hoje o mel que produzo são as minhas publicações e um agradecimento

Hoje o mel que produzo são as minhas publicações. E tal como o mel que produzi quando tinha abelhas não era contrafeito, também as minhas publicações não o são.

Até hoje fiz 788 publicações. Uma boa parte delas são publicações originais, resultado da descrição do trabalho que desenvolvi e observei nos meus apiários, ou o resultado do exercício de opinião numa sociedade livre como a nossa, ou ainda da conjugação de reflexões pessoais com informações do conhecimento comum. Estas publicações obviamente não carecem da identificação das fontes.

Uma parte mais reduzida das minhas publicações são traduções, mais ou menos literais, mais ou menos parcelares, de estudos de natureza científica ou de textos de apicultores pelos quais tenho uma especial predilecção. Nestas identifico sempre as fontes e/ou referências bibliográficas que utilizei.

E os que acompanham as minhas publicações sabem que assim é.

Tanto assim é que um amigo, investigador na UC, ligou-me há umas semanas atrás a pedir-me a referência de um estudo francês que se lembrava de ter lido por aqui a tradução. Como precisava de aceder a esse estudo, e através do google scholar não estava a conseguir fazê-lo, pediu-me ajuda para localizar a publicação e assim chegar ao respectivo estudo. Ele sabia que a referência bibliográfica lá estava, como habitualmente está nas publicações deste tipo. Pela descrição que ele me fez do conteúdo da publicação, localizei-a com alguma facilidade… e lá estava, preto no branco, a referência bibliográfica, que de imediato enviei a este meu amigo.

Este mel não é contrafeito. Quando muito pode ter algumas notas um pouco amargas para alguns, como tem o mel de urze. É natural que nem todos as apreciem.

Contudo dizer que este mel puro foi misturado com açúcar magoa e ofende. E foi dessa ofensa que juntamente com os meus amigos(as), parte dos quais não conheço pessoalmente, me defendi. E lhes expresso o meu profundo agradecimento.

A vida continua… muita saúde para todos(as). Um abraço enorme!

vespa velutina: controlar a dispersão de novas fundadoras

Cada ninho maduro de V. velutina, cria em média 600-900 machos e 350-500 novas fundadoras por cada ciclo anual.

Se nesta população de novas fundadoras forem eliminadas antes de iniciarem uma nova colónia por causas naturais, como competição entre fundadoras e/ou por predação de outros animais, ou por causas artificiais, como armadilhagem para captura de fundadoras levadas a cabo por apicultores e outros, 90% dos indivíduos, os 10% da população sobrevivente terá o potencial para criar 350 a 500 mil novos indivíduos no ano em questão, a uma razão de 10 mil indivíduos por ninho.

Pela capacidade estonteante de criar inúmeros indivíduos reprodutores e fecundados por cada ciclo anual, fica claro que qualquer estratégia de controlo desta praga só terá sucesso se estiver desenhada e se tiver os meios para eliminar os ninhos maduros antes da dispersão de novas fundadoras, isto é antes de do mês de outubro, em geral.

Para levar a cabo a localização e/ou destruição dos ninhos antes da fase de dispersão da nova geração de fundadoras temos vários procedimentos, todos eles com virtualidades e limitações:

  • localização por triangulação;
  • localização por radar;
  • localização por imagens térmicas;
  • localização por perseguição;
  • localização acidental;
  • estações com iscos tóxicos;
  • “cavalos de troia”;

A propósito da localização de ninhos por perseguição deixo este pequeno vídeo com um exemplar da V. mandarinia, espécie ainda não identificada na Europa. A V. mandarinia, a maior vespa do mundo, tem a capacidade para levantar voo com um “lençol” agarrado. Com a V. velutina teria que se fazer com algo mais leve e pequeno. Nestas condições seria visível com um drone? Nada como experimentar, se ainda não foi experimentado.

Nota: os apicultores utilizam um conjunto mais vasto de ferramentas para proteger as suas colónias, que não menciono nesta publicação — escrevi outras publicações sobre as mesmas. Essas ferramentas estão desenhadas para defender as colónias de abelhas, e são mais ou menos eficazes. Contudo uma boa parte dessas técnicas e ferramentas têm apenas esse alcance: protegem as colónias mas não têm um impacto notável nos ninhos da V. velutina e na sua dispersão anual.

apicultura darwiniana: análise crítica

Deixo em baixo a tradução/adaptação de um texto que analisa de forma crítica algumas das reivindicações mais frequentemente utilizadas pelo grupo de apicultores que abraçou uma abordagem radical dos pontos de vista expostos por Tom Seeley no artigo de 2017, Darwinian beekeeping: An evolutionary approach to apiculture (American Bee Journal. 157. 277-282).

“Nos últimos anos, algumas formas de apicultura alternativa foram revitalizadas, como a apicultura sem tratamentos (treatment free), biodinâmica e “natural”. Estas práticas ganharam popularidade quando o professor Tom Seeley divulgou as suas experiências e conclusões em 2017 e introduziu o conceito “Apicultura darwiniana”. Seeley argumenta que o conceito de evolução através da seleção natural raramente é usado na apicultura. Segundo ele imitando as condições naturais das abelhas e a seleção natural, podemos levá-las a superar os seus problemas. As soluções surgirão rapidamente se o apicultor estiver sintonizado com esta visão.

No passado, o campo da apicultura “natural” foi inspirado por uma filosofia da new age: “as abelhas superam tudo com o poder da natureza”. Ao longo do caminho, as intervenções de Seeley e outros cientistas, introduziram formas alternativas de apicultura, envolvendo os princípios da biologia evolutiva. Neste texto, explicarei como essa combinação de apicultura alternativa e ciência produziu uma cultura pseudo-darwiniana de práticas extremas. Meu principal problema com a chamada “apicultura darwiniana” é que ela não é verdadeiramente darwiniana. E não quero dizer que não seja radical o suficiente, muito pelo contrário. Este ramo da apicultura usa constantemente o apelo à natureza, criando uma retórica particularmente atraente para os apicultores orgânicos e alguns apicultores de pequena dimensão adeptos da lazy beekeeping (apicultura preguiçosa).

Estes apicultores tentam a apicultura “natural” e sem tratamentos sustentados alegadamente em argumentos darwinianos. Vou desenvolvê-los a seguir. É de realçar que Seeley é bastante cuidadoso nas suas palavras e instruções, mas as suas ideias são distorcidas e usadas de forma excessivamente rígida e radical. Na demanda da “naturalidade”, qualquer método natural de apicultura nunca será natural o suficiente. Surgirá sempre uma forma mais “natural” e “pura”.

Primeira reivindicação: “As abelhas sobreviveram milhões de anos enfrentando doenças e pragas sem intervenção humana. Portanto, têm, ou podem desenvolver, os mecanismos para lidar com a varroa, etc., desde que deixemos a natureza fazer o seu trabalho.”

Na história natural, inúmeras espécies bem adaptadas extinguiram-se por mudanças súbitas no meio. O Varroa destructor mudou o meio subitamente e teria exterminado as abelhas europeias se os humanos não tivessem intervindo.

Segunda reivindicação: a natureza tem o método de seleção natural para eliminar os desajustados e escolher os ajustados. A apicultura natural está mais próxima da seleção natural.

A seleção natural é um processo de eliminação/selecção ao longo de milhares de anos. Na verdade, estes métodos apícolas alegadamente naturais exercem muitas vezes uma pressão de seleção excessivamente rápida, expondo as abelhas ao stresse crónico (parasitário e dietético) e à morte de milhares de milhões de abelhas. O esquecimento destas perdas incontáveis é bem explicado pelo viés da sobrevivência. Além disso, a evolução das espécies envolve três outros mecanismos além da seleção natural: deriva genética, mutação genética e fluxo genético. Não encontramos referências a estes três mecanismos na apicultura darwiniana porque estragam qualquer narrativa credível acerca da sua efectividade.

Terceira reivindicação: Qualquer intervenção ou assistência com substâncias químicas, biológicas ou mesmo naturais retarda a adaptação natural das abelhas contra patógenos e parasitas.

Outro erro fundamental em torno do qual a apicultura sem tratamentos é construída. Pelo contrário, a intervenção dá às abelhas tempo para se adaptarem. Quanto tempo tiveram as primeiras colónias de abelhas europeias quando entram em contato com varroa? Muito pouco… e sucumbiram.

Quarta reivindicação: Através de métodos naturais de apicultura, o ácaro Varroa perde sua natureza agressiva e desenvolve uma relação simbiótica com as abelhas.

O Varroa destructor é um parasita europeu das abelhas melíferas. É improvável que perca essa característica rapidamente, só porque algumas pessoas colocam as abelhas dentro de troncos de árvores e as deixam enxamear todos os anos. Lembrem-se de que os parasitas e predadores permaneceram os mesmos por milhões de anos e não mudam facilmente. Por exemplo, vespas predadoras, esses ancestrais das abelhas, permanecem predadoras.

Quinta reivindicação: As abelhas na natureza escolhem as suas novas rainhas, enquanto nós, com nossas técnicas, as impedimos de escolhê-las.

Esta é uma das reivindicações mais fracas no texto de Seeley. Uma análise meticulosa da enxameação revela que há uma aleatoriedade na criação natural de rainhas. É como se as operárias “optassem por não escolher” suas rainhas, fazendo numerosos cálices que serão utilizados pela rainha de forma aleatória. As operárias simplesmente descartam algumas larvas mal alimentadas, enquanto retêm o elemento aleatório. Surpreendentemente, muitas das técnicas de translarve de rainhas mantêm um elemento análogo de aleatoriedade.”

fonte: https://thebeekeepinglab.com/2023/07/08/pseudo-darwinism-in-beekeeping/?fbclid=IwAR26HCU8BeHf1DAyYguCRS-49_SaEqVIsdlSfJ317AhhXm3v5mPuXJMhD5Q_aem_Ae9BTGDi31rgF_uwnNsrzVInb1J306DJoYO0rkoJz9NA7BszGhVCPk-7dByljzkWzMU

Notas:

1) na minha opinião a publicação “a minha resistência à resistência: o foco no foco” complementa esta adequadamente.

2) Aceitando que esta abordagem darwiniana seja a melhor maneira de lidar com os ácaros varroa, nunca funcionará se não for adoptada por praticamente TODOS os apicultores e ao mesmo tempo, isto para evitar a deriva/diluição genética dos traços que conferem resistência.

3) E se TODOS aderirem ao projecto… como se resolverá a falência da polinização, a escassez de alimentos e os efeitos sociais e económicos decorrentes de mortalidade massiva de 95-99% das colónias de abelhas e isto durante os anos que o efectivo apícola levará a recuperar?

4) Esta experiência com animais sociais, com milhões de milhões de abelhas condenadas ao sofrimento e à morte desnecessária, às mãos de uma ideologia que por uma triste ironia se diz apicentrada e que procura o bem-estar das abelhas, é um paradoxo ético.

5) Ninguém sabe que abelha resultará de um processo de selecção tão esmagador como o desta proposta “vive e deixa morrer”, que conduzirá inevitavelmente a um enorme empobrecimento do pool genético, aspecto que contraria a tendência natural de promoção da diversidade genética das abelhas .

6) Que garantias há que o ácaro varroa não evoluirá também para se adaptar a colónias pequenas, que enxameiem muito e que não são tratadas, como proposto pelos mais acérrimos defensores desta via, a única respeitadora das abelhas na sua opinião.

7) Como percepcionamos deixar de tratar os nossos outros animais domésticos, cães, gatos, …, para que a natureza elimine os indivíduos susceptíveis às doenças e para as quais temos medicamentos?

o mundo agrícola unido pela biodiversidade ou uma breve história de um apicultor do Marne

Apicultor orgânico/bio em Ville-en-Tardenois, no Marne, Philippe Lecompte conta com uma estreita colaboração com o setor agrícola como um todo para preservar a fauna e a flora (ver aqui entrevista).

A jornada de Philippe Lecompte, apicultor orgânico perto de Reims!
Este especialista em abelhas e amante teve sua primeira colmeia em 1975 e tornou-se profissional em 1979. Preocupado com a qualidade do mel e o bem-estar de suas abelhas, tornou-se orgânico/bio em 1995. Philippe também é presidente da Réseau Biodiversité pour les Abeilles, e vice-presidente da associação Symbiose para paisagens e biodiversidade, que reúne representantes do mundo agrícola e vitivinícola, várias autoridades regionais do Grand Est e indústrias de proteção de plantas.

Este ano em França, as beterrabas, inclusive as orgânicas, foram parasitadas por pulgões, com quedas espetaculares de rendimento. Existem apenas dois tratamentos: os piretroides sintéticos, que são administrados por pulverização e, portanto, podem envenenar vários insetos com facilidade, e as sementes revestidas com neonicotinoides, menos prejudiciais porque permanecem no solo.

Mas esta polémica, acima de tudo, impede que se pense nas verdadeiras causas da mortalidade das abelhas. A Plataforma de Epidemiologia de Saúde Animal, uma organização independente sob a égide do Ministério da Agricultura e do INRAE (Instituto Nacional de Investigação para a Agricultura, Alimentação e Ambiente), publica um estudo anual sobre as causas de mortes de abelhas:

  • 1º responsável: parasitas, em particular a varroa, cuja fêmea se alimenta da abelha, e transmite um vírus mortal (nova estirpe de vírus mais virulenta espalha-se pelas colónias de abelhas na Europa).
  • Na 2ª posição, a Plataforma aponta para as más práticas apícolas, cada vez mais difundidas. A abelha é o terceiro animal doméstico em França há vários anos. Muitas pessoas iniciam a apicultura sem ter as habilidades e os conhecimentos necessários, o que tem graves consequências na mortalidade do seu efectivo.

Quais são as relações entre o apicultor do Grand-Est e outros atores do mundo agrícola?
A agricultura é um castelo de cartas: se uma cai, as outras seguem. Por exemplo, o desaparecimento do setor francês de beterraba teria sérias consequências na produção de alfafa, uma planta muito benéfica para a preservação da biodiversidade, porque as unidades de desidratação da alfafa também produzem polpa de beterraba, essencial para assegurar a sua rentabilidade.

Na nossa região, os atores do setor agropecuário em sentido amplo trabalham juntos há vários anos nestas questões. A associação Symbiose lançou assim iniciativas e experiências para promover a biodiversidade nos nossos territórios, como a instalação de faixas intra-parcela com floração escalonada, de forma a garantir a alimentação dos polinizadores durante todo o ano, sebes ou faixas de alfafa na orla das parcelas.”

fonte: https://www.lunion.fr/id201075/article/2020-10-23/marne-le-monde-agricole-uni-pour-la-biodiversite

um orçamento de apoio à apicultura fortemente revisto em alta… em França

Um exemplo e um modelo, o caso francês. Com uma estrutura sócio-demográfica do sector apícola bastante próxima da nossa, isto é, um sector predominantemente não-profissional, com uma distribuição de colónias por tipologia de apicultor semelhante à nossa, com um sector com gente mais madura que jovem, com as mesmas ameaças bióticas (varroa e velutina) e abióticas (aumentos da imprevisibilidade metereológica e extremos climáticos mais frequentes e duradouros), os decisores políticos estão relativamente atentos e actuantes, o que se materializa num orçamento de apoios directos à apicultura fortemente revisto em alta em duas áreas críticas: 1) apoios à manutenção do efectivo apícola; 2) apoios à modernização das operações de transumância. Por cá é o desprezo na atenção devida, a mediocridade das vistas curtas.

O ano de 2023 marcará uma mudança na ajuda à apicultura
Para 2023-2027, as ajudas à manutenção do efectivo apícola e à transumância mantêm-se, com novas despesas elegíveis e um orçamento fortemente revisto em alta.

Equipamento para transumância na floresta. Novos equipamentos serão elegíveis para ajuda a partir de 2023.

Desde 2004, a Europa acompanha e financia um programa destinado a melhorar as condições de produção e comercialização de produtos apícolas. Cada Estado-Membro dispõe de um orçamento anual indexado ao número de colónias presentes no seu território, devendo apresentar à Comissão Europeia um programa, detalhando a implementação no seu território das principais ações enquadradas pela UE. Sucederam-se assim os vários programas europeus de apicultura, com a duração de três anos, nomeadamente duas ajudas directas aos apicultores: a ajuda à manutenção do efectivo apícola e a ajuda à transumância.

A partir de janeiro de 2023, as medidas de apicultura serão integradas na política agrícola comum (PAC) e, portanto, serão objeto de um programa setorial de apicultura (PSA) de cinco anos. Uma mudança significativa no apoio público à indústria apícola!

Gestão do ano civil
A partir de 2023, o PSA será gerido por ano civil. Assim, para 2023, os investimentos devem ser feitos e pagos pelos apicultores entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2023. Mesmo que os pedidos de ajuda possam ser apresentados já no outono de 2023, os apicultores terão um prazo adicional em janeiro de 2024 para apresentar seus casos. É, portanto, o fim dos processos a serem apresentados em pleno verão, em plena época apícola.

A ajuda à transumância e manutenção do efectivo será alargada a novos materiais e equipamentos. Para ajudar a manter a apicultura no contexto das alterações climáticas e para dispositivos anti-roubo, por exemplo. Assim, além de manter os investimentos habituais (colmeias, enxames, rainhas, etc.), deverão surgir novos investimentos: isolamento de colmeias, bebedouros, colmeias conectadas à rede e vários dispositivos anti-roubo.

Uma lista mais ampla de investimentos elegíveis
Este não é o momento para imprudência ou gastos excessivos. A Europa exige que a FranceAgriMer regule o uso dos orçamentos. Isso requer uma lista precisa de investimentos elegíveis para assistência à transumância. Quanto à ajuda à manutenção do efectivo apícola, a FranceAgriMer garante que o apicultor assegurou uma boa gestão de Varroa, pedindo prova de compra de um medicamento anti-Varroa homologado. A implementação de uma auditoria de sanidade a partir de 2024 também está sendo considerada, em alguns casos.

Lado do orçamento
O desenvolvimento mais marcante desse novo programa continua sendo o modelo orçamentário. A partir de 2023 as duas ajudas diretas terão um orçamento total de 4,375 milhões de euros por ano:
1) Com um aumento de 67% para ajuda à manutenção do efectivo apícola;
2) E um aumento de 119% para ajuda à transumância;
3) Um aumento semelhante está previsto para as outras medidas do futuro programa setorial da apicultura.

fonte: https://www.reussir.fr/apiculture/lannee-2023-marquera-un-tournant-dans-les-aides-apicoles

o peso político do sector apícola em França

Em baixo deixo dois gráficos retirados de um documento intitulado L’apiculture à travers les questions adressées au gouvernement par les députés (Apicultura através das questões dirigidas ao governo pelos deputados).

A partir da legislatura de 2002-2007, a apicultura “entrou” na Assembleia Nacional Francesa. Nessa legislatura os deputados colocaram cerca de 300 questões sobre o sector ao governo. Na legislatura seguinte o número de questões atingiu o pico, chegando perto das 700. De lá para cá o número tem descido e na última legislatura, de 2017-a 2022, as questões aproximaram-se das 300. Com uma taxa de resposta superior a 90% a partir da 12.ª legislatura, a apicultura é um tema sobre o qual o Governo mais responde às questões colocadas pelos deputados. A título de comparação, 78% de todas as questões escritas produzidas durante a 15ª legislatura tiveram resposta do Governo.
Na última legislatura (2017-2022) verifica-se uma alteração na temática das questões colocadas pelos deputados, que se re-orientaram para uma partilha entre questões sanitárias e questões económicas.


Hipótese de explicação: Nestes anos mais próximos, a multiplicação de episódios climáticos extremos (geadas tardias, precipitações, secas, etc.) resulta em episódios de escassez de alimentos para os enxames de abelhas, devido à redução do pasto alimentar. As consequências são económicas e de saúde. Traduzem-se num aumento dos custos de produção com a alimentação das abelhas e na renovação dos efectivos, redução do rendimento das colónias, tanto mais significativo quanto a gestão sanitária é crescentemente mais exigente. Actualmente, observam-se altas taxas de mortalidade no final da invernada, que também podem ser causadas por outros fatores epidemiológicos. Também contribuem o aparecimento de novos bioagressores (Vespa orientalis, aethina thumida), o reforço da pressão dos já existentes (Vespa velutina nigrithorax) ou as consequências do stress químico, ligado à utilização de pesticidas nas culturas ou na pecuária que implicam uma alta taxa de mortalidade de colónias e um enfraquecimento dos apiários, principalmente entre os apicultores amadores. Em termos de questões parlamentares, isto traduz-se em questões sobre as medidas previstas pelo Governo para apoiar a economia apícola e reduzir os factores de stress das abelhas.

Por cá, em Portugal, o diagnóstico faz-se rapidamente: as questões dos deputados ao governo são próximo do inexistente. A atenção dos governos mais recentes ao sector tem sido nenhuma.

alive and kicking

Num período de interregno da minha actividade apícola no campo, o bichinho permanece, e uma parte do meu tempo é ocupado a pesquisar, ler, reflectir, sonhar sobre abelhas. Como mestre em Ciências da Educação, é natural que me interesse muito a faceta pedagógica/andragógica, interesse que consigo expressar em boa medida com este blog. Sem o apoio de minha mulher e de meu filho tudo seria muito mais difícil. Um beijo para Vós!

Agradeço a todos os que acompanham as publicações que vou fazendo, são uma grande motivação para continuar. Nos últimos dois meses a maior parte das 20 mil visitas são expectavelmente leitores de Portugal… mas não só. Fica em baixo o escalonamento por país de origem das visitas ao abelhas à beira. Muita saúde para todos e muita saúde para as vossas abelhas onde quer que estejam.

o programa apícola francês: apoios à transumância para 2023

Os apoios à transumância são críticos para a sustentabilidade do sector, porque cada vez mais o apicultor tem de “andar atrás” de fluxos. Se os fluxos da primavera não dão (como não deram este ano) transuma-se as colónias para zonas onde os fluxos de verão poderão dar alguma coisa. Se nem uns nem outros dão, transuma-se para a polinização de pomares,… e outras combinações possíveis. Para fazer a transumância de colónias são muito úteis alguns equipamentos dedicados, geralmente dispendiosos, indispensáveis para fazer um trabalho com melhores condições de higiene e segurança e com mais eficiência e eficácia. Estes apoios à sua aquisição fazem uma grande diferença no momento da decisão para avançar.

Nesta publicação apresento a actualização para 2023 dos apoios ao dispor dos apicultores franceses para modernizarem as suas operações de transumância. Em baixo deixo a tradução (para aceder ao documento original clique na imagem em baixo).


“Este dispositivo visa ajudar a financiar equipamentos para modernizar os apiários e reduzir a dureza do trabalho durante as operações de transumância.

O auxílio é de no máximo 40% do montante sem impostos do investimento elegível.

A ajuda financeira é co-financiada: 50% com créditos europeus (FEAGA) e 50% com créditos nacionais.

Investimentos elegíveis

  • Gruas
  • Empilhadores todo o terreno de 4 rodas
  • Carrinhos com motor elétrico
  • Empilhadores elétricos
  • Reboques
  • Plataformas elevatórias
  • Bandeja de carga para veículos
  • Paletes
  • Roçadeira com autopropulsão
  • Roçadeira de mochila
  • Melhoramento/adaptação dos locais de transumância
  • Balanças eletrónicas com informação remota

Valor mínimo de ajuda: € 700 por pedido (representa um valor mínimo de investimentos elegíveis de € 1.750)
Montante máximo da ajuda: a ajuda é limitada anualmente por exploração aos seguintes montantes:

Até 150 colónias declaradas: 7.000€ de ajuda correspondente a um montante total de investimentos elegíveis de 17.500€ excluindo impostos;

Mais de 150 colónias declaradas: 15.000€ de ajuda correspondente a um montante total de investimentos elegíveis de 37.500€ excluindo impostos.

Nota: nesta publicação indiquei os equipamentos e valores máximos elegíveis para o ano de 2021.

Notas: 1) O FEAGA também abrange Portugal. 2) Estive a ler e reler as condições/regulamento dos actuais apoios aos apicultores transumantes portugueses e não entendi as normas/artigos* (ver aqui, na pag. 301-302, secção IV). Se alguém quiser explicar pode utilizar a caixa de comentários para o fazer. Desde já o meu bem-haja!

  • não deixa de ter alguma ironia não ter compreendido, num documento escrito na minha língua materna, que apoios em concreto tem o apicultor português, e facilmente ter entendido os apoios que tem um apicultor francês, e escritos numa língua que não é minha.

a melada de azinheira: um caso específico

Até há quatro anos atrás, 3 dos meus 12 apiários estavam situados numa pequena freguesia do distrito da Guarda, num território com condições edafo-climáticas muito particulares, povoado por alguns sobreiros, muitas azinheiras, e onde não se viam castanheiros — a 10 Km da Guarda! Estes três apiários albergavam em média 130 colmeias. Anos houve de terem produzido cerca de 1200 kgs de mel de melada de azinheira. Esta melada começava a ver-se nas meias-alças no início de julho e terminava no início de agosto. Todos os anos colhia mel desta melada, mas os melhores anos estiveram associados a uma primavera sem ondas de calor e um mês de julho quente e com madrugadas enevoadas.

Quercus ilex rotundifolia (azinheira)

A propósito da coleta pelas abelhas da melada das azinheiras esta tem duas origens, de acordo com os especialistas: 1) as secreções da planta, em particular durante processo de formação das bolotas; 2) as excreções dos afídeos.

Bolotas de Quercus ilex mostrando secreções de melada. a. Bolota seca (esquerda) e bolota em desenvolvimento secretando melada, que surge entre a cúpula e a bolota. b. Desenvolvimento de melada na bolota. c. Bolota seca secretando melada. d. Cúpula com melada após a queda da bolota. Fotografias: P. López (a) e A. Gómez Pajuelo (b–d). Fonte: The profile of phenolic compounds by HPLC-MS in Spanish oak (Quercus) honeydew honey and their relationships with color and antioxidant activity, (2023).

Abelha libando a melada excretada pelos afídeos nas folhas de uma árvore .

apicultores da Europa Ocidental temem pelo futuro

Excelente artigo! Por esta razão deixo a tradução (os sublinhados/negrito são meus). Foi publicado em 2022.

“Em frente à loja de mel Api Douceur em Giromagny, em França, está um recipiente de vidro incomum ao lado do caminho que leva às colmeias. Trata-se de uma vending machine, instalada pelos donos do apiário em 2019. “Como éramos apenas dois, inicialmente não conseguíamos abrir a loja em horários regulares, então tivemos a ideia de uma vending machine, para permitir que os transeuntes, ou mesmo os caminhantes de domingo, comprem seu pote de mel”, diz Flavien Durant, 31 anos, que administra a empresa ao lado de Patrick Giraud desde 2017. A máquina de venda automática ajuda a expandir sua base de clientes e tentar lucrar com um comércio cada vez mais precário.

Embora Flavien e Patrick produzam em média oito toneladas de mel por ano, em 2021 o número caiu para 300 quilos. A maioria das 400 colmeias que tinham no final do inverno não produziram mel. A maioria dos apicultores teve o mesmo destino. A colheita de mel da França em 2021 foi de cerca de 7.000 a 9.000 toneladas, de acordo com a União Nacional de Apicultura da França (UNAF). Em 2020, foram cerca de 19.000 toneladas.

Condições climáticas adversas foram as responsáveis por uma colheita tão ruim. O inverno foi particularmente ameno, mas foi seguido por períodos de geada, frio e chuva durante a primavera e no verão. Junho chegou e Flavien ainda não tinha colhido um quilo de mel. Pior ainda, ele teve que alimentar suas abelhas, e elas já tinham consumido todas as reservas de mel de sua colmeia. “É um ano perdido, um ano pobre como nunca vimos antes.”

A situação era tal que Flavien decidiu procurar um emprego extra. Ele agora está trabalhando na indústria da construção e espera voltar a cuidar de suas abelhas na primavera. “Sendo gerente, é mais fácil para mim ir e vir do apiário. E isso me permite manter nossos dois funcionários, que realmente queremos manter.”

O departamento do Territoire de Belfort está atualmente analisando a declaração de uma “calamidade apícola”, o que poderia abrir caminho para a ajuda do Estado. Por enquanto, Flavien e seu parceiro de negócios receberam € 4.000 em ajuda da autoridade local para compensar as perdas causadas pela geada tardia. “Para produtores como nós, que vivem do que produzimos, quando não produzimos, a solução é viver das nossas reservas. Mas quando você acabou de começar, eles são muito limitados”, diz Flavien. Eles só tinham reservas suficientes para durar até dezembro.

O prelúdio de um desastre ambiental


Não é apenas na França que os apicultores estão lutando, mas em toda a Europa, refletindo uma tendência mais ampla. A produção de mel e a sobrevivência das abelhas têm diminuído constantemente nas últimas décadas. A taxa de mortalidade das abelhas é atualmente de cerca de 30 por cento. Em 1995, era de 5%, segundo a UNAF. E, no entanto, as abelhas contribuem com cerca de € 22 mil milhões para o setor agrícola europeu a cada ano – não graças ao mel que produzem, mas aos serviços de polinização que fornecem para as plantações. Os cientistas estimam que uma em cada três dentadas de comida depende de polinizadores.

A perturbação climática não é a única responsável por esse declínio. Os pesticidas usados em grande escala desde a década de 1990 também desempenharam seu papel. Numerosos estudos demonstraram a toxicidade dessas substâncias, como o realizado pela Universidade de Maryland em 2016, que também destaca os perigos do efeito sinérgico dos pesticidas.

Sébastien Guillier está mais do que familiarizado com o assunto. Em 2008, ele perdeu a maior parte de suas colónias, provavelmente devido a envenenamento. Ele trabalhava como apicultor profissional há dez anos em Haute-Saône, no nordeste da França. “No outono de 2007, as abelhas estavam com sede. Tratamentos foram aplicados na área para combater os ácaros vermelhos do trigo, e as abelhas beberam das poças, como costumam fazer. A dose deve ter sido muito alta”, explica o apicultor.

Os estados membros da UE podem conceder autorizações de emergência por até 120 dias quando houver “um perigo que não pode ser controlado por nenhum outro meio razoável”, de acordo com a diretiva da UE que rege essas medidas de emergência. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) identificou 17 medidas de emergência desde 2020, todas para a beterraba sacarina. Entre 2018 e 2020, no entanto, o projeto de jornalismo Unearthed da Greenpeace registou pelo menos 67 autorizações de emergência nos vários estados membros da UE.

Após sua derrota em 2008, Sébastien procurou levantar a questão no parlamento francês e na mídia. De pouco adiantou. Recebeu 45€ por colmeia em compensação do Estado, embora o montante necessário para reconstruir a colónia rondasse os 150€ por colmeia. Ele também teve que encontrar um segundo emprego. Ele agora trabalha como inspetor de leite e mantém cerca de 100 colméias na zona rural de Haute-Saône.

Na França, apenas três por cento dos 70.000 apicultores do país eram profissionais em 2019. O restante era amador (92 por cento) ou pluriativo (5 por cento). E embora o número de apicultores esteja aumentando em quase toda a Europa, o padrão permanece o mesmo da França: eles são principalmente amadores. Os apicultores europeus têm em média 21 colmeias.

Competição insustentável


Outro fator stressante para os apicultores é a concorrência barata do exterior. Os preços dos supermercados são muito baixos para os apicultores locais ganharem a vida, especialmente para aqueles que produzem em pequena escala.

Alguns dos produtores que mantêm os preços muito baixos estão baseados em países do Leste Europeu, como a Ucrânia, mas muitos também estão na China. Um quilo de mel importado da China custou aos grossistas € 1,40, em média, em 2020. A maioria dos apicultores da União Europeia não pode competir com esses preços. Seu custo médio de produção já é de € 3,90 por quilo, segundo a Copa-Cogeca, que representa agricultores e cooperativas agrícolas na UE. Cerca de 40 por cento do mel no mercado europeu é importado.” (ver esta publicação a propósito)

fonte: https://www.equaltimes.org/beekeepers-in-western-europe-fear