vespa velutina: contas e reflexões

As contas:

(i) Sabemos que os ninhos de uma colmeia Lusitana ou Langstroth bem povoado tem cerca de 20 mil abelhas.

(ii) Sabemos que 20 mil abelhas pesam 2 kgs, aproximadamente.

(iii) Sabemos que em Portugal e por quilómetro quadrado podemos estimar com bom grau de confiança uma presença média de 5 ninhos maduros de vespa velutina que escaparam às rudimentares medidas de controlo das fundadoras de que dispomos.

(iv) Sabemos que cada ninho maduro consome cerca de 12 kgs de insectos.

(v) Podemos agora calcular que por cada quilómetro quadrado as vespas velutinas consomem 60 kgs de insectos, o correspondente a trinta ninhos de abelhas bem povoados.

V. velutina com uma mosca das flores entre as mandíbulas.

As reflexões:

  1. a grande ameaça à biodiversidade são as velutinas em si mesmo, e só a destruição dos ninhos, mecânica ou química, antes da produção de futuras fundadoras permite algum controlo da praga;
  2. os abelharucos não são um meio de controlo das velutinas ; apenas consomem algumas poucas velutinas. Para serem um meio de controlo deveriam atacar e destruir os ninhos da vespa antes da produção de futuras fundadoras. Na melhor das hipóteses afugentam durante uns dias ou semanas as velutinas dos nossos apiários;
  3. só na nossa imaginação cada fundadora capturada corresponde a menos um ninho mais adiante. Uma boa parte das fundadoras não chegam a criar ninhos porque morrem por causas naturais antes de o fazerem. No entanto e apesar disso basta uma taxa de sobrevivência de 10% das fundadoras criadas no ano anterior para por cada ninho termos mais 35 a 50 novos ninhos no ano seguinte e enquanto os recursos locais permitirem esta taxa de crescimento.

vespa velutina: efeito inicial dos iscos num apiário com pressão elevada

Na sequência de duas publicações, aqui e aqui, um companheiro apicultor decidiu experimentar nesta terça-feira a utilização de iscos tóxicos para diminuir e controlar a elevada predação/presença de vespas velutinas no seu apiário. O contexto era indicado à utilização desta técnica pois na véspera tinha observado entre 15 e 30 vespas a rondarem as suas colmeias.

Como atractivo utilizou 400 grs. de camarão triturado aos quais adicionou uma pipeta de Frontline Combo de 2,68 ml de volume e com 268 mg de fipronil. De acordo com os cálculos, cada 100 grs. de isco continha 0,067 grs. de fipronil. Esta concentração está situada num valor intermédio entre as concentrações referidas no estudo espanhol (0,01% p/p) e as concentrações utilizadas na Nova Zelândia e Argentina (0,1% p/p).

Os procedimentos que utilizou seguiram de perto o protocolo do estudo espanhol. Por volta das 6h30m fechou as colmeias com esponjas dedicadas, que permitem a entrada de ar, ou com as réguas de transumância. Por volta das 7h30m distribuiu o isco por várias zonas do apiário. Nas duas primeiras horas do procedimento a maior parte vespas pouco ligou ao isco, preferindo fazer o habitual: pairar à frente das colmeias à espera de abelhas que desta vez não saíam. Passadas estas duas horas iniciais as vespas mudaram o chip e passaram a focar-se nos iscos, poisaram sobre eles, fizeram as habituais bolas deles e com o (pet)isco bem agarrado entre as patas levantavam voo. Durante as quatro horas que manteve as colónias fechadas estima que as velutinas levaram cerca de 50% do isco. Passadas as 4 horas retirou o isco sobrante e abriu as colónias. De tarde voltou ao apiário e encontrou apenas 3 velutinas a rondarem as colmeias. Efeito do isco? efeito da sua presença horas antes?

Ontem, passadas 48h, diz-me o seguinte: “Vi uma a duas vespas e enxames a trabalhar. Tenho de dar a mão à palmatória, porque estava muito céptico em relação ao resultado. Acho estranho na segunda-feira haver a quantidade que havia e agora não. É que nem lhes dei porrada, o que as poderia afastar. Só as deixei andar a levar a comida.

Passadas 48h, ou a bichas são muito assustadiças e ainda tremem de medo só de pensar voltar àquele apiário habitado por um vulto branco fantasmagórico, ou ficaram de cama com uma indigestão estranha, associada a febre alta, suores frios e tremores musculares. Será que o camarão estava estragado?

abelhas resistentes: o seminário

Depois da divulgação do seminário, venho nesta publicação apresentar alguns dos aspectos que o Prof. Dirk de Graaf e sua equipa pesquisaram e concluíram num caminho que tem cerca de 20 anos. O seminário decorreu ontem no auditório do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, a que tive o prazer de assistir e foto-documentar, com a autorização do palestrante e dos organizadores, para posterior publicação neste espaço.

O Prof. Dirk de Graaf no início da sua palestra.
Actualmente Dirk de Graaf e sua equipa levam a cabo duas linhas de investigação principais. A mais antiga, visa identificar os marcadores genéticos associados ao SMR (suppressed mite reproduction), um dos mecanismos que confere resistência contra o ácaro varroa. Uma segunda linha de investigação, visa identificar os marcadores genéticos associados ao SOV (suppressed in ovo virus), um mecanismo que confere resistência/imunidade contra os vírus frequentemente presentes nos ovos da criação de obreiras e zângãos.
Depois de concluídas uma série de etapas de investigação, identificaram 8 marcadores genéticos com uma probabilidade elevada de estarem associados ao SMR.
Quando estes marcadores foram testados em campo, verificou-se ser necessário corrigir e afinar algumas das relações espúrias entre eles. Feita esta “limpeza” ao modelo o seu valor preditivo está bastante robustecido. Com base neste modelo, os criadores de rainhas belgas estão a proceder à seleção das suas matriarcas desde 2021, auxiliados gratuitamente na identificação dos marcadores genéticos pela equipa do Prof. Dirk de Graaf.

Uma reflexão: vemos aqui um exemplo de como uma investigação de cariz fundamental, aparentemente muito afastada da prática, devolve resultados práticos e de mérito à comunidade. Este caminho levou 20 anos a percorrer e só a inteligência e persistência dos envolvidos, assim como o financiamento adequado permitiram alcançar os resultados que nos levam a antever abelhas resistentes ao varroa na próxima década. O Prof. Dirk de Graaf exortou os parceiros portugueses a trabalharem com a abelha ibérica, identificarem os marcadores relevantes para o comportamento resistente nesta abelha, seguindo o caminho (método) que ele desbravou e seguiu na Bélgica.

Os parceiros institucionais.
A equipa… as pessoas.

A terminar, o meu agradecimento ao Nuno Capela pela chamada de atenção para este seminário e convite para estar presente no mesmo. O Nuno concluiu há pouco o seu doutoramento com temática na apicultura, e está muito empenhado no estabelecimento de relações entre o mundo da ciência apícola e a comunidade de apicultores. Esta interacção caracteriza cada vez mais o posicionamento da academia em relação à comunidade que a alberga… e bem!

levedura de cerveja inactivada: um bom alimento?

Uma vez mais o meu amigo Umberto Moreno abre as portas a uma conversa muito elucidativa, desta feita com o especialista Carlos Contreras, Zoólogo da Universidade Nacional da Colômbia e estudante de Mestrado em Apicultura na Universidade de Cornell dos Estados Unidos. Nesta conversa em torno dos probióticos, e na fase das perguntas e respostas, uma interveniente questionou o especialista sobre se o açucar e as tortas proteicas podem afectar o microbioma existente no intestino das abelhas (1.10.58 do vídeo). A resposta do especialista é que as leveduras inactivadas de cerveja, habitualmente presentes nas tortas proteicas, podem ser prejudiciais às abelhas e portanto há que ter cuidado com a sua utilização. Em 2016, nesta publicação, tinha indicado o mesmo: “a adição de leveduras e malte de cerveja encurta a vida das abelhas, deste modo recomendamos a utilização de alimentação suplementar sem a sua utilização destes dois aditivos“.

Sobre o cerne desta conversa, os probióticos, escrevi aqui e aqui, e espero fazer uma publicação em breve.

cresta 2023: no norte da beira alta

O meu amigo Fernando Moreira enviou-me fotos da sua cresta. Pedi-lhe autorização para as utilizar numa publicação e generosamente acedeu ao pedido. Deixo-vos aqui algumas delas, assim como as respostas que me deu a umas quantas informações que lhe pedi relativas ao seu trabalho de condução das colónias e condições ambientais que explicam e enquadram os resultados obtidos até agora.

Pedi-lhe: “Manda-me os seguintes detalhes: floração principal, zona aproximada para não localizar exactamente os apiários, média de produção, factores ambientais mais significativos este ano, aspectos do maneio que desejes realçar e média de produção.”

O Fernando deu-me estas informações: “Então a zona é: beira alta, bem encostado ao Douro. Floração predominante urze, rosmaninho, silva e castanheiro. Quanto à média está, mais coisa menos coisa, nos 18 kilos, mas ainda vou a meio. Pelo que tenho constatado as 50 colónias que ainda me faltam crestar estão bem compostas. Factores ambientais mais importantes este ano foram as abundantes chuvas de Inverno e noites amenas. Quanto ao maneio o principal culpado deste sucesso foste tu!!!! Com a regra não mais de 6!”

Obviamente que o Fernando foi bem sucedido com o seu maneio, e o sucesso deve-se a ele. Dito isto, fico muito satisfeito que a operacionalização da regra não mais de 6 também resulte a cerca de 80 km a norte, numa zona onde a Beira Alta começa a escorrer para o Douro.

abelhas resistentes: fazendo o caminho

Podemos assistir no próximo dia 26, no auditório do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra ou por webinar, ao seminário sobre Selecção Assistida por Marcadores (SAM) dada pelo Prof. Doutor Dirk de Graaf.

Nesta publicação, de fevereiro de 2021, escrevi sobre esta tecnologia e suas virtualidades enquanto ferramenta de auxílio na selecção de abelhas mais resistentes ao ácaro varroa.

das lâminas de cera aos quadros de plástico

Apesar de alguns alimentarem de forma ignorante e/ou de forma maliciosa o discurso do medo e o papão dos resíduos de acaricidas transferidos da cera para o mel, importa assegurar que quem de facto percebe disto, o Comité Europeu dos Medicamentos para Uso Veterinário, não acompanha esta conversa quimiofóbica. A este respeito em concreto vejamos o que diz o Comité Europeu:

“No entanto sublinhamos que para um determinado número de substâncias…não representam uma preocupação de segurança alimentar do consumidor, porque ou a sua toxicidade é baixa … ou a sua concentração no mel será sempre baixa (por exemplo, porque eles são não-lipofílico e não se acumulam). A transferência de resíduos de substâncias deste tipo da cera de abelhas para o mel, concluiu-se não representar uma preocupação de segurança alimentar para o consumidor. Deve também ser notado que existem dados que mostram que os valores destes resíduos no mel proveniente dos favos de mel contaminados são cerca de 1700 vezes menores do que as concentrações de resíduos existentes nos favo de mel. … Por conseguinte, considera-se que o potencial para a transferência de resíduos da cera para o mel é limitada e não representa uma preocupação de segurança alimentar do consumidor.”

Como as normas Bio não permitem a utilização de cera laminada com resíduos de acaricidas sintéticos e o sector da apicultura Bio não consegue ser auto-suficiente na produção desta cera, a alternativa é, para alguns,… o plástico; utilizarem quadros de plástico!!?

Para fugirem das mais que inócuas quantidades de resíduos de acaricidas presentes na cera, preferem a utilização de produtos derivados do petróleo e com potencial de aumentarem mais ainda os microplásticos presentes no mel.

litoral centro: avaliação da taxa de infestação por varroa em julho

Ontem, no seu apiário nas proximidades de Coimbra, o Marcelo Murta fez a avaliação da taxa de infestação por varroa em abelhas adultas.

Vista geral/parcial do apiário. O Marcelo fez a cresta no passado dia 3 de julho.

Nesta avaliação utilizou o álcool para fazer soltar as varroas do corpo das abelhas. Fez a avaliação em duas colónias (13% das colónias no apiário). As taxas de infestação foram 8,14% e 8,4%.

Contagem das abelhas das amostras utilizadas. Numa das amostras foram utilizadas 356 abelhas e na outra foram utilizadas 250 abelhas.
As colónias estão com muita criação ainda, segundo o Marcelo. Pouco abrandaram a criação, ao contrário do que acontece em outros anos mais quentes e secos por esta altura do calendário.

Neste apiário, em zona de eucalipto, as colónias estão a todo o gás desde o início do ano. Até ao momento, e neste verão relativamente ameno, não houve um abrandamento significativo na criação de abelhas. O Marcelo fez dois tratamentos para a varroose desde o início do ano. Ontem, depois dos resultados obtidos decidiu fazer o terceiro tratamento deste ano. Bom trabalho e sucesso neste combate, ao Marcelo e todos os apicultores!

vespa velutina: estamos a utilizar demasiado fipronil nos cavalos de troia?

Há uns três ou quatro anos atrás, o Marco Portocarrero da Nativa dizia-me que os apicultores estavam a utilizar concentrações demasiado elevadas de fipronil nos cavalos de troia.

Hoje estive a fazer uns cálculos e concluo o mesmo! Espero ter feito estes cálculos correctamente, contudo se encontrarem algum erro enviem-me um comentário, por favor, para o corrigir.

Nesta publicação recente, ficamos a saber que a concentração óptima de fipronil para a produção de iscos é de 0,01% p/p. Se não estou equivocado, significa que por cada 100 grs. de isco se deve colocar 0,01gr de fipronil.

Encontramos o fipronil em vários desparasitantes de animais de companhia, como por exemplo o Frontline Combo.

Neste folheto promocional podemos verificar que cada pipeta de 4,02 ml contém 402mg de fipronil. Julgo que temos todos os dados necessários para calcular qual o volume de Frontline Combo que devemos utilizar para preparar 100 grs de isco. Se não errei nos cálculos são necessários 0,1 ml. Portanto, se prepararmos 1 kg de isco, a quantidade indicada para um apiário com 50 colmeias (10 porções de 50 gr, uma porção para cada grupo de 5 colmeias) e para duas aplicações durante dois dias, segundo o estudo referido, necessitamos de 1 ml, isto é 1/4 da pipeta. Se tivermos 4 apiários com cerca de 50 colmeias cada, necessitamos de uma pipeta (4 ml), que nos permitirá fazer 4 kgs de isco, o necessário para diminuirmos de forma significativa e em 48h o número de velutinas a predarem as nossas abelhas e durante duas semanas ou mais. Se não necessitarmos de todo o isco podemos congelá-lo até voltar a ser necessário.

Os cálculos para determinar o volume de Frontline Combo necessário para obter uma concentração de 0,01 grs de fipronil por 100 grs de isco.

Para quem tem poucas colmeias e não necessita desta quantidade de isco, medir 0,1 ml não é nada simples. Neste caso sugiro utilizar a concentração de fripronil usada nos iscos produzidos da Nova Zelândia (0,1 p/p). Neste caso para uma concentração de 0,1 gr por cada 100 grs. de isco, necessitamos de 1ml de Frontline, isto é 1/4 da pipeta.

Os cálculos para determinar o volume de Frontline Combo necessário para obter uma concentração de 0,1 grs de fipronil por 100 grs de isco.

Esta publicação é um contributo para diminuir a quantidade de fripronil utilizada nos cavalos de troia e, portanto, reduzir a sua desseminação no território. Infelizmente, em zonas predadas intensamente pela Vespa velutina, não vejo como dispensar esta ferramenta tão eficaz no controlo de níveis de predação moderados (entre 10 e 30 velutinas em simultâneo no apiário) ou altos (mais de 30 velutinas em simultâneo no apiário). Isto enquanto as ferramentas de localização dos vespeiros não evoluam e nos permitam eliminar 80-90% dos ninhos antes de as futuras fundadoras acasalarem e dispersarem. Quando chegar esse dia podemos pensar de forma realista que temos a praga debaixo de controlo. Até lá vamos fazendo o que pudermos para salvar as nossas colmeias, utilizando as armadilhas para captura de fundadoras o mais selectivas possível e biocidas na menor quantidade necessária.

Nota: se utilizarem outras marcas sigam o mesmo processo de cálculo, tendo em consideração a concentração/quantidade de fipronil por volume de pipeta.

o caso australiano e o vilão do síndrome do colapso das colónias (colony collapse disorder)

Beekeeping in Australia

Na Austrália utilizam-se neonicotinóides e outros pesticidas. Na Austrália a Nosema apis e Nosema ceranae está presente. Na Austrália a varroa era um parasita ausente até ao ano passado. Na Austrália não se verificou o Síndrome do Colapso das Colónias (Colony Collapse Disorder).

Na UE e nos EUA utilizam-se neonicotinóides e outros pesticidas. Na UE e nos EUA a Nosema apis e Nosema ceranae está presente. Na UE e nos EUA a varroa é um parasita presente desde os anos 80 e 90, respectivamente. Na UE e nos EUA verificou-se o Síndrome do Colapso das Colónias.

Não é preciso ter o talento do Sherlock Holmes para descobrir o principal vilão do Síndrome do Colapso das Colónias!

Recomendo esta publicação, o capítulo seguinte deste policial.