2023: um ano de varroa, uma reflexão e questões

Todos os anos são anos de varroa, é bem verdade! Contudo, alguns anos são mais graves do que outros. E 2023 está a ser um ano muito mau, a este respeito.

Esta impressão que tenho, de conversas com amigos acaba de me ser confirmada pelo Francisco Rogão, apicultor amigo que dispensa apresentações, mas que com justiça devo dizer que me tem ensinado e a muitos outros com base na sua vasta experiência e profundo conhecimento do que se passa no terreno.

Nesta conversa o Franciso dizia-me que vários apicultores já retiraram 40-50% das suas colónias colapsadas nas útimas semanas, e que na sua opinião e com base nos relatos que lhe fizeram, este lamentável acontecimento se deveu à varroa.

Tanto ou mais impressionante é o Francisco dizer-me que apesar de estar a monitorizar e a tratar como nunca fez, continua a encontrar uns impressionantes 34% de infestação na criação de várias colmeias e 2% de infestação nas abelhas adultas. Ela está lá, “escondida” dentro dos alvéolos e provavelmente com um período de dispersão (forético) significativamente mais curto do que há 10-15 anos atrás.

O Franciso pediu-me para deixar este alerta: tratem e monitorizem. E conclui que em anos como este as suas colónias estão vivas porque as tratou 5 ou 6 vezes. Também neste aspecto estamos em sintonia, acerca da importância e necessidade dos tratamentos intermédios durante a época de produção, por forma a manter as taxas de infestação abaixo dos 3-5% neste período.

Reflexão: Em boa verdade dou comigo a reflectir sobre estes números: Delaplane indica que o limiar económico da população total de varroas em agosto não deve ultrapassar o intervalo de 3000-4000 em colónias com 25000-33000 abelhas*. Neste cenário, que não devemos ignorar é um cenário optimista, e para um tratamento de final de verão/outono verdadeiramente eficaz trazer este número de varroas abaixo das 50 varroas, o recomendado pelo INRAE/ITSAP franceses, a eficácia do mesmo teria de ser superior a 98%.

Sobre tratamentos durante o período de colheita das abelhas, em especial os tratamentos com ácido oxálico é o melhor documento que conheço, à data.

Questões: qual o medicamento que na actualidade tem esta eficácia superior a 98%? Qual o medicamento que na actualidade devemos considerar “principal”? Não estaremos a entrar numa nova época em que todos eles deverão ser percepcionados como intermédios, porque com eficácias de 80% ou menos nos obrigarão a tratamentos de dois em dois meses?

Foram estes os dados, as reflexões e as questões que deixei o ano passado na palestra que fiz a convite da AALC, no âmbito do seu seminário de apicultura que decorreu em Cantanhede.

* https://www.apidologie.org/articles/apido/abs/1999/04/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004.html

acaricidas: temos de mudar de vida, mas a utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais será a solução?

Ontem, na sequência desta publicação, fui contactado por três companheiros, a confirmarem que os tratamentos com amitraz, 2 deles a utilizar os caseiros e o terceiro a utilizar homologados, não estão a limpar devidamente as suas colónias. Estes testemunhos, a juntar à minha experiência, ao testemunho de outros companheiros e aos estudos franceses e norte-americanos referenciados neste blogue, reforçam duas convicções que tenho desde 2020: o problema não é apenas uma perda de eficácia dos homologados, fruto de uma hipotética sabotagem das farmacêuticas que os produzem, o problema é um acréscimo de varroas resistentes ao amitraz, seja ele veiculado por medicamentos homologados ou por medicamentos caseiros.

Sem surpresa para mim e no seguimentos dessa mesma publicação, um ou outro apicultor, defendem que a solução está no modelo alemão ou austríaco. Estes modelos utilizam exclusivamente (ou quase) os ácidos fórmico e/ou oxálico e os óleos essenciais, o timol sobretudo. Os acaricidas de síntese foram proscritos nestes países. Não me vou focar no conjunto de ideias falsas sobre os resíduos de amitraz no mel e cera que alguns apicultores teimam em veicular, porque os estudos e relatórios estão disponíveis para a leitura de quem teima no fearmongering —alguns destes estudos estão referenciados noutras publicações deste blogue. O foco da publicação de hoje é este: o que nos dizem os inquéritos epidemiológicos acerca da utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais sobre a sobrevivência invernal das colónias de abelhas (vou chamar-lhe opção AOE).

Na Alsácia francesa os dados recolhidos ao longo de mais de 10 anos revelam que a opção AOE está associada a taxas de mortalidade invernal superior quando comparada com a opção tratar com amitraz — fiz várias publicações em torno destes relatórios.

Nos EUA, um estudo de 2019 que apresenta a análise de dados recolhidos ao longo de 4 anos naquele país, revela que a utilização do amitraz está associado a taxas de mortalidade mais baixas do que a que resulta da utilização de outros acaricidas, entre os quais estão os da opção AEO *.

Mais impressivo é um estudo, publicado em 2019, que compara a morte invernal durante 4 anos em dois países europeus vizinhos, onde num deles a opção AOE é a mais comum e no outro a opção mais comum é a utilização de acaricidas de síntese, nomeadamente o amitraz. Os dois países são a Áustria e a Chéquia. No primeiro país temos uma população de apicultores das mais educadas da Europa, com muitos anos de experiência na utilização de ácidos e óleos essenciais e, ainda assim, a mortalidade invernal de colónias é superior à do país vizinho que utiliza maioritariamente o amitraz na forma fumigada**.

Depois de em 2020 ter constatado uma menor eficácia do Apivar, em 2021 decidi fazer um tratamento intermédio à base de um ácido orgânico. Para as minhas abelhas ainda bem que não fui um apicultor teimoso, radical e purista. Não lhes causei morte e sofrimento evitável.

Em conclusão, espero que no conjunto destas duas publicações fique bem claro o meu pensamento:

  • estou convicto que em Portugal há populações de varroas resistentes ao amitraz;
  • nestes casos, é uma prática arriscada continuar a tratar exclusivamente com amitraz;
  • confrontados com esta realidade não defendo que a estratégia de tratamentos se deva restringir à utilização de acaricidas ditos orgânicos. Esta opção, mesmo que utilizada por uma população de apicultores educados como os austríacos, está associada a taxas de mortalidade superior às que se registam quando a opção é um cruzamento de acaricidas sintéticos com acaricidas orgânicos, como no caso da Chéquia;
  • em Portugal, com temperaturas elevadas ao longo de muitos meses seguidos, com criação presente durante (quase) todo o ano, copiar modelos de países do centro e do norte da Europa não acredito que seja a solução. Dos dados que conheço para Portugal, as taxas de mortalidade em modo BIO situam-se entre os 26% e os 50%, em média (cf. Manual de Apicultura em MPB, FNAP);
  • em Portugal, continuar a insistir na utilização exclusiva de amitraz em apiários onde se tem verificado abaixamento da sua eficácia numa percentagem importante de colónia nos últimos anos, não me parece o caminho;
  • o caminho, na minha opinião, está na utilização adequada e pertinente de acaricidas sintéticos e acaricidas orgânicos, sem preconceitos ideológicos, até porque a varroa não é travada por ideologias, é travada por uma estratégia de tratamentos realista e ajustada às condições particulares de cada país e de cada apiário.
Lista parcial de MUV em 2017. Como vemos esta estratégia mista que tanto me agrada é perfeitamente viável com os medicamentos homologados em Portugal. O maior entrave a esta estratégia é a política de apoio à sua aquisição. Os apoios para apenas dois tratamentos por ano são insuficientes segundo a minha experiência e a de outros. Um tema para uma outra publicação.

fontes: * https://academic.oup.com/jee/article/112/4/1509/5462560; ** https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167880919300027

varroas resistentes ao amitraz: facto ou ficção?

Entre 2011 e 2020 o amitraz, veiculado pelas tiras de Apivar, foi o princípio activo que preferi para medicar as minhas colónias. Ressalvo que não o utilizei em exclusivo neste período, e que fui fazendo rotações com outros princípios activos: o tau-fluvalinato e a flumetrina. Além da rotação dos princípios activos fiz também um ajustamento nas datas de tratamento e na duração dos mesmos. Estes procedimentos basilares permitiram-me manter, entre 2014 e 2019, taxas de mortalidade de colónias por varroa abaixo dos 3%, com dois tratamentos anuais em 4 destes 6 anos.

Em 2020, e seguindo basicamente a mesma estratégia vencedora dos anos anteriores, choquei contra a parede! Não tivesse feito adequadamente a habitual monitorização das minhas colónias durante e no final do tratamento de verão, e teria perdido 20-25% das minhas colónias para a varroa (ver aqui). Felizmente re-tratei a tempo e as perdas não ultrapassaram os 5%.

Confrontado com estes resultados insatisfatórios, resolvi modificar a minha estratégia de medicação como relatei em diversas publicações que fiz a este propósito. De forma sumária, em 2021 e 2022 introduzi um tratamento intermédio à base de ácido oxálico, em 2022 fiz a rotação dos princípios activos no tratamento de final de inverno com a utilização do Apistan, e utilizei uma galénica diferente para veicular o amitraz no tratamento de verão de 2022. Os resultados melhoraram. Em 2023, caso tivesse colmeias, iria introduzir mais alterações como por exemplo, a interrupção artificial da postura para uma utilização mais eficaz do oxálico ou um tratamento adicional com fórmico.

Hoje, olhando para trás, desde 2020 procurei encontrar uma resposta gradualista para um problema acerca do qual não tinha a certeza da sua causa. Nestes últimos anos, a mortalidade por varroa subiu um pouco, mas não ultrapassou os 5%. A habitual monitorização assídua das colmeias durante o período de tratamento (10 a 12 semanas) em muito contribuiu para este desfecho.

Seria um problema de decréscimo da qualidade dos medicamentos, isto é, as farmacêuticas estariam a sabotar os medicamentos para os tornar menos eficazes? Seria um problema de populações de varroas resistentes aos medicamentos que estava a utilizar? Seria um problema de maneio? Seria outra razão qualquer?

Para perceber o que se estava a passar, pesquisei em relatórios e estudos à procura de respostas para as minhas dúvidas. Em finais de 2021 tomo conhecimento que em França são identificadas pela primeira vez populações de varroa com níveis moderados a elevados de resistência ao amitraz (ver aqui).

A descoberta destas populações resistentes conduziu a mais investigações para se identificar o mecanismo subjacente à resistência. Em simultâneo estava a realizar-se nos EUA um estudo semelhante para as populações resistentes também lá encontradas recentemente. Estes dois estudos identificaram duas mutações genéticas associadas à resistência ao amitraz: estas mutações genéticas ocorrem em dois aminoácidos presentes nos receptores celulares dos ácaros onde o amitraz se liga (ver Resistance to amitraz in the parasitic honey bee mite Varroa destructor is associated with mutations in the β-adrenergic-like octopamine receptor [https://link.springer.com/article/10.1007/s10340-021-01471-3].

Este “filme” da resistência ao amitraz está a seguir um guião muito semelhante ao da resistência ao fluvalinato, ocorrido cerca de duas décadas antes. Mais tarde ou mais cedo, a natureza encontra um caminho para a espécie sobreviver e transmitir os genes a novas gerações, neste caso o caminho da resistência aos acaricidas utilizados para a eliminar.

Tiras de apivar retiradas da minha colmeia número 514, no final do período de tratamento.

Respondendo à questão do título: a minha opinião, documentada, é que a resistência ao amitraz é já um facto inquestionável em certas populações de ácaros varroa em França e EUA. E em Portugal? Desconheço que tenha sido feita alguma avaliação formal e devidamente controlada no nosso país e nos anos mais recentes. Ainda assim, seria surpreendente que por cá não existam populações de ácaros com algum grau de resistência ao amitraz, tendo em consideração a minha experiência pessoal e a de companheiros que referem uma menor eficácia com este princípio activo nos últimos dois a três anos. Estou convencido de que os “anos dourados” dos dois tratamentos anuais com amitraz, veiculados por medicamentos homologados e/ou caseiros, que funcionavam em mais de 90% das colónias, acabaram!

vespa velutina: exemplar encontrado nos EUA

Depois de há três anos ter sido encontrado o primeiro exemplar de V. mandarinia e seus ninhos nos EUA, foi encontrado o primeiro exemplar de V. velutina no Estado da Geórgia. Não é referido se é um indíviduo reprodutor (fundadora ou macho). Espero que as autoridades administrativas juntamente com os especialistas façam esse diagnóstico rapidamente, para afinarem a sua estratégia de eliminação/contenção deste insecto invasor.

Como foi encontrado no passado dia 9 de Agosto por um apicultor (provavelmente a predar junto das suas colónias, especulo eu) é muito provável que se trate de uma obreira, o que deverá querer dizer que, pelo menos, há um ninho activo nas proximidades. Havendo apenas um ninho, não sendo localizado e eliminado antes da dispersão de novas fundadoras, a praga tem todas as probabilidades de se expandir como aconteceu na Europa. Havendo vários ninhos, só um milagre impedirá o começo da invasão.

fonte: 8.14.23 Yellow Legged Hornet Release.pdf

Lembro o que já escrevi noutra publicação: “A acontecer a erradicação deste insecto invasor seria um feito nunca visto. A história diz-nos que nenhuma vespa social invasora foi alguma vez erradicada dos novos territórios colonizados (Beggs et al., 2011). À luz deste histórico deprimente o futuro não se afigura brilhante para os companheiros apicultores da américa do norte, que muito provavelmente irão ter de se conformar a viver com este insecto invasor e dar-lhe luta, como nós apicultores europeus o temos vindo a fazer com a Vespa velutina.”

vespa velutina: qual o insecticida adequado para os iscos proteicos?

“A obra prima do mestre” e “A prima do mestre de obra” parecendo semelhantes, são duas coisas muito diferentes. Também assim se passa no domínio dos insecticidas que se utilizam na formulação dos iscos proteicos. Sendo todos eles insecticidas apresentam grandes diferenças nos resultados finais do combate a pragas de vespas exóticas, uns muito mais eficazes que outros. Qual ou quais os devemos preferir para garantir os melhores resultados no combate às vespas velutinas?

Sabemos que na Nova Zelândia é comercializado um isco no combate a pragas de vespas exóticas e o insecticida utilizado é o fipronil. Sabemos que em Espanha, num estudo recente sobre a eficácia dos iscos proteicos na redução de predação da V. velutina em apiários, também se utilizou o fipronil. Vejo aqui um padrão: uma empresa comercial neo-zelandesa, que seguramente deseja fornecer o melhor produto possível aos seus clientes, escolheu o fipronil; os investigadores espanhóis, que seguramente fizeram investigação bibliográfica prévia para selecionar o melhor insecticida, também escolheram o fipronil.

Vejamos o que nos diz uma equipa de investigadores japoneses a este respeito, no artigo de revisão em torno da escolha do insecticida adequado para o controlo da V. Velutina no Japão e com recurso a iscos proteicos. (Review of the invasive yellow‑legged hornet, Vespa velutina nigrithorax (Hymenoptera: Vespidae), in Japan and its possible chemical control (Appl Entomol Zool (2017)).

(a) uma vista dorsal de uma Vespa
velutina nigrithorax rainha. (b)
Ninho de V. velutina nigrithorax
num galho de árvore (círculo vermelho).
(c) ninho de V. velutina nigrithorax

“Encontramos 17 relatórios/estudos dedicados exclusivamente ao controle químico de três espécies de Vespula no campo. No total, 22 pesticidas foram usados em 35 casos. A isca mais comum era comida de gato enlatada, contendo frango, atum ou sardinha, que foi utilizado em 21 casos. Ambos, frango e peixes foram avaliados como os melhores para atrair as vespas.

Seis dos pesticidas reduziram bastante a atividade das colónias, sete deram uma redução limitada, oito não apresentaram redução […].”

Pode ver-se no artigo que entre os oito pesticidas ineficazes, se encontram o acetaprimida e o imidacloprida. Estes pelo seu efeito repelente de insectos são pouco eficazes. O primeiro insecticida está presente no Blattanex, o segundo está presente no Advantix. Estas duas marcas de antiparasitantes estão a ser utilizados por alguns apicultores no combate à pressão da V. velutina, pelos relatos que vou lendo nos grupos de apicultura. Para levar para casa, insecticidas repelentes de insectos não são adequados.

Tabela [parcial] dos pesticidas utilizados nos iscos. Podemos confirmar que o fipronil é a principal opção, com uma avaliação muito positiva em diversos ensaios. Por outro lado a acetiprimida [presente no Blattanex], que é altamente repelente, a sua eficácia é avaliada como negativa.

Da lista dos seis pesticidas com melhor eficácia os autores japoneses retiraram 4, por terem sua venda condicionada e limitada em muitos países. Os dois pesticidas que restam na lista são o diazinon e o fipronil. Da lista destes dois, os investigadores referem que o primeiro é suspeito de ser carcinogénico. Da lista inicial com 22 pesticidas, o fipronil é a opção mais adequada.

Sabemos que o fipronil é um potente insecticida e portanto a sua utilização deve ser bem ponderada e apenas ser levada a cabo em casos de pressão elevada de velutina sobre as colmeias, isto é quando as velutinas começam a provocar a paralisia do voo das abelhas; deve ser utilizado com extrema prudência, de forma a evitar que as abelhas contactem com o isco e superfícies onde esteve depositado; e deve utilizar-se a dose mínima necessária de fipronil — entre 0,01% (p/p) e 0,1% (p/p) —, para minimizar eventuais danos colaterais e as velutinas tenham tempo de chegar ao ninho, num voo que demora em média +15 minutos a efectuar.

Respondendo à questão do título concluo, fundamentado nos documentos apresentados, que o insecticida mais adequado para utilizar nos iscos é o fipronil. A opção por outros não me parece fundamentada. Sei que alguns apicultores gostam de ser inventivos, mas neste caso sou de opinião que nada se ganha com isso.

mel: uma alternativa natural e dietética para o tratamento de doenças cardiovasculares

Publicado em 2020, o artigo Cardioprotective Effects of Honey and Its Constituent: An Evidence-Based Review of Laboratory Studies and Clinical Trials (Efeitos cardioprotetores do mel e seus constituintes: uma revisão baseada em evidências de estudos laboratoriais e ensaios clínicos) apresenta uma revisão da literatura na área. Os artigos de revisão são importantes porque apresentam uma visão holística do conhecimento científico mais relevante produzido num determinado período — últimos 60 anos neste estudo — e o relativo consenso alcançado pela comunidade científica numa determinada área de estudo — no presente caso os efeitos cardioprotetores do mel e seus constituintes.

Foto da minha cresta de 2021.

Resumo:
A doença cardiovascular é um grande problema de saúde pública em todo o mundo. O enfarte do miocárdio é a forma mais comum de doença cardiovascular resultante do baixo suprimento de sangue ao coração. Pode levar a outras complicações, como arritmia cardíaca, acúmulo de metabolitos tóxicos e áreas de enfarte permanente. O mel é um dos remédios medicinais mais apreciados desde a antiguidade. Há evidências que indicam que o mel pode funcionar como um agente cardioprotetor em doenças cardiovasculares. A presente revisão compila e discute as evidências disponíveis sobre o efeito do mel nas doenças cardiovasculares. Três bancos de dados eletrónicos, PubMed, Scopus e MEDLINE via EBSCOhost, foram pesquisados. O período estudado vai de janeiro de 1959 a março de 2020 e visou identificar relatórios sobre o efeito cardioprotetor do mel. Com base nos critérios de elegibilidade pré-estabelecidos, 25 artigos qualificados foram selecionados e discutidos nesta revisão. O mel investigado nos estudos incluiu variedades de acordo com sua origem geográfica. O mel protege o coração através da melhoria do metabolismo lipídico, actividade antioxidante, modulação da pressão arterial, restauração dos batimentos cardíacos, redução da área de enfarte do miocárdio, propriedades antienvelhecimento e atenuação da apoptose celular. Esta revisão estabelece o mel como um potencial candidato a ser mais explorado como uma alternativa natural e dietética para o tratamento de doenças cardiovasculares.

fonte: https://www.mdpi.com/1660-4601/17/10/3613

Foto da minha cresta de 2021.

Nota: em Portugal o consumo per capita anual de mel situa-se entre os 700-800 grs. Os nutricionistas recomendam o consumo equivalente a uma colher de sopa diariamente. Enquanto apicultores cabe-nos também passar a mensagem que o consumo de mel deve ser frequente, ao longo do ano, não apenas na época das gripes, porque os seus benefícios são muito mais alargados do que apenas desinfectarem as vias aéreas superiores. Passem a referir que também faz bem ao coração, porque não estão a exagerar nem um bocadinho!

o cisne negro ou quando os resíduos de acaricidas são surpreendentemente baixos

Como tornar credível uma publicação que contraria a tese de que todos os cisnes são brancos? Apresentando evidências de que existe pelo menos um cisne negro.

Um apicultor, que conheço bem, teve necessidade de tratar as suas colónias com um medicamento acaricida com meias alças com mel em cima. Caso não o fizesse uma percentagem significativa das mesmas iria colapsar antes de ter oportunidade de efectuar a cresta. O medicamento que utilizou para controlar a infestação, que já ía alta, foram as tiras celulósicas de Amicel.

Após a cresta efectuada, dado esta circunstância heterodoxa e por uma questão de segurança alimentar, decidiu enviar uma amostra deste mel para ser submetida a análise aos resíduos do acaricida utilizado. Tomou essa decisão para controlar a qualidade do mel extraído no que respeita à presença de amitraz e seus metabolitos, considerando o Limite Máximo de Resíduos (LMR) dos mesmos no mel (sobre este aspecto ver esta publicação).

O LMR do amitraz e seus metabolitos no mel são de 200 ppb (partes por bilião) por kg de mel. Sabemos que estando abaixo desse valor o mel pode ser colocado no mercado para consumo humano, por não apresentar qualquer risco alimentar.

Sabemos também que para o mel em Modo de Produção Biológica o LMR do amitraz e seus metabolitos são de 10 ppb.

As análises foram realizadas num laboratório reconhecido nacionalmente, com vasta experiência no campo.

Resultados da análise a acaricidas na amostra do mel. Como podemos confirmar o “TOTAL AMITRAZ”, isto é a soma de amitraz e seus metabolitos, nesta amostra é inferior a 10 ppb.

Os resultados são inequívocos: a amostra de mel analisada estava abaixo do LMR para o mel em modo de produção convencional, isto é, abaixo de 200 ppb. Mais, o mel analisado estava abaixo do LMR para o mel em modo de produção biológico, isto é, abaixo de 10 ppb.

Em conclusão, neste caso o mel que saiu de colmeias tratadas com Amicel de forma urgente, em altura inoportuna, não o tornou impróprio para consumo. A evidência disso mesmo está em cima.

Temos um cisne negro em cima da mesa. Que fazer com ele? Eliminá-lo e continuar a defender que todos os cisnes são brancos, ou fazer uma melhor pesquisa para confirmar se há mais cisnes negros e, sobretudo, compreender o melhor possível porque razão há cisnes negros? A humanidade evoluiu em conhecimento fazendo o segundo percurso.

Notas: 1) Esta publicação não é um incentivo à utilização dos medicamentos fora do protocolo definido pelo fabricante.

2) Esta publicação é um incentivo aos fabricantes para refazerem os seus estudos sem enviesamentos ideológicos, sem quimiofobia radical*. Transparência precisa-se! Para que as nossas colónias não colapsem porque chegámos tarde com os medicamentos que as poderiam ter salvo caso tivessem sido colocados mais cedo, sejam eles quais forem.

3) Lembro que a DGAV apenas aconselha a utilização de um medicamento durante o fluxo, o MAQS.

4) *Quimiofobia radical é uma doença, que no caso das colónias de abelhas tem condenado muitas a um sofrimento e morte evitável.

5) Dos resultados surpreendentemente baixos dos resíduos de acaricidas neste caso, não podemos concluir que se repetirão sempre e em qualquer circunstância.

6) Neste contexto, o apicultor não menosprezou o risco alimentar. Sabendo que a utilização do acaricida poderia levar a níveis superiores ao LMR, fez o que devia ter feito: enviou para análise uma amostra do mel extraído e confirmou que está em perfeitas condições de salubridade para ser colocado no mercado. Neste caso despendeu umas dezenas de euros nas análises e evitou o colapso de colónias no valor de uns poucos de milhares de euros.

7) Não me repugna este caminho em situações de excepcionalidade como a apresentada, sempre que se tenha o cuidado de com as análises requeridas garantir a salubridade do mel.

a apimondia da (in)sustentabilidade

O programa científico da Apimondia, que este ano decorrerá no Chile no próximo mês de setembro, tem a sustentabilidade como núcleo central — Sustainable beekeeping in a changing world, parece ser o foco.

Quem se opõe ao conceito de uma apicultura mais sustentável que levante o braço… ninguém. Ok, vamos em frente!

O que me surpreende é que esta preocupação, admirável preocupação, com a sustentabilidade não se tenha concretizado na possibilidade de os interessados poderem assistir virtualmente, on-line, em suas casas, com uma pegada carbónica bastante reduzida, quando comparada com a pegada deixada pelas deslocações que irão ser feitas das mais diversas e longínquas partes do mundo pelos interessados em assistir.

Dei comigo a pensar sobre esta incoerência ontem. Não iria passar disso, um pensamento que iria ficar comigo, caso o João Gomes hoje, em conversa comigo, não tivesse apontado também esta evidente incoerência, e isto sem termos antes falado sobre o assunto. Se dois estão a pensar sobre o mesmo é bem provável que haja muitos outros a fazê-lo. Serve esta publicação para dar voz a esses pensamentos e procurar contribuir para que todos nós, nas pequenas e grandes coisas da nossa vida, pensemos cada vez mais e mais em que medida as nossas acções no dia-a-dia estão a contribuir para a (in)sustentabilidade deste planeta. Estas jornadas da Apimondia este ano começam com o pé errado, e sem a mão ecológica necessária para credibilizar todas as magníficas palestras que irão ser realizadas sobre apicultura sutentável. Irão estar a defender uma coisa e a fazer o seu contrário!

Nota: mais estranha e incoerente esta situação é se tivermos em conta que na anterior edição da Apimondia era possível fazer a inscrição para participação virtual… pelo valor de 40€.

hoje o mel que produzo são as minhas publicações e um agradecimento

Hoje o mel que produzo são as minhas publicações. E tal como o mel que produzi quando tinha abelhas não era contrafeito, também as minhas publicações não o são.

Até hoje fiz 788 publicações. Uma boa parte delas são publicações originais, resultado da descrição do trabalho que desenvolvi e observei nos meus apiários, ou o resultado do exercício de opinião numa sociedade livre como a nossa, ou ainda da conjugação de reflexões pessoais com informações do conhecimento comum. Estas publicações obviamente não carecem da identificação das fontes.

Uma parte mais reduzida das minhas publicações são traduções, mais ou menos literais, mais ou menos parcelares, de estudos de natureza científica ou de textos de apicultores pelos quais tenho uma especial predilecção. Nestas identifico sempre as fontes e/ou referências bibliográficas que utilizei.

E os que acompanham as minhas publicações sabem que assim é.

Tanto assim é que um amigo, investigador na UC, ligou-me há umas semanas atrás a pedir-me a referência de um estudo francês que se lembrava de ter lido por aqui a tradução. Como precisava de aceder a esse estudo, e através do google scholar não estava a conseguir fazê-lo, pediu-me ajuda para localizar a publicação e assim chegar ao respectivo estudo. Ele sabia que a referência bibliográfica lá estava, como habitualmente está nas publicações deste tipo. Pela descrição que ele me fez do conteúdo da publicação, localizei-a com alguma facilidade… e lá estava, preto no branco, a referência bibliográfica, que de imediato enviei a este meu amigo.

Este mel não é contrafeito. Quando muito pode ter algumas notas um pouco amargas para alguns, como tem o mel de urze. É natural que nem todos as apreciem.

Contudo dizer que este mel puro foi misturado com açúcar magoa e ofende. E foi dessa ofensa que juntamente com os meus amigos(as), parte dos quais não conheço pessoalmente, me defendi. E lhes expresso o meu profundo agradecimento.

A vida continua… muita saúde para todos(as). Um abraço enorme!

vespa velutina: da sua caça e dieta básica aos iscos proteicos

Caçadoras muito ágeis

A V. velutina é das melhores caçadoras no mundo das vespas. Já escrevi anteriormente que de todas as vespas que poderiam colonizar a Europa esta é muito provavelmente a pior, pois é muito mais rápida e ágil do que outras espécies de vespa (Kuo e Yeh, 1990). Na verdade, é uma das vespas mais hábeis a apanhar abelhas em voo. Outras espécies pousam nas entradas das colmeias para caçarem abelhas, e este comportamento permite às abelhas embolarem-nas/pelotarem-nas. Já a V. velutina paira na frente da colmeia a uma distância de 30 –40 cm, e desce tentando repetidamente capturar forrageiras. Este comportamento de caça impede que as abelhas as embolem. Já vi as abelhas a embolarem as V. crabro, e outras vespas, que poisam e/ou entram nas colmeias fortes. Nunca vi uma velutina a correr o risco de ser embolada entrando numa colmeia forte.

O que comem as vespas adultas

Como é habitual na família das Vespidae, as V. velutinas não consomem carne (embora possam ingerir sucos de carne). As proteínas que recolhem da caça de outros insectos, da carne de carcaças de mamíferos, aves e peixes são transportadas para o seu ninho para alimentar as larvas. A V. velutina adulta alimenta-se de carboidratos doces, como néctar, frutas maduras, seiva de árvores, e de regurgitações especiais das larvas (Matsuura e Yamane, 1990). As larvas produzem secreções larvais ricas em carboidratos e aminoácidos. Estas secreções alimentam as operárias adultas assim como as futuras rainhas, para que construam os seus corpos gordos, antes do acasalamento e hibernação.

Transferência das regurgitações larvares para vespas adultas (mecanismo já descrito em publicações anteriores deste blog, nomeadamente nas publicações acerca do brilhante trabalho levado a cabo por Ernesto Astiz, imbuído pelo espírito de ciência cidadã).

Os iscos proteicos

Os iscos proteicos são utilizados mundialmente para controlar as pragas de insectos exóticos da família Vespidae, por ex. nos EUA, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Chile, Argentina, … Por cá, alguns enterram a cabeça na areia e esperam que pai natal chegue na forma de abelhas treinadas a embolar as velutinas em voo, abelharuco vorazes, ou de chips milagrosos, baratos, mais leves que meio cabelo e cujo sinal atravesse os declives do terreno até a um radar que cabe num bolso e é pago com uma nota de cinco euros!!! Plagiando as profundas e riquíssimas tiradas do José Silva, aka Lem Sipa,… ENFIM.

E os iscos proteicos funcionam porque toda a V. velutina que agarre na sua bolinha de carne ou peixe, dirige-se de imediato para o ninho para a entregar às suas larvas. Estas, por sua vez, vão entregar-lhe as regurgitações açucaradas e ricas em aminoácidos já temperadas com uma ínfima quantidade de “free-pro”, que depressa as libertará de forma muito definitiva e permanente dos labores terrestres.

Notas: 1) bom, bom era que estas regurgitações “tingidas” chegassem à rainha do ninho. E nada impede que em circunstâncias afortunadas chegue, porque também elas se alimentam destas regurgitações.

2) bom, bom era também que uma linha de investigação explorasse esta ideia que deixei em 2019 nesta publicação.