, certificando-me de que cobriam a abertura. O emaranhado de folhas e galhos parecia suficiente para mim. Quer dizer, se eu saísse de casa e levasse uma pancada na cabeça de folhas de samambaia, pelo menos pararia e reconsideraria.

Mas não minhas abelhas. Nem por um segundo.

Quando abri a colmeia, as abelhas espumaram pela entrada fora. Nenhuma hesitou. Nenhuma perguntou: “De onde vieram estas folhas?” Em vez disso, as abelhas desapareceram no ar.

Saí rapidamente, atravessei o pinhal e voltei para casa. Mas quando entrei no quintal, lá estavam elas [próximo do local original da colmeia]. Milhares delas a circundaram o pátio, esperando por mim. Mais uns milhares aglomerados nas calhas da casa. Eu podia ouvi-las troçando de mim: “Por que você demorou tanto?”

Tão malvadas quanto podem ser
Talvez a perda de sua casa as tenha chateado. Ou talvez terem sido fechadas por três dias. Ou talvez eles não gostem de samambaias. Seja qual for o motivo, aquelas abelhas estavam muito mal dispostas. Elas começaram a dar cabeçadas imediatamente. Puxei minha máscara para a cabeça, mas não consegui sair dali rapidamente. Fui picada nos braços.

Dei a volta para o outro lado da casa, mas quando abri a porta da frente, algumas daqueles malvadas voaram para o interior. O cachorro, que dormia no chão da cozinha, foi picado sem motivo. O gato foi picado ao sair e desapareceu por 24 horas. Miando, choramingando. Latidos. Zumbido. Incomodando. Eu não me lembro de tamanho pandemónio. Enquanto isso, meu marido – aquele que insistiu nessa mudança – estava na Virgínia. Quão inteligente é isso?

Posso dizer que esta não foi uma predisposição genética para a a agressividade. A colmeia original foi dividida em três partes. A parte que coloquei na colmeia longa estava relaxada e calma. Várias vezes a abri apenas para observar, e as abelhas nem me ligaram. A segunda divisão, que continha criação e as abelhas que jovens, também era doce e serena.

Pense duas vezes antes de mover uma colmeia
Por que razão este método funciona às vezes e outras não? Eu não sei. Pode ser a idade das abelhas. Podem ser condições do néctar. Pode ser algo sobre o qual eu não tenho ideia.

Olhando para trás, acho que perdemos mais abelhas do que pensamos quando movemos colmeias por curtas distâncias. Se houver outras colmeias por perto, talvez algumas encontrem um lar. Mas outras abelhas, eu acho, simplesmente continuam circulando como pombos-correio. Quem sabe? Eu, pelo menos, nunca mais tentarei o método dos três dias.

Rusty”

fonte: https://www.honeybeesuite.com/how-to-move-a-hive/; https://www.honeybeesuite.com/before-you-move-a-hive-read-this/

Esta publicação surge no contexto de um pedido de opinião de um leitor sobre a deslocação de colmeias numa distância curta. Na minha opinião, podendo ser feito, a deslocação deve ser feita para um local a uma distância superior a 5 km. Não podendo, utilizem o protocolo da Rusty, ou outro qualquer. Umas vezes resultará melhor, outras vezes resultará pior. A razão para tanta divergência de resultados e opiniões acerca dos protocolos seguidos para deslocar colmeias em distâncias curtas está sobretudo relacionado, na minha opinião, com um aspecto que não é controlado: as colónias em questão têm maior ou menor proporção de abelhas forrageiras no momento em que são deslocadas? Se a proporção de abelhas forrageiras na colónia deslocada é grande, perderão muitas destas, e tal será facilmente observável; se a proporção for baixa, a colónia perderá um número de abelhas que dificilmente se observará a olho nú. Estes protocolos resultam tanto quanto podem resultar, dadas as condições iniciais dos enxames. Milagres acho que não farão! Nem conseguirão reverter a natureza das abelhas, que é fazerem o “homing” [regresso ao local original], como sempre o fizeram ao longo de milhões de anos, quando as suas casas eram em buracos de árvores, árvores que não se deslocam ao final do dia para 50 m de distância.

tudo bem! apontamento sobre as colónias em dois apiários de altitude

O extenuante processo de equalização das reservas permite-me não apenas equalizar as reservas mas também avaliar o estado sanitário das colónias, assim como a população das mesmas. Nos dois apiários que tenho entre 800-900 m de altitude estão muito bem nestes dois aspectos: colmeias populosas como raramente as encontro nesta altura do ano, muito pouca criação em geral, o que é habitual, e assimtomáticas no que respeita à varroose, vírus das asas deformadas e vírus da paralisia aguda.

Vista geral de um dos dois apiários.
Colónia em que coloquei um mestreiro em meados de maio.
Colónia em que introduzi uma rainha virgem em gaiola nos finais de abril.
Colónia em que introduzi mestreiros de reprodução pelo método de enxertia.
Aspecto da dimensão da mancha de criação que vejo habitualmente nestes dois apiários nesta altura do ano.
Rainhas a responderem adequadamente ao meio envolvente, reduzindo substancialmente a postura. Este fenómeno não traz prejuízo nenhum à colónia. Nestas condições as abelhas não precisam de manter a temperatura do ninho nos 35ºC, consomem menos reservas, não envelhecem tão rapidamente e a varroa não se reproduz.
Mas se o pasto é escasso para umas, para outras é abundante e suculento!

Saio deste empreendimento de equalizar as reservas em todas as colónias completamente de rastos, contudo com a alma revigorada e o espírito tranquilo. Neste dois apiários posso dizer que, por agora, está tudo bem! Acredito que as cerca de 50 colónias que me encomendaram para o início de março estarão muito fortes para entregar chegada a altura, serão colónias populosas, saudáveis e com rainhas sobreviventes que provaram bem num dos territórios mais hostis de Portugal, no que se refere aos aspectos abióticos.

preparando as colónias para a invernagem: o caso das colónias mais fracas

A 14 deste mês, nesta publicação, descrevi genericamente o que estou a fazer nos meus apiários para preparar as colónias para a invernagem. O maneio que descrevi levei-o a cabo nas colónias fortes (com 8 ou mais quadros cobertos por abelhas) e nas colónias médias (com 6 a 8 quadros cobertos com abelhas).

Nesta publicação vou descrever, sucintamente, o maneio que aplico às colónias menos populosas; são cerca de 10% do efectivo pelas minhas contas mais actualizadas.

Neste momento, e aproveitando o maneio de equalização das reservas já descrito, a inspecção quadro a quadro de quase todas as minhas colónias permite-me identificar com bom rigor a sua força, isto é, o número de quadros preenchidos por abelhas. Nesta época, tenho uma percentagem de colónias fracas substancialmente inferior se comparado com a percentagem do ano passado: o ano passado tinha cerca de 20-25% de colónias fracas nesta altura do ano.

O maneio destas colónias fracas continua a ser o mesmo que o do ano passado, pois os resultados foram muito satisfatórios. Colónias com 4 ou menos quadros cobertos por abelhas são transferidas para caixas-núcleo e suplementados com pasta açucarada.

Transferência de quadros e abelhas de uma colónia fraca (com 5 ou menos quadros cobertos/ocupados com abelhas) para uma caixa-núcleo.
A mancha e o aspecto da criação deixa-me optimista que estas colónias amanhã (ver fim do inverno/início da primavera) estarão a pedir para serem passadas para uma caixa de 10 quadros.
Alimento generosamente estas colónias com pasta de açúcar.

Os 5 quadros que sobram alguns foram utilizados na equalização das reservas, outros foram colocados nas colmeia-armazém, que estou a criar de acordo com as necessidades. Durante o inverno ainda não encontrei tão cómoda e melhor guarda para estes quadros com muito mel e pão de abelha do que uma colónia forte.

Colmeia forte a ser preparada para receber quadros sobrantes, resultantes da transferência de algumas colónias para caixas-núcleo.
Estas colónias fortes vão passar frio no inverno — quem não passa? — mas não é por ter um sobreninho.

vinagre de maça: a solução para combater as viroses nas abelhas?

Das primeiras dicas que recebi quando iniciei a minha actividade apícola em 2009 foram os benefícios de utilizar o vinagre para curar a ascosferiose (criação de giz) e para evitar a fermentação do xarope de açúcar e torná-lo mais palatável e atraente para as abelhas. Da minha experiência o vinagre não resolveu a ascosferiose nas colmeias submetidas ao tratamento. O benefício para evitar a fermentação do xarope de açúcar fiquei com a impressão que o alcancei. Sobre se o tornou mais palatável não tenho forma de o confirmar.

Como deixei há muito de alimentar as minhas abelhas com xaropes açucarados deixei também de utilizar o vinagre. Qual a razão desta publicação, então? A razão é simples: no dinossáurico fórum Bee-L (imaginem que ainda funciona através de e-mail, raramente tem imagens, os textos dos intervenientes são longos em geral, muito bem escritos e, sobretudo, as conversas e debates são de grande qualidade — como os invejo, aos falantes do inglês, e ao mesmo tempo lamento que em português não exista nada de remotamente semelhante!), é o tema quente do momento. O debate iniciou-se quando um apicultor canadiano, E. Tardif, postou o vídeo em baixo.

Os que visionaram este pequeno vídeo puderam constatar que o que está em causa é muito diferente do que estamos habituados a ouvir sobre os supostos efeitos benéficos do vinagre de maçã. Já não se trata de curar a ascosferiose, não se trata de evitar a fermentação do xarope, ou torná-lo mais atraente. O que está a ser aventado é outra coisa: a possibilidade de a acidificação do xarope de açúcar contribuir para a desestruturação dos vírus da paralisia, da criação ensacada e das asas deformadas. O estudo referido no vídeo, que me dispenso de o traduzir dada a sua complexidade, os mais interessados podem lê-lo aqui: https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abd7130.

Os apicultores que intervieram no debate no Bee-L, estão cépticos sobre os benefícios da utilização do vinagre de maçã. Entre outras razões referem um estudo que verificou danos nas abelhas pela acidificação com sumo de limão do xarope. Este estudo, curiosamente, foi referenciado por mim há uns meses atrás (aqui e aqui).

Nota: não posso deixar de relevar a menção que se faz no vídeo ao efeito prejudicial dos xaropes de açúcar não acidificados. No que respeita ao meu maneio é um problema que “não me assiste”, porque há muito perdi as ilusões sobre o pretenso efeito estimulante das xaropadas e deixei de as utilizar.

preparando as colónias para a invernagem

10 a 12 kgs de mel são as reservas necessárias e suficientes para as minhas colónias invernarem no território onde as tenho. Nem todos os anos tenho conseguido fazer a equalização das reservas em todas elas. Nesses anos tenho começado a suplementá-las em outubro/novembro com pasta açucarada. Este ano, graças a estes dias ainda quentes, estou a proceder de forma sistemática à equalização das reservas, por forma a que a maior parte das colónias tenham a quantidade de alimento suficiente para passarem o outono e parte do inverno. Só a partir de meados de janeiro planeio iniciar a alimentação com pasta açucarada nestas colónias.

Exemplar de um quadro que retirei de uma colónia com “excesso” de reservas. A bitola que utilizo é retirar quadros com mel em todas as colónias com mais que quatro quadros como este.
A colónia doadora recebeu este quadro que tinha saído de uma colmeia zanganeira. Como se pode ver este quadro foi alvo de pilhagem. As vespas que ajudaram na pilhagem terão também consumido as larvas da traça da cera e seus ovos.

Ao mesmo tempo este procedimento permite-me uma última inspecção aprofundada do ninho, antes de as deixar sossegadas até ao final de janeiro/meados de fevereiro. Notei que as colónias mais fortes têm manchas de criação inabituais para a época.

6 a 8 quadros como o de cima não é habitual neste território nesta altura do ano.

A explicação de tanta criação não está na alimentação estimulante. Como sei? Estas colónias não estavam a ser alimentadas. A explicação está na foto em baixo.

Pão de abelha recém ensilado. O melhor estimulante que as minhas abelhas conhecem.

3 destas colónias com 6 a 8 quadros de criação e 9 a 10 quadros de abelhas passaram à configuração ninho mais sobreninho.

Colónia que vai passar à configuração ninho+ sobreninho.
Colmeia forte a ser preparada para invernar na configuração ninho+sobreninho.
Alguns minutos depois!

Tudo isto num apiário visitado por vespas crabro e velutina. Mais uma prova que cada realidade tem um local, e que cada local conta a sua própria estória! As velutinas mato as que posso, as crabro não. Estas últimas não provocam, até à data, nenhum dano económico assinalável. Comem algumas abelhas, mas comem também borboletas da traça da cera durante a noite. Ocupam um nicho ecológico, que vazio será ocupado por outras vespas, muito provavelmente a velutina. Quando desejar que as minhas abelhas sofram predação zero levá-las-ei para a lua.

cera de opérculos: a minha solução para o seu processamento

Durante aqueles anos em que o meu efectivo ultrapassou as 400 colmeias e foi crescendo, ano após ano, até às 700, o processamento da cera dos opérculos foi o ponto de estrangulamento no processo de extracção. Na altura pensei e reflecti muitas vezes sobre a compra de uma máquina processadora dos mesmos. O investimento e as palavras que ouvi a um dos maiores apicultores que Portugal conheceu — “Eduardo actualmente passo mais tempo na melaria a resolver problemas mecânicos das máquinas do que nos apiários!” — nunca me deixaram confortável o suficiente para tomar a decisão de adquirir este tipo de equipamento. Nos anos de maior produção externalizei parte da extracção, recorrendo a uma melaria em Mangualde, e assim fui dando solução à necessidade de uma grande capacidade de extracção e processamento da cera.

Actualmente, com pouco mais de 160 colónias, voltei a utilizar em exclusividade o meu processo artesanal para limpar a cera dos opérculos.

Em baixo deixo o foto-filme de como o faço, nas condições que tenho.

Cera dos opérculos já bastante escorrida depois de ter passado vários dias na tina de desoperculação.
Cera dos opérculos colocada em caixas muito largas e pouco profundas, tranportada para uma casa rústica a 50-70 m de um dos meus apiários.
No interior da casa, onde dispus as caixas como a foto ilustra.
As abelhitas não tardam a chegar…
… e a cobrirem estas manjedouras!
Passado uns dias remexo a cera nas caixas para lhes facilitar o acesso à cera com algum mel ainda.
Cera dos opérculos quase limpa, sem mel, nas condições ideais para ser fundida na caldeira a vapor.

Nota: esta publicação foi incluída na categoria “equipamentos” por razões óbvias: é de equipamentos que trata, uns rudimentares, facilmente reparáveis, outros autónomos, as abelhas, que me libertam para o que mais gosto, estar nos apiários.

operariado: uma vida curta e de riscos

Fiquei de boca aberta com a enorme mortalidade de abelhas durante o período dos voos de orientação em dois apiários franceses. Gostava de ver este estudo replicado em Portugal!

“As abelhas são insetos sociais que exibem notáveis ​​diferenças de longevidade específicas da casta. Enquanto as abelhas rainhas podem viver até 5 anos, as operárias geralmente vivem apenas duas a seis semanas no verão e cerca de 20 semanas no inverno. A diferença de 10 vezes entre a vida útil da abelha operária no verão e no inverno depende das diferenças nos processos de senescência fisiológica intrínseca e nos fatores extrínsecos, como a exposição a pressões ambientais (isto é, as abelhas de inverno raramente deixam o ambiente seguro da colmeia). Na verdade, como resultado do polietismo da idade, o risco extrínseco de mortalidade das abelhas de verão não é constante ao longo da vida do indivíduo. As abelhas passam as primeiras semanas de sua vida adulta realizando tarefas dentro do ambiente da colmeia, mas depois mudam para a atividade de forrageamento que as expõe a riscos ambientais, como temperatura, predação ou desidratação. Além disso, a transição para a atividade de forrageamento é acompanhada por uma redução nas reservas de proteínas e lipídios, bem como da glicolipoproteína vitelogenina, um importante antioxidante. As forrageadoras experimentam uma probabilidade constante de morte ao longo do tempo, mas também podem enfrentar o esgotamento das reservas limitadas de glicogénio, essenciais para sua atividade de voo. A idade de início do forrageamento, que pode ser modulada de acordo com o tamanho, demografia e necessidades da colónia, bem como por vários fatores ambientais é, portanto, assumida como um fator importante na longevidade das abelhas operárias.

A atividade de forrageamento fornece à colónia recursos florais que são essenciais para a sobrevivência e reprodução da colónia e é normalmente precedida por alguns dias em que as abelhas realizam voos de orientação exploratória, permitindo-lhes aprender as características da entrada da colmeia e da paisagem ao redor da colmeia. Este estágio de pré-forrageamento permite que as abelhas desenvolvam capacidades cognitivas altamente complexas essenciais para o forrageamento, como navegação e homing [regresso à colmeia], bem como sua capacidade de voo (desempenho sensorial e motor). A experiência desenvolvida durante a fase de pré-forrageamento pode, portanto, determinar seu desempenho futuro como forrageadoras e, provavelmente, sua vida útil. Na verdade, uma das consequências do forrageamento precoce induzida experimentalmente é o maior risco de morte nos primeiros voos de forrageamento e um período de forrageamento mais curto, possivelmente devido às capacidades de navegação mais baixas (mas também músculos de voo imaturos e/ou um corpo mais pesado). Por último, mas não menos importante, durante a realização de voos de aprendizagem, as abelhas podem ser expostas a riscos de mortalidade extrínseca. Portanto, pode haver um trade-off entre os riscos associados ao desempenho de voos de pré-forrageamento e os benefícios do acúmulo de experiência de voo durante esse estágio, o que pode se traduzir num desempenho superior e sobrevivência no estágio de forrageamento.

Nosso objetivo era documentar este período particular e crítico de aprendizagem de voo. Para tanto, monitoramos, desde a emergência até a morte, a atividade de entrada e saída de 3.786 abelhas operárias usando dispositivos automatizados de monitorização individual vitalício. Isto foi feito numa ampla gama de condições, consistindo em múltiplos contextos geográficos, sazonais e de desenvolvimento da colónia, para avaliar diversas histórias de vida relacionadas à bem conhecida plasticidade comportamental em abelhas. A variabilidade em contextos ambientais foi alcançada notavelmente pelo rastreamento de abelhas originárias de diferentes colónias de origem a cada mês, de abril a setembro, em dois locais geográficos diferentes na França. Em seguida, medimos suas características de história de vida. O objetivo geral foi avaliar se a expectativa de vida é influenciada pela experiência de voo, a fim de melhor caracterizar os padrões e os fatores de risco de mortalidade natural em abelhas obreiras. Para tanto, avaliamos (i) em que medida o estágio de pré-forrageamento está associado a riscos de mortalidade e (ii) como esse estágio de pré-forrageamento pode influenciar a duração do estágio de forrageamento.

Desenho experimental. (a) Mapa da França indicando a posição geográfica do sitio A (Chizé) e do sitio B (Avignon). (b) Sistema RFID usado no local A. (c) Sistema de contador óptico usado no local B. (d) Projeto experimental.

Conclusões: Nossos resultados mostram que a idade no primeiro voo e o início do forrageamento são fatores críticos que determinam, em grande parte, a expectativa de vida. Mais importante ainda, nossos resultados indicam que uma grande proporção (40%) das abelhas morrem durante a fase de pré-forrageamento e, para aquelas que sobrevivem, o tempo decorrido e a experiência de voo entre o primeiro voo e o início do forrageamento são importantes para maximizar o número de dias gastos em forrageamento. Uma vez no estágio de forrageamento, os indivíduos experimentam um risco de mortalidade constante de 9% e 36% por hora de forrageamento e por dia de forrageamento, respectivamente. Em conclusão, o estágio de pré-forrageamento durante o qual as abelhas realizam voos de orientação é um fator crítico para a vida útil das abelhas.

fonte: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.200998

eu era muito mais inteligente, ou o efeito Dunning-Kruger na apicultura

Texto de Rusty Burlew no seu blog Honey Bee Suite acerca do processo de “maturação” dos apicultores de língua inglesa. A semelhança com apicultores de língua portuguesa evidencia que há alguns fenómenos universais no mundo animal, independentes de latitudes e ambientes.

“Muito antes de saber que tinha um nome, escrevi sobre o efeito Dunning-Kruger* na apicultura. Numa publicação do blog intitulada “Eu era muito mais inteligente”, revelei os resultados do meu estudo unilateral, não científico sobre a base de conhecimento dos apicultores, pois se correlaciona com o tempo que eles têm abelhas.

De minha extensa pesquisa, descobri que os apicultores do primeiro ano sabem pouco. Não é uma surpresa. Muitos não distinguem um ácaro de um rato – afinal, os dois vivem em colmeias – mas tudo bem, porque os iniciantes absorvem o conhecimento e aprendem rapidamente. Eles leem, assistem às aulas, fazem perguntas. Eles ficam gratos por qualquer ajuda que possamos oferecer.

O problema começa no ano dois
Os praticantes que mais sabem, os que sabem tudo o que há para saber sobre as abelhas, estão no segundo e terceiro anos. Se temos uma pergunta, eles têm a resposta. Se temos uma opinião, eles mostram o que pensam dela – e de você. Eles não leem, porque acham que escrevem melhor. Eles não ouvem, porque eles acham que falam melhor.

Acredite em mim, eles são prodígios da apicultura. Se precisa de uma resposta rápida e de uma opinião dogmática, eles são as pessoas que você precisa ver/ouvir/ler. Se quiser uma explicação não temperada com nuances, absoluta e universal são eles que a fornecem. Estou feliz por eles, pois se deleitam com seu mar de conhecimento.

Depois disso, tudo é uma ladeira escorregadia
Então, cerca do quarto ano, algo acontece – o conhecimento deles se desgasta. Não é que eles saibam menos, mas de repente eles percebem a complexidade da apicultura. Eles percebem que aprenderam apenas a ponta do iceberg.

Estes apicultores mais experientes consideram que as questões são mais complexas do que simples. Eles veem as respostas como multifacetadas, não únicas e absolutas. À medida que o conhecimento aumenta, as respostas ficam mais longas, começando com frases como “Depende” ou “Pode ser várias coisas” ou “Preciso de mais detalhes”.

A árvore do conhecimento
De volta à minha publicação de 2013, comparei o caminho de aprendizagem à árvore do conhecimento. Os apicultores do primeiro ano ocupam o solo, onde a árvore penetra no solo. Os apicultores do segundo e terceiro ano vivem no tronco, onde tudo é liso, bem definido e organizado. Aqueles que já estão nisto há mais tempo estão nos galhos, galhos e galhos, onde cada pergunta tem uma resposta complexa e todos os caminhos estão obscurecidos por folhas.

Apicultores experientes assistem a palestras, leem artigos científicos e fazem experiências. À medida que seu conhecimento aumenta em múltiplos degraus, eles sentem que sabem menos, mas querem saber mais. Eles ficam maravilhados com as abelhas, hipnotizados, humilhados. Nunca têm respostas rápidas, apenas opiniões bem pensadas temperadas com a experiência e a constatação de que, com as abelhas, não existem respostas simples.

Antes de saber sobre o Efeito Dunning-Kruger, imaginei os apicultores do segundo e terceiro anos no tronco de uma árvore onde tudo é simples e fácil de entender. Mais tarde, à medida que nosso conhecimento se expande, nos encontramos entre os ramos onde todos os problemas são complexos e todas as perguntas têm respostas múltiplas.

Nota: * sobre o efeito Dunning-Kruger há inúmeros textos na net. Este é um entre outros: https://super.abril.com.br/comportamento/o-efeito-dunning-kruger-quanto-menos-uma-pessoa-sabe-mais-ela-acha-que-sabe/

viabilidade de imagens térmicas na detecção de ninhos da Vespa velutina

“Resumo: A Vespa velutina é uma espécie invasora de vespas que está a colonizar a Europa, provocando impactos consideráveis ​​nas abelhas, na apicultura e na biodiversidade. As estratégias de controle e alerta precoce baseiam-se principalmente em planos de monitorização e procedimentos de detecção e destruição de ninhos. Ferramentas tecnológicas (radar harmónico e radiotelemetria) têm sido desenvolvidas para aumentar as probabilidades de detecção de ninhos em novos surtos. Uma vez que as vespas são capazes de regular a temperatura do ninho, a termografia pode representar uma técnica adicional que pode ser usada, tanto isoladamente quanto em apoio a outras técnicas. Neste estudo, a viabilidade da imagem térmica na detecção de ninhos de V. velutina foi avaliada em condições controladas. A influência de diferentes variáveis ​​ambientais e operacionais (hora do dia, presença / ausência de folhas cobrindo o ninho, distância entre o ninho e o operador) foi testada em três ninhos detectados em agosto de 2018 na Itália. Todos os ninhos foram detectados por imagens térmicas, mas as variáveis ​​ambientais e operacionais afetam sua detecção. A diferença de temperatura entre os ninhos e os arredores atinge o máximo antes do nascer do sol e sem a cobertura das copas das árvores. Embora os ninhos fossem visíveis em alguns casos a partir de 30 m, a detectabilidade foi maior em distâncias menores, mesmo que essa variável também possa depender da resolução da câmera infravermelha. Um aumento na temperatura ambiente também gera uma diminuição na detectabilidade do ninho. Embora possam ocorrer algumas limitações, esses resultados mostram a aplicabilidade da termografia na detecção de ninhos de V. velutina antes do início da fase reprodutiva e, consequentemente, sua potencialidade em estratégias de controle.”

Aplicação de imagens térmicas para detecção de ninhos de V. velutina: (A) ninho número um; (B) ninho número dois; (C) ninho número três; (D) ninho número um pela manhã a 30 m do operador; (E) ninho número um à noite a 30 m do operador.

“[…] O aumento da temperatura ambiente durante o dia pode limitar a detectabilidade dos ninhos, devido à maior temperatura do ar e à presença de raios solares na folhagem das árvores. Além disso, V. velutina é predominantemente diurna; uma vez que a temperatura do ninho está positivamente correlacionada com o número de indivíduos dentro do ninho, pode-se supor que a diferença de temperatura entre o ninho e seu meio envolvente está no seu máximo antes do nascer do sol, quando todos as vespas ficam dentro do ninho e a temperatura ambiente do entorno atinge o mínimo. Pelo contrário, a detectabilidade diminui após o nascer do sol, quando a temperatura ambiente atinge valores semelhantes à temperatura interna dos ninhos de vespas. Isso pode representar um limite no uso destas câmeras em países do sul da Europa caracterizados por altos valores de temperatura durante o verão, enquanto em países mais frios esta variável pode ter menos influência na detectabilidade do ninho. A distância entre o ninho e o operador que realiza a amostragem parece influenciar a detectabilidade do ninho, mas este efeito pode estar relacionado com resolução da câmera usada para este estudo (320 × 240 px). Uma vez que câmeras de infra vermelhos com uma resolução mais alta estão disponíveis no mercado (por exemplo, 1024 × 768 px), é possível supor que o efeito desta variável pode diminuir com um equipamento de qualidade superior, com um consequente aumento na detectabilidade do ninho.[…]”

fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1744-7917.12760

das plantas às abelhas: alguns detalhes a considerar para enriquecer o pasto apícola

Marla Spivak, em 2013, foi muito clara e enfática quando defendeu:

Marla Spivak, conceituada investigadora apícola.

O aspecto básico presente no problemático desaparecimento das abelhas está no facto de refletir uma paisagem onde as flores estão a desaparecer, assim como um sistema alimentar disfuncional. Precisamos de uma grande diversidade de flores ao longo de todas as estações de crescimento das colónias de abelhas, da primavera ao outono. Precisamos de bermas de estradas semeadas com flores para as nossas abelhas, e também para as borboletas, pássaros e outros animais selvagens. Precisamos de pensar novamente em voltar a fazer culturas de protecção e pousio que nutram os nosso solos assim como as nossas abelhas. Precisamos de diversificar as culturas nas nossas fazendas/quintas. É preciso plantar/semear plantas nos limites destes terrenos e que interrompam o deserto verde das monoculturas, assim como corrigir o sistema alimentar disfuncional que criámos.” Detalho nesta publicação algumas razões e linhas de orientação que devem presidir as nossas acções de enriquecimento do pasto apícola.

Uma vez que as abelhas utilizam recursos de uma grande variedade de plantas (> 40.000 espécies são consideradas ter importância para as abelhas; cada uma com diferentes épocas de floração e oferecendo diferentes recursos (néctar, pólen ou ambos), selecionar uma mistura adequada de espécies de plantas pode ser um desafio.

O néctar (que é convertido em mel) é importante para a colónia porque fornece sua principal fonte de carboidratos (energia), necessários para alimentar as atividades diárias, como termorregulação, produção de cera e voo. O valor das plantas de néctar para a apicultura varia consideravelmente, mas é determinado, na maior parte, pelo seu potencial de produção de mel (potencial melífero). Isso depende do número total de flores que a planta produz, da quantidade de néctar-açúcar secretado por cada flor (determinado pelo volume e concentração do néctar) e da duração e regularidade da floração das plantas. Plantas com potencial melífero muito alto (> 500 kg / ha / estação) são particularmente valiosas. No entanto, o valor da planta também depende da comercialização e das propriedades do mel produzido, incluindo sua cor, sabor, aroma, densidade, viscosidade, cristalização e bioatividade. Os tipos de mel com qualidades desejadas ou comercializáveis, como propriedades antibacterianas, provavelmente atingirão um alto preço de mercado para o apicultor. Se as plantas de alto valor também tiverem um alto potencial melífero, os resultados económicos serão consideravelmente melhorados.

Plantas de pólen são igualmente importantes para a apicultura e fornecem a principal fonte de proteína, lipídio, vitamina e ingestão de minerais das colónias, necessárias para a alimentação da criação larvar. Estes nutrientes também são necessários para crescer e reparar tecidos corporais, construir células de gordura, aumentar a imunidade e resistência a doenças e longevidade da colónia. O valor das plantas produtoras de pólen para a apicultura varia consideravelmente, devido a grandes diferenças na quantidade de pólen produzida, e a composição química e benefício nutritivo do pólen. O conteúdo de proteína bruta do pólen é particularmente importante e varia de 2% a 60% para plantas polinizadas por insetos. No entanto, os níveis ideais necessários para a criação variam de 23% a 34%. As colónias que consomem pólen dentro desta faixa produzem significativamente mais criação e operárias mais resistentes, têm melhores taxas de sobrevivência e longevidade e um maior potencial para colectar recursos e produzir mel. No entanto, há algumas evidências de que níveis elevados de proteína bruta (> 38%) em dietas artificiais são deletérios/prejudiciais para as colónias. Embora não esteja comprovado para dietas naturais, este efeito requer mais investigação.

O equilíbrio dos aminoácidos essenciais também é um indicador importante do valor nutritivo do pólen. Dez aminoácidos essenciais são necessários em diferentes quantidades mínimas para o crescimento e desenvolvimento da colónia. Infelizmente, o pólen produzido por muitas plantas com flores é deficiente em um ou mais aminoácidos essenciais. Consequentemente, colónias mantidas em fontes de pólen limitadas podem ser suscetíveis a doenças (particularmente infecção fúngica por Nosema), produzir pouca ou nenhuma criação e podem perecer completamente. O componente não proteico do pólen (por exemplo, lipídios, vitaminas e minerais) também é considerado importante, mas seu papel não é bem compreendido actualmente. Para reduzir o risco de qualquer uma das deficiências nutricionais acima mencionadas, é sugerido o plantio de uma mistura de espécies de plantas com flores. Diretrizes provisórias sugerem um mínimo de doze espécies de plantas (três a cinco florescendo simultaneamente) podem ser suficientes para manter colónias populosas. No entanto, como o pólen pode ser deficiente em um ou mais nutrientes, será importante ter como alvo combinações de espécies nutricionalmente balanceadas. As seleções de plantas devem complementar a fenologia das plantas existentes e preencher quaisquer lacunas no florescimento ou fornecimento de recursos no local e, idealmente, levar em consideração as preferências dos polinizadores.

A qualidade do néctar desempenha um papel significativo nas preferências dos polinizadores, com concentrações de néctar-açúcar (sacarose) entre a faixa de 30% a 50% sendo mais atraentes para as abelhas e oferecendo maiores recompensas calóricas. No entanto, em concentrações maiores (acima de 60%), os néctares tornam-se muito viscosos para uma libação rápida e raramente são coletados pelas abelhas.

As preferências por pólen não são bem compreendidas, mas são comumente preferidas pela disponibilidade e concentração de pólen viável e duração da floração. Finalmente, atrativos (por exemplo, cariofileno), dissuasores e toxinas naturais (por exemplo, cafeína e nicotina) no néctar e pólen também podem desempenhar um papel nas escolhas dos polinizadores, dependendo de sua concentração.

fonte: Picknoll,J.L.;Poot,P.; Renton, M. A New Approach to Inform Restoration and Management Decisions for Sustainable Apiculture. Sustainability, 2021,13,6109