a selecção de abelhas: o passado, o presente e o futuro

Gilbert M. Doolittle (1846-1918) 

O primeiro avanço significativo na selecção de abelhas aconteceu com o desenvolvimento de procedimentos que permitiram a produção de um grande número de rainhas a partir de uma só mãe (Doolittle, 1889). Pela primeira vez, foi possível produzir um grande número de rainhas a partir de colónias selecionadas.

A descoberta de que rainhas e zângãos acasalam em voo fora da colmeia (Huber, 1814) teve implicações importantes para a selecção das abelhas, pois mostrou que a paternidade era aleatória. O estabelecimento de apiários isolados de colónias selecionadas já se verificava em 1928 (Weatherhead, 1986). O controle completo do lado paterno tornou-se possível com o desenvolvimento da inseminação instrumental (II) por Watson em 1927, embora só com os desenvolvimentos adicionais trazidos por Laidlaw em 1944 a inseminação instrumental se tenha tornado mais rotineira e confiável (Laidlaw, 1944; Cale e Rothenbuhler, 1975).

Harry Hyde Laidlaw (1907–2003)

A aplicação das técnicas de multiplicação de rainhas por translarve e inseminação instrumental permitiram o estabelecimento de programas de melhoria de abelhas. A maioria dos programas de melhoria concentrou-se nos traços produção de mel, temperamento e resistência a doenças. Infelizmente, poucos foram os programas que tiveram sucesso a longo prazo, muitos deles tiveram curta duração desmotivados pelo progresso lento e limitado na melhoria de características, pelos efeitos prejudiciais da endogamia (consanguinidade) e baixos retornos do investimento.

No entanto, avanços recentes na genética das abelhas (Weinstock et al., 2006; Bienefeld et al., 2007; Oldroyd e Thompson, 2007) permitiram uma maior compreensão da arquitetura genética da colónia de abelhas e hoje fornecem novas oportunidades à utilização de novas técnicas genéticas para o aprimoramento da selecção de abelhas. Estes avanços podem inaugurar uma nova era, em que métodos moleculares mais baratos e mais refinados são/serão usados ​​para identificar e propagar indivíduos superiores.

fonte: The Genetic Architecture of Honeybee Breeding, Peter R. Oxley and Benjamin P. Oldroyd, Behaviour and Genetics of Social Insects Laboratory, School of Biological Sciences, The University of Sydney, New South Wales, Australia

Numa publicação futura abordarei com mais detalhe a metodologia de selecção assistida por marcadores moleculares e apresentarei alguns dados de um estudo de caso onde esta nova metodologia e tecnologia foi aplicada.

a importância do acasalamento controlado na selecção e melhoria de abelhas

Será expectável seleccionar e melhorar as abelhas no caso de as rainhas fecundarem livremente num ambiente em que não se controlam os zângãos? Vejamos primeiro o que nos dizem os especialistas.

Rainha regressando do seu voo de acasalamento.

Contexto: Os procedimentos de acasalamento controlados são amplamente aceites como um aspecto chave para o sucesso da selecção em quase todas as espécies animais. Nas abelhas, no entanto, o acasalamento controlado é difícil de conseguir. Contudo, tem havido várias tentativas de melhorar as abelhas usando rainhas acasaladas livremente. Nestes esquemas de melhoria, a seleção ocorre apenas do lado materno, uma vez que os zângãos são casos aleatórios da população.

Resultados: Nossas simulações mostraram uma redução do sucesso das melhorias entre 47 e 99% se o acasalamento não é controlado. Nos casos mais drásticos, praticamente nenhum ganho genético é gerado sem acasalamento controlado.

Conclusões: Concluímos que […] o acasalamento controlado é imperativo para esforços de melhoria bem-sucedidos.

fonte: https://gsejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12711-019-0518-y

Com alguma frequência leio e ouço apicultores afirmarem que estão a seleccionar e melhorar as suas abelhas, isto num contexto em que não têm qualquer tipo de controlo sobre os zângãos presentes no território. Tenho, portanto, muitas dúvidas acerca do rigor e realismo destas afirmações. Ou sabem alguma coisa que eu desconheço, ou desconhecem aspectos básicos que deveriam conhecer. Sabemos que 90% dos acasalamentos ocorrem a uma distância até 7,5 km (ver nesta publicação).  Não é credível que em Portugal, um dos países da Europa com uma das mais elevadas densidades de colónias por Km2, exista uma área com 15 km de circunferência com zângãos todos eles provenientes de colónias “melhoradas”. Sabendo que as melhorias que mais nos interessam estão muitas vezes associadas a conjuntos de genes alelos recessivos e/ou aditivos (ver nesta publicação) e/ou epistáticos, portanto com contributos de origem paterna, seria um jackpot acontecer melhorias sistemáticas e sustentáveis num contexto de acasalamento natural, com várias dezenas de zângãos na jogada (ver nesta publicação). Estas minhas dúvidas estão fortemente interiorizadas porque desde os meus 6 anos que vou a apiários e, no geral, as abelhas de hoje parecem-me muito semelhantes às de cerca de 50 gerações atrás. Outros poderão ter opinião diferente, estranho seria que não tivessem. A estes, peço que identifiquem especificamente em que aspectos as suas abelhas divergiram notavelmente nos últimos 40 a 50 anos?

Nota: em 2017 já tinha feito considerações acerca deste tema.

desinfecção por maçarico de colmeias com esporos de loque americana: o contexto, a reflexão, os dados

As colmeias com loque americanadevem ser
queimadas devido aos esporos que permanecem
viáveis por até 40 anos.

O contexto: Quando deparamos com uma colónia com loque americana, uma das questões que se coloca é como podemos desinfectar a caixa-colmeia. Vários apicultores, senão a maioria, opta por queimar os quadros e desinfectar com recurso ao maçarico a superfície de madeira da caixa-colmeia, isto é, o seu estrado, corpo e prancheta de agasalho. Quem o faz garante que este procedimento é suficiente, afirmando que não teve problemas de novas infestações.

A reflexão: Estou convicto que para cada um dos testemunhos que refere esse bom resultado, provavelmente haverá outros com resultados negativos. Contudo é próprio da nossa natureza humana apresentar os bons resultados, e deixar em privado aquilo que não correu bem. Por outro lado, como uma equipa de futebol que ganhe dez jogos seguidos não garante que ganhará os dez seguintes, também ser bem sucedido dez vezes com a desinfecção com maçarico de caixas contaminadas pelos esporos de loque não garante que o mesmo volte a acontecer ao desinfectar a décima primeira.

Os dados: A desinfecção com maçarico não garante a eliminação de todos os esporos. Esta afirmação não resulta de uma noite mal dormida ou de uma imaginação fértil. É uma afirmação sustentada nos dados que conheço de um ensaio controlado, bastante claro a este respeito, do qual traduzo pequenos excertos bastante elucidativos.

A queima [com maçarico] deu uma descontaminação superficial completa, enquanto um número substancial de esporos permaneceram viáveis nas camada mais internas da madeira.

A desinfecção das colmeias [com maçarico] não pode ser recomendada.” 

Em conclusão, a descontaminação de estruturas de madeira, como colmeias, continua a ser um problema. Isso parece dever-se principalmente à estrutura da madeira, e não à natureza dos esporos.

fonte: https://sfamjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1046/j.1365-2672.2001.01376.x

Nota: sobre a loque americana escrevi em 2017: “Para quem quer impedir o alastramento do contágio e assim preservar as suas colmeias e as colmeias dos vizinhos só tem um caminho: eliminar pelo fogo as fontes de loque americana. Isso implica matar as abelhas e queimar tudo: abelhas, quadros e caixas num buraco aberto no solo que depois deve ser bem coberto com terra para evitar que as abelhas nas redondezas se infectem em alguns restos mal queimados.” O artigo em cima aponta outros caminhos, mas pouco viáveis para muitos apicultores.

os Varroa destructor de inverno são menos fecundos que os de verão

No seguimento desta publicação, traduzo em baixo o sumário de um estudo que revela um conjunto de dados com muito interesse para a compreensão da questão que coloquei: qual a razão para as aparentes diferenças na resposta aos tratamentos entre as gerações de varroas que surgem no inverno quando comparadas com as gerações de verão. Os dados deste estudo revelam que a fecundidade e fertilidade dos ácaros é mais baixa no inverno que no verão. No seguimento deste estudo, valeria a pena dar-lhe continuidade com o intuito de tentar perceber melhor os mecanismos subjacentes e intervenientes na maior mortalidade dos ácaros macho no inverno e, posteriormente, verificar se é possível replicar esses mecanismos, por algum tipo de maneio exequível em campo, com vista à sua utilização durante o verão pelos apicultores.

Antes da tradução do sumário, julgo que será pedagógico re-lembrar esquematica e sumariamente o ciclo reprodutivo do varroa.

Os varroas mãe colocam o primeiro ovo aproximadamente 70 horas após a operculação do alvéolo onde está a larva de abelha hospedeira. Este ovo não é fertilizado e dá origem a um macho, enquanto os três a quatro ovos subsequentes, que são postos com intervalos de aproximadamente 30 horas, dão origem a fêmeas filha que serão fecundadas pelo ácaro macho seu irmão. Estas descendentes fêmeas fecundadas e férteis emergem do opérculo com as novas abelhas dando continuidade ao ciclo de vida destes parasitas.

Título: Reprodução do Varroa destructor durante o inverno nas colónias de Apis mellifera no Reino Unido

Sumário: “O ciclo reprodutivo do Varroa destructor inicia-se com a invasão dos alvéolos com larvas de abelha durante os meses de inverno (janeiro a meados de março) e foi investigado em quatro colónias de Apis mellifera no Reino Unido. O número de descendentes viáveis ​​produzidos durante o ciclo reprodutivo, por ácaro, foi de apenas 0,5 durante o inverno em comparação com 1,0 durante o verão. Isso deveu-se principalmente a um grande aumento na população de ácaros inférteis (inverno 20%, verão 8%). Esse aumento pode ser explicado pelo alto nível de mortalidade de filhos machos observada no inverno (42% no inverno contra 18% no verão), o que resulta em quase metade dos ácaros fêmeas recém-criados não fecundados. Uma vez que os ácaros mãe põem um número semelhante de ovos no inverno (X = 4,7) e no verão (X = 4,9), e o nível de mortalidade sofrido pela descendência feminina é semelhante no inverno (7%) e no verão (6% ), provavelmente não é o estado fisiológico do hospedeiro que causa o alto nível de não fecundação no inverno, como se suspeitava anteriormente.

fonte: https://www.researchgate.net/publication/11746259_Varroa_destructor_reproduction_during_the_winter_in_Apis_mellifera_colonies_in_UK

a questão apícola mais premente para 2021

Sinais na criação e nas abelhas do
Parasitic Mite Syndrome (PMS)

Nos onze anos da minha actividade apícola como apicultor profissional, tenho verificado que os resultados dos tratamentos contra a varroose apresentam taxas de eficácia aparentemente diferentes, quando comparo os resultados entre os tratamentos de final de inverno e os tratamentos de final de verão. Encontro mais regularmente colónias com PMS após os tratamentos de verão (por ex. nos anos de 2014, 2016 e 2020) do que após os tratamentos de final de inverno. E porquê? Esta é a questão apícola mais premente na minha cabeça, decorrente do que observo e considerando as minhas opções por medicamentos não dependentes da temperatura ambiente, não voláteis*, com alguma rotação de princípios activos ao longo destes anos e, sobretudo, com o que considero um bom ajustamento do calendário de tratamentos realizado a partir de 2015/2016**.

As hipóteses explicativas que confluem todas (com que peso cada uma?) para a maior dificuldade em manter as taxas de infestação abaixo do dano ao nível da colónia são, na minha opinião, basicamente as três que apresento em baixo:

  • a interacção entre a dinâmica populacional das abelhas e a dinâmica populacional dos varroas, ao longo de um ano, provoca mais pressão parasitária no final do verão do que no final do inverno/início da primavera (tive oportunidade de explicar este fenómeno numa palestra que fiz em 2019, na Guarda);
  • a hipótese dos ácaros no final do verão serem mais resistentes que os do final do inverno, hipótese ainda não testada pelo que sei, e aqui apresentada por Frank Rinkevich uma das referências mundiais actuais neste domínio;
  • o fenómeno de multi-infestação, isto é, a parasitação de uma larva de abelha por 2 ou mais ácaros muito mais frequente no final do verão do que no final do inverno, fenómeno pouco considerado por muitos apicultores, apesar de já conhecido e referido na literatura científica desde a década 90 do século passado. A multi-infestação contribui de forma importante para o aumento da carga viral em cada uma das futuras abelhas e as asas deformadas são a expressão mais visível desta maior carga viral.

* o amitraz do Apivar, o tau-fluvalinato do Apistan, a flumetrina do Bayvarol, os princípios activos até agora utilizados por mim, não são voláteis;

** tenho recebido testemunhos de amigos apicultores da minha zona, que decidiram experimentar o meu calendário de final de verão, isto é, antecipar o segundo tratamento para agosto. Fico naturalmente satisfeito com o feedback que me têm dado da melhoria notável dos resultados, quando comparados com os resultados que obtinham quando medicavam em setembro ou até em outubro.

depois do frio, o sol no quadrante sul e uma aprendizagem a fazer

Ontem, entre as 12h30 e as 15h30, andei entretido a alimentar com pasta de açúcar as colónias do meu apiário preferido, a 900 m de altitude. Os sinais, do inverno mais frio que me lembro desde que iniciei a minha aventura apícola em 2009, estavam ainda bem visíveis no estradão de acesso aos assentos.

Ontem por volta das 12h30, no estradão de acesso ao apiário no território que está mais central no meu coração!

Como calculava, o estado geral das colónias estava de acordo com a época, apesar das duas últimas semanas com temperaturas raras. Das 64 colónias ali estacionadas, em três encabeçamentos um pouco afastados entre si, fui encontrar 1 núcleo morto, uma colónia muito possivelmente zanganeira e uma colónia a ser pilhada. Na visita anterior tinha retirado duas colónias mortas, que haviam sido colocadas em núcleos em meados de setembro, após terem sido diagnosticadas com PMS alguns dias antes. A taxa de mortalidade, até à data, está pouco abaixo dos 8% neste apiário.

Com a temperatura a rondar os 11ºC, o sol a entrar no quadrante sul, fui encontrar algumas abelhas em voo junto às entradas das colmeias.
Aspecto de uma colónia deste apiário, que representa o estado de 60 a 70% das colónias ali instaladas.
Como gosto de ver os sacos de pasta a ser consumidos desta forma!
Aspecto de uma colónia fraca deste apiário, que representa o estado de outras 5 (10 % das colónias ali instaladas).
Dadas as temperaturas relativamente baixas (10ºC) para transferir estas colónias mais fracas para núcleos, sinalizei-as para proceder a este maneio nas próximas duas semanas.
No dia anterior, a 16-01, num apiário a 600m de altitude fiz a transferência de 3 colónias das caixas de 10 quadros para caixas de 5 quadros. A rainha está naquele quadro já colocado no núcleo.
Parecem logo mais no núcleo! A densidade do enxame em núcleo tende a aumentar e este é, na minha opinião e de outros, um factor de sobrevivência e desenvolvimento para o que ainda resta de inverno.

Este outono-inverno a mortalidade de colónias muito provavelmente ultrapassará a barreira dos 5%, fasquia que não tenho ultrapassado nos últimos 4 anos. Estimo que fique, ainda assim, abaixo dos 10%. A razão deste aumento de mortalidade foi a minha incompetência, a minha falta de um maneio de excelência. O frio das últimas semanas não ajudou, mas a principal variável a contribuir para a mortalidade já vinha detrás, na debilitação de cerca de 20% das minhas colónias pelo Parasitic Mite Syndrome (PMS).

Os mestres apicultores da velha guarda, referem uma mortalidade invernal habitual a rondar os 10% nos tempos pré-varroa. Tomando este valor como referência para a nossa época pós-varroa, na minha opinião, uma mortalidade invernal abaixo dos 5% é excelente, entre 5 e 10% é muito bom, entre 10-15% é bom, entre 15-20% é medianito. Acima dos 20% é mauzito! Por muito auto-complacente e por muito que tenda a atribuir as responsabilidades a um deus desconhecido ou outros, todo o apicultor mais rapidamente baixará a mortalidade invernal quanto mais depressa aprender e decidir olhar olhos-nos-olhos a sua responsabilidade.

as tiras de ácido oxálico de libertação lenta: uma ferramenta para fazer a rotação entre tratamentos

Tiras de cartão com ácido oxálico,
produzidas pela polaca Lyson.

Em novembro de 2017 escrevi acerca do Aluen CAP: “Tanto quanto sei a eficácia do Aluen CAP não está dependente da temperatura e humidade exterior como é  caso de outros tratamentos formulados com base no timol ou ácido fórmico. Este produto argentino parece-me uma opção muito interessante para os apicultores portugueses, pensando nos constrangimentos climatéricos que podem limitar/impedir a aplicação atempada do fórmico ou timol nas nossas colmeias, nomeadamente no período crítico de infestação pela varroa no final de verão/início do outono (meses de agosto/setembro). O Aluen CAP poderá ser o utensílio adequado no sentido de promover a adequada rotação entre produtos acaricidas eficazes.  Aguardemos que o Aluen CAP seja homologado em breve na Europa e em Portugal.”

Para além da vantagem referida em cima, as tiras com ácido oxálico são um tratamento de longa duração, garantindo taxas de elevada eficácia mesmo em épocas de criação presente nas colónias. Este aspecto é realçado num artigo recente (2020), sobre um ensaio de campo realizado em Veracruz, México, do qual que traduzo alguns excertos em baixo:

Acerca das vantagens das tiras de libertação longa de ácido oxálico (AO): “o método de aplicação de AO por gotejamento restringe sua eficácia, apresentando uma eficácia média de apenas 66% quando a criação está presente. Assim, o poder acaricida do AO é limitado durante as longas temporadas de criação, típicas de climas quentes. Neste cenário, Aluen Cap é uma formulação alternativa de AO, cuja aplicação exibe altos níveis de eficácia mesmo quando há criação. Esta formulação nunca foi testada em abelhas africanizadas em climas tropicais. Nesse contexto, este trabalho avalia a utilização e a eficácia de uma formulação acaricida à base de ácido oxálico (Aluen Cap) contra o Varroa destructor em abelhas africanizadas mexicanas, onde a criação operculada sempre esteve presente ao longo do ano.

Acerca das condições de temperatura e humidade presentes no território: “Este território apresenta um clima tropical húmido ao longo do ano, com temperatura média mínima em torno de 26 ° C e máxima em torno de 38 ° C, e precipitação média em torno de 1500 mm. Este estudo foi realizado de 29 de junho a 30 de agosto de 2016, coincidindo com o período mais quente e húmido do ano. O valor da temperatura média máxima oscilou em torno dos 32 ° C, e a média mínima em redor dos 24 ° C. A precipitação média durante a estação chuvosa oscilou entre 214-293 mm por mês.

Os resultados:  “A eficácia média do Aluen Cap foi de 92,1% […] Não houve diferenças significativas nos valores de força inicial e final entre as colónias tratadas e de controle, tanto para valores de abelhas adultas quanto de criação […] Mortalidade nas rainhas ou criação de abelhas não foi detectada durante ou após o tratamento. […] A maioria dos ácaros morreu nos primeiros 21 dias […].

fonte: Sóstenes Rafael Rodríguez Dehaibes, Facundo René Meroi Arcerito, Elissa Chávez-Hernández, Gonzalo Luna-Olivares, Jorge Marcangeli, Martin Eguaras & Matias Maggi (2020) Control of Varroa destructor development in Africanized Apis mellifera honeybees using Aluen Cap (oxalic acid formulation), International Journal of Acarology, 46:6, 405-408

Notas: 1) Infelizmente, as tiras de libertação lenta de ácido oxálico não fazem parte da lista dos tratamentos homologados no nosso país. A sua utilização pode estar sujeita a uma contra-ordenação. Não promovo nem deixo de promover a sua utilização, nunca me coloquei nesse papel, apresento sim informação sobre a sua eficácia, medida de forma controlada.

2) Desconheço estudos controlados de avaliação à eficácia deste tipo de tratamentos na Península Ibérica, provavelmente por não estarem homologados. Tenho lido e ouvido alguns relatos desencontrados na avaliação que fazem, uns positivos e outros negativos.

3) Em França foram feitas avaliações controladas e os resultados são positivos, ainda que tenham também encontrado algumas diferenças importantes de eficácia entre anos, apiários e colónias. Ver com mais detalhe nesta publicação, onde apresento também algumas indicações detalhadas de como proceder para elaborar este medicamento caseiro.

randy oliver: uma conversa sobre a alimentação com substitutos de pólen

Bidão transformado em alimentador externo colectivo de substitutos de pólen.

Nos últimos anos a opção de alimentar as colónias nas épocas de escassez com substitutos de pólen fornecidos em alimentadores externos colectivos tem vindo a recolher adeptos entre os apicultores. As abelhas aparentemente gostam desta alternativa alimentar, carregando afanosamente grandes quantidades do substituto para a colmeia. Mas como vimos aqui este comportamento, por si só, não é um indicador fiável da qualidade do alimento. Mais, alguns apicultores profissionais relatam que têm assistido ao colapso de colónias no inverno e associam este facto a esta estratégia de alimentação. Ora é sobre esta questão em particular que Randy Oliver se debruça no início desta conversa publicada no YT anteontem.

Randy Oliver, conversando anteontem, 14, sobre abelhas.

Randy Oliver, apicultor desde a sua juventude, biólogo e entomólogo, é provavelmente a voz mais influente no meio daqueles que procuram um conhecimento objectivo sobre estes insectos polinizadores.

É precisamente sobre a necessidade de uma maior objectividade nas afirmações que se fazem a respeito das abelhas que Randy inicia a conversa. Para ele muitas vezes a internet e a comunicação social abordam a apicultura de uma forma “nonsense”/absurda e não de uma forma objectiva, baseada na evidência científica e na experiência controlada.

Refere que neste momento está a conduzir dois ensaios controlados, um sobre o desenvolvimento de abelhas resistentes — programa que já mereceu duas publicações neste blog, aqui e aqui — e um outro sobre os efeitos da alimentação com substitutos de pólen, que iniciou há sete meses e está agora a terminar.

Uma tirada engraçada, mas muito séria como o são as coisas engraçadas, é Randy afirmar que se algum apicultor não disser de quando em quando que não sabe, o melhor a fazer é ouvir essa pessoa com “um grão de sal”/com algum cepticismo, porque há muita coisa que objectivamente desconhecemos.

Sobre os ensaios com suplementação proteica no outono as conclusões preliminares que tirou foram:

  • quando o substituto de pólen seco é fornecido em alimentadores externos colectivos as abelhas recolhem-no em grande quantidade e armazenam-no, fermentam-no e fazem pão-de-abelha a partir dele;
  • quando o substituto pólen é fornecida na forma de bifes as abelhas não armazenam nem uma grama;
  • a colecta e armazenamento do substituo de pólen seco fornecido em alimentadores externos varia muito de colónia para colónia;
  • em situação de escassez de pólen natural no outono e quando alimentadas com substitutos de pólen o melhor teste para avaliar o impacto da suplementação passa por verificar se as abelhas produzem mais geleia real para alimentar as larvas; segundo ele, as abelhas param a produção geleia real se a proteína de substituição fornecida não tiver os ingredientes que lhes permitam produzir geleia real com qualidade;
  • verificaram-se efeitos adversos nas abelhas alimentadas em laboratório (em Tucson) com pão-de-abelha feito a partir dos substitutos de pólen; estes dados necessitam de ser replicados com novos ensaios, na sua opinião;
  • estes efeitos adversos nas abelhas alimentadas com pão-de-abelha feito a partir dos substitutos de pólen confirmam a experiência negativa observada por vários apicultores profissionais que testemunharam colónias a colapsar no inverno depois de alimentadas com grandes quantidades de substituo de pólen seco fornecido em alimentadores externos colectivos.

Foi o que retirei nos primeiros dez minutos desta conversa de Randy Oliver. Espero que a tradução tenha sido fiel, mas caso encontrem alguma falha/erro importante agradeço desde já que me alertem.

a gestão da desigualdade entre colónias

Foto de ontem (14-01-2021) do território a 900 m de altitude.

Desde o início da minha actividade apícola fui confrontado com colónias desiguais nesta época do ano. Tendo aprendido que este é um fenómeno normal e incontornável, procurei aprender acerca de como o gerir e optimizar. Entre outras, a ferramenta de gestão que adoptei, utilizada desde há muitas décadas, foi cunhada com o termo equalização. No meu território, neste mês de janeiro é impraticável iniciar o maneio de equalização das colónias. Resta-me alimentá-las com pasta de açúcar, confinar uma ou outra mais fraca numa caixa de 5 quadros, e esperar mais cerca de um mês a mês e meio para iniciar a transferência de quadros com criação fechada, prestes a emergir, das mais fortes e trocá-los por quadros com criação aberta ou com reservas das colónias mais fracas. E assim apoiadas as colónias mais frágeis se fazem fortes e vigorosas à entrada do fluxo de néctar. Se a colónia é um indivíduo (super-organismo para alguns), o apiário é a a aldeia, que eu quero comunitária, onde a partilha de forças traz ganhos a todos. Para mim o cuidador, os ganhos são claros desde há uns anos, e estão aqui elencados. Este é um maneio que francamente me dá grande prazer fazer, que assenta como uma luva na minha idiossincrasia, colocando as colónias mais fortes ao dispor das mais fracas. Tenho para mim que a forma como fazemos a nossa apicultura também é terreno para a expressão da nossa ética e da nossa mundovisão.

Foto de ontem de uma colónia muito forte, que será uma colónia doadora de quadros com criação prestes a emergir, dentro de um mês a mês e meio.
Foto de ontem de uma colónia forte. Previsivelmente será uma colónia doadora de quadros com criação prestes a emergir, dentro de um mês a mês e meio.
Foto de ontem de uma colónia média, susceptível de vir a ser receptora de quadros com criação prestes a emergir, dentro de um mês a mês e meio.
Foto de ontem de uma colónia fraca, que apresenta sinais de diarreia visíveis na fotografia, e previsivelmente ficará fora do lote de colónias receptoras. Esta colónia sofreu PMS que, a juntar ao frio das últimas semanas, a colocou numa situação muito difícil. Será transferida para uma caixa de 5 quadros nos próximos dias.

sumo de limão no xarope: um benefício ou um prejuízo? (parte 2)

Nesta publicação, de novembro do ano passado, escrevi: “Muitos apicultores misturam o sumo de limão nos xaropes de açúcar que fornecem às abelhas para evitar a sua fermentação e/ou promover a inversão dos açucares. O sumo de limão, para além de ser um acaricida ineficiente, pode ser prejudicial quando adicionado aos xaropes açucarados, de acordo com o estudo em baixo, publicado já este ano.” Na altura, a publicação foi feita apenas com base na leitura do resumo do estudo — em consequência de estar atrás de uma “paywall”.  Hoje, após uma leitura integral e atenta do conteúdo do artigo, posso confirmar o essencial do que escrevi na altura: o sumo de limão nos xaropes de açúcar que fornecemos às abelhas para evitar a sua fermentação e/ou promover a inversão dos açucares […] pode ser prejudicial quando adicionado aos xaropes açucarados.

Na discussão dos resultados os autores escrevem:

A adição de limão é normalmente feita para facilitar a inversão dos açúcares dissacarídeos para obter os monossacarídeos, glicose e frutose supostamente mais digeríveis. Na verdade, acredita-se comumente que a sacarose hidrolisada é nutricionalmente melhor para as abelhas (Bailey 1966). O efeito negativo da adição de limão aqui obtido sugere testar se a adição de limão é realmente necessária; descobrimos que a sacarose pode ser tão eficaz quanto a glicose e a frutose para sustentar uma sobrevivência normal em condições de laboratório. Isto sugere que a adição de limão pode não ser necessária como normalmente se pensa, possivelmente porque as abelhas são capazes de inverter dissacarídeos, graças à α-invertase (White 1975). No entanto, não podemos excluir que outros resultados possam ser obtidos em condições de campo, onde as necessidades nutricionais das abelhas podem ser diferentes. No entanto, nossos resultados permitiram uma avaliação cuidadosa deste aspecto e, por precaução, sugere-se aos apicultores que não adicionem o sumo de limão na preparação da calda de açúcar.

Fica a tradução de alguns excertos do artigo:

De acordo com sua sobrevivência, as abelhas que receberam os diversos tratamentos puderam ser agrupadas da seguinte forma. A maior sobrevivência foi observada em abelhas alimentadas com xarope de açúcar ao qual nenhum sumo de limão foi adicionado

Como se identificou um efeito negativo da acidez do xarope de açúcar na sobrevivência das abelhas, testamos esse efeito usando limão e cloreto de hidrogénio. Abelhas alimentadas com uma solução de açúcar acidificada ao mesmo pH (2,80) com limão ou cloreto de hidrogénio mostraram uma sobrevivência significativamente reduzida em comparação com as abelhas alimentadas com a mesma solução de açúcar sem adição de ácido

A análise de qRT-PCR destacou uma expressão significativamente mais baixa de apidaecina* nas abelhas alimentadas com xaropes acidificados em comparação com abelhas do grupo de controle alimentadas com xarope não-acidificado

Uma vez que a acidificação dos xaropes de açúcar parece ser crítica para a sobrevivência das abelhas e o objetivo da acidificação é obter a inversão dos açúcares dissacarídeos em monossacarídeos, testámos se alimentar as abelhas com uma solução de sacarose em vez de glicose e frutose influencia a sua sobrevivência. Descobrimos que as abelhas alimentadas com xarope de sacarose tiveram uma sobrevivência mais longa do que as abelhas alimentadas com uma solução 1: 1: 1 de água, glicose e frutose

A regra de ouro da medicina “primum non nocere” (primeiro não causar dano), atribuída a Hipócrates, sublinha a necessidade de se considerar cuidadosamente os possíveis efeitos colaterais negativos… da nutrição complementar, uma vez que esta se tornou uma prática comum devido ao aumento da fragilidade das abelhas destacado acima. Esperamos sinceramente que seja encontrado um equilíbrio entre a necessidade de manter as colónias de abelhas e o risco de perturbar seu funcionamento normal.

fonte: DOI: 10.1007/s13592-020-00745-6

* apidaecina é um peptídeo antimicrobiano presente no intestino das abelhas com um papel importante na imunocompetência das abelhas.