enxameação: como se processa a escolha do novo ninho

Ilustração do mecanismo de tomada de decisão de um enxame de abelhas quando acampadas num galho de árvore durante o processo de enxameação.

Quando os enxames saem da colmeia já escolheram o local onde se vão instalar de forma definitiva? Resposta: não! A escolha do local definitivo ocorre posteriormente, enquanto as abelhas acampam provisoriamente num ramo de árvore, no chão, ou noutro local próximo da colmeia de onde acabaram de sair. Sabemos isto após as observações de Martin Lindauer (década de 50 do século passado) e Thomas Seeley (década de 90 e início do sec. XXI).

Thomas Seeley, dando sequência às observações de Martin Lindauer, levou a cabo um conjunto de experiências no final da década de 90, que lhe permitiram concluir o seguinte:

“Nosso primeiro passo para renovar a análise foi repetir as observações de Lindauer sobre as danças das abelhas batedoras, mas usando equipamentos de vídeo modernos para obter uma imagem mais completa do que era possível na década de 1950. Trabalhamos com pequenos enxames de cerca de 4.000 abelhas e rotulámos cada abelha para identificação individual, para que pudéssemos atribuir cada dança a um indivíduo em particular e assim averiguar sua contribuição para a tomada de decisão de um enxame.

Abelhas rotuladas por T. Seeley durante uma das suas experiências.


A partir de nossas gravações de todas as danças executadas por cada abelha batedora, encontrámos um padrão de dança das batedoras quando acampadas e que se assemelha muito ao que Lindauer relatou com base em seus registros. Por exemplo, num enxame que observámos de 20 a 22 de julho de 1997, todo o processo de tomada de decisão exigiu cerca de 16 horas de atividade de dança distribuídas por três dias. Durante a primeira metade do processo, as abelhas batedoras relataram todos os 11 possíveis locais de nidificação que consideraram, e nenhum local dominou a dança. Durante a segunda ronda, porém, um dos locais começou a ser anunciado muito mais do que os outros e acabou se tornando o local escolhido. De fato, durante as últimas horas da tomada de decisão, o local que havia surgido como favorito tornou-se objeto de todas as danças.”

Com um conjunto de experiências posteriores T. Seeley concluiu que as abelhas decidem por quorum e não necessitam de chegar a consenso para optarem pelo local A e não pelo B ou C, para se estabelecerem definitivamente, concluindo o processo de enxameação. Observou que geralmente este quorum se obtém quando 15 ou mais abelhas são vistas juntas de um dos locais.

fonte: https://www.americanscientist.org/article/group-decision-making-in-honey-bee-swarms

Nota: lembro-me de ter observado o ano passado um pequeno enxame que passou 3 dias acampado num ramo de uma árvore. No segundo dia esteve debaixo de chuva miúda, antes de partir no terceiro. Esta observação pessoal não se enquadra na tese de que os enxames quando saem da colmeia já têm o local onde vão nidificar escolhido (se assim fosse porque não se dirigiu este enxame de imediato para esse local?!). Contudo, esta observação pessoal é bem explicado pela teoria do processo de decisão “democrático” descrito por Thomas Seeley.

as abelhas sabem melhor

Sou um leitor assíduo do blog The Apiarist. Esta assiduidade deve-se a três características que ali encontro regularmente: qualidade do conteúdo, qualidade na forma como esse conteúdo é apresentado, pertinência do conteúdo.

Na última publicação o autor, David, escreve sobre os dados de um estudo que abordei em 2016, nesta publicação que intitulei pobres rainhas de emergência. É reconfortante verificar que o David também destaca os dados deste estudo: Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality  (Insectes soc. 46, 372–377 (1999)).

A construção não aleatória de mestreiros.

Em torno dos dados, David destaca na sua publicação que as abelhas no processo de construção de mestreiros/realeiras de emergência:

  • Elas escolhem predominantemente ovos.
  • Quase 70% das realeiras iniciadas foram iniciadas quando o alvéolo continha um ovo, em vez de uma larva. Além disso, a maioria dos ovos escolhidos tinha três dias de idade.
  • Se você considerar que havia 6 escolhas possíveis (ovos de 1, 2 ou 3 dias e larvas de 1, 2 e 3 dias), é impressionante que 34% de todas as realeiras produzidas eram de ovos de 3 dias.
  • Na verdade, verifica-se que apenas cinco escolhas foram feitas, pois nenhuma das realeira foi iniciada a partir de larvas de 3 dias.
  • Além disso, mais de 60% das realeiras produzidas a partir de larvas de 2 dias foram subsequentemente demolidas.
  • As abelhas escolhem fazer rainhas a partir dos ovos mais velhos ou das larvas mais jovens.

como as abelhas atrasam/impedem a emergência das rainhas

Ainda acerca deste caso, com um pouco de tempo disponível decidi fazer alguma investigação. Neste artigo “Absence of nepotism toward imprisoned young queens during swarming in the honey bee” encontrei uma parte da resposta. Não relativamente às razões mas relativamente aos mecanismos/comportamentos utilizados pelas abelhas para atrasarem/aprisionarem as rainhas virgens nos seus casulos para lá dos habituais 16 dias de maturação desde o ovo até ao estádio de insecto adulto. Deixo em baixo a tradução de um pequeno excerto deste artigo que me parece elucidativo.

Todos os estudos sobre a influência das operárias na seleção de novas rainhas focaram-se nas interações entre operárias e rainhas imaturas (Châline et al., 2003; Noonan, 1986; Page et al., 1989; Schneider e DeGrandi-Hoffman, 2002; Visscher , 1998) ou entre operárias e rainhas adultas que já saíram de suas realeiras (Gilley, 2001, 2003; Tarpy e Fletcher, 1998). No entanto, algumas rainhas adultas permanecem nos seus casulos de rainhas por mais tempo, até uma semana após os 16 dias da sua maturação (Bruinsma et al., 1981; Fletcher, 1978; Grooters, 1987) antes de emergirem. Durante este tempo, as operárias agrupam-se em cada realeira aprisionando a rainha adulta e alimentam-na através de fendas na ponta do casulo (Figura 1c), que são vedadas novamente. As abelhas vibram sobre os casulos da rainha e impedem que as rainhas saiam reparando as aberturas nas realeiras. As operárias às vezes até pressionam a cabeça contra a ponta da realeira para evitar que a rainha saia enquanto outras operárias a fecham (Fletcher, 1978). Elas também protegem as rainhas impedindo agressivamente o acesso às rainhas que já emergiram (Gilley, 2001).”

Fotografias da configuração experimental e dos comportamentos das operárias em relação a rainhas adultas confinadas em suas realeiras. (a) Montagem experimental com a tampa modificada na caixa de criação principal da colónia à qual está anexada a caixa de observação de três quadros modificada com as realeiras acessíveis através de uma abertura. (b) Realeiras com rainhas presas às barras de madeira na caixa de observação prontas para serem instaladas na colónia de teste. (c) Operária alimentando uma rainha através de uma abertura na realeira. A língua da rainha é visível. (d) Cela da rainha equipada com o aparato de estrela para evitar a saída da rainha. O pedaço de acetato é visível no final da seta. As aberturas feitas pela rainha confinada tentando emergir podem ser vistas, e a operária à direita está no processo de fechá-las.

Nota: há mais de um século Doolittle afirmava coisas muito próximas (ver aqui). É admirável a sua competência observacional.

por que razão as abelhas atrasam/impedem a emergência das rainhas?

É da natureza das rainhas emergirem do seu casulo 16 dias, mais doze horas para trás mais doze horas para a frente, após a data da postura do ovo que lhes deu origem. É consensual. Para a maioria dos casos assim será, acredito eu!

Mas será assim em todos os casos? Da minha observação não. Ver aqui um caso em que não foi assim. Hoje apresento outro caso mais que se passou no mesmo apiário e noutra colónia também orfanada a dia 2 de abril.

No passado dia 24 de abril deparei-me com um novo caso ainda mais extremado e sublinhado. Numa colónia que orfanei como disse a 2 de abril, fiz a incisão com x-acto num mestreiro que vi ainda fechado e para minha grande surpresa saiu de lá não uma abelha — que às vezes as abelhas metem-se nos mestreiros depois da rainha ter emergido e fecham-nos novamente ficando no seu interior — mas uma rainha. Para mim este caso foi tão inesperado que me faltou o telemóvel à mão para tirar a respectiva foto deste acontecimento. Fica a foto do telhado onde vou registando os eventos que considero mais importantes.

Por que razão as abelhas atrasam/impedem a emergência de algumas rainhas? A explicação que encontro é que este comportamento permite salvaguardar melhor a colónia de uma orfandade irremediável com um plano B, caso o plano A não seja bem sucedido, isto é, têm uma ou outra rainha emergida mais tarde caso a(s) que tenha(m) emergido no tempo “regulamentar” não fecundem ou todas tenham partido com os enxames secundários. Do ponto de vista dos ganhos evolutivos para a espécie, resultante deste comportamento das abelhas atrasarem a emergência de algumas rainhas, de momento não encontro outra explicação.

Nunca tinha lido/ouvido da possibilidade de rainhas emergirem 22 dias após a postura do último ovo de onde poderiam ter tido origem. Os experientes amigos e companheiros de lides apícolas que informação têm sobre este tipo de casos? Que ganhos advêm para a colónia deste comportamento?

criação de abelhas resistentes: os progressos difíceis e lentos de Randy Oliver

Ontem o Randy publicava no Bee-L este testemunho, acerca dos progressos difíceis e lentos no seu programa de selecção de abelhas resistentes ao ácaro varroa.

Randy avaliando a eficácia de várias soluções para lavagem de ácaros.

Eu tenho criado rainhas seleccionadas há muitos anos. A selecção da cor, mansidão ou resistência à loque americana foi fácil. Idem para a resistência aos ácaros da traqueia, além de não ver mais colapsos devido a Nosema ceranae.

A selecção para a resistência à varroa provou ser muito mais difícil, apesar de estarmos e executar um programa sério de reprodução seletiva em que controlamos a vasta maioria dos acasalamentos.

Após cinco anos substituindo cada uma das rainhas de nossas 1500 colónias
anualmente e exclusivamente com filhas de rainhas totalmente resistentes aos ácaros, até agora apenas 15-20% de nossas colónias exibem forte
resistência à varroa.

Temos um programa de “população reprodutora”, inundando nossas zonas de acasalamento com nossos próprios zângãos quando as nossas colónias retornam repletas de cria de zângão a seguir à polinização das amendoeiras. Cada zângão é um neto de uma rainha selecionada.

Passei centenas de horas nos últimos meses executando uma enorme número de cálculos para descobrir a genética envolvida para corresponder ao nosso progresso real. Eu executei simulações com alelos únicos, alelos duplos, alelos dominantes ou recessivos, epistáticos dominantes ou efeitos recessivos, etc. Mas cada simulação sugere que mesmo se o traço vem originalmente de um zângão raro, ao reproduzir-se apenas com filhas de mães cujas colónias demonstram total resistência, deveríamos ver um progresso mais rápido [nota: as leis de Mendel só raramente têm expressão no mundo real, no mundo das abelhas também assim é] .

É frustrante não entender a genética na base do comportamento resistente, mas é encorajador ter alcançado mais de 150 colónias (de 1000 levadas para as amendoeiras) nesta temporada que não requerem um único tratamento de ácaros durante um ano inteiro. Todas as nossas 30 rainhas matriarcas este ano tiveram contagens por lavagem de ácaros de zero ou 1 após um ano sem tratamentos.

Não investiguei todos os mecanismos reais usados ​​para resistência, mas o
comportamento de desoperculação-reoperculação (REC) é
predominante.

As mensagens para levar para casa são:

  1. Pode haver colónias (não rainhas) que são à prova de bala para
    varroa, fortes, dóceis e produtivas.
  2. Não é fácil fixar essa característica numa população reprodutora inteira,
    mesmo com a seleção meticulosa e extrema dos reprodutoress em cada estação.

Este verão eu pretendo tentar acasalamentos por endogamia em populações absolutamente isoladas em alguns locais de alta altitude que não têm nenhum outro enxame selvagem ou colónias de abelhas maneadas ou zângãos presentes.

Randy Oliver
Grass Valley, CA
530 277 4450
ScientificBeekeeping.com

Saiu recentemente um estudo sobre uma linha de abelhas resistente (a Pol-line). Nestas colónias, com um tratamento anual à base de amitraz em setembro, no mês de fevereiro do ano seguinte cerca de 40% das colónias estavam mortas . Com um regime de dois tratamentos baseados no amitraz, um em setembro e outro em dezembro, estavam mortas 27% das colónias no mês de fevereiro do ano seguinte. Ainda que estas linhas de abelhas resistentes tenham revelado uma mortalidade significativamente menor que as linhas não resistentes, acho que os resultados continuam a ser muito insatisfatórios, considerando que nos meus apiários desde há 8 anos que não assisto a uma mortalidade por varroa acima dos 10%, e na grande maioria destes a mortalidade tem estado abaixo dos 2% — este ano a mortalidade por varroose foi de de 1,2 %.

fonte do estudo: https://www.nature.com/articles/s41598-022-08643-w

estudo mencionado num artigo de divulgação científica com qualidade duvidosa: https://phys.org/news/2022-04-sustainably-honey-bees-varroa-mite.html?fbclid=IwAR3M-2JHyCF0ma6cfZtAoxPZUa6ndQHaSd_RdkaqZZfo2u1tj6EOIhxcsgY

abelhas resistentes: uma conversa interessante/informada no Bee-L

No fórum apícola Bee-L, do qual sou subscritor e acompanho com atenção, encontro conversas muito interessantes. Traduzo em baixo excertos de uma dessas conversa sobre as “abelhas resistentes” ao varroa, tida nos últimos dias entre três apicultores. Os pontos de vista que tenho sobre este assunto, como escrevi aqui: a minha resistência à resistência: o foco no foco, não andam longe dos partilhados nesta conversa.

Apicultor PB: “Sem seleção contínua, as características que os apicultores desejam (mansidão, produção de mel, crescimento na primavera, etc.) podem ser perdidas em pouco tempo. Até que as abelhas resistentes sejam capazes de demonstrar produtividade e capacidade de sobrevivência, elas provavelmente não ganharão muita popularidade entre os apicultores comerciais do mundo. Embora a possibilidade de desenvolver linhas resistentes tenha sido demonstrada, sua utilidade prática não o foi. — Cameron J. Jack e James D. Ellis. Journal of Insect Science, (2021) 21(5): 6; 1–32

Lembro-me de estar na plateia onde alguém estava dando uma palestra sobre abelhas resistentes. Levantei-me e disse: “O plano da natureza para a sobrevivência das abelhas é a abelha africana/africanizada”. Outra pessoa na sala levantou-se e disse: “Como sabe qual é o plano da Natureza?” Quis dizer-lhe que eu tinha uma linha direta com a Mãe Natureza, mas fiquei sentado.”

Apicultor RL: ” O Dr. Martin e sua equipe fizeram a análise de dados de 60
artigos publicados nos últimos 40 anos acerca da sobrevivência das abelhas face à pressão da varroa em todo o mundo na tentativa de encontrar características comuns nas populações resistentes.

Eles concluíram que populações resistentes tendem a ter três características em comuns, com altas taxas de:

  • Remoção de criação infestada de ácaros (VSH)
  • Desoperculação e Reoperculação (REC)
  • Infertilidade dos ácaros (SMR)

Com base nestes traços comuns entre populações em várias regiões do mundo, o Dr. Martin acredita que a resistência se pode desenvolver em qualquer subespécie.

E, finalmente, ele oferece este petisco de um pensamento interessante e provocador:

A resistência é uma característica de nível populacional e não uma característica de uma única colónia. Assim uma colónia resistente torna-se vulnerável se for removida do seu território/população e pode entrar em colapso se ocorrer um influxo repentino de ácaros no novo território. Isso pode explicar a razão por que colónias resistentes que se transferiram de seu território normalmente não sobrevivem.

É neste ponto que o Dr. Martin é pouco otimista relativamente à perspectiva de populações resistentes sustentáveis se tornarem omnipresentes nos
os EUA”

Apicultor JF: “Eu examinei várias colónias de ditos “enxames selvagens sobreviventes”, após a remoção de árvores derrubadas e similares. Continuo surpreendido com o grande número destes enxames que encontrei com rainhas marcadas.
Os donos dessas colmeias não tinham explicação para isso, pois não marcam as rainhas e não tinham as canetas necessárias para o efeito.”

eussociabilidade, sociobiologia e Edward Wilson

Edward Wilson, falecido recentemente, foi um dos pioneiros e dos mais influentes investigadores dos últimos 50 anos no estudo de sociedades de animais com altos níveis de organização social, como as abelhas, formigas e vespas. Estas sociedades apresentam três características fundamentais, sobreposição de diferentes gerações num mesmo ninho, o cuidado cooperativo com a prole, e uma divisão de tarefas (reprodutores e operárias), as necessárias para se falar de eussociabilidade.

Edward O. Wilson em Manhattan em 2008. Edward O. Wilson, biólogo e autor que levou a cabo um trabalho pioneiro sobre biodiversidade, insetos e natureza humana – e ganhou dois prémios Pulitzer – morreu no domingo em Burlington, Massachusetts, aos 92 anos. Embora tenha tido uma obsessão ao longo de sua vida por formigas, descobrindo como elas comunicam por intermédio de feromonas, é mais famoso pela publicação em 1975 de “Sociobiology: The New Synthesis”.

Sobre a Sociobiologia: “estudo sistemático da base biológica do comportamento social. O termo sociobiologia foi popularizado pelo biólogo americano Edward O. Wilson no seu livro Sociobiology: The New Synthesis (1975). A sociobiologia tenta compreender e explicar o comportamento social animal (e humano) à luz da seleção natural e outros processos biológicos. Um de seus princípios centrais é que os genes (e sua transmissão por meio da reprodução bem-sucedida) são os motivadores centrais na luta dos animais pela sobrevivência, e que os animais se comportarão de maneiras que maximizem suas chances de transmitir cópias de seus genes às gerações seguintes. Uma vez que os padrões de comportamento são até certo ponto herdados, pode-se dizer que o processo evolutivo da seleção natural promove aquelas características comportamentais (assim como físicas) que aumentam as chances de reprodução de um indivíduo.

A sociobiologia contribuiu com vários insights para a compreensão do comportamento social dos animais. Explica o comportamento aparentemente altruísta de algumas espécies animais como sendo na verdade geneticamente egoísta, uma vez que tais comportamentos geralmente beneficiam indivíduos intimamente relacionados, cujos genes se assemelham aos do indivíduo altruísta [kin selection]. Esta abordagem ajuda a explicar por que as formigas soldados sacrificam suas vidas para defender sua colónia ou por que as abelhas operárias de uma colmeia abandonam a reprodução para ajudar sua rainha a se reproduzir. A sociobiologia pode, em alguns casos, explicar as diferenças entre o comportamento do macho e da fêmea em certas espécies animais como resultado das diferentes estratégias às quais os sexos devem recorrer para transmitir seus genes à posteridade.

A sociobiologia é mais controversa, entretanto, quando tenta explicar vários comportamentos sociais humanos em termos de seu valor adaptativo para a reprodução. Muitos desses comportamentos, de acordo com uma objeção, são mais plausivelmente vistos como construções culturais ou como subprodutos evolutivos, sem qualquer propósito adaptativo direto próprio. “

fonte: https://www.britannica.com/science/sociobiology

seleccionar abelhas resistentes: o teste do spray

Os meus amigos Marcelo Murta, Nuno Cascais e Rui Martins chamaram a minha atenção para os vídeos de Humberto Boncristiani e para os artigos de Kaira Wagoner, acerca de uma nova técnica para selecionar abelhas mais resistentes à infestação por varroa. De uma forma simples e sumária, Wagoner e colegas identificaram uma mistura de semioquímicos, que aspergidos na forma de spray sobre a criação operculada, ajuda a identificar as colónias com o melhor comportamento de desoperculação e limpeza dessas pupas. Estes semíoquímicos sintéticos mimetizam os componentes odoríficos naturais que as larvas/pupas infestada por varroa libertam quando parasitadas por varroa (esta técnica foi designada Unhealthy Brood Odor (UBO) — odor de criação não saudável). Nas palavras da autora principal, a investigação visou testar a “hipótese de que a resposta higiénica a uma mistura de semioquímicos associados à criação de abelhas melíferas infestadas com Varroa pode servir como uma ferramenta específica para prever a resistência ao Varroa ao nível de colónia. Em apoio à nossa hipótese, demonstramos que uma mistura dos compostos (Z) -10-tritriaconteno, (Z) -8-hentriaconteno, (Z) -8-heptadeceno e (Z) -6-pentadeceno desencadeia comportamento higiénico num ensaio de duas horas, e que as colónias de alto desempenho (resposta higiénica a ≥60% dos alvéolos tratadas) têm infestações de Varroa significativamente mais baixas, removem significativamente mais Varroa introduzidas artificialmente e são significativamente mais propensas a sobreviver ao inverno em comparação com colónias de baixo desempenho (resposta higiénica a <60% das alvéolos tratadas).

Spray com semioquímicos: técnica UBO, uma forma muito simples para testar o comportamento de limpeza das abelhas.
O vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ZYalOJRa7Aw
Cilindro que delimita a área do quadro com criação a pulverizar. As áreas de ensaio continham até aproximadamente 50 alvéolos e foram isoladas usando uma seção curta de tubo de PVC com um diâmetro interno de 3,8 cm.
Criação desoperculada após duas horas da pulverização. Wagoner concluiu que o limiar discriminativo de desoperculação se situa nos 60% dos alvéolos pulverizados, isto é, as colónias que resistem melhor à infestação por varroa, desoperculam pelo menos 60% dos alvéolos pulverizados com a mistura de semioquímicos utilizada.

Comparação entre colónias com alto UBO e baixo UBO.

As maiores dificuldades na identificação de colónias com valor biológico e posterior selecção de colónias resistentes está relacionado com baixa fidedignidade e complexidade dos testes utilizados até aqui. Por um lado, o facto de o comportamento higiénico avaliado pelo teste convencional de refrigeração de criação, ou seja a capacidade de detectar, desopercular e remover criação refrigerada e morta, nem sempre conferir resistência ao varroa, coloca em causa este trabalho de selecção. Além disso, outros métodos de seleção de resistência são muito eficazes, contudo são pouco eficientes. Os métodos que alcançam os níveis mais altos de fidedignidade no teste à resistência ao varroa são demorados, complexos, minuciosos e, portanto, caros e impraticáveis para utilização apícola pela enorme maioria dos apicultores. Este novo método proposto por Wagoner e colegas, visa resolver e ultrapassar estas dificuldades.

Este novo método de identificação de colónias com comportamentos mais resistentes ao varroa tem méritos inegáveis (na minha opinião, com algumas fragilidades como referirei numa publicação posterior). Mostra, uma vez mais, que a ciência não esqueceu a apicultura e que a apicultura não pode dispensar a ciência, ainda que esta não forneça respostas miraculosas — a ciência também não é nem pretende ser populista!

fontes: https://academic.oup.com/jinsectscience/article/21/6/4/6414651?login=true; https://www.researchgate.net/publication/340974063_Cuticular_pheromones_stimulate_hygienic_behavior_in_the_honey_bee_Apis_mellifera

revisão sobre o impacto da temperatura e humidade nas actividades das abelhas

Junto ao solstício de inverno, esta publicação, que traduz excertos de um estudo de revisão muito citado na literatura da especialidade, visa sumariar o conhecimento mais actual em torno do impacto de factores abióticos, temperatura e humidade relativa (HR), nas actividades das abelhas no interior e exterior das colmeias.

  • A faixa normal de temperatura no interior de uma colónia de abelhas melíferas varia de 33 a 36 ° C (Kleinhenz et al. 2003; Petz et al. 2004), mais precisamente 34,5 ± 1,5 ° C (Jones et al. 2005);
  • Ao nível individual, quando a temperatura no interior da colmeia sobe acima de 36 ° C, a criação sofre de sobreaquecimento;
  • Quando a temperatura sobe acima de 36 ° C, as abelhas começam a mitigar a carga de calor usando o comportamento de abanar, vibrando rapidamente suas asas. As operárias assumem posições específicas durante o abanamento para serem mais eficazes (Southwick e Moritz 1987);
  • Outro mecanismo é o arrefecimento evaporativo, as operárias coletam água, permitindo o arrefecimento evaporativo dentro da colónia (Nicolson 2009);
  • Em caso de temperatura inferior a 33 ° C no interior da colmeia, as abelhas melíferas precisam de aumentar a temperatura para manter a criação, o que é realizado aumentando a densidade das abelhas no ninho (comportamento de agrupamento) e aumentando a endotermia de acordo com a necessidade (Harrison 1987; Stabentheiner et al. 2010);
  • Há um equívoco em torno da ideia de que o papel dos zângãos é apenas o acasalamento da rainha. Os zângãos participam da termorregulação da colónia sob condições específicas (Harrison 1987). Kovac et al. (2009) encontraram zângãos aquecendo os seus tórax, especialmente zângãos com mais de 2 dias, para auxiliar no aquecimento da criação em situação de baixas temperaturas;
  • A temperatura da criação é regulada não apenas pelo comportamento de agrupamento das operárias, mas também pelo aquecimento ativo dos músculos torácicos de voo. Essa estratégia, segundo Kleinhenz et al. (2003), inclui: (a) aquecimento superficial dos opérculos da criação enquanto as abelhas estão imóveis sobre esses opérculos, e (b) aquecimento de alvéolos de criação por aquecimento dentro dos alvéolos. No último caso, as abelhas com tórax aquecido (temperatura torácica de 34,1–42,5 ° C) entram em alvéolos vazios entre os alvéolos de criação operculada. Estas abelhas podem permanecer imóveis por até 45 minutos para aumentar a temperatura da criação dos alvéolos adjacentes em 2,5 ° C em 30 minutos. O fluxo de calor, neste caso, consegue-se a até três alvéolos de criação de distância da abelha aquecedora (Humphrey e Dykes 2008). A presença de alvéolos vazios não garante a manutenção da temperatura ideal do ninho de criação, mas podem reduzir o tempo e a energia gasta pelas abelhas para aumentar o aquecimento da criação (Fehler et al. 2007);
Foto (12/11/2021) de um quadro de uma colónia minha, onde se podem observar diversos alvéolos vazios no interior da zona de criação operculada.
  • As pupas em alvéolos operculados são mais sensíveis à baixa temperatura do que ovos ou larvas (Groh et al. 2006; Tautz et al. 2003). Li et al. (2016) relataram que as temperaturas da criação de operárias eram mais altas do que as de zângãos, e que é regulada de forma mais precisa;
  • Outro fator importante para o desenvolvimento da criação é a humidade relativa (HR) dentro das colónias. Li et al. (2016) descobriram que a HR é amplamente regulada pelas operárias. A HR é particularmente importante para a incubação dos ovos. HR abaixo de 50% impede a eclosão dos ovos, a faixa ótima de HR para incubação normal é de 90 a 95%. HR mais alta ou mais baixa reduz significativamente o número de ovos chocados normalmente (Doull 1976);
  • Nenhum ovo eclodiu a 30% de HR. Em caso de condições de baixa HR, as abelhas apresentam comportamento específico, como evaporação da água do néctar e forrageamento para coleta de água para aumentar a HR (Human et al. 2006). Com a HR elevada, o comportamento de ventilação é utilizado para reduzir a HR para ficar dentro da faixa ideal. Vale ressaltar que para a criação in vitro de larvas de abelhas melíferas, a temperatura de 34 ° C e HR de 96% (Aupinel et al. 2005; Silva et al. 2009) ou HR de 90% (Kaftanoglu et al. 2011) foram sugeridos;
  • O comportamento de forrageamento inclui as abelhas coletando néctar, pólen, própolis ou água para atender às necessidades da colónia. O forrageamento ocorre numa ampla faixa de temperaturas de 10 a 40 ° C (conforme revisto por Abou-Shaara 2014). Abaixo de 10 ° C, as abelhas reduzem as viagens de forrageamento (Joshi e Joshi 2010). O início da atividade de forrageamento foi registrado em uma média de 6,57 ° C, enquanto a atividade mais alta foi a 20 ° C (Tan et al. 2012). Num outro estudo, Woyke et al. (2003) descobriram que 10 ° C é a temperatura na qual o forrageamento é iniciado. Estes autores também notaram que o número de forrageadoras aumentou dez vezes quando a temperatura aumentou para 12 ° C. Contrariamente, a uma temperatura de 43 ° C, foi observada a menor atividade de forrageamento (Blazyte-Cereskiene et al. 2010);
  • A vida útil das abelhas forrageiras varia de 2 a 17 dias (média de 7,7 dias; Visscher e Dukas 1997). A exposição contínua de abelhas forrageiras a temperaturas elevadas pode levar a uma vida útil curta. Remolina et al. (2007) expôs as abelhas melíferas a 42 ° C até a morte e descobriram que o tempo de vida variou de 31 a 91 h (cerca de 1,29-3,79 dias);
  • Em condições de campo, Alattal e Alghamdi (2015) observaram as maiores perdas de colónias em abelhas carníolas (92%), seguidas por abelhas italianas (84%) e, em seguida, por abelhas iemenitas (indígenas) (46%) nas condições de temperatura de Reino da Arábia Saudita . Embora esses autores tenham relatado mais adequação das abelhas italianas a essas regiões quentes em comparação com as abelhas carníolas, as abelhas indígenas mostraram a maior adequação. Da mesma forma, Alqarni (2006) descobriu que as abelhas iemenitas são mais tolerantes a temperaturas elevadas durante o período de verão em Reino da Arábia Saudita do que as abelhas carníolas e italianas;
  • Outro fator abiótico, a humidade do ar, provavelmente não desempenha um papel tão importante num clima temperado, mas é importante em condições secas e quentes. A uma temperatura de 35 ° C, as abelhas melíferas sobrevivem melhor com 75% de HR, enquanto com mais baixa HR de 50% a 15%, a sobrevivência das operárias foi afetada negativamente, especialmente a 15% (Abou-Shaara et al. 2012);
  • O acasalamento de rainhas ocorre principalmente em temperaturas abaixo de 25 ° C (Tibor et al. 1987), portanto, altas ou baixas temperaturas têm um impacto negativo no voo da rainha (Heidinger et al. 2014);
  • A época do ano ou estação também influencia o acasalamento das rainhas, ou seja, rainhas acasaladas na primavera são mais vigorosas do que aquelas acasaladas no outono (Moritz e Ku ̈hnert 1984; Jhajj et al. 1992). Além disso, o maior número de acasalamentos bem-sucedidos foi registrado em maio, enquanto o menor ocorreu em julho e agosto (Al-Ghzawi e Zaitoun 2008). Se as rainhas estão enjauladas, a presença de amas é muito importante, Gontarz et al. (2005), por exemplo, descobriram que adicionar abelhas amas a rainhas em gaiolas aumentava a temperatura dentro da gaiola para quase 35 ° C ou mais em poucas horas;
  • A enxameação é a forma natural de reprodução das colónias de abelhas, pois a abelha rainha não é capaz de encontrar independentemente um ninho e as operárias não são capazes de se reproduzir (c.f. Grozinger et al. 2014). Existem diferentes razões para a enxameação: em colmeias pequenas, a sobrepopulação causa a enxameação, ao passo que a falta de alvéolos para a postura de ovos não (Simpson e Riedel, 1963);
  • O pequeno volume da colmeia e a baixa ventilação promovem a enxameação, bem como o superaquecimento que ocorre em de colónias com abelhas aglomeradas (Lensky e Seifert 1980). A enxameação ocorre principalmente da primavera ao início do verão;
  • As abelhas europeias (de clima temperado) geralmente têm baixa propensão para desertarem. No caso de deserção, as abelhas saem da colmeia e voam para outro local (relocação do ninho).
  • De acordo com a revisão acima, estudos futuros devem incluir os seguintes aspectos: (1) impactos da temperatura e humidade relativa nas características morfológicas (corpo e asa), aprendizagem, sobrevivência e parâmetros fisiológicos (propriedades da cutícula, espessura da cutícula e teor de água corporal ) das diferentes subespécies reconhecidas e para diferentes estágios (ou seja, ovos, larvas, pupas e adultos) e castas (operárias, zângãos e rainhas); (2) comparações diretas entre as subespécies de abelhas e a tolerância de seus híbridos à temperatura alta e muito baixa ou HR, especialmente considerando a mudança climática global prevista; (3) a capacidade das abelhas melíferas em diferentes idades tolerarem condições adversas; (4) novos projetos de colmeias (por exemplo, maior isolamento ou usando aquecimento ou ventiladores de refrescamento) para ajudar a sobrevivência das abelhas sob condições severas de verão ou inverno; (5) impactos das temperaturas e HR na atividade de armazenamento de alimentos sob diferentes condições ecológicas; (6) criação da rainha e maturidade dos zângãos sob várias temperaturas e HR; e (7) os impactos das temperaturas e HR no forrageamento, comportamentos de acasalamento, enxameação e deserção das subespécies reconhecidas das abelhas.

fonte: https://scholar.cu.edu.eg/sites/default/files/yasseribrahim/files/a_review_of_impacts_of_temperature_and_relative_humidity_on_various_activities_of_honey_bees_7.pdf

o movimento das asas das abelhas em “ultra slow motion”

As abelhas batem as asas 250 vezes por segundo. A câmera Phantom v2511 pode gravar mais de 1 milhão de imagens por segundo (criando câmera lenta na reprodução). Aqui, foi utilizada uma para capturar imagens para um documentário sobre as abelhas.

O comentário de J. F. a este vídeo numa conversa no Bee-L: “Depois que a abelha abre suas asas, o movimento da asa não é “para cima/para baixo” para mantê-la no ar, mas um “8 figurado”, semelhante ao movimento dos remos ao remar.”

Através destas imagens de leveza e graciosidade desejo aos que me acompanham um Feliz Natal!