monitorizar o som das abelhas ou o virar da esquina no maneio

Inúmeros sectores da agro-pecuária têm passado nas últimas décadas por desenvolvimentos importantes na “forma de fazer” graças à incorporação de novas tecnologias. No caso da apicultura essa incorporação tem sido escassa e lenta, arriscando-me a afirmar que continua, no essencial, a ser feita no campo como era feita no tempo do reverendo Langstroth — no transporte de colmeias e nas salas de extracção a inovação tem sido mais rápida e notável. Contudo talvez estejamos a dobrar a esquina, e em breve tenhamos acesso a um conjunto de dispositivos que nos ajudem a ouvir, ler e interpretar o “abelhês” em tempo real e, assim, parte importante do trabalho de campo possa ser reduzido e optimizado. Em baixo deixo um excerto com a opinião de Jerry Bromenshenk, um dos maiores especialistas mundiais na monitorização e interpretação do som produzido por colónias de abelhas.

Bee Health Guru, aplicação de smartphone Android e Apple iOS desenvolvida por uma equipe de investigadores em abelhas da Universidade de Montana, que vem desenvolvendo, há quase uma década, uma forma rápida, acessível e em tempo real de monitorar as colónias de abelhas através do som que produzem. 

Eddy Woods, um engenheiro de som do Reino Unido, aparentemente com excelente audição, percebeu uma mudança de frequência nos sons produzidos pelas colónias pouco antes de enxamearem. Ele patenteou, construiu e vendeu o Apidictor em 1964. Nos anos mais recentes, houve até instruções na internet para construir uma versão para iPhone de seu dispositivo. Alguns céticos modernos não acreditam que Eddy ou sua máquina pudessem dizer quando uma colónia estava pronta para enxamear. Precisam de ver melhor o que tem acontecido na área de monitorazação de abelhas e colmeias desde 2012.
Em outubro de 2020, Frank Linton e eu patrocinámos uma 4ª Conferência Internacional de Monitorazação de Abelhas e Colmeias com 50 palestrantes de 14 condados. Todos os vídeos de apresentação são gratuitos para o público em: https://www.umt.edu/sell/programs/bee/monitoringconference_2020/default.php.

Várias empresas estão comercializando conjuntos de sensores com sensores acústicos. Replicaram as observações de Eddy Woods e forneceram uma prova definitiva de seu conceito, usando sofisticadas visualizações de ultrassom em 3-D de colónias antes, durante e depois da enxameação. Huw Evans, da Arnia, foi um dos primeiros a fazê-lo.

Algumas dessas empresas são novas empresas. Alguns são bem financiados, alguns têm financiamento governamental de vários países e alguns têm parceiros e consultores analíticos trabalhando banco de dados bem estabelecidos, como o SAS Institute e a Oracle.

SAS é um desenvolvedor multinacional de software analítico com sede em Cary, Carolina do Norte. A empresa desenvolve e comercializa um pacote de software analítico, que ajuda a monitorar, gerir, analisar e relatar dados para auxiliar na tomada de decisões. Eles fizeram duas apresentações na Conferência de Monitorização de outubro.

Oracle é a corporação multinacional de tecnologia da computação com sede em Austin, Texas. É especializada em infraestrutura em nuvem, softwares como banco de dados Oracle, Java, Linux, MySQL, hardware Exadata e bancos de dados autónomos. De acordo com comunicados à imprensa, a Oracle fez parceria com uma das empresas líderes que atualmente comercializa dispositivos e serviços sensoriais de monitorização de colónias na Europa e nos EUA.

Presumo que empresas bem estabelecidas desse porte fizeram seu trabalho de casa antes de se envolver com ou investir em detectores de sons de colónias. Como tudo isso irá progredir ainda está para se ver.

fonte: Bee-L (27-05-2021, Honey Bee Communications)

einstein, as abelhas e os pássaros ou como replicamos tecnologicamente a natureza

Várias das descobertas e inventos que nos são muito úteis no nosso dia-a-dia procedem de investigações realizadas noutras espécies animais e vegetais ou, no mínimo, foram congeminadas a partir da sua observação. Estou a pensar no radar, no sonar, nas novas soluções construtivas de edifícios com alturas antes julgadas impossíveis. Vem esta publicação a propósito de uma carta recentemente re-descoberta, escrita por Einstein em 1949 a Ghyn Davys.

Nela, o matemático e físico nascido na Alemanha discute abelhas, pássaros e se novos princípios da física poderiam vir do estudo dos sentidos dos animais.

Carta de Einstein a Ghyn Davys.

Em 1933, Einstein deixou a Alemanha para trabalhar na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Foi aqui, em abril de 1949, que conheceu o cientista Karl von Frisch numa palestra.

Karl von Frisch ganhou o Prémio Nobel de Medicina em 1973.

Von Frisch estava de visita a Princeton para apresentar a sua nova pesquisa sobre como as abelhas navegam com mais eficácia usando os padrões de polarização da luz espalhada do céu. Ele usou esta informação para ajudar a traduzir a agora famosa linguagem de dança das abelhas, pela qual recebeu o seu próprio Prémio Nobel.

Um dia depois de Einstein assistir à palestra de von Frisch, os dois pesquisadores compartilharam uma reunião privada. Embora esta reunião não tenha sido formalmente documentada, a carta recentemente descoberta de Einstein fornece algumas dicas sobre o que pode ter sido discutido.

Suspeitamos que a carta de Einstein é uma resposta a uma consulta que ele recebeu de Glyn Davys. Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, Davys ingressou na Marinha Real Britânica. Ele formou-se como engenheiro e pesquisou tópicos, incluindo o uso de radar para detectar navios e aeronaves. Essa tecnologia nascente foi mantida em segredo na época.

Por completa coincidência, o sensor de bio-sonar foi descoberto em morcegos ao mesmo tempo, alertando as pessoas para a ideia de que os animais podem ter sentidos diferentes dos humanos. Embora qualquer correspondência anterior de Davys para Einstein pareça perdida, ficámos interessados ​​no que pode tê-lo levado a escrever ao famoso físico.

Então, começamos a vasculhar arquivos online de notícias publicadas na Inglaterra em 1949. Na nossa pesquisa, constatámos que as descobertas de von Frisch sobre a navegação das abelhas já eram grandes notícias em julho daquele ano, e a sua pesquisa tinha até sido divulgada pelo jornal The Guardian em Londres.

A notícia discutiu especificamente como as abelhas usam luz polarizada para navegar. Como tal, pensamos que foi isso que levou Davys a escrever para Einstein. Também é provável que a carta inicial de Davys a Einstein mencionasse especificamente abelhas e von Frisch, pois Einstein respondeu: “Estou bem familiarizado com as admiráveis ​​investigações do Sr. v. Frisch”.

Parece que as ideias de von Frisch sobre a percepção sensorial das abelhas permaneceram nos pensamentos de Einstein desde que os dois cientistas se cruzaram em Princeton seis meses antes.

Na sua carta a Davys, Einstein também sugere que, para as abelhas ampliarem nosso conhecimento da física, novos tipos de comportamento precisariam ser observados. Notavelmente, está claro por meio de seus escritos que Einstein imaginou que novas descobertas poderiam vir do estudo do comportamento dos animais.

Einstein escreveu:

É pensável que a investigação do comportamento das aves migratórias e dos pombos-correio pode, algum dia, levar à compreensão de algum processo físico que ainda não é conhecido.

Agora, mais de 70 anos desde que Einstein enviou sua carta, a pesquisa está realmente revelando os segredos de como as aves migratórias navegam enquanto voam milhares de quilómetros para chegar a um destino preciso.

fonte: https://www.inverse.com/science/long-lost-einstein-letter

as abelhas sentem dor e sofrem? e sobre um resgate…

Os resultados experimentais que conheço acerca da resposta à questão se as abelhas melíferas sentem dor e sofrimento não são convergentes; uns indiciam que sim outros indiciam que não.

Por exemplo, os investigadores têm seguido várias linhas de investigação como: 1) reações motoras protetoras como indicadores de dor; 2) aprendizagem de evitamento.

As reações motoras de proteção incluem coisas como limpeza intensa e prolongada de regiões do corpo que foram feridas. Não há evidências de que as abelhas façam isso.

No entanto, há evidências de que as abelhas aprendem respostas de evitamento. Este traço comportamental advém da aprendizagem de uma resposta de evitamento a um estímulo prejudicial que lhes pode causar ferimentos.

Se uma forrageadora é atacada por um predador numa fonte de alimento (e sobrevive), ela impede outras abelhas de dançar a anunciar essa fonte de alimento quando retorna à colmeia.

Embora a aprendizagem de evitamento não indique que as abelhas sentem dor, ele implica um processamento central em vez de uma simples resposta nociceptiva*. Mostra que as abelhas são capazes de comparar o risco versus a recompensa de algo bom (uma rica fonte de néctar) com algo ruim (a chance de serem comidas ao coletar o néctar). Esse tipo de tomada de decisão demonstra uma capacidade cognitiva que pode tornar mais provável a experiência de dor.

fonte: https://www.theapiarist.org/do-bees-feel-pain/

Estando a questão em aberto, não deixa de me chocar o sofrimento que certas práticas apícolas de grande ingenuidade poderão estar a provocar nas abelhas, quando são abandonadas à sua sorte frente ao varroa e vírus por eles veiculados, numa tentativa vã de promover abelhas resistentes num curto período de tempo.

Neste assunto, como noutros, partilho a opinião de Rusty Burlew: “Na minha opinião, comprar animais que precisam de cuidados e, em seguida, negar-lhes esses cuidados é mau-trato de animais. Eu acredito que é ética e moralmente errado assistir algo morrer só porque você quer se chamar de “treatment free” (apicultor que deliberadamente não utiliza tratamentos contra a varroose), e acho que algumas pessoas estão mais interessadas em usar o rótulo do que em ter sucesso. “Treatment free” não é uma medalha de honra se tudo ao seu redor morre.

fonte: https://www.honeybeesuite.com/so-you-want-to-be-treatment-free/

Friedrich Nietzsche, poeta e filósofo (1844–1900).

Sobre o impacto do sofrimento dos animais em nós o caso mais notável que conheço, pela sua radicalidade, é o de Friedrich Nietzsche, de quem os seus biógrafos dizem ter enlouquecido a 3 de janeiro de 1889, quando presenciou o açoitamento de um cavalo na Praça Carlos Alberto. Nietzsche terá corrido em direção ao cavalo, abraçado o pescoço do animal para o proteger e, de seguida, caiu ao chão num pranto intenso. Talvez, naquele momento eterno, Nietzsche tenha vislumbrado os segredos mais preciosos e belos do universo no olhar de um cavalo sofrido, como Blake os intuiu num grão de areia, e Borges nas listras irregulares de um tigre.

No outro pólo da esfera, na minha realidade, muitas vezes a beleza de um enxame me resgatou da dor e sofrimento e me restituiu um sentimento de suave bem-estar. Este poder dos enxames, tenho-o observado desde que me tornei apicultor e, mais frequente e intensamente, desde que me re-equilibrei com a redução do efectivo, me tornei um amador—profissional, e apaixonei!

*Nocicepção ou algesia é o termo médico para a recepção de estímulos aversivos, transmissão, modulação e percepção de estímulos agressivos. Receptores de danos são chamados de nocireceptores e os estímulos são transmitido pelo sistema nervoso periférico até ao sistema nervoso central onde é interpretado como dor.

sobre o estado de humor de uma colónia de abelhas

A preservação do estado normal de uma colónia de abelhas depende, na sua base, de três condições necessárias: uma abelha-mãe no desempenho regular das suas funções; abelhas adultas, de várias faixas etárias preferencialmente, e alimento, sendo este mel/néctar, pólen/pão de abelha e água. Uma das manifestações deste estado de normalidade, na época que atravessamos, é a presença de ovos. Estou absolutamente convencido que a normalidade vs. anormalidade de uma colónia tem expressão no estado de humor da mesma.

Ovos, ou a natureza re-iniciando-se…

Neste momento, se abro uma colónia e as abelhas presentes na meia-alça permanecem ocupadas nos seus labores, em boa medida indiferentes à invasão do seu espaço, considero que tudo lhes deve estar a correr de feição e de forma prazerosa. Se abro um ninho e encontro as abelhas muitíssimo calmas, se poucas ou nenhumas levantam voo, à la buckfast, vou logo ver se têm mestreiros de enxameação. Se, pelo contrário, as encontro demasiado deslaçadas, desorganizadas, defensivas, irritadas e indecisas vou verificar se estão órfãs. Se as encontro lentas, sem energia e deprimidas tenho de ver o estado de saúde da sua criação.

Toda a natureza comunica o seu estado de humor, e as abelhas não são excepção. Até porque acredito que a ausência de um estado de humor é uma impossibilidade no mundo dos seres vivos mais inteligentes e que funcionam em rede, das árvores, às abelhas (por que razão não fui capaz de terminar no homem, fica para mim!). Basicamente esse estado é a expressão do balanço entre as forças e as fragilidades, entre a nutrição e a privação, entre a saúde e a doença, entre o bem-estar e o mal-estar, entre o amor e a sua ausência, que cada ser vivo vivencia.

Sejamos nós, apicultores, observadores atentos dos estados de humor das nossas colónias de abelhas, e saibamos descodificar correctamente alguns dos mais elementares. Até porque alguns são-nos ainda indecifráveis, como indecifrável é, por vezes, o coração de uma mulher.

Nota: aproveitem a caixa de comentários, quem o desejar, para aí descrever outros estados de humor que encontra nas vossas colónias.

enxertia de mestreiros ou maximizar os recursos disponíveis e o teste a ideias feitas

Na sequência desta situação levei os núcleos formados para outro apiário. Neste outro apiário tinha por lá dois núcleos onde a introdução de rainha virgem em gaiola não resultou. Neste contexto decidi meter mãos à obra para maximizar os recursos disponíveis do momento, e ensaiar uma segunda oportunidade com estes núcleos, fazendo a introdução de mestreiros pela técnica de enxertia.

Estes são os recursos disponíveis: mestreiros retirados dos núcleos transumados onde já andavam virgens em joviais correrias.

Com um X-ato não é das tarefas mais complicadas fazer o procedimento. Sim, é verdade que as luvas são uma…, mas com um pouco de perícia a coisa vai.

Uma consideração acerca da viabilidade destes mestreiros: tenho verificado ao longo da minha experiência, que uma parte importante dos mestreiros que tenho encontrado fechados nos quadros, e isto após a emergência das rainhas virgens, depois de analisados a olho contém rainhas aparentemente mal-formadas. Sendo o caso há uma boa probabilida de ter recortado mestreiros inviáveis. Mas perdido por 100 perdido por 1000, e procurei seleccionar os que me pareceram viáveis e procedi ao seu recorte o mais cuidadosamente que me foi possível. Feito isso coloquei-os nos referidos núcleos, pendurados por um palito, entre dois quadros.

No momento em que coloquei os mestreiros sobre os quadros, o comportamento de ânsia das abelhas deixou-me esperançado que as rainhas poderiam estar vivas.

A enxertia foi realizada no dia 17 e ontem 19, entre outras tarefas, fui ver o avanço desta situação.

As abelhas tinham fixado os mestreiros a um dos quadros.

Procedi à inspecção o mais rapidamente que consegui e tomei nota que os sinais preliminares são muito animadores. Primeiro, encontrei os mestreiros rotos pelo fundo. Segundo, a forma certinha como os fundos foram recortados indicia que foi feito pelas rainhas virgens no momento da sua emergência.

Neste conjunto de dois mestreiros a precisão do recorte do fundo de um deles, o da direita, deixa-me convicto que de lá emergiu um rainha virgem viável. Daqui a cerca de 15-20 dias tirarei as dúvidas quando e se vier a surgir uma rainha fecundada em postura.

Neste momento a minha apicultura serve-me não só como a principal fonte de rendimento mas também como um inesgotável campo de pesquisa pessoal e de teste de algumas ideias feitas. Este mundo das abelhas, ainda cheio de segredos, co-habita com tantos ou mais mitos acerca dele. Por exemplo, assim como já vi inúmeras vezes que a primeira rainha virgem a nascer não elimina as suas irmãs rivais, coloco para mim a questão se tal se deve à simultaneidade com que nascem ou se a somar a isso se deve também à defesa destes mestreiros por parte das abelhas, que repelem as tentativas de destruição dos mesmos por parte das primeiras virgens a nascer. No caso vertente, se nestes dois núcleos, que já não têm possibilidade de criarem a sua rainha pelo tempo que já levam orfanados, como vou colocar quadro nenhum com ovos/larvas jovens, alguma rainha fecundada que venha a surgir só poderá ter tido origem num destes mestreiros rotos.

Se num destes dois núcleos por lá aparecer uma rainha fecundada a tese de que as primeiras rainhas a emergirem matam as suas rivais ainda no interior dos mestreiros se tiverem tempo para o fazer fica difícil de sustentar. Em sentido contrário, a tese não refutada é que nesta situação específica é a vontade/o instinto colectivo das abelhas que prevalece, expresso na defesa destes mestreiros mais tardios às investidas das rainhas virgens. E não será (quase) sempre assim no mundo secreto das abelhas: a vontade do colectivo a sobrepor-se à vontade do indivíduo?

tudo bons rapazes…

No território onde tenho os apiários começam a emergir os primeiros zângãos. Parece-me oportuno traduzir um excerto do artigo de revisão Factors affecting the reproductive health of honey bee (Apis mellifera) drones—a review (2019) acerca destes bons rapazes.

Emergência de um zângão

Clima, nutrição e outros fatores ambientais afectam o tempo de maturação sexual dos zângãos. As estimativas da idade em que os zângãos atingem a maturidade sexual variam de 6 a 12 dias pós-emergência. Nos primeiros dias depois da emergência, os jovens zângãos interagem com as operárias perto da área de criação para serem alimentados. Os voos de orientação, que ajudam os zângãos a conhecer os marcos locais e a localização precisa do ninho/colmeia, começam aproximadamente 5 a 8 dias após a emergência. Identificados os principais marcos e localização da colmeia, o seu ciclo de vida culmina quando se junta a outros numa área de congregação de zângãos (“ACZ”) com um diâmetro de 30 a 200 m, onde se juntam até 11.000 zângãos no ar entre 10 e 40 m acima do solo. Os zângãos emitem feromonas odoríferas produzidos pela glândula que modulam as interações sociais entre eles e provavelmente ajudam à formação de ACZs. Quando as rainhas virgens entram numa área de congregação, elas atraem os zângãos com feromonas e fornecem pistas visuais de curto alcance, que ajuda os zângãos a encontrá-las e acasalar. As rainhas virgens normalmente visitam ACZs num ou vários voos de acasalamento que podem acontecer num ou vários dias. Os ACZs são compostos por zângãos de até 240 colónias localizadas de até 5 km de distância entre si. Embora esta seja a distância máxima de vôo registrada até agora, a maioria dos zângãos tendem a reunir-se em ACZs localizados a apenas algumas centenas de metros de sua colmeia de origem, numa estratégia que se presume maximizar a quantidade de tempo que eles podem passar na ACZ para aumentar sua oportunidade de acasalar. Outra explicação: os zângãos também se podem reunir perto de suas colónias de origem para evitar o acasalamento com rainhas aparentadas, visto que a maioria das rainhas virgens voa a vários quilómetros de distância de suas colónias de origem em busca de parceiros (ver esta publicação a este respeito), numa estratégia que supostamente ajuda a evitar o cruzamento genético endogâmico.

fonte: https://link.springer.com/article/10.1007/s13592-019-00684-x

a dinâmica de consumo de açucares de uma colónia ao longo do outono e inverno

Cacho invernal numa colónia sem criação. No interior do cacho a temperatura média é de 18ºC. Na zona mais exterior do cacho a temperatura é um pouco mais baixa. No restante espaço da colmeia a temperatura é pouco mais alta que a temperatura exterior. O cacho de abelhas quase não irradia calor para o seu exterior, pelo contrário, tudo faz para o capturar no seu interior.

No território onde tenho os apiários (distrito da Guarda), as colónias deixam de criar novas abelhas, ou abrandam significativamente esta criação, entre novembro e finais de dezembro. Nesta condição, sem criação para aquecer, as abelhas necessitam de manter a temperatura no interior do cacho invernal nos 18ºC para não entrarem em coma térmico, ficarem paralisadas, caírem no estrado da colmeia e aí morrerem.

Pouco depois do solstício de inverno, entre o início de janeiro e primeira/segunda semana de fevereiro, as colónias iniciam gradualmente a criação de novas abelhas e, nesta nova condição, surge a necessidade de manter estas áreas com criação a cerca de 35ºC.

Foto tirada a 27 de janeiro deste ano numa colónia situada a 900 m de altitude, onde se pode ver uma pequena área com criação operculada, geralmente no lado mais quente do quadro.

A partir de meados de fevereiro o fluxo de pólen aumenta significativamente e as áreas dos quadros dedicadas à criação de novas abelhas aumenta também, acompanhando os inputs do exterior, isto é o suprimento crescente de proteína saudável que a natureza lá fora vai disponibilizando. Nesta nova condição a pressão sobre as abelhas adultas aumenta em virtude da necessidade de manter a 35ºC estas áreas em crescimento linear (não exponencial, porque a rainha é só uma).

Foto de 27 de fevereiro do ano passado . Comparar a área dedicada à criação de novas abelhas na foto em cima, com um mês de diferença no calendário.

Em conclusão: a evolução da dinâmica de criação de novas abelhas que assisto regularmente, ano após ano, entre novembro e finais de março, em colónias com desenvolvimento normal, está associada de forma directa à dinâmica de consumo de hidratos de carbono/mel/açucares suplementares disponíveis na colmeia. Sabemos que as abelhas através do seu mecanismo termogénico, a contração rápida dos músculos das asas, fazem subir a temperatura do seu corpo. Este mecanismo é, naturalmente, um grande consumidor de energia, e quanto maior for a necessidade de recorrer a ele maior é o consumo do combustível, isto é o consumo de hidratos de carbono, estejam eles na forma de mel e/ou na forma dos complementos açucarados que lhes fornecemos.

Implicação prática: Nestas próximas 6 a 8 semanas a maior parte das minhas colónias estão/irão transitar para novas condições: as áreas que têm de ser mantidas a 35ºC aumentam consideravelmente, e isto num território em que o fluxo de néctar é habitualmente baixo até meados de abril. Sendo assim o maneio mais crítico para a sua sobrevivência, de agora em diante e até ao início do primeiro fluxo importante de néctar, o do rosmaninho — que surge habitualmente entre a segunda e terceira semana de abril, isto considerando um ano meteorologicamente regular —, é cuidar que cada uma delas tenha o mel e/ou os suplementos de açúcar em quantidade suficiente e sempre presentes. Porque a dura realidade já me mostrou, poucas vezes felizmente, que chegou aquela altura do ano em que colónias saudáveis e populosas podem sucumbir em poucos dias por falta de reservas e morrerem na praia.

introdução de rainhas: algumas dicas

Há uns anos descrevi nesta publicação os princípios que sigo quando pretendo introduzir rainhas protegidas por gaiolas. Na altura escrevi: “Do saber que foi sendo construído pelas anteriores gerações de apicultores sabemos que em regra é mais fácil uma rainha estranha/nova ser aceite por uma colónia estabelecida durante um fluxo de néctar. Se não houver néctar a entrar na colmeia, a aceitação será facilitada com o fornecimento de xarope de açúcar.

Para aumentar a probabilidade de uma rainha nova ser aceite há ainda um conjunto de outras considerações a ter muito em conta:

  • dar às abelhas o tempo e a oportunidade de se acostumar com sua nova rainha. Durante este período de um a dois dias a rainha deve estar protegida por uma gaiola lhe permite manter contato “físico” com as obreiras (exsudando as feromonas reais no coração da colónia);
  • as abelhas mais jovens aceitam rainhas mais facilmente do que as abelhas velhas;
  • colónias menores aceitam as rainhas mais prontamente do que colónias maiores.

A juntar a estes princípios, Randy Oliver aconselha ainda que na altura da abertura da gaiola se observe atentamente o comportamento das abelhas sobre a mesma. Se as abelhas andam suavemente sobre a gaiola, se se deixam empurrar com um toque suave do nosso dedo, elas aceitaram a rainha. Nestas circunstâncias podemos abrir o acesso das abelhas ao candy da gaiola, para que libertem a sua futura rainha, e voltar a colocar a gaiola tranquilamente na colmeia.

Na foto em cima, as abelhas aceitaram a rainha. Na foto em baixo não a aceitaram. As abelhas denotam um comportamento agressivo para com a rainha e não se movem quando as procuramos afastar; estão a tentar “pelotar” a rainha para a matar por aquecimento e asfixia.

Neste caso, provavelmente haverá uma rainha na colmeia, ou talvez seja necessário deixar a rainha mais um ou dois dias na gaiola antes de a libertar; se o fizermos neste momento ela será morta. 

Se por um acidente uma rainha enjaulada levanta voo, o melhor a fazer é manter a calma, colocar a gaiola sobre os quadros que ela provavelmente retornará à gaiola passados alguns minutos.

abelhas mortas à frente da colmeia, motivo de preocupação?

Nesta publicação menciono que a mortalidade normal de inverno situa-se entre as 2000-3000 abelhas (A. Imdorf, 2010). Nestes dias frios é habitual encontrarmos algumas destas abelhas mortas na rampa de voo. Tal não deve ser motivo de preocupação, sem mais. Julgo que as abelhas com funções funerárias as deixam logo ali para não se exporem ao risco de um voo mais demorado, em dias com temperaturas muito baixas, que muito provavelmente as mataria. Portanto, encontrar algumas dezenas de abelhas mortas à entrada ou na proximidade da colmeia é nestes dias mais frios, em condições normais, um sinal de vitalidade da colónia, um indicador que o balanço entre a vida e a morte segue os padrões naturais, próprios de uma colónia em equilíbrio, com as abelhas funerárias a executarem as suas tarefas habituais.

Uma abelha arrasta uma companheira morta para o exterior da colmeia.

A propósito deste grupo de abelhas com funções funerárias, saiu recentemente um estudo muito interessante acerca dos mecanismos envolvidos no reconhecimento das abelhas mortas, no ambiente escuro típico do interior da colmeia. Segundo Wen, os dados experimentais que recolheu levaram-no a concluir que nas abelhas mortas a libertação dos hidrocarbonetos cuticulares é muito reduzida, e provavelmente este é um sinal importante que as abelhas funerárias utilizam para identificar rapidamente as companheiras caídas. (ver referência ao estudo: https://www.sciencemag.org/news/2020/03/how-undertaker-bees-recognize-dead-comrades)

as baixas temperaturas actuais irão matar as abelhas?

Per si não!

As colónias de abelhas são capazes de tolerar temperaturas frias mais extremas do que a maioria dos mamíferos e pássaros. A tolerância a temperaturas muito frias de pelo menos -80 ° C de um cacho de abelhas é tão boa quanto a de animais de “sangue quente” muito preparados para invernos rígidos. Grandes raposas árticas e cães esquimós podem tolerar -80º C, já o Ptarmigan do Alasca (Lagopus lagopus alascensis), uma ave que tem penas até nas patas tem um limite a temperaturas frias de cerca de -50º C. Os humanos nus, em contraste, podem tolerar perto de 0º C temperatura do ar e por apenas uma hora antes que a temperatura corporal comece a cair e entrem em hipotermia.

O mecanismo mais importante que as abelhas utilizam para produzir e controlar a transferência de calor é a formação de cachos ou agrupamentos de abelhas no interior do ninho. Estes cachos de abelhas apresentam um controle térmico praticamente indistinguível de pássaros e mamíferos. Contudo, para sobreviver a baixas temperaturas, é necessário um grupo de pelo menos 2.000 abelhas(Southwick, 1984). Sabemos que 2 mil abelhas é o número de abelhas necessário para cobrir as 2 faces de um quadro do modelo Langstroth ou Lusitano.

Esquema básico da geração e controlo da temperatura nos aglomerados/cachos de abelhas.

Em condições de frio extremo, mesmo os animais com uma espessa camada de pelos ou penas devem gerar calor adicional para manter a temperatura corporal elevada. A eficácia do isolamento da superfície está inversamente relacionada ao tamanho do corpo, portanto, os aglomerados de abelhas, bem como mamíferos menores e pássaros, têm que contar principalmente com a produção de calor para compensar a perda de calor nos dias frios. Nas abelhas, esse calor é geralmente produzido por rápidas contracções geradas no tecido muscular das asas, que aumenta a taxa metabólica por um fator de 25. Nos vertebrados os tremores musculares são uma forma menos eficaz de produção de calor, e produzem um aumento metabólico de apenas duas a cinco vezes as taxas metabólicas basais.

Neste dias frios um grupo de abelhas (abelhas termogénicas ou “abelhas aquecedor”) enfiam-se de cabeça para baixo nos alvéolos e produzem calor através dos tremores referidos. Camadas adicionais de operárias cobrem estas “abelhas aquecedor” e fornecem isolamento para reter o calor. Estas abelhas são alimentadas continuamente por um outro grupo de abelhas que trazem a comida (combustível), recolhida por ex. no mel armazenado em áreas mais ou menos distantes do cacho de abelhas. 

 As abelhas de cabeça enfiada nos alvéolos não estão à procura de mel no fundo dos alvéolos. Abelhas saudáveis, bem alimentadas e com a cabeça dentro dos alvéolos são uma parte normal de um aglomerado de inverno. Jurgen Tautz explicou este fenómeno em detalhes no livro que publicou em 2008, The Buzz about Bees. Filmando um cacho de abelhas com uma câmera sensível à temperatura, Tautz descobriu que algumas abelhas são capazes de elevar suas temperaturas corporais cerca de 10º C acima do normal, usando contrações musculares rápidas. Depois de aquecerem, algumas das abelhas entram de cabeça nos alvéolos vazios, onde permanecem cerca de 30 minutos, ou até que seus corpos voltem à temperatura normal.

Para todas as colónias que vierem a sucumbir nos próximos dias nos meus apiários e, até agora, em território com duas semanas seguidas com temperaturas mínimas abaixo do 0ºC, irei tentar perceber que factor ou factores confluíram e desaguaram nesta altura para que não superassem esta exigente prova. O frio, per si, está ilibado!

  • fontes: https://www.researchgate.net/publication/236984332_Temperature_Control_in_Honey_Bee_Colonies
  • www.honeybeesuite.com/bees-head-down-in-cells-did-they-starve/
  • www.honeybeesuite.com/heater-bees/