Bob Binnie entrevista: tratamento da varroose com ácido oxálico

Grato ao Nuno Cascais por me ter chamado a atenção para este conjunto de entrevistas conduzidas pelo apicultor norte-americano Bob Binnie a dois investigadores da Universidade do Estado da Georgia. Jennifer Berry e Lewis Bartlett estão a conduzir esta investigação sobre o tratamento da varroose com recurso ao ácido oxalico. O meu interesse pelos tratamentos com ácido oxálico não é de agora (ver aqui e aqui). Contudo, o aumento substancial de apicultores a recorrerem a este químico simples para fazerem os tratamentos tem provocado um interesse cada vez maior nos investigadores. E assim, os estudos controlados que têm surgido recentemente ajudam-nos a compreender melhor as virtudes e limitações desta opção com o ácido oxálico.

Em baixo elenco um conjunto de dados e conclusões que estes dois especialistas têm retirado nos seus ensaios com a utilização de ácido oxálico:

  • ao contrário de Randy Oliver, que no clima quente e seco do norte da Califórnia, tem tido sucesso com os dispensadores lentos de ácido oxálico, isto é, com os suportes celulósicos com uma mistura de glicerina e ácido oxálico, no clima quente mas húmido da Geórgia os dispensadores celulósicos não são efectivos no controlo/abaixamento do número de varroas de acordo com os resultados obtidos por esta equipa de investigadores; a ecologia do local, em particular a maior humidade relativa do ecossistema do estado georgiano, parece estar na causa desta pouca efectividade, associado ao facto de neste estado as colónias terem criação presente ao longo de 12 meses, ou próximo disso;
  • outro aspecto que esta equipa testou foi o regime de tratamentos utilizado. Por exemplo vaporizaram com ácido oxálico as colónias num regime de 7 vaporizações com 5 dias de intervalo entre vaporizações; conseguiram estabilizar o número de varroas mas não conseguiram que a população de varroas decrescesse até números abaixo do limiar de danos económicos, isto é menos de uma varroa por cem abelhas adultas;
  • o pressuposto de que todas as colónias têm a mesma taxa de infestação no início dos tratamentos e, consequentemente, a mesma taxa de infestação no final do tratamento não é realista. Nesta publicação “arrisquei a pele” dizendo isto mesmo; é reconfortante ouvir agora a Jennifer Berry defender basicamente o mesmo: monitorizar sim, mas monitorizar todas as colónias porque todas as colónias apresentam à partida do tratamento e no final do tratamento diferentes taxas de infestação;
  • numa abordagem de Gestão Integrada de Pragas estas opções com ácido oxálico e neste contexto, presença de criação durante quase todo o ano e clima quente e húmido, podem não servir os objectivos dos apicultores;
  • Binnie coloca a questão sobre a extensão do período forético/fase de dispersão, se este pode ser inferior a 4 dias. Resposta: esqueçam tudo o que julgam saber. Pode ser menos de 4 dias. Como já referi em publicações anteriores, em laboratório, Rosankranz e colegas, identificaram varroas com um período forético de cerca de um dia;
  • o conceito tão caro à Gestão Integrada de Pragas de apenas tratar as colónias que atingiram o limiar de dano económico (2 a 3% de infestação de abelhas adultas) deve ser revisto. O “super-organismo” é o apiário todo, não a colónia. Os fenómenos de deriva, de pilhagem, os zângãos vagabundos, permite às varroas viajarem rapidamente entre colónias do mesmo apiário e entre colónias de apiários diferentes. Quando se identifica uma colónia que ultrapassou o limiar de dano económico devem tratar-se todas as colónias desse apiário;
  • com os métodos mais comuns de monitorização dos níveis de infestação, como a lavagem de abelhas adultas para fazer soltar os ácaros ou a queda destes em cartolinas/tabuleiros colocados no fundo das colmeias, podemos não obter uma boa representação, um número fidedigno, do nível de infestação das colónias.

identificando o impacto das condições climáticas nas doenças das abelhas melíferas

Publicado em novembro deste ano, este estudo longitudinal que decorreu entre 2006 e 2016 em Inglaterra e no País de Gales, com uma enorme riqueza de detalhes, teve como âmbito e objectivo clarificar a interacção entre a doença em abelhas e o clima, os dois principais causadores de perda de colónias, nas palavras dos autores. A equipa de investigadores, combinaram os registros de doenças resultantes das inspeções ao estado sanitário das colónias com dados meteorológicos para identificar o impacto do clima na loque europeia, loque americana, paralisia crónica das abelhas, varroose, ascosferiose e criação ensacada.

Segundo os autores “As abelhas melíferas sofrem de uma variedade de patógenos bacterianos, fúngicos, microsporídicos e virais, bem como ácaros ectoparasitários, que podem levar a uma saúde precária e à perda de colónias. Especificamente a loque europeia, loque americana, paralisia crónica das abelhas, varroose, ascosferiose e criação ensacada. São todas doenças que podem ter efeitos adversos diretos bem documentados em colónias de abelhas, como a deterioração da criação e paralisia de abelhas adultas. Além dos efeitos diretos óbvios sobre a saúde da colónia, a doença pode ter consequências indiretas mais subtis que são menos bem definidas e mais difíceis de estudar. Por exemplo, a perda de obreiras devido à infestação da colónia com ácaros Varroa destructor resulta em forrageamento pobre e subsequente inanição de larvas e adultos. Além disso, o encurtamento da expectativa de vida das abelhas infectadas com o vírus das asas deformadas associado ao ácaro pode levar à perda de colónias no inverno. Doenças da criação, como loque europeia, loque americana, ascosferiose e criação ensacada, são conhecidas por terem efeitos diretos significativos na saúde das colónias por causa de seu impacto nos estágios iniciais da vida, posteriormente limitando o número de futuras operárias disponíveis para realizar tarefas essenciais na colmeia.

As abelhas atendem a todas as suas necessidades nutricionais, procurando no seu ambiente local néctar (carboidrato) e pólen (proteína), mas o forrageamento depende muito das condições climáticas. Chuvas, baixas temperaturas e ventos fortes são conhecidos por restringir a atividade de forrageamento das abelhas. A escassez de pólen pode ocorrer após alguns dias sem forrageamento, levando à operculação mais precoce das larvas e redução da amamentação/fornecimento da geleia de obreiras. O consumo de pólen não fresco pode causar disbiose intestinal [desequilíbrio na flora intestinal em que existe alteração na quantidade e na distribuição de bactérias no intestino] e um aumento na prevalência de patógenos. O mau tempo na primavera e no verão, quando as colónias são mais populosas, pode levar ao aumento da congestão das colmeias, o que, por sua vez, tem sido relacionado com um aumento na transmissão de doenças. A mudança climática pode trazer um clima mais severo e imprevisível que pode, em última análise, ser prejudicial à sobrevivência das colónias de abelhas e pode alterar as fontes de alimento naturalmente disponíveis.” […]

Entre 2006 e 2016, houve 317.838 visitas às colónias por inspetores, com uma média de 28.894 por ano. A prevalência de cada doença variava anualmente. A loque americana foi a doença mais rara, seguida pela paralisia crónica das abelhas e loque europeia. Varroose, criação ensacada e criação de giz [ascosferiose] foram as três doenças mais prevalentes observadas durante as inspeções.”

Número total de casos de diferentes doenças das abelhas melíferas em Inglaterra e no País de Gales entre 2006 e 2016. Cada condado foi normalizado para casos por 1000 colónias visitadas para evitar viés do número de inspeções.

Vejamos as conclusões deste estudo fecundo de pistas para todos os apicultores que pretendem uma compreensão mais completa das relações entre o clima e a prevalência destas doenças:

  • A nossa nova abordagem analítica demonstra claramente pela primeira vez que o risco de quatro das seis doenças das abelhas melíferas é impactado por condições meteorológicas, apesar de ser causado por diversos agentes causadores que abrangem bactérias, fungos, vírus e ácaros.
  • As condições meteorológicas temperatura, precipitação e vento foram selecionadas por causa de sua clara influência no forrageamento e reprodução das abelhas.
  • O Varroa é um problema considerável para os apicultores em todos os lugares, devido à sua ubiquidade e vectorização de outras doenças. A infestação pelo Varroa aumentou com o aumento da temperatura e reduziu com o aumento da chuva e do vento. Embora a reprodução do Varroa exija a criação presente, os ácaros Varroa transferem-se entre as colónias de abelhas montadas nas costas de abelhas adultas que andam em busca de alimentos. A atividade de forrageamento das abelhas melíferas aumenta à medida que as temperaturas aumentam e quando a chuva e o vento diminuem. Como tal, os comportamentos que levam à transferência das abelhas entre as colónias, como a deriva, onde as abelhas adultas retornam para uma colónia diferente, e roubo/pilhagem, onde as forrageadoras roubam mel de outras colónias mais fracas, podem ocorrer durante os períodos que também permitem o forrageamento. Os eventos de transmissão ao nível de colónia, portanto, requerem tempo bom, e a maioria das invasões ocorreu no final do verão.
  • Nossa análise sugeriu que o risco do vírus da criação ensacada aumentou com o aumento das temperaturas, o que está de acordo com outros estudos, que sugerem que o vírus da criação ensacada tem maior probabilidade de ocorrer nos meses mais quentes.”
  • Criação de giz/ascosferiose é causado por um patógeno fúngico, e essa doença da criação tem uma relação oposta com a temperatura, tornando-se mais provável de ocorrer à medida que as temperaturas baixam. Embora isto aparentemente contradiga as observações de laboratório que determinaram a temperatura ideal para o crescimento do agente causador em 30 ° C, a temperatura no ninho com criação presente numa colónia de abelhas permanece constante, mesmo durante os períodos de frio. Os patógenos fúngicos precisam de humidade para se replicar e se espalhar, contudo não encontrámos nenhuma relação entre chuva e risco de criação de giz, o que é surpreendente.
  • Nossas observações indicam que o surgimento da paralisia crónica das abelhas é independente de qualquer mudança nos padrões climáticos, destacando uma causa alternativa para o surgimento. Estudos anteriores indicaram um aumento do risco de paralisia crónica das abelhas associado a certas práticas de apicultura, como a importação de rainhas, a escala da operação apícola ou a colocação de capta-pólenes nas colónias.
  • A loque americana foi a doença mais rara, com apenas 46 relatados em Inglaterra e País de Gales em 2016, muito mais baixa do que outros países. O baixo número de observações provavelmente contribuiu para nossa incapacidade de relacionar o risco de loque americana com qualquer condição específica. A loque americana é uma doença epidémica em Inglaterra e no País de Gales, com a maioria dos casos sendo provavelmente causados por acções humanas, como a importação de mel, e não pela disseminação natural. A loque americana é uma doença difícil de modelar, pois muitos dos veículos que lhe estão associados são difíceis de identificar, uma vez que estas epidemias costumam ser oportunistas e aleatórias, e os casos costumam ser exponencialmente baixos. A contribuição da propagação antropomórfica/com origem humana tem sido observada noutras regiões.
  • A loque europeia foi mais prevalente do que loque americana (356 casos em 2016), e nossa análise destacou algumas características interessantes desta doença endémica. O risco de loque europeia aumentou com altos níveis de chuva, clima associado a más condições de forrageamento. Os casos de loque europeia têm sido associados a condições de setresse nas colónias, como a falta de alimentos. Embora as abelhas armazenem quilos de mel durante os meses de verão, elas armazenam uma quantidade relativamente pequena de pólen. Períodos de chuva ou ventos fortes reduzem a oportunidade de forrageamento e podem adicionar setresse nutricional às colónias de abelhas, possivelmente contribuindo para surtos de loque europeia. Curiosamente, as abelhas recorrem ao canibalismo da criação durante os períodos de forrageamento insuficiente, e isso poderia contribuir para um aumento direto da transmissão de parasitas da criação dentro da colmeia. O risco de loque europeia no sul e no oeste é muito reduzido, sugerindo que o clima é um fator importante na distribuição/prevalência desta doença.

fonte: https://www.nature.com/articles/s41598-021-01495-w

Nota: os estudos científicos não se preocupam com a verdade geral e absoluta. De uma forma mais humilde, procuram compreender as relações entre as variáveis num contexto específico. No caso deste estudo não devemos esquecer que o contexto onde ele foi levado a cabo, Inglaterra e e País de Gales, é outro diferente do nosso. No nosso caso, atrevo-me a dizer que o calor extremo que se atinge nos meses de julho e agosto em certas zonas do nosso país tem um contributo inegável na redução do forrageamento, e deve ser uma variável a considerar por todos nós para, em conjunto com os dados deste estudo, poder fazer uma aproximação mais afinada à realidade da doença em colónias de abelhas no nosso país.

um documento essencial para a sobrevivência da apicultura portuguesa

Deixo em baixo o documento elaborado pelos apicultores João Neto e José Vicente, da Melbionisa, no âmbito de 2ª fase de consulta para a elaboração do PEPAC, 2023-2027 (ver aqui). Este documento deve ser lido com toda a atenção por todos nós, em particular pelas Associações de Apicultores, que o poderão/deverão ter como base de trabalho nesta fase de consulta do PEPAC 2023-2027. Tal como actualmente está desenhado, este Plano Estratégico para os próximos 5 anos não responde às dificuldades, necessidades e justas aspirações dos apicultores portugueses. A todos os companheiros, incentivo que façam chegar este documento às Vossas Associações, para que estas sejam os megafones das nossas preocupações, das nossas propostas, das nossas esperanças.

uma conversa no Bee-L sobre teoria e prática apícola

Um dos grandes passos para se tornar um verdadeiro apicultor é transcender as ideias apresentadas nos cursos básicos e na literatura básica e perceber que as abelhas são muito complexas e bastante inteligentes e que a apicultura não é apenas uma relação [assimétrica] de cima [apicultor] para baixo [abelhas] . Há uma conversa envolvida.

Algumas coisas são bastante previsíveis, mas outras são únicas e podem surpreender-nos. Você pode ler todos os livros, assistir a todos os vídeos, fazer todos os cursos e ter uma centena de colmeias, mas se não conseguir ler as abelhas, você está apenas a metade do caminho.” A.D.

A,B, C das abelhas.

Acho que fiz o percurso ao contrário. Comecei trabalhando para “verdadeiros apicultores” e só depois descobri que havia “cursos” para esse tipo de coisa. Ser um leitor voraz, no entanto, pelo que vejo, nunca me fez mal.” P.B.

Como tenho referido, teoria sem prática é um exercício fútil; prática sem teoria é actuação cega.

Quantas vezes tenho verificado que a teoria e conhecimentos transmitidos nos cursos básicos de apicultura são hiper-simplificações? quantas vezes tenho observado que os iletrados e sem formação andam cegos e não conseguem focar devidamente o seu olhar sobre aspectos fundamentais e críticos do comportamento das abelhas? quantas vezes tenho procurado fazer a melhor síntese entre o que leio e o que observo nas minhas colónias? Questões para cada um responder, se assim o entender.

reação dos enxames a um generoso fluxo de pólen: o testemunho de um amigo apicultor

Uma das diversas e sempre pertinentes questões que o meu amigo Marcelo Murta me colocou nas nossas muitas conversas foi esta: “Eduardo, como e quando estimulas os teus enxames?” Referi que tinha deixado de utilizar alimentação estimulante há vários anos atrás. Esclareci que o pólen com qualidade e em abundância, que as minhas abelhas colhem no campo e do qual se alimentam a partir de meados de fevereiro, é o único estimulante que conhecem. Para os meus objectivos, esse fluxo vem em boa hora e em quantidade suficiente para estimular os enxames. Esta publicação do Marcelo vem confirmar o que vejo todos os anos nos meus apiários de forma consistente.

Deixo em baixo o texto que o Marcelo teve a amabilidade de escrever para o meu blog. As fotos que acompanham e ilustram o texto são suas.

Meio envolvente.

“Após algumas observações que fui partilhando com o Eduardo nas últimas semanas sobre a minha experiência, fui desafiado pelo mesmo a partilhá-las convosco. 

Ao longo do último ano, anotei as florações existentes num determinado local e, após alguma reflexão, percebi que esse mesmo sítio me iria oferecer maior potencial do que tinha em Coimbra. Potencial este no que toca a localização, exposição solar, intensidade e variedade dos fluxos e pouca vespa asiática (pelo menos por agora). 

No passado dia 19 de Setembro, procedi à transumância de todas as minhas colónias situadas em Coimbra. 75% viajaram para um recanto bastante bonito em Alcobaça e as restantes mudaram de apiário, mas continuam por Coimbra. 

Com um maneio semelhante em todos os enxames, observo que as colmeias de Alcobaça evoluíram estrondosamente num espaço de um mês e meio e que as restantes 25% (Coimbra) estão ainda mais atrasadas e enfraquecidas. Não “culpo” a varroa ou vespa velutina pela situação, mas sim dois fatores extremamente importantes: (1) a existência de um variado e constante fluxo de pólen em Alcobaça desde setembro e (2) a inexistência de um bom e rico fluxo de pólen em Coimbra. 

As fotos que se seguem são referentes aos enxames transumados para Alcobaça.

Na primeira observação, realizada após 3 semanas (10 de outubro), foi possível verificar o forte fluxo de pólen ao longo dos quadros que ia observando. De relembrar que os enxames chegaram com quadros vazios de qualquer reserva de pólen.

Quadro com mel e pão de abelha fresco.

Nesse mesmo dia, também foi visível o impacto deste fluxo constante e variado.

Quadro de criação.
Quadro de criação com uma grande abóbada de mel e pólen. Acredito que nesta descrição o Eduardo colocaria: “estes são os quadros que gosto de ver à entrada e saída do inverno” :).

A 29 de Outubro, a cadência manteve-se, sendo possível de verificar uma forte manifestação do fluxo de néctar uma vez que já era possível sentir os seus doces odores na aproximação ao apiário e, claramente, visível no interior da colmeia, resultado dos poucos mas bons eucaliptos existentes na zona.

O padrão recorrente nos diversos enxames:

Quadro de criação.
Ninho com abelhas.

Após 6 semanas, os enxames transumados em núcleos levaram a primeira meia alça e sobreninho (“colmeia armazém“) para receber o fluxo atual proveniente do eucalipto e de preparo para a entrada do fluxo de medronheiro, que se encontra ativo neste momento.

Colmeia com meia alça.

Não consegui detetar a fonte de pólen nos meses de setembro e outubro. No entanto, havia uma forte predominância da Tágueda, mas sem qualquer visita por parte das abelhas. Verifiquei sim a predominância de abelhas nos figos e no alecrim, que já se via em flor, na altura. Penso que haverá outras florações com maior interesse polinífero que não me são conhecidas (os locais que me ajudem). Ao longo destes dois meses, observei, principalmente, a entrada de pólen laranja, amarelo e um branco amarelado.

Na foto seguinte é visível alguma variedade do pólen armazenado nas últimas semanas. É visível um pólen branco que nos levantou alguma curiosidade sobre a sua possível origem.

Quadro de pólen em tons de laranja, azuis, cinzentos e brancos.

Os enxames de Coimbra encontram-se, à data de 29 de outubro, maioritariamente sem criação e com reservas de pólen praticamente inexistentes.

A foto seguinte representa o padrão: algumas reservas de mel, néctar e uma clara ausência de pólen que se reflete numa interrupção de postura por parte da rainha. “

Quadro de um enxame em Coimbra com abelhas e néctar.

varroa destructor, esse grande desconhecido

No passado dia 31 de julho, fiz esta pequena publicação no meu mural do FB, relatando o que podem ler.

No seu útimo webinar (infelizmente indisponível por enquanto) Samuel Ramsey, este jovem e genial investigador, veio revelar algumas das suas mais recentes descobertas. Entre outras, esta descoberta, aqui relatada nas palavras de P.H. um membro da lista do fórum Bee-L, e que vem contribuir para compreender o que relatei nesse dia 31 de julho : “Uma apresentação verdadeiramente magistral! Graças ao NY Bee Wellness. Entre os novos fatos apresentados este:

  • o Varroa tem a capacidade de “suster a respiração” dobrando/fechando os seus canais respiratórios. Pode sobreviver várias horas submerso em álcool e com possíveis implicações na [menor] eficácia dos acaricidas que funcionam por evaporação [timol e fórmico], especialmente nos tratamentos de curta duração/flash.”
Samuel Ramsey, tem feito investigação “fora da caixa” e devidamente sustentada em observações empíricas. O melhor de dois mundos!

Nota 1: sobre uma outra notável descoberta de Samuel Ramsey podem ler mais aqui;

Nota 2: Na Europa estão identificadas populações de varroa resistentes aos vapores do timol. Sabemos também que os tratamentos flash com fórmico estão associados a maiores taxas de mortalidade de colónias na Áustria. É possível, com estes tratamentos flash por evaporação, que estejamos a seleccionar as varroas com maior capacidade de “suster a respiração”. E são essas que, sobrevivendo, vão passar as suas características às gerações seguintes. Darwin, e outros de lá para cá, explicaram estes mecanismos de sobrevivência dos indivíduos mais adaptados e transmissão aos descendentes dessas características que favorecem a adaptabilidade há quase 170 anos.

influência do clima na evolução da varroose: estudo espanhol

Este estudo espanhol (1995) aborda a influência de três tipos de clima na evolução da varroose. Este é um assunto que me interessa particularmente dado que verifico que a varroose nos meus apiários a 600m de altitude é, em geral, mais difícil controlar (felizmente não tem sido impossível, apenas mais difícil) do que nos apiários a 900m. Como estão apenas distanciados uma a três dezenas de quilómetros não posso afirmar que estejam em zonas com tipos de clima diferentes. Contudo há aspectos de pormenor que os distinguem, em especial as temperaturas mínimas, mais baixas nos apiários a 900m, e os diferenciais entre as temperaturas mínimas e as temperaturas máximas, mais elevados nos apiários a 900m. Extrapolando os dados do estudo para a minha realidade, estes factores estarão a abrandar a dinâmica de crescimento das populações de varroa nos meus apiários a mais alta altitude. Pela minha constatação, a olho, deste fenómeno, inverno sempre um número maior de colónias nos apiários de altitude. As abelhas, pelo que vou vendo ano após ano nestes apiários de montanha, lidam muito bem com o frio, estando devidamente desparasitadas e devidamente fornecidas de alimento e com populações acima das 7000- 8000 abelhas (4 quadros cobertos de abelhas mínimo para não correr riscos desnecessários).

“Resumo: Estudámos a dinâmica da população de V. Jacobsoni [alguns anos mais tarde os especialistas concluíram que o haplotipo presente na Península Ibérica era o haplotipo coreano V. destructor] na Andaluzia, no
sul da Espanha, região onde existem grandes contrastes climáticos. Realizou-se amostragem mensal, de julho de 1990 a outubro de 1992, sem tratamento acaricida, em 26 colmeias distribuídas em 9 apiários em toda a Andaluzia, com exceçpão de uma colmeia localizada em Cáceres. Estas zonas correspondem às seguintes 3 regiões climáticas: Mediterrâneo continental e oceânico (MCO), Mediterrâneo continental (CM) e Mediterrâneo subtropical (MS). O desenvolvimento das populações de ácaros foi estudado levando-se em consideração os seguintes parâmetros: mortalidade natural (M), taxa de infestação de abelhas adultas (TIA) e taxa de infestação de criação (TIC). As taxas de infestação para os 3 tipos de climas foram, respectivamente, 9,9; 4,1 e 6,1 ácaros por 100 abelhas adultas. Da mesma forma, as taxas de infestação de cria foram 34,2; 17,8 e 24,8 ácaros por 100 alvéolos. O período de máxima infestação variou dependendo da região climática. Os valores globais para as 3 regiões estudadas foram de 8,2 ácaros por 100 abelhas e 29,5 ácaros por 100 alvéolos.”

Deixo em baixo a caracterização que os autores fazem das três regiões climáticas.

  • i) O Vale do Guadalquivir, a linha de costa oceânica e a Extremadura, que representam uma área com clima mediterrânico predominantemente continental, mas com uma orla costeira de clima mediterrânico oceânico; toda esta zona sendo considerada como uma região climática (MCO), caracterizada por uma temperatura média anual de 18 ° C e uma humidade relativa média bastante elevada. Estabelecemos 12 colónias em 6 locais diferentes. [região com as mais elevadas taxas de infestação nas abelhas adultas e criação];
  • ii) A área dos planaltos da Andaluzia oriental e do sulco Intrabético tem um clima mediterrâneo continental (CM) com uma temperatura média anual entre 13 ° C e 15 ° C e uma variação térmica anual bastante elevada (a partir de 7 ° C a 20 ° C). A humidade média é mais baixa do que na região climática anterior e os períodos de geada são bastante frequentes. Nós amostrámos 8 colónias localizadas em 2 locais. [região com as mais baixas taxas de infestação nas abelhas adultas e criação];
  • iii) A zona da costa mediterrânica subtropical (MS), de clima mediterrâneo subtropical, apresenta oscilações térmicas fracas, um inverno ameno e uma temperatura média anual de 18 ° C a 19 ° C. Nesta área, estudamos 6 colónias localizadas no mesmo local. [região com taxas intermédias de infestação nas abelhas adultas e criação].

fonte: https://www.apidologie.org/articles/apido/pdf/1995/05/Apidologie_0044-8435_1995_26_5_ART0002.pdf

Nota 1: numa futura publicação conto apresentar outras explicações, desta feita com a ênfase colocada nas diferenças entre a condução das colónias a 600 m e as colónias a 900 m que, na minha opinião, estão subjacentes a diferentes dinâmicas de evolução das populações de varroa.

Nota 2: bons tempos, ou menos maus, onde era possível ter colónias a sobreviverem sem aplicação de acaricidas mais de dois anos. É bem revelador que actualmente a crescente gravidade da varroose parece ser mais função do aumento de virulência dos vírus veiculados pelas varroas, em particular os vírus das asas deformadas e os vírus da paralisia aguda, do que nas varroas per si.

abelhas resistentes: aprender com quem faz bem o trabalho

Como já referi, o esforço na selecção de linhas resistentes é meritório. Contudo a transferência destas linhas resistentes para os apiários dos apicultores europeus e norte-americanos está a processar-se a conta-gotas, com a consequente diluição do traço resistente ao longo do tempo. Mais, os dados de inquéritos de grande escala a apicultores europeus e norte-americanos revelam que estas linhas não estão a sobreviver mais do que as linhas não resistentes. No caso ibérico coloca-se ainda o problema de actualmente faltarem programas sustentados e credíveis de desenvolvimento de linhas resistentes com a abelha autóctone.

O que interessa aos apicultores que adquirem linhas resistentes? Basicamente que as linhas resistentes sobrevivam mais e com menos cuidados (menos acaricidas e menos monitorização) e produzam tanto ou mais que as linhas não resistentes. Como disse atrás, não é isso que os apicultores inquiridos verificam nas suas linhas resistentes: morrem em igual número.

Talvez seja altura de questionarmos se os traços para os quais se está a seleccionar, especialmente o VSH, o grooming e o REC, serão os indicados.

Costuma-se dizer que se queremos aprender a sério devemos aprender com aqueles que fazem bem o trabalho. Neste caso de resistência ao Varroa é a Apis cerana que está a fazer bem o trabalho. Resiste há muito ao Varroa. E como faz a A. cerana para resistir?

Foi descoberto recentemente um comportamento nestas colónias que pode explicar boa parte da sua resistência. Está descrito neste artigo (li-o pela primeira vez há uns anos atrás, e decidi referi-lo só agora, depois de o Randy Oliver o ter referido no Bee-L há umas semanas atrás, dizendo que poderá ser o caminho para criar linhas de abelhas mais resistentes que as actuais existentes no mercado das linhas resistentes).

De uma forma muito sumária, foi descoberto um comportamento de “suicídio altruísta” das larvas e pupas da A. cerana quando feridas pelo Varroa.

Na linha de cima vemos a expressão deste comportamento de “suicídio altruísta” ou “apoptose social”, larvas infestadas que “decidem” não continuar o seu desenvolvimento após serem feridas pelo Varroa, “decidem” deixar-se morrer. Foi feito um teste (ler artigo) que mostra de forma transparente que as larvas da A. cerana se deixam morrer, mesmo quando feridas de forma não letal. Na linha debaixo vemos pupas de um grupo de controle não infestado.

Os autores escrevem “Assim, a suscetibilidade significativamente maior da criação infestada por ácaros do hospedeiro original de V. destructor [A. cerana] leva a um comportamento higiénico mais eficiente, fornecendo uma base para a sobrevivência da colónia de abelhas ao parasitismo e constituindo uma característica de resistência adicional do hospedeiro original deste parasita . Nossos resultados fornecem uma explicação mais parcimoniosa para as diferenças marcantes no impacto de infestações pelo haplótipo coreano de V. destructor entre as espécies de abelhas melíferas ocidentais [europeias] e orientais. A suscetibilidade da criação também pode contribuir para a sobrevivência da colónia à infestações de ácaros V. destructor em populações de A. mellifera naturalmente resistentes.

fonte: https://www.nature.com/articles/srep27210

Obviamente, para mim, a solução está em aprender com a A. cerana, não em importar a A. cerana para o nosso país/Europa. Onde estão os estudos do impacto ambiental que decorrem da hipotética introdução desta espécie no nosso país/Europa? Aparentemente alguns apicultores, que se dizem amigos do ambiente e do ecossistema, estariam dispostos a introduzir um sério competidor por néctar e pólen, e que resistindo ao ácaro e com o elevado comportamento de enxameação que lhe é característico, muito provavelmente se tornaria uma população dominante, contribuindo inexoravelmente para a exaustão dos recursos melíferos tão necessários aos nossos insectos polinizadores, em particular os polinizadores selvagens que tantos riscos já correm. E tudo para terem ganhos de curto-prazo!? E ao mesmo tempo criticam os importadores e bodegueiros que trabalham com mel chinês por verem apenas os seus ganhos de curto-prazo!?

monitorização da taxa de infestação por varroa: algumas reflexões

As minhas notas dizem-me que foi em 2014. Nesse ano munido da melhor ciência que conhecia, decidi iniciar o segundo tratamento para controlar a varroose tendo suporte na informação que recolhi através da monitorização de cerca de 20% das minhas colónias. A técnica que escolhi na altura para avaliar a taxa de infestação está aqui descrita. Os dados que obtive em finais de julho nesta amostra de colónias indicavam uma taxa de infestação a tocar os 1,6%. Munido deste valor e da melhor ciência que conhecia na altura, que indicava (e continua a indicar) que o número de varroa duplica por mês, e que o limiar económico da taxa de infestação para iniciar os tratamentos não deve ser superior a 3% neste período pós-cresta, iniciei o segundo tratamento em finais do mês de agosto.

Com a ajuda de minha esposa, este ano voltei novamente a utilizar a técnica de lavagem de abelhas para ter um indicador da eficácia do tratamento intermédio que utilizei.

2014 foi último ano em que a mortalidade por varroose chegou aos 18%. Apesar de ter feito tudo “by de book”, com base na melhor ciência que conhecia, comecei a questionar-me sobre os procedimentos. Esta dúvida em particular, não me deixou mais: se as taxas de infestação não são uniformes entre as colónias, como poderei convencer-me que uma amostragem de 20% das colónias vai espelhar com rigor a taxa de infestação de todas as colónias no apiário?

De lá para cá, por tudo o que tenho observado nas minhas colónias, por tudo o que tenho lido (em especial o que é escrito pelo Randy Oliver acerca dos casos de colónias outliers, que sempre encontra quando testa as suas 1600 colónias), convenci-me que decidir tratar ou não tratar, avaliar se o tratamento foi ou não eficaz, tudo isto com base em amostras que deixam de fora 80% ou mesmo 70% das colónias de um apiário não é suficientemente confiável. Para mim não é!

David Tarpy, um dos nomes mais proeminentes da apicultura norte-americana, investigador e extensionista de enorme reputação, escreve o seguinte a este respeito: “As recomendações atuais são monitorizar todas as colónias de abelhas quanto à infestação do ácaro Varroa, de preferência várias vezes ao longo de uma temporada, para determinar se e quando o tratamento é necessário. Também é recomendado que várias técnicas de amostragem sejam empregadas para garantir que uma medida precisa seja obtida para cada colmeia.”

Monitorizar sim, claro que sim, e acrescento: monitorizar devidamente… para não iludirmos a pessoa mais fácil de iludir: nós próprios.