Li este artigo há uns três anos atrás. Ficou na gaveta dos meus rascunhos à espera do momento que me parecesse adequado mencioná-lo. E este parece-me o momento.
A abelha melífera Primorsky, alegadamente resistente aos ácaros varroa é uma estirpe de abelhas melíferas com origem na região de onde retirou seu nome, a região russa de Primorsky Krai. Julga-se que terá sido a primeira A. mellifera a ser exposta à varroa, isto no início do sec. XX. Algumas linhas de A. mellifera desta região parecem ter desenvolvido algum grau de resistência, de natureza genética, à varroa. O USDA Agricultural Research Service avaliou estas estirpes e, em 1997, foram importadas para os Estados Unidos, no âmbito de um plano que tinha como objectivo disseminar estas linhas por todas as principais explorações apícolas dos EUA. Hoje, passados quase 25 anos, este plano está muito longe de ser concretizado. A adesão dos apicultores tem sido mais baixa do que o esperado, por diversas razões. Estas razões decorrem de um facto simples da vida dos enxames no campo: as rainhas Primorsky quando acasalam naturalmente em campo aberto, num ambiente em que não se controla os zângãos de outras linhagens, criam colónias que são geneticamente híbridas. Um número considerável destes híbridos ‘não controlados’ exibem aumento da agressividade, redução da produção de mel e diminuição na sua capacidade de resistir aos ácaros, assim como outras características com expressões pouco satisfatórias para os apicultores. Um plano que prometia muito e que tinha tudo para correr bem, esqueceu dois factos muito simples da vida: (i) características como a resistência à varroa, assente em genes raros, recessivos, de natureza aditiva e epistática depressa se diluem num contexto de acasalamentos não controlados; (ii) os apicultores, gente habituada a ouvir muitas promessas mas poucos resultados, aprendeu a desconfiar deste tipo de conversa e marketing; ora isto dificulta a adesão massiva dos apicultores, tão necessária à saturação zonal de indivíduos com estas características raras num território “inimigo”.
Para agravar ainda mais o “flop” deste plano, surgiu em 2017 este estudo que conclui que as abelhas russas em contextos diria normais, sem nada de excepcional, isto é, em locais em que colónias vizinhas estão a colapsar devido à elevada infestação por varroa (infelizmente é o pão nosso de cada dia!), não estão à altura dos seus pergaminhos. Em baixo deixo a tradução de um excerto das conclusões do artigo em questão.
“Os esforços para desenvolver linhagens resistentes à Varroa em abelhas melíferas tem-se concentrado amplamente em fatores que afetam o sucesso reprodutivo (por exemplo, remoção de criação parasitada ou redução da fertilidade de ácaros; Harbo e Harris 1999, Boecking et al. 2000, Locke and Fries 2011) ou aumento da mortalidade de ácaros foréticos por meio de comportamentos como o catar [grooming] (Peng 1988). Embora estas características possam limitar a taxa intrínseca de crescimento das populações de ácaros, não há garantia de que o número de ácaros irá permanecer baixo, especialmente no outono. As linhagens resistentes/tolerantes a ácaros podem manter populações de Varroa baixas em áreas com baixo número de colónias e populações de Varroa altamente controladas. No entanto, em zonas com elevado número de colmeias que podem ou não ter as populações de ácaros controladas, a linha resistente a ácaros não se sai melhor do que a linha não resistente. As futuras seleções de abelhas resistentes a ácaros podem precisar incluir características em que as forrageadoras que derivam de outras não são aceites nestas colónias resistentes, especialmente se as forrageadoras carregarem ácaros. “
fonte: https://academic.oup.com/jee/article/110/3/809/3072898
Neste outro artigo, este de divulgação científica, a investigadora que liderou este estudo, DeGrandi- Hoffman, refere: “Infelizmente, as mudanças climáticas podem agravar o problema da Varroa. As populações de ácaros dentro de uma colónia aumentam no outono, assim como o número de abelhas forrageiras que transportam ácaros do exterior. À medida que as temperaturas de outono ficam mais quentes e os períodos de tempo de vôo se prolongam por novembro, não apenas as abelhas voam no final do outono, quando deveriam estar na colmeia no cacho de inverno, mas os ácaros continuam a migrar para as colónias sobre as forrageadoras. Linhagens de abelhas melíferas que não admitem forrageadoras de outras colmeias ou que excluem forrageadoras com ácaros podem ajudar a controlar as infestações por Varroa. Mas, enquanto isso, as abelhas russas podem ser capazes de resistir à Varroa apenas em áreas nas quais os ácaros já estão bem controlados – ou, em outras palavras, em zonas onde as abelhas provavelmente não vão dar boleia às Varroas.”
Já nesta publicação mencionei como forte hipótese para a relativa ineficácia dos meus tratamentos de verão/outono neste últimos dois anos o influxo de ácaros indesejados vindos de fora por via da pilhagem. No estudo em cima são mencionados estes valores que vou deixar escritos a bold: “Houve um aumento particularmente acentuado após setembro, quando a infestação das larvas aumentou de 1% para 39% em outubro e 25% em novembro. […] em setembro a média era de 305 ± 47 ácaros foréticos por colónia (2,6 ± 0,6 ácaros por 100 abelhas), e esta taxa aumentou para 1220 ± 199 ácaros foréticos em novembro (12,6 ± 1,5 ácaros por 100 abelhas).” Neste panorama de apiários vizinhos tratados tarde e mal, com colónias a colapsar em cadeia a 2 ou 3 km de distância, infelizmente tão frequente no nosso país, não há abelhas resistentes que resistam e não há acaricidas que possam valer. Não será caso para dizer “volta Apivar que estás perdoado!”, este próximo ano vai ficar no banco como afirmei, mas é importante ter em consideração o contexto e os números desse contexto: aumento de infestação das larvas de 1% para 39% em um mês apenas!!!