o mundo agrícola unido pela biodiversidade ou uma breve história de um apicultor do Marne

Apicultor orgânico/bio em Ville-en-Tardenois, no Marne, Philippe Lecompte conta com uma estreita colaboração com o setor agrícola como um todo para preservar a fauna e a flora (ver aqui entrevista).

A jornada de Philippe Lecompte, apicultor orgânico perto de Reims!
Este especialista em abelhas e amante teve sua primeira colmeia em 1975 e tornou-se profissional em 1979. Preocupado com a qualidade do mel e o bem-estar de suas abelhas, tornou-se orgânico/bio em 1995. Philippe também é presidente da Réseau Biodiversité pour les Abeilles, e vice-presidente da associação Symbiose para paisagens e biodiversidade, que reúne representantes do mundo agrícola e vitivinícola, várias autoridades regionais do Grand Est e indústrias de proteção de plantas.

Este ano em França, as beterrabas, inclusive as orgânicas, foram parasitadas por pulgões, com quedas espetaculares de rendimento. Existem apenas dois tratamentos: os piretroides sintéticos, que são administrados por pulverização e, portanto, podem envenenar vários insetos com facilidade, e as sementes revestidas com neonicotinoides, menos prejudiciais porque permanecem no solo.

Mas esta polémica, acima de tudo, impede que se pense nas verdadeiras causas da mortalidade das abelhas. A Plataforma de Epidemiologia de Saúde Animal, uma organização independente sob a égide do Ministério da Agricultura e do INRAE (Instituto Nacional de Investigação para a Agricultura, Alimentação e Ambiente), publica um estudo anual sobre as causas de mortes de abelhas:

  • 1º responsável: parasitas, em particular a varroa, cuja fêmea se alimenta da abelha, e transmite um vírus mortal (nova estirpe de vírus mais virulenta espalha-se pelas colónias de abelhas na Europa).
  • Na 2ª posição, a Plataforma aponta para as más práticas apícolas, cada vez mais difundidas. A abelha é o terceiro animal doméstico em França há vários anos. Muitas pessoas iniciam a apicultura sem ter as habilidades e os conhecimentos necessários, o que tem graves consequências na mortalidade do seu efectivo.

Quais são as relações entre o apicultor do Grand-Est e outros atores do mundo agrícola?
A agricultura é um castelo de cartas: se uma cai, as outras seguem. Por exemplo, o desaparecimento do setor francês de beterraba teria sérias consequências na produção de alfafa, uma planta muito benéfica para a preservação da biodiversidade, porque as unidades de desidratação da alfafa também produzem polpa de beterraba, essencial para assegurar a sua rentabilidade.

Na nossa região, os atores do setor agropecuário em sentido amplo trabalham juntos há vários anos nestas questões. A associação Symbiose lançou assim iniciativas e experiências para promover a biodiversidade nos nossos territórios, como a instalação de faixas intra-parcela com floração escalonada, de forma a garantir a alimentação dos polinizadores durante todo o ano, sebes ou faixas de alfafa na orla das parcelas.”

fonte: https://www.lunion.fr/id201075/article/2020-10-23/marne-le-monde-agricole-uni-pour-la-biodiversite

como batem as asas para outras coisas que não voar: vídeo em ultra slow motion

No artigo Wings as impellers: honey bees co-opt flight system to induce nest ventilation and disperse pheromones, 2020, Jacob M. Peters e colegas filmaram os movimentos das asas das abelhas em movimento muito lento. Quando as abelhas estão a ventilar a colmeia ou a dispersar as feromonas produzidas na glândula Nasonov (feromona de chamamento e/ou de alerta) o movimento das asas cria um fluxo de ar no sentido da retaguarda. Esta publicação é um complemento visual a esta publicação.

As abelhas melíferas (Apis mellifera) são voadoras notáveis que carregam regularmente cargas pesadas de néctar e pólen, apoiadas por um sistema de voo – as asas, tórax e músculos de voo – que se pode supor é otimizado para locomoção aérea. No entanto, as abelhas também usam esse sistema para realizar outras tarefas cruciais que não estão relacionadas com o voo. Ao ventilar o ninho, as abelhas agarradas à superfície do favo ou à entrada do ninho abanam as suas asas para direccionar o fluxo de ar através do ninho ou expulsá-lo do ninho. Um comportamento semelhante de abanar as asas é usado para dispersar feromonas voláteis da glândula Nasonov.

Visualização do fluxo de ar impulsionado para a retaguarda, marcado com uma cruz vermelha. Movimento desacelerado aproximadamente 400 vezes.

ventilação do ninho: dois apontamentos

Nesta publicação deixei a pergunta: “o comportamento de ventilação das abelhas expulsa o ar quente e saturado de CO2 do interior da colmeia, como se o aspirasse para o exterior ou, ao contrário, força a entrada de ar fresco e oxigenado do exterior para o interior da colmeia?”

A questão surgiu-me da leitura do artigo Collective ventilation in honeybee nests, de 2019, Jacob M. Peters e colegas. Os investigadores tiram duas conclusões dos dados que recolheram da ventilação auto-organizada em colónias de abelhas melíferas europeias:

“Existem dois componentes comportamentais que são críticos para a ventilação auto-organizada.

  • “Primeiro, com o batimento de asas à entrada da colmeia as abelhas devem (e fazem) a extracção do ar para fora da entrada do ninho, e não para dentro. Isso permite-lhes sentir a temperatura do ninho a montante. Se as abelhas introduzissem o ar pela entrada do ninho, não teriam nenhuma informação sobre o estado da colmeia. ” Por palavras minhas, as abelhas ventiladadoras aspiram/expulsam activamente o ar do interior da colmeia e despejam-no no exterior. Ao fazerem assim recolhem informação da temperatura deste ar [humidade e CO2 também, digo eu] e o ar do exterior entra passivamente para ocupar o espaço do ar extraído. Esta utilização da mecânica dos fluídos pelas abelhas é de uma elegância e inteligência inquestionável, na minha opinião.
  • “Em segundo lugar, a função que determina a probabilidade de uma abelha ventilar a uma determinada temperatura provavelmente foi ajustada por meio da seleção natural. […] De fato, sabe-se que colónias com alta diversidade genética têm mais variação nos limiares individuais de temperatura para ventilação e são capazes de atingir uma temperatura de colmeia mais estável ao longo do tempo. Nossa teoria sugere que essa diversidade também é crítica para a estabilidade da padronização espacial do comportamento de ventilação, necessária para uma ventilação eficiente.” Mais um aspecto que associa a diversidade genética da colónia, isto é a presença de diversas sub-famílias, ao bem-estar e sanidade das colónias. Vamos a ver o que o nosso afã para selecionar, afunilando a diversidade genética, nos está a trazer e nos trará no futuro. Por exemplo nos EUA, vários especialistas e apicultores já se questionam se a selecção para abelhas menos propolizadoras não será uma das causas para os problemas sanitários e mortalidade de suas abelhas.

Deixo outra questão: em que medida o apicultor ao promover a ventilação superior, com a abertura por exemplo do óculo da prancheta e promovendo o efeito chaminé, não está a perturbar estes comportamentos de auto-organização? Se sim, que significado e impacto tem essa perturbação?

ventilação da colmeia ou a persuasão das influencers

As abelhas batem as asas 230 vezes por segundo.

Rachael Kaspar, no artigo Experienced individuals influence the thermoregulatory fanning behaviour in honey bee colonies, 2018, mostra que as abelhas mais velhas influenciam as abelhas mais jovens e inexperientes a ventilar a sua colónia para a arrefecer nos dias mais quentes. O seu estudo testou a hipótese de que uma abelha individual/ou pequeno grupo de abelhas pode influenciar outros membros do grupo a realizar um comportamento termorregulador de batimento de asas à entrada da colmeia na abelha ocidental, Apis mellifera L.

Kaspar mostrou-nos que as abelhas amas são influenciadas ao ver as abelhas operárias mais velhas e experientes na tarefa de batimento de asas e ocupação de locais precisos para promover um maior fluxo de saída e de entrada de ar na colmeia.

“As operárias mais velhas influenciam definitivamente as abelhas ama mais jovens”, disse Kaspar. “Eu estava interessada em analisar como grupos de diferentes idades interagiam socialmente, quais são as variações entre grupos de diferentes idades e como eles interagem para alcançar uma resposta adequada aos stressores ambientais”.

“Nós pensávamos que as abelhas como insetos não teriam a capacidade de aprender, memorizar ou ter estas influências sociais. Mas, na verdade, elas fazem-no. As abelhas são um ótimo modelo para estudar outras sociedades, como a nossa.”

Kaspar teve a ideia de um influenciador ou iniciador do comportamento da colmeia quando observou o comportamento humano no campus. Um grupo de pessoas esperava que o sinal mudasse para poderem atravessar. Muito impaciente por ter de esperar, uma pessoa atravessou a rua. Um ou dois segundos depois, os outros pedestres também atravessaram, influenciados pelo comportamento da primeira pessoa a atravessar.”

fonte: https://www.colorado.edu/today/2018/08/02/pushing-boundaries-honeybee-hive-mates-influenced-fan-wings-keep-hive-cool

Notas: 1) também o comportamento defensivo parece ter uma componente de aprendizagem/imitação social. Abelhas menos defensivas transferidas para colónias mais defensivas tornam-se mais defensivas.

2) o comportamento de ventilação das abelhas expulsa o ar quente e saturado de CO2 do interior da colmeia, como se o aspirasse para o exterior ou, ao contrário, força a entrada de ar fresco e oxigenado do exterior para o interior da colmeia?

3) sobre a ventilação superior e seu maneio há muitos apicultores norte-americanos, entre outros, a baterem o pé que ela é benéfica no seu território.

óculo da prancheta, fechado ou aberto?

A ventilação das colónias e o seu maneio é um clássico nas conversas entre apicultores. Quando se fala de ventilação há que discriminar entre (i) a ventilação inferior, ao nível do estrado — sólido ou em rede? — e do alvado — com ou sem grelha de entrada?; (ii) a ventilação superior — óculo da prancheta, fechado ou aberto?

Vou apresentar as minhas opções relativamente à ventilação superior, que não são nem melhores nem piores que outras, são as que me pareceram favorecer mais os meus enxames no seu território. Lembro que é um território no distrito da Guarda, de temperaturas bastante baixas no inverno e altas no verão. As amplitudes térmicas diárias são elevadas no final do inverno, primavera e outono. É um clima de ar seco, aspecto a que dou particular importância, porque não tão atreito ao desenvolvimento de bolores e micoses no ninho. Lembro ainda que tinha as colmeias em assentos a cerca de 30 cm do solo, aspecto que também potencia a ventilação.

Tendo em conta estas particularidades, as minhas colónias no final da primavera (desde que as temperaturas diurnas atingiam os 25-27ºC e as noturnas se estabilizavam acima dos 13-15ºC) passavam a ter o óculo aberto em apenas cerca de 1/3 do seu diâmetro. Esta opção permitia às abelhas escolherem a sua ventilação superior. Quem melhor do que elas para decidir?

… e algumas colónias aparentemente desejam esta ventilação superior porque não fechavam com própolis este espaço aberto…
… enquanto outras aparentemente não desejam esta ventilação superior porque fecham com própolis o espaço aberto.

No outono/inverno e parte da primavera, com temperaturas nocturnas estabilizadas abaixo do 10-12ºC e diurnas abaixo dos 23-25ºC, fechava o óculo da prancheta. Com esta opção procurava evitar o efeito chaminé, a saída rápida pelo orifício da prancheta do ar quente e húmido proveniente do ninho. Como sabemos a criação de larvas beneficia muito por dispor de um nível relativamente alto e estável de humidade no ninho. Caso deixasse o óculo aberto, o ar seco do território entraria mais intensamente no ninho, podendo desidratar demasiado o ambiente interno do ninho e criar dificuldades suplementares às abelhas no cuidado às larvas.

Óculo fechado para estabilizar o mais possível a temperatura, mas sobretudo a humidade relativa no ninho. A humidade relativa no ninho de uma colónia forte e saudável situa-se entre os 50% e 60%. Com níveis inferiores a 50% de humidade relativa os ovos não eclodem. Com o óculo aberto o efeito de chaminé no ninho intensifica-se, podendo desidratá-lo em demasia.

1.700 km de faixas de alfafa não cortadas para polinizadores ou cultivando a convergência

A sensibilidade para a necessidade de uma mão ecológica para com os polinizadores vem crescendo. O projecto Stripes, referido nesta publicação de 2019, é a materialização desta sensibilidade. Outros projectos com objectivos semelhantes têm aparecido, nomeadamente o Apiluz em França, que é objecto desta publicação.

“Em 2021, foram preservados 1.700 km de faixas de alfafa (luzerna)* não cortadas no projeto Apiluz, lançado pela associação Symbiose. O objetivo: aliviar a escassez de alimentos dos polinizadores em junho e julho. Isto representa 560 ha não cultivados nos oito departamentos envolvidos (Aisne, Ardennes, Marne, Seine-et-Marne, Aube, Haute-Marne, Yonne e Val-de-Marne).

No leste da França, a associação Symbiose está a trabalhar para financiar o projeto Apiluz para os próximos anos. Em 2021, conseguiu instalar 1.700 km de faixas de alfafa não cortadas para polinizadores

Lançado entre 2014 e 2016, o Apiluz consistiu inicialmente no lançamento de protocolos experimentais. Estes permitiram determinar as características técnicas do projeto (largura da faixa, localização na parcela para limitar a sujidade, etc.) e verificar a sua eficácia.

Ajuda financeira
“Sem o dinheiro vivo dos parceiros, incluindo o Lidl, não teríamos conseguido o que fizemos”, disse Philippe Lecompte, apicultor e presidente da Réseau Biodiversité pour les Abeilles (RBA) (ver aqui entrevista).

A Apiluz teve, de facto, vários financiadores para a sua implantação: Lidl (€ 114.000 dos € 350.000 do projeto), as fundações Avril e Crédit Agricole Nord Est, a Câmara de Agricultura do Marne, Cérèsia, a região do Grand Est e as cooperativas de alfafa (Luzeal , Sundeshy, Capdéa, Prodeva, Cristal Union, Tereos).

Estes apoios permitiram compensar as perdas associadas à manutenção destas faixas aos agricultores (–2 t/ha) e pelas plantas desidratadas (qualidade impactada pela queda do teor de proteína da alfafa em floração).

Trabalho no período pós-2021
“Estamos demonstrando a possibilidade de uma política de interesses convergentes, com uma abordagem económica da biodiversidade”, disse Philippe Lecompte. Mas também buscamos financiamento de longo prazo. Desenvolvimentos em benefício da biodiversidade têm um custo e a pergunta é: quem paga? Os nossos impostos através da política agrícola comum, os nossos agricultores dos seus próprios rendimentos? Através de sinais de qualidade, responsabilidade social empresarial? Presumivelmente, vamos mover-nos em direção a uma mistura de todos. Trabalharemos nesse sentido no período pós-2021. »

Projeto multiparceiro
Hervé Lapie, presidente da Symbiose e presidente da FDSEA de la Marne, destacou a força da rede de múltiplos parceiros para realizar tais projetos por meio de consultas. Criada em 2012, a Symbiose reúne vários atores do leste da França: agricultores, apicultores, caçadores, naturalistas, administração

A Symbiose procura que o interesse deste projeto pela biodiversidade seja reconhecido à escala nacional. Hervé Lapie, no entanto, lamentou a ausência de representantes dos Ministérios da Agricultura e da Transição Ecológica durante a apresentação em 2 de julho de 2021.”

fonte: https://www.lafranceagricole.fr/engins-agricoles/article/770786/apiluz-veut-prenniser-son-action-pour-les-pollinisateurs

*Medicago sativa, conhecida pelos nomes comuns de luzerna e alfafa, é uma leguminosa perene, pertencente à família Fabaceae e subfamília Faboideae, amplamente utilizada como alimento para ruminantes em regiões de clima temperado e seco. O nome alfafa significa em árabe “O melhor alimento”.

nova estirpe de vírus mais virulenta espalha-se pelas colónias de abelhas na Europa

Os vírus são das principais causas de mortalidade em espécies sociais (ver o caso da recente pandemia COVID-19). Também as colónias de abelhas são afectadas por vírus, e entre outros destaca-se o Vírus das Asas Deformadas (VAD), que pela sua virulência e ubiquidade está fortemente associado ao colapso de muitos enxames de abelhas melíferas europeias. Como sabemos, um dos mais importantes vectores do VAD entre as abelhas são os ácaros varroa.

Devemos estar cada vez mais conscientes que os vírus em geral, e o VAD em particular, são uma bomba de destruição massiva de colónias de abelhas. As abelhas infectadas com este vírus apresentam dois sintomas, um que afecta as asas e outro o sistema nervoso:

  • as asas das abelhas afetadas pelo VAD encolhem e deformam-se, as abelhas ficam impedidas de voar e com a vida substancialmente encurtada;
  • noutros casos os vírus atacam o sistema nervoso das abelhas, a tal ponto que acabam por perder o sentido de orientação. Resultado, elas não conseguem encontrar o caminho de regresso à sua colmeia.

Estes fenómenos provocam, obviamente, o despovoamento acelerado das colmeias, que é confundido com a deserção/abandono das abelhas da colmeia por muitos apicultores.

Uma nova estirpe de vírus mais virulenta ocupa o lugar da anterior estirpe

Como sabemos da nossa recente experiência pandémica, os vírus sofrem mutações frequentes, das quais emergem novas estirpes mais ou menos virulentas, algumas das quais tendem a tornar-se prevalentes na população dos hospedeiros. Ora foi o que aconteceu recentemente com o VAD: sofreu uma mutação, mutação essa que está a tomar o lugar da estirpe anterior (VAD-A), a tornar-se prevalente nas colónias de abelhas pela Europa fora. Infelizmente esta nova estirpe (VAD-B) é mais virulenta: transmite-se mais facilmente e mata mais rapidamente os seus hospedeiros (em regra em 48h). Com esta nova estirpe as colónias de abelhas estão em maior risco do que estavam num passado recente.

Como referido no artigo Virus des ailes déformées (DWV-B) : le variant mortel qui menace les abeilles dans le monde entier, publicado em 2022: “Em entrevista à Bee Culture (revista americana de apicultura), os autores do estudo* apontam que a nova variante (DWV [VAD]-B) mata as abelhas mais rapidamente e é transmitida com mais facilidade que o DWV [VAD]-A. Eles identificam claramente o DWV [VAD] como a maior ameaça às colónias de abelhas“.

(fontes: https://www.blog-veto-pharma.com/virus-des-ailes-deformees-dwv-un-nouveau-variant-mortel-menace-les-abeilles-dans-le-monde-entier/; https://www.apiculture.net/blog/un-nouveau-virus-menace-les-colonies-d-abeilles-n410)

* Paxton, Robert J., et al. “Epidemiology of a major honey bee pathogen, deformed wing virus: potential worldwide replacement of genotype A by genotype B.” International Journal for Parasitology: Parasites and Wildlife 18 (2022): 157-171.

Na ausência de tratamento para este e outros vírus que fragilizam e reduzem de forma significativa a longevidade e funcionalidade das abelhas fazendo perigar a sobrevivência das colónias, a solução para reduzir o impacto desta ameaça passa por baixar a presença dos seus vectores, neste caso o ácaro varroa. Para tal o apicultor deve fazer os tratamentos atempadamente, com eficiência e eficácia, para salvaguardar o estado sanitário das abelhas, em particular as de inverno que começam a ser criadas no final de agosto/princípio de setembro em muitas das nossas colónias.

les virus, première cause de mortalité des abeilles (os vírus, a principal causa de mortalidade das abelhas)

Deixo em baixo a tradução de uma entrevista a Philippe Lecompte, apicultor profissional no Marne e presidente da Réseau biodiversité pour les abeilles (RBA), publicada no início deste ano. Sobre os vírus e a varroa tenho escrito muito, sobre os neonics pouco ou nada. Esta opção é reveladora do meu pensamento e do alinhamento do pensamento de Philippe Lecompte com o meu. Está na hora de dar um passo em frente e ultrapassar o debate conflituoso e mal orientado entre a agricultura e a apicultura.

“A mortalidade das abelhas nunca foi tão alta como no inverno passado, diz Philippe Lecompte, apicultor profissional no Marne e presidente da Réseau biodiversité pour les abeilles (RBA). Ao contrário da crença popular, os produtos fitossanitários e, em particular, os neonicotinóides (NNI), não são responsáveis ​​por esta mortalidade sem paralelo. O desenvolvimento de populações de vírus é a principal causa. »

60 vírus letais estão permanentemente presentes numa colmeia. A partir de certo limiar, as defesas imunológicas das abelhas não são suficientes para os enfrentar. Elas desenvolvem patologias e enfraquecem até morrer. Philippe Lecompte não entende. “Há mais de 10 anos que os cientistas alertam sobre o desenvolvimento de populações virais e as consequências devastadoras associadas, mas ninguém quer ouvir isso.”

O apicultor acredita que o conhecimento científico enfrenta dificuldades para ser divulgado aos apicultores. Apenas 12% deles acham que os vírus representam um problema para as colmeias, segundo a ANSES. “Infelizmente é muito pouco, lamenta Philippe Lecompte. Estamos em negação. Precisamos mudar nosso raciocínio e ter outra visão da apicultura e suas questões.”


Desde a década de 1980, vários parasitas exóticos colonizaram a França, incluindo o ácaro varroa. Eles representam verdadeiras portas abertas para os vírus. Em território francês, as abelhas não evoluíram com esses parasitas, o que explica as suas dificuldades para se proteger contra eles. “Um vírus multiplica-se intensamente, o que inegavelmente leva a erros de multiplicação genética e ao desenvolvimento de novas estirpes”, explica o apicultor. Transmissor direto e indireto, o varroa recombina vírus e amplifica sua patogenicidade. Isso cria uma competição entre os vírus e os hospedeiros que os combatem.

Estamos a assistir a um verdadeiro problema viral que merece ser explicado aos apicultores e por eles combatido”, adverte Philippe Lecompte. Ele fica aborrecido ao observar que, nos últimos dois anos, muitas publicações se concentraram no vírus das asas deformadas (vírus DWV), transmitidos pelo ácaro varroa, são esquecidas. Em níveis baixos, este vírus causa grandes distúrbios na orientação espacial e no sistema nervoso das abelhas*. “Ainda temos pouco conhecimento e, no entanto, o alerta sobre esta questão da virologia existe desde a década de 1980 e foi ampliado desde os anos 2000! Hoje, cerca de 30% do orçamento para pesquisa em apicultura é dedicado ao combate à varroa. Mas nada está planeado para estudar as consequências dos vírus e seus efeitos devastadores na saúde das abelhas”.

Os restantes 70% do orçamento destinam-se a financiar estudos sobre o impacto dos produtos fitossanitários na mortalidade das abelhas. “Esta pesquisa é altamente divulgada. Assim, podemos compreender facilmente porque os produtos fitossanitários (NNI, SDHI e até o glifosato) provocam tanto descontentamento entre os apicultores, protesta Philippe Lecompte. Os produtos fitossanitários são o bode expiatório da apicultura quando não há comprovação científica de que sejam os responsáveis ​​pela massiva e recorrente mortalidade das abelhas. É certo que os laboratórios conseguem medir uma ínfima concentração de produtos fitossanitários nas colmeias. Mas e quanto ao seu efeito na saúde da colmeia?

Para o apicultor profissional, a implantação de técnicas como a espectrometria de massa permitiria determinar a presença e o impacto de ataques virais e outros stressores, a fim de antecipar problemas relacionados com a saúde da colméia. “Precisamos investir nessa nova tecnologia extremamente promissora”, explica o apicultor. Esta é uma das condições para sair dos debates conflituosos entre agricultura e apicultura.

fonte: https://www.cultivar.fr/sinformer/les-virus-premiere-cause-de-mortalite-des-abeilles

Excelente Philippe Lecompte! Chapeau!

Uma amostra da importância que tenho dado neste blog à questão dos vírus, em particular o vírus das asas deformadas (VAD).

Nota: sobre os impactos da varroose na orientação das abelhas publiquei em 2019.

um orçamento de apoio à apicultura fortemente revisto em alta… em França

Um exemplo e um modelo, o caso francês. Com uma estrutura sócio-demográfica do sector apícola bastante próxima da nossa, isto é, um sector predominantemente não-profissional, com uma distribuição de colónias por tipologia de apicultor semelhante à nossa, com um sector com gente mais madura que jovem, com as mesmas ameaças bióticas (varroa e velutina) e abióticas (aumentos da imprevisibilidade metereológica e extremos climáticos mais frequentes e duradouros), os decisores políticos estão relativamente atentos e actuantes, o que se materializa num orçamento de apoios directos à apicultura fortemente revisto em alta em duas áreas críticas: 1) apoios à manutenção do efectivo apícola; 2) apoios à modernização das operações de transumância. Por cá é o desprezo na atenção devida, a mediocridade das vistas curtas.

O ano de 2023 marcará uma mudança na ajuda à apicultura
Para 2023-2027, as ajudas à manutenção do efectivo apícola e à transumância mantêm-se, com novas despesas elegíveis e um orçamento fortemente revisto em alta.

Equipamento para transumância na floresta. Novos equipamentos serão elegíveis para ajuda a partir de 2023.

Desde 2004, a Europa acompanha e financia um programa destinado a melhorar as condições de produção e comercialização de produtos apícolas. Cada Estado-Membro dispõe de um orçamento anual indexado ao número de colónias presentes no seu território, devendo apresentar à Comissão Europeia um programa, detalhando a implementação no seu território das principais ações enquadradas pela UE. Sucederam-se assim os vários programas europeus de apicultura, com a duração de três anos, nomeadamente duas ajudas directas aos apicultores: a ajuda à manutenção do efectivo apícola e a ajuda à transumância.

A partir de janeiro de 2023, as medidas de apicultura serão integradas na política agrícola comum (PAC) e, portanto, serão objeto de um programa setorial de apicultura (PSA) de cinco anos. Uma mudança significativa no apoio público à indústria apícola!

Gestão do ano civil
A partir de 2023, o PSA será gerido por ano civil. Assim, para 2023, os investimentos devem ser feitos e pagos pelos apicultores entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2023. Mesmo que os pedidos de ajuda possam ser apresentados já no outono de 2023, os apicultores terão um prazo adicional em janeiro de 2024 para apresentar seus casos. É, portanto, o fim dos processos a serem apresentados em pleno verão, em plena época apícola.

A ajuda à transumância e manutenção do efectivo será alargada a novos materiais e equipamentos. Para ajudar a manter a apicultura no contexto das alterações climáticas e para dispositivos anti-roubo, por exemplo. Assim, além de manter os investimentos habituais (colmeias, enxames, rainhas, etc.), deverão surgir novos investimentos: isolamento de colmeias, bebedouros, colmeias conectadas à rede e vários dispositivos anti-roubo.

Uma lista mais ampla de investimentos elegíveis
Este não é o momento para imprudência ou gastos excessivos. A Europa exige que a FranceAgriMer regule o uso dos orçamentos. Isso requer uma lista precisa de investimentos elegíveis para assistência à transumância. Quanto à ajuda à manutenção do efectivo apícola, a FranceAgriMer garante que o apicultor assegurou uma boa gestão de Varroa, pedindo prova de compra de um medicamento anti-Varroa homologado. A implementação de uma auditoria de sanidade a partir de 2024 também está sendo considerada, em alguns casos.

Lado do orçamento
O desenvolvimento mais marcante desse novo programa continua sendo o modelo orçamentário. A partir de 2023 as duas ajudas diretas terão um orçamento total de 4,375 milhões de euros por ano:
1) Com um aumento de 67% para ajuda à manutenção do efectivo apícola;
2) E um aumento de 119% para ajuda à transumância;
3) Um aumento semelhante está previsto para as outras medidas do futuro programa setorial da apicultura.

fonte: https://www.reussir.fr/apiculture/lannee-2023-marquera-un-tournant-dans-les-aides-apicoles

o peso político do sector apícola em França

Em baixo deixo dois gráficos retirados de um documento intitulado L’apiculture à travers les questions adressées au gouvernement par les députés (Apicultura através das questões dirigidas ao governo pelos deputados).

A partir da legislatura de 2002-2007, a apicultura “entrou” na Assembleia Nacional Francesa. Nessa legislatura os deputados colocaram cerca de 300 questões sobre o sector ao governo. Na legislatura seguinte o número de questões atingiu o pico, chegando perto das 700. De lá para cá o número tem descido e na última legislatura, de 2017-a 2022, as questões aproximaram-se das 300. Com uma taxa de resposta superior a 90% a partir da 12.ª legislatura, a apicultura é um tema sobre o qual o Governo mais responde às questões colocadas pelos deputados. A título de comparação, 78% de todas as questões escritas produzidas durante a 15ª legislatura tiveram resposta do Governo.
Na última legislatura (2017-2022) verifica-se uma alteração na temática das questões colocadas pelos deputados, que se re-orientaram para uma partilha entre questões sanitárias e questões económicas.


Hipótese de explicação: Nestes anos mais próximos, a multiplicação de episódios climáticos extremos (geadas tardias, precipitações, secas, etc.) resulta em episódios de escassez de alimentos para os enxames de abelhas, devido à redução do pasto alimentar. As consequências são económicas e de saúde. Traduzem-se num aumento dos custos de produção com a alimentação das abelhas e na renovação dos efectivos, redução do rendimento das colónias, tanto mais significativo quanto a gestão sanitária é crescentemente mais exigente. Actualmente, observam-se altas taxas de mortalidade no final da invernada, que também podem ser causadas por outros fatores epidemiológicos. Também contribuem o aparecimento de novos bioagressores (Vespa orientalis, aethina thumida), o reforço da pressão dos já existentes (Vespa velutina nigrithorax) ou as consequências do stress químico, ligado à utilização de pesticidas nas culturas ou na pecuária que implicam uma alta taxa de mortalidade de colónias e um enfraquecimento dos apiários, principalmente entre os apicultores amadores. Em termos de questões parlamentares, isto traduz-se em questões sobre as medidas previstas pelo Governo para apoiar a economia apícola e reduzir os factores de stress das abelhas.

Por cá, em Portugal, o diagnóstico faz-se rapidamente: as questões dos deputados ao governo são próximo do inexistente. A atenção dos governos mais recentes ao sector tem sido nenhuma.