uma conversa no Bee-L sobre teoria e prática apícola

Um dos grandes passos para se tornar um verdadeiro apicultor é transcender as ideias apresentadas nos cursos básicos e na literatura básica e perceber que as abelhas são muito complexas e bastante inteligentes e que a apicultura não é apenas uma relação [assimétrica] de cima [apicultor] para baixo [abelhas] . Há uma conversa envolvida.

Algumas coisas são bastante previsíveis, mas outras são únicas e podem surpreender-nos. Você pode ler todos os livros, assistir a todos os vídeos, fazer todos os cursos e ter uma centena de colmeias, mas se não conseguir ler as abelhas, você está apenas a metade do caminho.” A.D.

A,B, C das abelhas.

Acho que fiz o percurso ao contrário. Comecei trabalhando para “verdadeiros apicultores” e só depois descobri que havia “cursos” para esse tipo de coisa. Ser um leitor voraz, no entanto, pelo que vejo, nunca me fez mal.” P.B.

Como tenho referido, teoria sem prática é um exercício fútil; prática sem teoria é actuação cega.

Quantas vezes tenho verificado que a teoria e conhecimentos transmitidos nos cursos básicos de apicultura são hiper-simplificações? quantas vezes tenho observado que os iletrados e sem formação andam cegos e não conseguem focar devidamente o seu olhar sobre aspectos fundamentais e críticos do comportamento das abelhas? quantas vezes tenho procurado fazer a melhor síntese entre o que leio e o que observo nas minhas colónias? Questões para cada um responder, se assim o entender.

abelhas Primorsky resistentes? não tanto como isso

Li este artigo há uns três anos atrás. Ficou na gaveta dos meus rascunhos à espera do momento que me parecesse adequado mencioná-lo. E este parece-me o momento.

A abelha melífera Primorsky, alegadamente resistente aos ácaros varroa é uma estirpe de abelhas melíferas com origem na região de onde retirou seu nome, a região russa de Primorsky Krai. Julga-se que terá sido a primeira A. mellifera a ser exposta à varroa, isto no início do sec. XX. Algumas linhas de A. mellifera desta região parecem ter desenvolvido algum grau de resistência, de natureza genética, à varroa. O USDA Agricultural Research Service avaliou estas estirpes e, em 1997, foram importadas para os Estados Unidos, no âmbito de um plano que tinha como objectivo disseminar estas linhas por todas as principais explorações apícolas dos EUA. Hoje, passados quase 25 anos, este plano está muito longe de ser concretizado. A adesão dos apicultores tem sido mais baixa do que o esperado, por diversas razões. Estas razões decorrem de um facto simples da vida dos enxames no campo: as rainhas Primorsky quando acasalam naturalmente em campo aberto, num ambiente em que não se controla os zângãos de outras linhagens, criam colónias que são geneticamente híbridas. Um número considerável destes híbridos ‘não controlados’ exibem aumento da agressividade, redução da produção de mel e diminuição na sua capacidade de resistir aos ácaros, assim como outras características com expressões pouco satisfatórias para os apicultores. Um plano que prometia muito e que tinha tudo para correr bem, esqueceu dois factos muito simples da vida: (i) características como a resistência à varroa, assente em genes raros, recessivos, de natureza aditiva e epistática depressa se diluem num contexto de acasalamentos não controlados; (ii) os apicultores, gente habituada a ouvir muitas promessas mas poucos resultados, aprendeu a desconfiar deste tipo de conversa e marketing; ora isto dificulta a adesão massiva dos apicultores, tão necessária à saturação zonal de indivíduos com estas características raras num território “inimigo”.

Para agravar ainda mais o “flop” deste plano, surgiu em 2017 este estudo que conclui que as abelhas russas em contextos diria normais, sem nada de excepcional, isto é, em locais em que colónias vizinhas estão a colapsar devido à elevada infestação por varroa (infelizmente é o pão nosso de cada dia!), não estão à altura dos seus pergaminhos. Em baixo deixo a tradução de um excerto das conclusões do artigo em questão.

A abelha melífera Primorsky. Aqui, uma rainha das abelhas russas cercada por operárias.

Os esforços para desenvolver linhagens resistentes à Varroa em abelhas melíferas tem-se concentrado amplamente em fatores que afetam o sucesso reprodutivo (por exemplo, remoção de criação parasitada ou redução da fertilidade de ácaros; Harbo e Harris 1999, Boecking et al. 2000, Locke and Fries 2011) ou aumento da mortalidade de ácaros foréticos por meio de comportamentos como o catar [grooming] (Peng 1988). Embora estas características possam limitar a taxa intrínseca de crescimento das populações de ácaros, não há garantia de que o número de ácaros irá permanecer baixo, especialmente no outono. As linhagens resistentes/tolerantes a ácaros podem manter populações de Varroa baixas em áreas com baixo número de colónias e populações de Varroa altamente controladas. No entanto, em zonas com elevado número de colmeias que podem ou não ter as populações de ácaros controladas, a linha resistente a ácaros não se sai melhor do que a linha não resistente. As futuras seleções de abelhas resistentes a ácaros podem precisar incluir características em que as forrageadoras que derivam de outras não são aceites nestas colónias resistentes, especialmente se as forrageadoras carregarem ácaros.

fonte: https://academic.oup.com/jee/article/110/3/809/3072898

Neste outro artigo, este de divulgação científica, a investigadora que liderou este estudo, DeGrandi- Hoffman, refere: “Infelizmente, as mudanças climáticas podem agravar o problema da Varroa. As populações de ácaros dentro de uma colónia aumentam no outono, assim como o número de abelhas forrageiras que transportam ácaros do exterior. À medida que as temperaturas de outono ficam mais quentes e os períodos de tempo de vôo se prolongam por novembro, não apenas as abelhas voam no final do outono, quando deveriam estar na colmeia no cacho de inverno, mas os ácaros continuam a migrar para as colónias sobre as forrageadoras. Linhagens de abelhas melíferas que não admitem forrageadoras de outras colmeias ou que excluem forrageadoras com ácaros podem ajudar a controlar as infestações por Varroa. Mas, enquanto isso, as abelhas russas podem ser capazes de resistir à Varroa apenas em áreas nas quais os ácaros já estão bem controlados – ou, em outras palavras, em zonas onde as abelhas provavelmente não vão dar boleia às Varroas.”

nesta publicação mencionei como forte hipótese para a relativa ineficácia dos meus tratamentos de verão/outono neste últimos dois anos o influxo de ácaros indesejados vindos de fora por via da pilhagem. No estudo em cima são mencionados estes valores que vou deixar escritos a bold: “Houve um aumento particularmente acentuado após setembro, quando a infestação das larvas aumentou de 1% para 39% em outubro e 25% em novembro. […] em setembro a média era de 305 ± 47 ácaros foréticos por colónia (2,6 ± 0,6 ácaros por 100 abelhas), e esta taxa aumentou para 1220 ± 199 ácaros foréticos em novembro (12,6 ± 1,5 ácaros por 100 abelhas).” Neste panorama de apiários vizinhos tratados tarde e mal, com colónias a colapsar em cadeia a 2 ou 3 km de distância, infelizmente tão frequente no nosso país, não há abelhas resistentes que resistam e não há acaricidas que possam valer. Não será caso para dizer “volta Apivar que estás perdoado!”, este próximo ano vai ficar no banco como afirmei, mas é importante ter em consideração o contexto e os números desse contexto: aumento de infestação das larvas de 1% para 39% em um mês apenas!!!

o distanciamento social das abelhas quando parasitadas pelo ácaro varroa

Este estudo, publicado em outubro deste ano, é muito interessante a diversos níveis e as minhas observações a olho, nas minhas colónias no campo, também apontam no mesmo sentido: em colónias muito parasitadas pelo ácaro varroa as abelhas andam mais dispersas nos quadros, menos agregadas e coesas. Desde há anos, quando abro uma colónia no verão/outono e observo as abelhas muito dispersas pelos quadros mais laterais, isto em pleno tratamento, desconfio que algo não está bem. E geralmente não está. Esta investigação vem confirmar esta minha constatação.

Resumo: O distanciamento social em resposta a doenças infecciosas é uma estratégia exibida por animais humanos e não humanos para neutralizar a disseminação de patógenos e/ou parasitas. As colónias de abelhas (Apis mellifera) são modelos ideais para estudar este comportamento devido à estrutura compartimentada dessas sociedades, evoluindo sob a exposição à pressão do parasita e a necessidade de garantir um funcionamento eficiente. Aqui, usando uma combinação de abordagens espaciais e comportamentais, investigamos se a presença do ácaro ectoparasita Varroa destructor induz mudanças na organização social das colónias de A. mellifera que poderiam reduzir a disseminação do parasita. Nossos resultados demonstraram que as abelhas reagem à intrusão de V. destructor modificando o uso do espaço e as interações sociais para aumentar o distanciamento social entre coortes de abelhas jovens (amas) e velhas (forrageadoras). Estes dados sugerem fortemente uma estratégia comportamental não relatada anteriormente em abelhas para limitar a transmissão intra-colónia do parasita.

Imunidade organizacional induzida. Mudança espacial nas danças de forrageamento (A) e comportamento de auto/hetero-limpeza (B) observada na colónia.

fonte: https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abj1398

Nota 1: para além das hipóteses explicativas que encontro para a menor eficácia das tiras de Apivar nos dois últimos anos durante os tratamentos de verão (até agora o Apivar tem-se revelado muito eficaz nos tratamentos de final de inverno) que identifiquei na Nota 2 da publicação anterior, é possível que este distanciamento social contribua para uma insuficiente distribuição do amitraz entre todos os indíviduos da colónia, em particular entre as abelhas amas e as abelhas forrageiras. Na minha prática, coloco as tiras entre quadros com criação, e vou-as deslocando de forma a acompanharem a contracção da zona de criação. Se as abelhas forrageiras, vindas do campo pilharam colónias a colapasar por varroose nos apiários dos vizinhos e trouxerem agarradas ao seu corpo varroas do exterior, estas varroas poderão sobreviver sem serem expostas à dose letal de acaricida, dado que as abelhas amas não contactam o suficiente com as suas irmãs mais velhas para lhes passar a quantidade desejável de acaricida.

Nota 2: parece-me, neste contexto, que veículos celulósicos do amitraz, que permitam às abelhas roê-los, espalhar os pequenos pedaços de cartão pelo espaço da colmeia, poderá contrabalançar os efeitos do distanciamento social na distribuição do acaricida por todos os indivíduos da colónia.

Nota 3: como sabemos bem as abelhas na presença de tiras de cartão roem-nas afanosamente. Este comportamento de limpeza (que nada tem a haver com comportamento higiénico, são comportamentos independentes um do outro, isto é, as abelhas podem ser muito limpas e, contudo, não retirarem rapidamente dos alvéolos pupas ou larvas mortas, este sim o comportamento que expressa o comportamento higiénico) está bem disseminado nas populações de abelhas, creio eu. Indo um pouco mais longe, este comportamento de limpeza instintivo poderá agregar as abelhas sobre as tiras. Se assim for este instinto de limpeza pode contrabalançar o comportamento instintivo de distanciamento social num contexto de elevada parasitação pelo ácaro varroa, contribuindo para a agregação e contacto mais intenso entre as abelhas de diferentes gerações, o ideal para o aumento da eficácia dos tratamentos que funcionam por contacto. Um bom tema para ser investigado na minha opinião, e que seria de muita utilidade para todos nós. A ver se algum aluno de doutoramento pega nesta deixa!

eureka, tenho uma colónia de abelhas resistente à varroa!

O titulo desta publicação é um “click bait” (caça cliques, muito utilizado nas redes sociais, vulgarmente utilizando títulos sensacionalistas). Mas já que aqui estão aproveitem para ler o resto. Serei breve.

Num dos dois apiários a 600 m de altitude, onde fui confrontado no início de setembro com algumas das colónias mais fortes na temporada com sinais de infestação pelo ácaro varroa, isto com o tratamento de final de verão iniciado na primeira semana de agosto, fui encontrar uma colónia com um padrão de postura estranhíssimo, mas que não apresentava sinais de varroose. Identifiquei este padrão de postura duvidoso no dia 09.09.

O padrão de postura é terrivelmente medíocre, muito mau para ser mais preciso.

Tem muitos ovos, tem larvas cor de pérola… mas parece-me que algures no processo, entre o quarto “instar” larval e a fase pré-pupal ou pupal, as abelhas eliminam boa parte da criação.

Ovos e larvas em vários estadios de desenvolvimento.
Não observo, inclusive, sinais de guanina (excrementos das varroas) no fundo e nas paredes dos alvéolos.

A rainha e abelhas novas fazem parte da comunidade… aparentemente cheias de saúde.

Rainha e uma das abelha novas assinaladas pelo meu filho, num desafio que lhe lancei para as identificar.

Voltando ao título. Na ilha sueca de Gotland, foram identificados vários enxames “naturais” resistentes ao varroa. Estes enxames resistentes foram muito estudados ao longo de vários anos. Entre outros mecanismos associados à resistência, verificou-se que muitas destas colónias perduravam com pouca criação e que os ninhos se mantinham pequenos ano após ano. Lembrei-me deste caso quando observava a minha colónia e a questão instalou-se em mim: será que este problema na criação ajudou e está a ajudar na manutenção de níveis de varroose aparentemente baixos desde o final do verão? Como o Randy Oliver gosta de afirmar “the easiest person to fool is always yourself” (a pessoa mais fácil de enganarmos somos nós mesmo) e, portanto, afirmar que tenho aqui uma colónia que apresenta um comportamento VSH, ou um outro comportamento supressor da reprodução do ácaro, será muito provavelmente um delírio. Contudo, sobrevivendo ao inverno, e acho que vai sobreviver, vou prestar muita atenção a esta colónia. Resta dizer, a terminar, que esta colónia foi das mais produtivas ao longo da temporada.

operariado: uma vida curta e de riscos

Fiquei de boca aberta com a enorme mortalidade de abelhas durante o período dos voos de orientação em dois apiários franceses. Gostava de ver este estudo replicado em Portugal!

“As abelhas são insetos sociais que exibem notáveis ​​diferenças de longevidade específicas da casta. Enquanto as abelhas rainhas podem viver até 5 anos, as operárias geralmente vivem apenas duas a seis semanas no verão e cerca de 20 semanas no inverno. A diferença de 10 vezes entre a vida útil da abelha operária no verão e no inverno depende das diferenças nos processos de senescência fisiológica intrínseca e nos fatores extrínsecos, como a exposição a pressões ambientais (isto é, as abelhas de inverno raramente deixam o ambiente seguro da colmeia). Na verdade, como resultado do polietismo da idade, o risco extrínseco de mortalidade das abelhas de verão não é constante ao longo da vida do indivíduo. As abelhas passam as primeiras semanas de sua vida adulta realizando tarefas dentro do ambiente da colmeia, mas depois mudam para a atividade de forrageamento que as expõe a riscos ambientais, como temperatura, predação ou desidratação. Além disso, a transição para a atividade de forrageamento é acompanhada por uma redução nas reservas de proteínas e lipídios, bem como da glicolipoproteína vitelogenina, um importante antioxidante. As forrageadoras experimentam uma probabilidade constante de morte ao longo do tempo, mas também podem enfrentar o esgotamento das reservas limitadas de glicogénio, essenciais para sua atividade de voo. A idade de início do forrageamento, que pode ser modulada de acordo com o tamanho, demografia e necessidades da colónia, bem como por vários fatores ambientais é, portanto, assumida como um fator importante na longevidade das abelhas operárias.

A atividade de forrageamento fornece à colónia recursos florais que são essenciais para a sobrevivência e reprodução da colónia e é normalmente precedida por alguns dias em que as abelhas realizam voos de orientação exploratória, permitindo-lhes aprender as características da entrada da colmeia e da paisagem ao redor da colmeia. Este estágio de pré-forrageamento permite que as abelhas desenvolvam capacidades cognitivas altamente complexas essenciais para o forrageamento, como navegação e homing [regresso à colmeia], bem como sua capacidade de voo (desempenho sensorial e motor). A experiência desenvolvida durante a fase de pré-forrageamento pode, portanto, determinar seu desempenho futuro como forrageadoras e, provavelmente, sua vida útil. Na verdade, uma das consequências do forrageamento precoce induzida experimentalmente é o maior risco de morte nos primeiros voos de forrageamento e um período de forrageamento mais curto, possivelmente devido às capacidades de navegação mais baixas (mas também músculos de voo imaturos e/ou um corpo mais pesado). Por último, mas não menos importante, durante a realização de voos de aprendizagem, as abelhas podem ser expostas a riscos de mortalidade extrínseca. Portanto, pode haver um trade-off entre os riscos associados ao desempenho de voos de pré-forrageamento e os benefícios do acúmulo de experiência de voo durante esse estágio, o que pode se traduzir num desempenho superior e sobrevivência no estágio de forrageamento.

Nosso objetivo era documentar este período particular e crítico de aprendizagem de voo. Para tanto, monitoramos, desde a emergência até a morte, a atividade de entrada e saída de 3.786 abelhas operárias usando dispositivos automatizados de monitorização individual vitalício. Isto foi feito numa ampla gama de condições, consistindo em múltiplos contextos geográficos, sazonais e de desenvolvimento da colónia, para avaliar diversas histórias de vida relacionadas à bem conhecida plasticidade comportamental em abelhas. A variabilidade em contextos ambientais foi alcançada notavelmente pelo rastreamento de abelhas originárias de diferentes colónias de origem a cada mês, de abril a setembro, em dois locais geográficos diferentes na França. Em seguida, medimos suas características de história de vida. O objetivo geral foi avaliar se a expectativa de vida é influenciada pela experiência de voo, a fim de melhor caracterizar os padrões e os fatores de risco de mortalidade natural em abelhas obreiras. Para tanto, avaliamos (i) em que medida o estágio de pré-forrageamento está associado a riscos de mortalidade e (ii) como esse estágio de pré-forrageamento pode influenciar a duração do estágio de forrageamento.

Desenho experimental. (a) Mapa da França indicando a posição geográfica do sitio A (Chizé) e do sitio B (Avignon). (b) Sistema RFID usado no local A. (c) Sistema de contador óptico usado no local B. (d) Projeto experimental.

Conclusões: Nossos resultados mostram que a idade no primeiro voo e o início do forrageamento são fatores críticos que determinam, em grande parte, a expectativa de vida. Mais importante ainda, nossos resultados indicam que uma grande proporção (40%) das abelhas morrem durante a fase de pré-forrageamento e, para aquelas que sobrevivem, o tempo decorrido e a experiência de voo entre o primeiro voo e o início do forrageamento são importantes para maximizar o número de dias gastos em forrageamento. Uma vez no estágio de forrageamento, os indivíduos experimentam um risco de mortalidade constante de 9% e 36% por hora de forrageamento e por dia de forrageamento, respectivamente. Em conclusão, o estágio de pré-forrageamento durante o qual as abelhas realizam voos de orientação é um fator crítico para a vida útil das abelhas.

fonte: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.200998

porque se foram embora as abelhas da colmeia

Aproxima-se a época do ano em que surge, nos grupos de apicultores na net, insistentemente este tipo de pergunta: “porque se foram embora as abelhas da colmeia?… na última visita tinha muitas abelhas!!!”.

Há três coisas básicas que é necessário saber para iniciar a análise deste tipo de observação: 1) o comportamento colectivo de abandono das abelhas do seu ninho é conhecido por deserção (absconding é o termo utilizado em língua inglesa); 2) as abelhas melíferas europeias, que evoluíram ao longo de milhares de anos em climas temperados, raramente apresentam este comportamento; 3) este comportamento é mais frequente nas sub-espécies que evoluíram em climas tropicais.

Em resumo, na Europa assim como noutras zonas do globo, caracterizadas por climas temperados, as abelhas não desertam ou fazem-no muito raramente. Como explicar então o “súbito” desaparecimento das abelhas da colmeia, tão frequentemente relatado em fóruns de apicultores? Por um erro de avaliação dos factos e por uma perspectiva inadequada.

As abelhas foram embora!?

Quando se deparam com uma colmeia sem abelhas os apicultores menos experientes atribuem a causa a um comportamento de deserção/fuga, um evento em que toda a colónia faz as malas e sai em busca de pastagens mais verdes. Na verdade na maioria dos casos, senão até em todos, o “desaparecimento súbito” das abelhas deve-se ao colapso e à morte da colónia. Este infeliz fenómeno tem, geralmente, na sua origem doenças virais associadas aos ácaros Varroa. Este colapso catastrófico pode acontecer rapidamente e mais notavelmente nas colónias mais fortes — aquelas com mais ácaros se o tratamento foi negligenciado, tardio ou ineficaz. Nestes casos não encontraremos pilhas de abelhas mortas deixadas para trás, como no caso de morte por fome. Encontramos apenas uma colmeia vazia. É no final de julho, em agosto e setembro quando surgem mais relatos destas pretensas fugas de enxames das colmeias.

Alguns números podem elucidar o fenómeno do “desaparecimento súbito” de abelhas. Nesta altura do ano, entre julho e setembro, morrem de velhice cerca de 1000-2000 abelhas/dia. Em dez dias, morrem entre 10 000 e 20 000 abelhas por colónia. Se as novas gerações de abelhas não chegam a emergir dos alvéolos ou estão seriamente comprometidas e sobrevivem poucos dias, não é surpreendente que um apicultor encontre uma colónia vazia duas a três semanas depois da última visita. Quando a natural renovação de gerações não se dá, uma colmeia a bordejar de abelhas na visita realizada 3 semanas antes surge-nos agora “subitamente” vazia.

sobre as falhas de honestidade das abelhas rainhas

Desde muito cedo, logo no meu primeiro ano como apicultor profissional, me dei conta que tendo a colónia uma rainha que não faz postura de ovos de obreira nem sempre as abelhas a substituem. Este aspecto dificulta ou impede mesmo a criação de nova rainha e/ou a aceitação de nova rainha introduzida por meio de uma gaiola. Parece, nestes casos, que as abelhas rainhas emitem sinais “desonestos” às obreiras que com ela co-habitam nos enxames, conduzindo os enxames para uma situação de irremediável morte, caso nada seja feito pelo apicultor. Não vejo como este fenómeno se enquadra no leque de comportamentos altruístas que todos nós, apicultores, investigadores e amigos das abelhas atribuímos aos enxames de abelhas.

Imagem de uma rainha nada altruísta, com corpo de fecundada, que sobrevive fazendo postura apenas de zângãos. Foto tirada de uma colónia minha em maio deste ano.

Sobre este fenómeno existe alguma investigação, nomeadamente a que aqui foi publicada: The role of the queen mandibular gland pheromone in honeybees (Apis mellifera): honest signal or suppressive agent? Os investigadores concluíram que as feromonas reais libertadas pela glândula mandibular das rainhas não-fecundadas e/ou com postura só de zângão, não atua como um sinal “honesto” para as operárias, não dão uma indicação confiável do valor reprodutivo da rainha. Contudo, são um agente supressor, inibindo a postura das operárias independente da capacidade reprodutiva da rainha. Dito por outras palavras, uma rainha que que por alguma razão não é fecundada e/ou apresenta apenas postura de machos, continua a funcionar como agente inibidor da postura de obreiras, apresenta postura de ovos não fecundados que darão origem a zângãos, e emite todos os componentes semioquímicos presentes nas feromonas mandibulares de uma rainha fecundada, iludindo as obreiras que nada fazem para a substituir.

Este ano, uma vez mais, deparei-me com alguns destes casos. Resolvi-os eliminando prontamente estas rainhas “desonestas” e com posterior introdução de mestreiros.

Rainha infecunda prontamente eliminada (foto de maio de 2021).

o comportamento das abelhas de meia-idade no interior da colmeia

Foto do ninho de uma colónia minha no dia 28 de Junho de 2021.

Um dos mitos que apicultores e não apicultores partilham sobre os enxames de abelhas está associado à ideia de que são sociedades extremamente organizadas, onde nada acontece ao acaso. Esta e outras ideias românticas sobre as sociedades destes e outros himenópteros, leva muitos a defender que as sociedades humanas deviam aprender e até mimetizar o seu comportamento social e organizacional. Pergunto aos mais românticos se estarão de acordo que se transfiram para as nossas sociedades humanas o canibalismo de que as larvas de abelhas são alvo com alguma frequência, ou a expulsão dos machos das colónias, condenando-os à morte por fome e frio, em certas épocas do ano? Seguramente que não. Deixemos portanto a natureza e comportamentos sociais de cada espécie agir dentro de cada espécie, sem procurar mimetismos despropositados, cegos e disfuncionais. À abelha o que é da abelha, ao Homem o que é do Homem!

Sobre a organização do trabalho das abelhas de meia-idade no interior das colmeias, o trabalho realizado por Brian Johnson lança alguma luz sobre este fenómeno. Ele passou horas incontáveis ​​ a observar as abelhas e a registar as atividades onde passavam mais tempo. Surpreendentemente, verificou que uma das principais ocupações das abelhas de meia-idade era parar de trabalhar e passear aleatoriamente no interior da colmeia. Brian viu que as abelhas empenhadas numa determinada atividade, geralmente, desistiam dela após uma hora e se dispersavam pela colmeia. A este comportamento de deambulação B. Johnson chamou de “comportamento de patrulha”. Terminadas as patrulhas, verificou que as abelhas iniciavam outras tarefas ao invés de retornar à tarefa que estavam a realizar. Verificou ainda que as abelhas recomeçavam a trabalhar novamente onde quer que estivessem, em vez de trabalharem onde a necessidade parecia maior. Por exemplo, se uma abelha estava a construir favo numa meia-alça com cera laminada e se após o seu comportamento de patrulha terminava a sua deambulação numa zona de armazenamento de néctar ou pólen no meio do ninho, retomava as sua tarefas, efectuando o processamento do néctar ou pólen. Citando B. Johnson “o patrulhamento pode contribuir para a troca de tarefas, movendo as abelhas para locais do ninho onde diferentes tarefas estão sendo realizadas. Resumindo, a alocação de tarefas das abelhas de meia-idade é caracterizada por um fluxo contínuo no espaço e no tempo.” Será caso para dizer que é uma desorganização organizada?!

Artigo de Brian Johnson: A Self-Organizing Model for Task Allocation via Frequent Task Quitting and Random Walks in the Honeybee

Nota: abelhas de meia-idade, segundo Brian Johnson, são aquelas que já são velhas demais para se dedicar à nutrição das larvas e novas demais para sair para a colecta no campo. São as abelhas entre os 10-20 dias de adultez e que processam a comida da colónia e constroem e reparam os favos.

abelhas resistentes: medindo a re-operculação e remoção de criação

Em baixo deixo um vídeo muito pedagógico que nos instrui acerca dos procedimentos, utensílios e cálculos a levar a cabo para seleccionar abelhas mais resistentes ao ácaro varroa. Aos dois comportamentos, remoção da criação infestada e reoperculação, está associado um terceiro traço: a reprodução reduzida dos ácaros. Estes três aspectos/traços surgem em enxames resistentes, independentemente da sua localização geográfica (ver este artigo de agosto deste ano
https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2021.1375)

Nota: comecei a ver anúncios de alguns apicultores portugueses a proclamarem que têm abelhas resistentes ao varroa, em concreto abelhas que apresentam um bom comportamento de re-operculção e remoção de criação infestada (traço VSH). Assim o espero, esperando que estejam a fazer uma avaliação criteriosa do comportamento de resistência, por forma a que o marketing seja legítimo e honesto.

o comportamento das abelhas no interior da colmeia: imagens inéditas

Muito recentemente foi publicado na revista Plos One um artigo muito interessante com o título Honey bee behaviours within the hive: Insights from long-term video analysis. Como o próprio título indica com recurso a imagens de vídeo foi observado e analisado o comportamento das abelhas no interior da própria colmeia. Esta publicação apresenta em baixo alguns desses vídeos. Só para amantes!

O equipamento utilizado.
O momento da oviposição.
A eclosão da larva a partir do ovo.
Alimentação boca-a-boca de uma larva.
A produção de escamas de cera e a construção do favo.
Descarga, armazenamento e humidificação do pólen.
Comportamento de higiene das abelhas: o consumo de varroas imaturas.

fonte: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0247323#pone.0247323.s001