vespa velutina: avaliação da eficácia dos iscos proteicos com fipronil em estudo espanhol

Efficacy of Protein Baits with Fipronil to Control Vespa velutina nigrithorax (Lepeletier, 1836) in Apiaries é um estudo espanhol publicado em junho deste ano. Creio que é o único estudo publicado numa revista científica (Animals) acerca da avaliação do impacto dos “cavalos de troia” na visitação e predação de abelhas melíferas por V. velutinas em apiários na Península Ibérica. A utilização dos “cavalos de troia” é uma técnica controversa, aspecto que é abordada neste parágrafo do artigo: ” […] é necessário estudar os riscos que larvas e vespas mortas e restos de iscas podem representar para aves, outros insetos e meio ambiente.

Resumo Simples
Desde a introdução acidental da vespa-de-patas-amarela (Vespa velutina nigrithorax) no início do século 21 na Europa, ela tornou-se uma ameaça para muitos polinizadores, incluindo as abelhas domésticas. Após sua chegada a França em 2004, rapidamente se espalhou pelo continente, chegando a Gipuzkoa (País Basco) em 2010, onde representa um sério problema para a apicultura. Para reduzir este problema, várias estratégias de controle foram desenvolvidas, como a remoção de ninhos ou a captura de rainhas fundadoras na primavera. No entanto, estes métodos não foram eficazes na redução do impacto das vespas na apicultura. O uso de iscas proteicas com biocidas tem-se mostrado um método eficaz no controle de populações de vespas invasoras em ambientes naturais, porém, não têm sido utilizadas para o controle de V. velutina [nota minha: não tem sido utilizado oficialmente e com a autorização das autoridades administrativas]. Este estudo avaliou a eficácia destas iscas na redução do impacto das vespas nos apiários. Os resultados mostraram que quando a presença de vespas nos apiários é alta, ocorre um alto consumo de iscas, levando a uma redução significativa no número de vespas em 48 h. Esta redução dura pelo menos duas semanas após a colocação da isca e permite que as abelhas recuperem e retornem à sua atividade normal.

A diminuição do número de vespas observada no grupo de apiários com maior pressão de V. velutina, além de ser mais pronunciada 48 após a colocação das iscas, manteve-se constante ao longo das duas semanas seguintes. As contagens pós-isca nos dias +2, +7 e +14 foram significativamente menores do que no dia 0 para os dois grupos de apiários com maior número de vespas. No grupo com menor pressão de V. velutina, embora tenha havido uma leve redução no número de vespas no dia +2 e no dia +7, a diminuição não foi significativa.

Sumário técnico
A vespa-de-patas-amarela (Vespa velutina nigrithorax), fora de sua área de distribuição natural, tornou-se uma grande ameaça para as abelhas domésticas. Vários métodos de controle têm sido usados para combater V. velutina, mas os resultados obtidos não são satisfatórios. O uso de iscas proteicas com biocidas tem-se mostrado um método eficaz no controle de populações de vespas invasoras, mas não tem sido utilizado para o controle de V. velutina. Assim, a eficácia de iscas proteicas contendo fipronil para reduzir a presença de vespas em apiários foi avaliada neste estudo. Após a determinação laboratorial da eficácia ótima de uma isca proteica com concentração de 0,01% de fipronil, foram realizados ensaios de campo envolvendo 222 apicultores. Os dados relatados pelos 90 apicultores que responderam ao questionário solicitado demonstraram que nos grupos de apiários com maior pressão de vespas (grupos com 10–30 e mais de 30 vespas por apiário), houve uma diminuição significativa na presença de V. velutina, durante pelo menos duas semanas. A redução no número de vespas foi positivamente correlacionada com o consumo de iscas, e o consumo de iscas foi positivamente correlacionado com o número de vespas presentes no momento do tratamento. Embora o método utilizado tenha mostrado boa eficácia e a concentração de fipronil utilizada tenha sido muito baixa possíveis efeitos negativos sobre o meio ambiente também devem ser avaliados.”

Materiais e métodos

Testando a Eficácia de Iscas em Apiários
Para verificar a eficácia das iscas de proteína, o trabalho de campo ocorreu entre agosto e outubro de 2019, 2020 e 2021. Foi obtida autorização oficial do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente da Espanha e do Conselho Provincial de Gipuzkoa.

Foram utilizados quatro tipos de iscas proteicas, sendo três de peixe e uma de carne. Todos tinham a mesma concentração de fipronil (0,01% p/p) [0,01 gr de fipronil por 100 gr de isco]. […] Entre 50 e 100 gr de isca foram acondicionados em pequenos recipientes recicláveis e mantidos congelados (-20 °C) até à utilização nos apiários. A distribuição dos iscos aos apicultores foi feita na sede do GBA, onde os técnicos anotaram a quantidade de iscos fornecidos a cada apicultor, o número de apiários e colmeias a tratar e o local onde foram colocados.
Para realizar os ensaios, os apicultores que concordaram em participar foram informados sobre uma série de pré-requisitos a serem atendidos, (i) um número mínimo de vespas deveria estar presente no apiário (>2 vespas por apiário), (ii) em dias de chuva e/ou ventos fortes devem ser evitados, (iii) no dia do tratamento, a entrada das colmeias deve ser fechada antes do amanhecer e mantida fechada por 4 h, período em que as iscas foram colocadas próximo das colmeias.
Assim, uma hora após o nascer do sol, com as iscas descongeladas e temperadas, um pequeno recipiente com aproximadamente 50 g de isca para cada 4 a 5 colmeias foi colocado próximo da entrada das colmeias. À medida que a isca era consumida, mais isca era adicionada. No final do dia, as embalagens eram recolhidas e descartadas em ponto de reciclagem.

Ensaios de inactivação larval em laboratório
Comparando os efeitos das iscas tóxicas nos diferentes grupos de larvas, aquelas alimentadas com a isca contendo 0,01% de fipronil apresentaram maior percentagem de larvas afetadas em 24 h.

Uma mortalidade de 100% foi observada 48 horas após a administração das iscas tóxicas. […] Após 48 h, as larvas controle ainda estavam vivas.
A maioria das larvas alimentadas com iscas proteicas com diferentes concentrações de fipronil apresentaram mudança progressiva de coloração, passando a uma coloração enegrecida quando morreram. Para determinar se a mudança de cor foi devido à ingestão de fipronil, as larvas de controle foram mantidas sem comida até morrerem. Dez dias após o início da experiência, as larvas controle perderam a atividade até morrerem, evoluindo de esbranquiçadas para pretas, como ocorreu com as larvas alimentadas com fipronil.

Mudanças de cor observadas nas larvas de Vespa velutina após 48 h de alimentação com fipronil (A) em comparação com a larva controle sem consumo de fipronil (B,C).

Discussão
A remoção do ninho e captura de rainhas fundadoras na primavera e operárias no verão são as técnicas mais comuns usadas para o controle de V. velutina. A melhor estratégia é combinar diferentes métodos ao longo do período de atividade anual das vespas. Neste estudo, apresentamos outro método utilizado com sucesso com outros membros da família Vespidae baseado no controle químico com iscas tóxicas. Vários biocidas foram investigados para controlar vespas, e o fipronil forneceu eficácia ótima em doses baixas. De fato, uma isca protéica com fipronil foi recentemente comercializada na Nova Zelândia para esse fim*. Primeiramente, é fundamental que a isca seja palatável e não provoque nenhum tipo de rejeição por parte das vespas. A esse respeito, ao longo dos três anos, nenhum apicultor indicou nos questionários que havia observado qualquer rejeição da isca por parte das vespas. Em segundo lugar, uma baixa dose de biocida na isca é fundamental porque as vespas adultas precisam sobreviver à exposição à isca e serem capazes de a transportar até ao ninho para alimentar as larvas. No presente estudo, os ensaios in vivo alimentando as larvas com iscas contendo diferentes concentrações de biocida mostraram que o percentual de inativação das larvas aumentou com a concentração, obtendo 84,1% de inativação após 24 h para a concentração máxima de fipronil testada (0,01%). Os restos de fipronil encontrados em larvas mortas representaram de 13% a 30% do total de biocida administrado. Essa baixa concentração pode ser atribuída aos processos de metabolismo e excreção do biocida. […]
Assim, a isca proteica com 0,01% de fipronil foi selecionada para o estudo de eficácia nos apiários, apresentando efeito significativo na redução da presença de V. velutina. Observou-se que para minimizar a pressão de V. velutina no apiário, a quantidade de isca tóxica transportada para os ninhos deve ser alta. No entanto, o consumo de iscas dependia do número de vespas presentes no apiário com resultados ótimos quando mais de 30 vespas estavam presentes ao mesmo tempo em frente das colmeias do apiário. A redução no número de vespas no grupo de apiários com >30 vespas (≈75%) foi semelhante a outros estudos que usaram iscas proteicas com fipronil para controlar espécies de Vespula em ambientes naturais, mas menor em comparação com outros. No entanto, a concentração de fipronil usada no presente estudo é dez vezes menor (0,01% p/p) do que as concentrações de fipronil usadas para controlar outras espécies de Vespidae (0,1% p/p). Além disso, não temos conhecimento de outras publicações sobre a eficácia de iscas de proteína tóxica no controle de V. velutina em apiários e, infelizmente, não podemos comparar os nossos resultados com outros estudos realizados em locais semelhantes. Além disso, de acordo com as observações dos apicultores, a redução alcançada nos apiários com alta predação permitiu que as abelhas continuassem sua atividade normal.

[…] Embora a contagem de vespas não tenha continuado após +14 dias pós-isca, alguns apicultores relataram um aumento de vespas, mas que não atingiram a contagem inicial. Esses aumentos foram provavelmente devidos à eclosão de novas vespas que estavam em estágio de pupa no momento da isca e, conseqüentemente, não foram alimentadas com a isca tóxica. Além disso, após o declínio inicial, um rápido aumento de vespas também foi relatado num apiário. Isso pode ser devido às vespas vindas de outros ninhos devido à menor competição entre as vespas após a iscagem em comparação com os dias anteriores. No grupo de apiários com baixa contagem de vespas (<10), alguns apiários mostraram uma ligeira diminuição no número de vespas, mas rapidamente o recuperaram.


Vários autores descobriram que aumentar a intensidade das iscas aumenta sua eficácia. Como visto neste estudo, o uso de biocidas como o fipronil pode ser útil para controlar as populações de V. velutina nos períodos de maior pressão nos apiários. […] o uso de iscas proteicas com biocidas deve ser o mais restrito possível, optimizando as condições para o máximo consumo no menor tempo possível. Essas condições podem ser alcançadas se uma isca altamente palatável estiver disponível, e os apicultores usarem essa estratégia quando os apiários são fortemente predados por V. velutina no final do verão e início do outono, quando os ninhos de V. velutina crescem rapidamente, sob controle e supervisão das autoridades locais.
O controle de V. velutina em apiários não só beneficia a apicultura como também preserva a fauna entomológica local, que também é alvo da vespa de patas amarelas. Nesse sentido, estudos realizados em França, indicam que várias espécies de vespas sociais podem representar um terço das presas de V. velutina.”

fonte: https://www.mdpi.com/2076-2615/13/13/2075

Notas: *1) Como complemento ver aqui e aqui sobre a utilização de iscos com fipronil utilizados na Nova Zelândia para controlar a vespa germânica, um insecto exótico naquele país.

2) Ainda que consciente da controvérsia que a utilização de cavalos de troia apresenta, entendo que no actual contexto de forte predação de apiários em certos territórios, a Europa devia permitir a produção controlada e a utilização parcimoniosa e com dispositivos seguros deste tipo de iscos tóxicos, à imagem do que se faz na Nova Zelândia para o controle da Vespa germânica. Enquanto assim não for, a utilização desta técnica continuará a ser levada a cabo, como já o é, provavelmente com doses de tóxico superiores ao necessário e com dispositivos rudimentares que aumentam o risco dos efeitos colaterais noutras espécies.

equipamentos apícolas: algumas soluções engenhosas

O meu amigo Luís Pereira, apicultor profissional no norte de Portugal, teve a generosidade de me mostrar, há uns dias atrás, 4 peças do seu equipamento concebidas por ele para levar a cabo um maneio mais eficiente, rápido e menos esforçado. Permitiu-me fotográ-las e divulgá-las neste blog para que possam inspirar outros. Bem-hajas Luís e muitos anos de saúde e boas crestas!

Começando pelo carrinho de transporte de meias-alças, que carrega com até 5 meias-alças Langstroth cheias de mel.

De notar 3 detalhes: os garfos desenhados para se ajustarem ao tabuleiro onde vão ser colocadas as meias-alças; o reforço exterior às rodas e a utilização de dois pneus em cada roda.
Nestes tabuleiros, com duas ripas inferiores que dão a altura necessária para os garfos do carrinho poderem entrar, vão ser colocadas pilhas de 5 meias alças cheias de mel, que depois transportará até ao seu veículo, estacionado a uns metros de distância no apiário, subindo-as com este carrinho por uma rampa.

Antes de fazer o transporte destas meias alças, coloca-as sobre o tabuleiro durante algumas horas para desabelharem com recurso a um escapa abelhas com uma concepção genial.

Escapa-abelhas colocado no topo da pilha com a respectiva saia. O Luís Pereira faz várias pilhas com 5 meias alças no apiário, durante as horas frescas da manhã. Terminado esta tarefa deixa as pilhas algumas horas a desabelhar, antes de as levar para a sua sala de extracção.
Estes escapa-abelhas são muito eficazes porque são de topo e aproveitam uma característica comportamental das abelhas: a procura da luz. Desde que não haja criação nos quadros de meia-alça, as abelhas saem sem dificuldade pelos cones e não voltam a entrar. Para evitar a criação nas meias-alças o Luís Pereira utiliza as grelhas excluidoras de rainha em todas as suas colónias em produção. Um cuidado crítico a ter com a utilização deste procedimento é garantir que as abelhas não entram por lado nenhum nesta pilha de meias-alças durante as horas que ficam a desabelhar no apiário.

Com o recurso a estes três equipamentos o Luís consegue crestar dezenas de colmeias por dia sozinho e transportar as respectivas meia-alças para a sua sala de extracção com muito poucas abelhas.

Um outro equipamento que começou a ser modificado e desenvolvido desde 2012 pelo Luís é a prancheta assimétrica.

Numa das faces é uma prancheta convencional.
Na outra face é uma prancheta profunda que permita a colocação de alimento sobre esta face quando está voltada para o topo. Com esta face profunda virada para baixo permite a colocação dos sacos de alimento logo por cima dos quadros. Nas transumâncias, que o Luís Pereira faz frequentemente, coloca esta face profunda virada para baixo, para dar espaço para as abelhas ali se aglomerarem e diminuir o perigo de esmagamento durante o transporte.

nosemose: os efeitos de Honey-B-Healthy®, Nozevit Plus e HiveAlive®

Entre outros alegados efeitos positivos dos três suplementos alimentares identificados no título é referido que podem ser utilizados como alternativa à Fumagilina-B no tratamento da Nosema apis e Nosema ceranae. Surpreendentemente, ou nem por isso (ver aqui), no estudo referenciado nesta publicação não se verificaram os efeitos positivos esperados na diminuição dos microsporídeos da nosema (apis e ceranae) com a utilização do Honey-B-Healthy®, Nozevit Plus e HiveAlive®.

Título: Evaluating the Efficacy of Common Treatments Used for Vairimorpha (Nosema) spp. Control (2023)

Sumário:
Vairimorpha (anteriormente Nosema) apis e V. ceranae são patógenos microesporidianos que são motivo de preocupação para colónias de abelhas domésticas. Múltiplos tratamentos têm sido propostos como eficazes na redução da prevalência e intensidade de Vairimorpha spp. infecções. Aqui, testamos a eficácia desses produtos numa experiência de laboratório e três experiências de campo. Na experiência de laboratório, não encontramos reduções na prevalência de Vairimorpha spp. (proporção de indivíduos infectados com Vairimorpha spp.) ou intensidade (número de esporos de Vairimorpha spp. por indivíduo), mas encontramos uma diminuição na sobrevivência das abelhas após o tratamento com Fumagilin-B, Honey-B-Healthy® e Nozevit Plus. A primeira experiência de campo mostrou aumento da intensidade de Vairimorpha spp. em colónias tratadas com Fumagilin-B e HiveAlive® em comparação com um controle negativo (somente xarope de sacarose). A segunda experiência de campo mostrou uma fraca redução de intensidade de Vairimorpha spp. 3 semanas após o tratamento com Fumagilin-B em comparação com Nozevit. No entanto, a intensidade de Vairimorpha spp. voltou a níveis comparáveis ​​aos de outros grupos de tratamento 5 semanas após o tratamento e permaneceu semelhante aos de outros grupos durante a experiência. O teste de campo final não mostrou efeitos positivos ou negativos do tratamento com Fumagilin-B ou Nosevit na prevalência e intensidade da Vairimorpha spp. Estes dados levantam questões sobre a eficácia dos produtos atualmente usados ​​pelos apicultores para controlar Vairimorpha spp.

Discussão dos resultados: “Embora a fumagilina e outros tratamentos destinados a reduzir Vairimorpha spp. se tenham mostrado eficazes em certas circunstâncias, existem muitos fatores que podem afetar a capacidade de resposta das colónias aos tratamentos. Com base nos dados aqui descritos, não é possível recomendar um tratamento específico em detrimento de outro para o controle da Vairimorpha spp.; em vez disso, recomendamos melhorar a saúde da colónia e reduzir a pressão de pragas para garantir que as colónias não sejam afetadas por vários stressores. […] Além disso, pesquisas futuras podem explorar mais como alguns produtos funcionam de forma preventiva, em vez de como um de tratamento, como o uso de própolis como tratamento preventivo para Vairimorpha spp.. Outros tratamentos preventivos que levem em conta a sazonalidade da Vairimorpha spp. também podem revelar-se eficazes. Essas informações seriam valiosas para pesquisadores e apicultores.”

fonte: https://www.mdpi.com/2076-3417/13/3/1303

Notas: 1) Algumas espécies de microsporídios do género Nosema (o caso apis e ceranae) foram recentemente incluídas no género Vairimorpha com base em estudos recentes baseados na filogenética molecular.

2) Os dados recolhidos das experiências em laboratório e das experiências em campo não confirmaram o efeito curativo para a Nosema dos produtos comercializados identificados no título. Verificaram a sazonalidade da doença, com pico à entrada da primavera, e o decréscimo natural dos microesporídeos daí em diante, associado ao consumo de pólen natural pelas abelhas. Por essa razão não recomendam nenhum tratamento específico, recomendam antes reduzir a pressão das pragas, a varroa e os vírus sobretudo acrescento eu.

3) Uma esperança no horizonte para a prevenção das infecções por Nosema é o própolis. Como sabemos a nossa abelha ibérica é uma abelha propolizadora o que lhe pode dar alguma vantagem em relação a raças menos propolizadoras. Ao contrário as abelhas melíferas presentes no sub-continente norte-americano, onde se realizou o estudo, foram seleccionadas ao longo dos dois últimos séculos para propolizarem muito pouco. De há uns anos para cá a comunidade científica desses países (EUA e Canadá) e os apicultores mais informados estão a re-direcionar a selecção para abelhas mais propolizadoras e construção de colmeias com paredes interiores mais rugosas como forma de estimulação da propolização.

apicultura darwiniana: análise crítica

Deixo em baixo a tradução/adaptação de um texto que analisa de forma crítica algumas das reivindicações mais frequentemente utilizadas pelo grupo de apicultores que abraçou uma abordagem radical dos pontos de vista expostos por Tom Seeley no artigo de 2017, Darwinian beekeeping: An evolutionary approach to apiculture (American Bee Journal. 157. 277-282).

“Nos últimos anos, algumas formas de apicultura alternativa foram revitalizadas, como a apicultura sem tratamentos (treatment free), biodinâmica e “natural”. Estas práticas ganharam popularidade quando o professor Tom Seeley divulgou as suas experiências e conclusões em 2017 e introduziu o conceito “Apicultura darwiniana”. Seeley argumenta que o conceito de evolução através da seleção natural raramente é usado na apicultura. Segundo ele imitando as condições naturais das abelhas e a seleção natural, podemos levá-las a superar os seus problemas. As soluções surgirão rapidamente se o apicultor estiver sintonizado com esta visão.

No passado, o campo da apicultura “natural” foi inspirado por uma filosofia da new age: “as abelhas superam tudo com o poder da natureza”. Ao longo do caminho, as intervenções de Seeley e outros cientistas, introduziram formas alternativas de apicultura, envolvendo os princípios da biologia evolutiva. Neste texto, explicarei como essa combinação de apicultura alternativa e ciência produziu uma cultura pseudo-darwiniana de práticas extremas. Meu principal problema com a chamada “apicultura darwiniana” é que ela não é verdadeiramente darwiniana. E não quero dizer que não seja radical o suficiente, muito pelo contrário. Este ramo da apicultura usa constantemente o apelo à natureza, criando uma retórica particularmente atraente para os apicultores orgânicos e alguns apicultores de pequena dimensão adeptos da lazy beekeeping (apicultura preguiçosa).

Estes apicultores tentam a apicultura “natural” e sem tratamentos sustentados alegadamente em argumentos darwinianos. Vou desenvolvê-los a seguir. É de realçar que Seeley é bastante cuidadoso nas suas palavras e instruções, mas as suas ideias são distorcidas e usadas de forma excessivamente rígida e radical. Na demanda da “naturalidade”, qualquer método natural de apicultura nunca será natural o suficiente. Surgirá sempre uma forma mais “natural” e “pura”.

Primeira reivindicação: “As abelhas sobreviveram milhões de anos enfrentando doenças e pragas sem intervenção humana. Portanto, têm, ou podem desenvolver, os mecanismos para lidar com a varroa, etc., desde que deixemos a natureza fazer o seu trabalho.”

Na história natural, inúmeras espécies bem adaptadas extinguiram-se por mudanças súbitas no meio. O Varroa destructor mudou o meio subitamente e teria exterminado as abelhas europeias se os humanos não tivessem intervindo.

Segunda reivindicação: a natureza tem o método de seleção natural para eliminar os desajustados e escolher os ajustados. A apicultura natural está mais próxima da seleção natural.

A seleção natural é um processo de eliminação/selecção ao longo de milhares de anos. Na verdade, estes métodos apícolas alegadamente naturais exercem muitas vezes uma pressão de seleção excessivamente rápida, expondo as abelhas ao stresse crónico (parasitário e dietético) e à morte de milhares de milhões de abelhas. O esquecimento destas perdas incontáveis é bem explicado pelo viés da sobrevivência. Além disso, a evolução das espécies envolve três outros mecanismos além da seleção natural: deriva genética, mutação genética e fluxo genético. Não encontramos referências a estes três mecanismos na apicultura darwiniana porque estragam qualquer narrativa credível acerca da sua efectividade.

Terceira reivindicação: Qualquer intervenção ou assistência com substâncias químicas, biológicas ou mesmo naturais retarda a adaptação natural das abelhas contra patógenos e parasitas.

Outro erro fundamental em torno do qual a apicultura sem tratamentos é construída. Pelo contrário, a intervenção dá às abelhas tempo para se adaptarem. Quanto tempo tiveram as primeiras colónias de abelhas europeias quando entram em contato com varroa? Muito pouco… e sucumbiram.

Quarta reivindicação: Através de métodos naturais de apicultura, o ácaro Varroa perde sua natureza agressiva e desenvolve uma relação simbiótica com as abelhas.

O Varroa destructor é um parasita europeu das abelhas melíferas. É improvável que perca essa característica rapidamente, só porque algumas pessoas colocam as abelhas dentro de troncos de árvores e as deixam enxamear todos os anos. Lembrem-se de que os parasitas e predadores permaneceram os mesmos por milhões de anos e não mudam facilmente. Por exemplo, vespas predadoras, esses ancestrais das abelhas, permanecem predadoras.

Quinta reivindicação: As abelhas na natureza escolhem as suas novas rainhas, enquanto nós, com nossas técnicas, as impedimos de escolhê-las.

Esta é uma das reivindicações mais fracas no texto de Seeley. Uma análise meticulosa da enxameação revela que há uma aleatoriedade na criação natural de rainhas. É como se as operárias “optassem por não escolher” suas rainhas, fazendo numerosos cálices que serão utilizados pela rainha de forma aleatória. As operárias simplesmente descartam algumas larvas mal alimentadas, enquanto retêm o elemento aleatório. Surpreendentemente, muitas das técnicas de translarve de rainhas mantêm um elemento análogo de aleatoriedade.”

fonte: https://thebeekeepinglab.com/2023/07/08/pseudo-darwinism-in-beekeeping/?fbclid=IwAR26HCU8BeHf1DAyYguCRS-49_SaEqVIsdlSfJ317AhhXm3v5mPuXJMhD5Q_aem_Ae9BTGDi31rgF_uwnNsrzVInb1J306DJoYO0rkoJz9NA7BszGhVCPk-7dByljzkWzMU

Notas:

1) na minha opinião a publicação “a minha resistência à resistência: o foco no foco” complementa esta adequadamente.

2) Aceitando que esta abordagem darwiniana seja a melhor maneira de lidar com os ácaros varroa, nunca funcionará se não for adoptada por praticamente TODOS os apicultores e ao mesmo tempo, isto para evitar a deriva/diluição genética dos traços que conferem resistência.

3) E se TODOS aderirem ao projecto… como se resolverá a falência da polinização, a escassez de alimentos e os efeitos sociais e económicos decorrentes de mortalidade massiva de 95-99% das colónias de abelhas e isto durante os anos que o efectivo apícola levará a recuperar?

4) Esta experiência com animais sociais, com milhões de milhões de abelhas condenadas ao sofrimento e à morte desnecessária, às mãos de uma ideologia que por uma triste ironia se diz apicentrada e que procura o bem-estar das abelhas, é um paradoxo ético.

5) Ninguém sabe que abelha resultará de um processo de selecção tão esmagador como o desta proposta “vive e deixa morrer”, que conduzirá inevitavelmente a um enorme empobrecimento do pool genético, aspecto que contraria a tendência natural de promoção da diversidade genética das abelhas .

6) Que garantias há que o ácaro varroa não evoluirá também para se adaptar a colónias pequenas, que enxameiem muito e que não são tratadas, como proposto pelos mais acérrimos defensores desta via, a única respeitadora das abelhas na sua opinião.

7) Como percepcionamos deixar de tratar os nossos outros animais domésticos, cães, gatos, …, para que a natureza elimine os indivíduos susceptíveis às doenças e para as quais temos medicamentos?

o limite máximo de resíduos, um grande desconhecido

A Agência Europeia de Avaliação de Produtos Médico-Veterinários estabeleceu desde há décadas o Limite Máximo de Resíduos (LMR) de amitraz e seus metabolitos por kg de mel em 200 microgramas (µg). Vejamos como se estabelece e calcula este LMR em três passos e que passo a descrever de forma sumária.

1) A dose de amitraz e seus metabolitos sem efeito em animais é avaliada a partir de estudos toxicológicos. Define-se este nível abaixo do qual nenhum estudo demonstrou ter efeitos na saúde.

2) A Ingestão Diária Aceitável é calculada com uma margem de segurança da ordem de 100 a 1000 inferior à dose observada no ponto 1) de resíduos que o consumidor pode ingerir todos os dias durante toda a sua vida sem pôr em perigo a sua saúde.

3) O Limite Máximo de Resíduos (LMR) é determinado pelo consumo médio diário de mel estimado*. Para cada tipo de alimento, um LMR é definido para que o indivíduo humano consumindo quantidades usuais desses alimentos nunca exceda esta ingestão diária cumulativa aceitável calculada no ponto 2).

fonte: http://gds19.org/Docs/PDF/Apiculture/Fiches/Fiche27_MedicamentApicoleReglementation.pdf

Nota: *A Agência Europeia de Avaliação de Produtos Médico-Veterinários estimou um consumo médio diário de 20gr de mel para calcular o LMR , que corresponde a um consumo anual de 7,3 kgs por indivíduo. Tanto quanto sei, o consumo médio de mel per capita no nosso país ronda os 700-800 grs./ano.

fonte: https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/note-guidance-risk-analysis-approach-residues-veterinary-medicinal-products-food-animal-origin_en.pdf

Por outras palavras, os 200 µg de amitraz e seus produtos de degradação (metabolitos) por kg de mel são estabelecidos com um margem de segurança de pelo menos 100 vezes inferior à quantidade que todos os estudos reconhecidos de toxicologia encontraram não ter qualquer efeitos adversos na saúde de indivíduos humanos. Como este LMR foi calculado para um consumo médio diário de 20gr. de mel, o consumidor teria de consumir 7,3 kgs/ano de mel para atingir este limiar. Sabemos que este limiar foi calculado numa base 100 a 1000 vezes inferior ao nível em que deixam de se observar efeitos adversos na saúde. Portanto e concluindo, apenas os consumidores que consumam mais de 730 kgs/ano de mel poderão ter alguns efeitos negativos na sua saúde! Onde estão esses hiper-consumidores de mel?

Bruce Nathan Ames (n. 1928) é um bioquímico e biólogo norte-americano. Um dos seus trabalhos mais notáveis é a criação do teste Ames para identificação de compostos mutagénicos.

A terminar relembro o que publiquei aqui, com este esclarecimento de Bruce N. Ames, um eminente toxicologista: “Possíveis riscos de cancro decorrentes de resíduos de pesticidas nos alimentos têm sido muito discutidos e debatidos com afinco na literatura científica, na imprensa popular, na arena política e nos tribunais. Pesquisas de opinião do consumidor indicam que grande parte do público dos EUA acredita que os resíduos de pesticidas nos alimentos são um sério risco de cancro (Opinion Research Corporation, 1990). Em contraste, estudos epidemiológicos indicam que os principais fatores de risco de cancro são o fumo do tabaco, desequilíbrios alimentares, hormonas endógenas e inflamação (por exemplo, infecções crónicas). Outros fatores importantes incluem exposição intensa ao sol, falta de atividade física e consumo excessivo de álcool“(Ames et al., 1995).

amiflex – primeiro tratamento “flash” com amitraz contra ácaros varroa

Quando há dois ou três meses atrás chegou ao meu conhecimento este novo medicamento à base de amitraz hesitei em fazer uma publicação acerca dele, por estas duas razões: (i) tanto quanto sei não está homologado em Portugal à data desta publicação; (ii) pelo facto de estarem homologados três medicamentos com base no amitraz e este ser “apenas” mais um.

Contudo acredito que o Amiflex, produzido por uma conhecida farmacêutica, a Véto-pharma, venha a ser proposto para homologação e que possa contribuir para o cada vez mais difícil combate contra a varroose e viroses associadas. Segundo a Véto-pharma a rapidez de actuação deste novo medicamento pode e deve ser utilizado para contrabalançar a lentidão de actuação de outros medicamentos acaricidas, como por exemplo o Apivar.

É de realçar o alinhamento da Véto-pharma com o meu pensamento quando a propósito da categorização dos acaricidas lentos e rápidos escrevia há 7 anos, nesta publicação, o seguinte: “Estes dados são, na minha opinião, de grande utilidade quando a urgência de uma infestação nos exige a colocação de um acaricida de acção rápida, ou quando pelo contrário o contexto no qual efectuamos o tratamento não nos exige essa rapidez. Finalmente talvez nos ajude também a perceber que muitas das vezes se o tratamento não foi bem sucedido e a colónia acabou por colapsar, não foi por uma questão de resistência dos ácaros ao princípio activo do tratamento por nós escolhido, mas tão só porque chegámos demasiado tarde à corrida e com um cavalo lento, ainda que forte (será o caso do Apivar). Como costumamos dizer “cada coisa é para o que foi feita”.”

Segundo o fabricante:

“Este é o resultado de 6 anos de pesquisa e desenvolvimento. O objetivo era fornecer um produto “flash” com amitraz, legal, seguro e pronto para uso.

O novo gel Amiflex oferece uma maneira fácil de tratar as colmeias antes, entre ou depois dos fluxos de mel, ou imediatamente antes de iniciar um tratamento de libertação lenta, sem restrições de temperatura.

Em caso de alta infestação, pode-se fazer até 2 aplicações, com intervalo de 7 dias entre elas.

Pode usar o Amiflex no final da temporada, antes do tratamento de libertação lenta, para obter um efeito de choque antes de aplicar o tratamento de ação longa. A combinação de um tratamento flash + tratamento de libertação lenta garante uma redução rápida dos ácaros e proteção a longo prazo por várias semanas.

Pode aplicar Amiflex até 4 vezes por ano na mesma colónia. Não substitui os tratamentos de longa duração. É uma ferramenta adicional para a estratégia de controle de varroa.

A aplicação do Amiflex é rápida e fácil. Basta inserir o cartucho na pistola doseadora e está pronto.

A pistola de dosagem, incluída no pacote inicial, foi projetada para fornecer uma dose específica de 3ml por aplicação.

Aplicar 2 doses de 3mL de gel Amiflex por caixa de abelhas. Isso significa um total de 6mL para uma colmeia de corpo único e 12mL para uma colmeia de corpo duplo.

Cada cartucho contém 120mL de gel. Não há mistura ou equipamento adicional necessário.

Embora os tratamentos caseiros flash de amitraz sejam proibidos, eles são amplamente utilizados há muitos anos, pois nenhum produto legal foi registrado anteriormente para esse fim.

Agora, os apicultores dos EUA finalmente têm um tratamento “flash” legal, seguro e pronto para uso. A segurança de Amiflex foi rigorosamente avaliada para:

  1. as abelhas: sem impacto na população de abelhas, na rainha ou no desenvolvimento da criação. O Amiflex também pode ser usado na presença de rainhas, realeiras ou rainhas jovens não acasaladas.
    2. Os produtos da colmeia: não tem impacto na quantidade de mel armazenado e nenhum resíduo detectado no mel ou nos favos que exceda os limites da EPA.”

fonte: https://www.veto-pharma.com/products/amiflex/#

Este novo medicamento pode ser muito útil na estratégia anual de tratamentos porque, assim como outros tratamentos flash já disponíveis em Portugal, foi concebido para eliminar rapidamente as varroas que estejam na fase de dispersão (forética). Fazer baixar a taxa de infestação para um nível de 3% ou inferior permite criar as condições para uma actuação mais eficaz de medicamentos de libertação lenta. Ao mesmo tempo e como não tem restrições de temperatura pode ser utilizado em dias de temperaturas elevadas, como por exemplo entre o fluxo de néctar da primavera e o de verão. Uma restrição que encontro: nos EUA só pode ser manuseado por aplicadores certificados para a utilização de fitofármacos.

a exposição a agroquímicos na cera laminada causa efeitos insignificantes no crescimento e na sobrevivência no inverno de colónias de abelhas melíferas (Apis mellifera)

As investigações levadas a cabo em abelhas são realizadas em diversos tipos de ambientes. Dos menos naturais aos mais naturais temos, respectivamente: in silico; em laboratório; quasi-campo; em campo. Por vezes os investigadores utilizam uma abordagem híbrida, por ex. com investigação em laboratório e no campo. Deixo em baixo a tradução do sumário de um estudo publicado em 2019, onde a avaliação do impacto de resíduos de químicos de actividades agrícolas e acaricidas nas lâminas de cera foi feita em colónias reais no campo, comprovando uma vez mais que os resultados de campo não replicam resultados laboratoriais.

O uso generalizado de agroquímicos nos EUA levou à contaminação quase universal de cera de abelha em colmeias de abelhas. Os agroquímicos mais comumente encontrados na cera incluem acaricidas aplicados por apicultores contendo tau-fluvalinato, cumafos ou amitraz, e pesticidas aplicados em campo contendo clorotalonil ou clorpirifos. A cera contaminada com esses pesticidas afeta negativamente a qualidade reprodutiva de rainhas e zângãos. No entanto, os efeitos sinérgicos desses pesticidas no crescimento e sobrevivência de colónias jovens permanecem pouco estudados. Estabelecemos novas colónias usando lâminas de cera livre de pesticidas ou contaminadas com concentrações relevantes de campo de amitraz isolado, uma combinação de tau-fluvalinato e cumafos ou uma combinação de clorotalonil e clorpirifos. O crescimento da colónia foi avaliado pela estimativa da produção de favo e criação, armazenamento de alimentos e população de abelhas adultas durante a primeira temporada de uma colónia. Também medimos a sobrevivência de hibernação da colónia. Não encontrámos diferenças significativas no crescimento ou sobrevivência das colónias entre colónias estabelecidas em lâminas de cera livre de pesticidas versus contaminadas com pesticidas. No entanto, as colónias que tinham níveis de Varroa destructor acima de 3% no outono eram mais propensas a morrer durante o inverno do que aquelas com níveis abaixo desse limite, indicando que a alta infestação de Varroa no outono desempenhou um papel mais importante do que a exposição inicial a pesticidas nas lâminas de cera na sobrevivência no inverno de colónias recém-estabelecidas.

fonte: https://www.mdpi.com/2075-4450/10/1/19

Na Austrália, até recentemente livre da varroa, não me recordo de alguma vez ter lido notícias acerca do Colony Colapse Disorder (CCD) que afectou a Europa e os EUA, ainda que por lá os agricultores também utilizem pesticidas. Como explicar ainda que na mesma zona, apicultores vizinhos, uns tenham mortalidade invernal de +50% das colónias e outros inferior a 5%. Se é verdade que nem toda a mortalidade de colónias de abelhas se deve à varroa, também é verdade que os resíduos químicos presentes nas ceras são pequenos responsáveis pelo definhamento de colónias no grande quadro das coisas.

vírus da criação ensacada

Já viu este cenário? Se sim, viu larvas afectadas pela doença da criação ensacada.

A doença da criação ensacada é pouco conhecida pelos apicultores , pelo que vou percebendo nos grupos de apicultores. É, no entanto, uma virose relativamente frequente nas abelhas. Foi a primeira virose descrita em abelhas, no início de sec. XX. Geralmente não é letal ao ponto de condenar uma colónia ao colapso.

O vírus da criação ensacada é causado por um vírus do género Iflavirus. O vírus afeta principalmente larvas de operárias, mas também pode infectar abelhas adultas. Acredita-se que as larvas sejam infectadas pela alimentação já contaminada com o vírus. A partir deste momento o vírus multiplica-se no interior das larvas infectadas. Estas larvas morrem logo após a operculação do alvéolo. O vírus da criação ensacada pode permanecer viável em larvas mortas, mel ou pólen até quatro semanas.

O vírus da criação ensacada pode infectar abelhas adultas, mas não produz sintomas visíveis. As infecções do vírus da criação ensacada são mais observáveis quando o vírus infecta as larvas.

Opérculo ligeiramente removido numa pupa infestada com o vírus da criação ensacada.

Os sintomas típicos do vírus da criação ensacada são:

  • Um padrão de criação irregular com opérculos descoloridos, afundados ou perfurados espalhados nos quadros com criação. Isto geralmente é provocado pelas abelhas adultas que procuram remover a criação infectada;
  • As larvas infectadas morrem logo após a operculação e não conseguem pupar;
  • A larva morre com a cabeça caracteristicamente levantada em direção ao topo do alvéolo e esticada de costas no alvéolo (isto é, em forma de banana);
  • Após a morte, as larvas infectadas mudam de um branco pérola e saudável para amarelado e depois para acastanhado. O escurecimento inicia-se na cabeça da larva morta e espalha-se para o resto do corpo;
  • A cutícula da larva morta transforma-se num saco resistente, cheio de líquido. É esta fase da infecção que dá nome ao vírus. O saco pode ser cuidadosamente removido do alvéolo intacto;
  • As abelhas ama geralmente abrem o opérculo expondo ou removendo as larvas mortas. A abertura geralmente é irregular;
  • Após o estágio de saco, as larvas começam a secar, formando uma escama quebradiça, de cor castanho-escura, que é facilmente removida do opérculo; Estas larvas em decomposição não libertam um odor forte, ao contrário das larvas em decomposição por loque americana.
Larva infectada no opérculo mostrando a mudança de cor e as peças bucais a ficarem pretas e a apontar para cima.

O vírus da criação ensacada também pode afetar as abelhas adultas:

Abelhas adultas com menos de oito dias de idade são infectadas quando ingerem o vírus. O vírus pode ser ingerido através de alimentos contaminados ou pela remoção de larvas que foram mortas pelo vírus da criação ensacada.
As abelhas adultas infectadas não apresentam sintomas óbvios. No entanto, as glândulas hipofaríngeas (são as glândulas que produzem geleia real/alimento para a criação) das abelhas ama são infectadas. Acredita-se que as abelhas ama infectadas possam passar o vírus para as larvas enquanto as alimentam. As abelhas adultas que foram infectadas com o vírus tendem a não alimentar as larvas por muito tempo; geralmente param de comer pólen (uma mudança comportamental associada ao vírus) e tornam-se forrageadores ainda jovens. Durante o forrageamento, as operárias infectadas geralmente tendem a não colectar pólen, no entanto, qualquer pólen coletado pode estar contaminado com o vírus e pode actuar como uma fonte de infecção para outras abelhas na colónia.

As larvas infectadas mudam para castanho-escuro-escuro à medida que a doença progride.

As abelhas geralmente são capazes de controlar o vírus vírus da criação ensacada na maioria das colónias por meio do comportamento higiénico e da capacidade de detectar e remover larvas infectadas. No entanto, esta virose pode tornar-se grave quando combinado com outros stressores, como escassez de néctar ou pólen, condições climáticas desfavoráveis, ou infestação por outras pragas e/ou doenças, em particular a varroose. Quando estas situações ocorrem, os apicultores devem tomar medidas para restaurar a população da colónia, aumentando a população de abelhas operárias ou fornecendo xarope de açúcar e/ou pólen.

Os apicultores podem proteger as suas colmeias inspecionando regularmente os sinais da doença. Se o vírus da criação ensacada for detectado em mais de 5% da criação, os quadros com criação infectados devem ser removidos e derretidos.

fonte: https://beeaware.org.au/archive-pest/sacbrood/#ad-image-0

Nota: os especialistas para esta e outras viroses, e até outras doenças, recomendam a mudança de rainha como medida resolutiva. Cada vez mais me parece que esta estratégia surge como panaceia, como a “chave que tudo resolve”. Não afirmo que não possa contribuir em alguns casos para a resolução, mas os resultados desta estratégia estão longe de serem garantidos.

cresta 2023: no litoral centro

Na passada segunda-feira o Marcelo Murta, comigo a dar uma mãozinha, fez a cresta das colmeias que tem no seu apiário nas proximidades de Coimbra. Deixo em baixo algumas fotos que ilustram o trabalho que efectuámos.

Crestámos 10 colmeias do modelo Langstroth.
Há cerca de 45 dias atrás o Marcelo optou por colocar grelhas excluidoras em todas as colónias em produção. Confessa ter ficado muito satisfeito com esta opção.
Também neste apiário verificámos que a utilização da grelha excluidora permite alcançar um ninho mais organizado do ponto de vista do apicultor, com a criação mais compacta, sem o bloqueio do ninho com pão-de-abelha e meias-alças livre de criação, com pouco ou nenhum pólen.
Já na sala de extracção.
Mel de mil flores, muito aromático, com um bouquet floral notável que apreciei muito.

Das 20 meias-alças foram extraídos 180 kgs de mel, a melhor produção que alcançou nos anos que leva de apicultura. Uma das razões que encontra passa por ter utilizado este ano de forma mais sistemática e planeada as colmeias armazém que lhe permitiram desbloquear mais eficientemente os ninhos no período da enxameação reprodutiva (março e abril este ano e nesta zona). A utilização das grelhas excluidoras também deu o seu contributo, porque permitiu crestar todas as meia-alças, inclusivé as primeiras logo sobre o ninho, onde se encontravam muitos quadros com mel a encher os alvéolos, quando 45 dias antes se encontravam ocupados com criação.

do controlo da enxameação às fábricas de quadros com criação

O meu maneio preferido para fazer o controlo da enxameação, passava por encontrar a rainha e transferi-la para um núcleo. Este maneio simula a enxameação natural, diminuição da força de trabalho e mudança de casa, e refreia absolutamente o impulso enxameador.

Quadro com a rainha retirado da colónia que estava para enxamear em 23-03-2021.
3 a 4 semanas adiante estes núcleos são fábricas de fornecimento de quadros com criação a outras colónias, em particular às colónias em produção. Dadas as características das rainhas, dadas as dimensões dos núcleos e, sobretudo, porque estas colónias mais pequenas têm mais fome de crescer do que uma colónia de 10 quadros, a produção de quadros repletos de criação é mais rápida e intensa.
Desde que geridos com regularidade, tirando semanalmente ou quinzenalmente um a dois quadros com criação, estas colónias explosivas não tendem a atingir o limiar que as predispõe a enxamear novamente no ano em que são criadas. É um maneio no fio da navalha, mas para quem tem disponibilidade e gosto é muito gratificante. Por regra, no ano seguinte continuavam a apresentar um padrão de criação bastante satisfatório no final do inverno, com uma rainha provavelmente no seu terceiro ano de postura (foto de 08-03-2022).

Publiquei e descrevi esta estratégia de maneio em várias publicações que podem encontrar neste blog a partir de 2018/2019. Provavelmente terei suscitado um vasto leque reações, desde as mais interessadas às do tipo “este gajo é doido em não deixar crescer o núcleo para colmeia “. Para fazer justiça a todos, uma vez mais repito que não inventei nada, esta estratégia de maneio aprendia-a das leituras que fiz de Michael Palmer, um apicultor do Vermont (EUA) que julgo que tem uma operação com cerca de 700 colónias, e que nos seus apiários tem permanentemente um conjunto de núcleos para este fim. Por cá na Europa sei que estou bem acompanhado nesta opção de controlo da enxameação e utilização dos núcleos, que é também a de David Evans, aquele que melhor escreve sobre abelhas no mundo virtual. É o que o David refere na última publicação do The Apiarist, esta semana.

De acordo com o Dr. Google serei o único a escrever sobre esta técnica em português. Sei que alguns amigos a passaram a utilizar quando me referiram a sua satisfação com os resultados.