o que mata mais colónias de abelhas: varroa, nosema, imidacloprida, ou tudo isto junto?

O estudo “Single and interactive effects of Varroa destructor,Nosema spp., and imidacloprid on honey bee colonies (Apis mellifera)” [Efeitos únicos e interativos de Varroa destructor, Nosema spp. e imidacloprid em colónias de abelhas (Apis mellifera)] descreve uma experiência, levada a cabo durante dois anos, para avaliar os efeitos isolados e em sinergia na mortalidade de colónias de abelhas por Varroa destructor, Nosema spp. e e imidacloprida (um insecticida da família dos neonicotinóides). Deixo a tradução do sumário:

“As grandes perdas de colónias de abelhas nas últimas décadas são uma grande preocupação social e económica e são vistas como um sinal da vulnerabilidade do meio ambiente, incluindo o serviço de polinização nas lavouras, e do setor apícola. Não há uma causa única para as perdas da colónia, mas muitos setressores contribuintes podem agir em conjunto. A infestação por Varroa destructor é reconhecida como uma importante causa dessas perdas. Os papéis da infestação por Nosema ceranae ou exposição a inseticidas são controversos. Interações entre a exposição a pesticidas e V. destructor ou Nosema spp. já foram implicados. Em dois anos de experimentação de campo, estudámos os efeitos e as possíveis interações entre os setressores infestação por V. destructor, infestação por Nosema spp. e exposição subletal crónica a uma dose realista do inseticida imidacloprida no desempenho e sobrevivência de colónias de abelhas. As colónias altamente infestadas por V. destructor eram 13% menores em tamanho e apresentaram 59,1 vezes mais probabilidade de morrer do que as colónias infestadas com baixos níveis de V. destructor. Infestação com altos níveis de Nosema spp. levou a uma diminuição de 2% no tamanho e a probabilidade 1,4 vezes maior de morrer em comparação com colónias com baixos níveis de Nosema spp. . Nenhum efeito da exposição subletal crónica ao imidacloprida no tamanho da colónia ou na sobrevivência foi encontrado neste estudo. A exposição a V. destructor e imidacloprida levou a uma fração ligeiramente maior de abelhas infestadas com Nosema spp., mas em contraste com as expectativas, nenhuma interação resultante foi encontrada para o tamanho da colónia ou sobrevivência. As colónias, como superorganismos, podem muito bem compensar ao nível da colónia os efeitos negativos subletais dos setressores nos seus indivíduos. No nosso estudo experimental sob exposição realista de campo a setressores, V. destructor foi de longe o mais letal para colónias de abelhas.

fonte: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ecs2.2378

A Arte da Guerra, é um tratado militar escrito durante o sec. IV A.C..

Já Sun Tzu, no lendário livro A Arte da Guerra, escrevia que temos de conhecer bem o inimigo para sairmos vitoriosos na guerra. Na minha opinião, este artigo dá-nos uma luz sobre quem é o GRANDE inimigo e em que sector do campo de batalha devemos colocar a cavalaria para sairmos vitoriosos ano após ano.

identificando o impacto das condições climáticas nas doenças das abelhas melíferas

Publicado em novembro deste ano, este estudo longitudinal que decorreu entre 2006 e 2016 em Inglaterra e no País de Gales, com uma enorme riqueza de detalhes, teve como âmbito e objectivo clarificar a interacção entre a doença em abelhas e o clima, os dois principais causadores de perda de colónias, nas palavras dos autores. A equipa de investigadores, combinaram os registros de doenças resultantes das inspeções ao estado sanitário das colónias com dados meteorológicos para identificar o impacto do clima na loque europeia, loque americana, paralisia crónica das abelhas, varroose, ascosferiose e criação ensacada.

Segundo os autores “As abelhas melíferas sofrem de uma variedade de patógenos bacterianos, fúngicos, microsporídicos e virais, bem como ácaros ectoparasitários, que podem levar a uma saúde precária e à perda de colónias. Especificamente a loque europeia, loque americana, paralisia crónica das abelhas, varroose, ascosferiose e criação ensacada. São todas doenças que podem ter efeitos adversos diretos bem documentados em colónias de abelhas, como a deterioração da criação e paralisia de abelhas adultas. Além dos efeitos diretos óbvios sobre a saúde da colónia, a doença pode ter consequências indiretas mais subtis que são menos bem definidas e mais difíceis de estudar. Por exemplo, a perda de obreiras devido à infestação da colónia com ácaros Varroa destructor resulta em forrageamento pobre e subsequente inanição de larvas e adultos. Além disso, o encurtamento da expectativa de vida das abelhas infectadas com o vírus das asas deformadas associado ao ácaro pode levar à perda de colónias no inverno. Doenças da criação, como loque europeia, loque americana, ascosferiose e criação ensacada, são conhecidas por terem efeitos diretos significativos na saúde das colónias por causa de seu impacto nos estágios iniciais da vida, posteriormente limitando o número de futuras operárias disponíveis para realizar tarefas essenciais na colmeia.

As abelhas atendem a todas as suas necessidades nutricionais, procurando no seu ambiente local néctar (carboidrato) e pólen (proteína), mas o forrageamento depende muito das condições climáticas. Chuvas, baixas temperaturas e ventos fortes são conhecidos por restringir a atividade de forrageamento das abelhas. A escassez de pólen pode ocorrer após alguns dias sem forrageamento, levando à operculação mais precoce das larvas e redução da amamentação/fornecimento da geleia de obreiras. O consumo de pólen não fresco pode causar disbiose intestinal [desequilíbrio na flora intestinal em que existe alteração na quantidade e na distribuição de bactérias no intestino] e um aumento na prevalência de patógenos. O mau tempo na primavera e no verão, quando as colónias são mais populosas, pode levar ao aumento da congestão das colmeias, o que, por sua vez, tem sido relacionado com um aumento na transmissão de doenças. A mudança climática pode trazer um clima mais severo e imprevisível que pode, em última análise, ser prejudicial à sobrevivência das colónias de abelhas e pode alterar as fontes de alimento naturalmente disponíveis.” […]

Entre 2006 e 2016, houve 317.838 visitas às colónias por inspetores, com uma média de 28.894 por ano. A prevalência de cada doença variava anualmente. A loque americana foi a doença mais rara, seguida pela paralisia crónica das abelhas e loque europeia. Varroose, criação ensacada e criação de giz [ascosferiose] foram as três doenças mais prevalentes observadas durante as inspeções.”

Número total de casos de diferentes doenças das abelhas melíferas em Inglaterra e no País de Gales entre 2006 e 2016. Cada condado foi normalizado para casos por 1000 colónias visitadas para evitar viés do número de inspeções.

Vejamos as conclusões deste estudo fecundo de pistas para todos os apicultores que pretendem uma compreensão mais completa das relações entre o clima e a prevalência destas doenças:

  • A nossa nova abordagem analítica demonstra claramente pela primeira vez que o risco de quatro das seis doenças das abelhas melíferas é impactado por condições meteorológicas, apesar de ser causado por diversos agentes causadores que abrangem bactérias, fungos, vírus e ácaros.
  • As condições meteorológicas temperatura, precipitação e vento foram selecionadas por causa de sua clara influência no forrageamento e reprodução das abelhas.
  • O Varroa é um problema considerável para os apicultores em todos os lugares, devido à sua ubiquidade e vectorização de outras doenças. A infestação pelo Varroa aumentou com o aumento da temperatura e reduziu com o aumento da chuva e do vento. Embora a reprodução do Varroa exija a criação presente, os ácaros Varroa transferem-se entre as colónias de abelhas montadas nas costas de abelhas adultas que andam em busca de alimentos. A atividade de forrageamento das abelhas melíferas aumenta à medida que as temperaturas aumentam e quando a chuva e o vento diminuem. Como tal, os comportamentos que levam à transferência das abelhas entre as colónias, como a deriva, onde as abelhas adultas retornam para uma colónia diferente, e roubo/pilhagem, onde as forrageadoras roubam mel de outras colónias mais fracas, podem ocorrer durante os períodos que também permitem o forrageamento. Os eventos de transmissão ao nível de colónia, portanto, requerem tempo bom, e a maioria das invasões ocorreu no final do verão.
  • Nossa análise sugeriu que o risco do vírus da criação ensacada aumentou com o aumento das temperaturas, o que está de acordo com outros estudos, que sugerem que o vírus da criação ensacada tem maior probabilidade de ocorrer nos meses mais quentes.”
  • Criação de giz/ascosferiose é causado por um patógeno fúngico, e essa doença da criação tem uma relação oposta com a temperatura, tornando-se mais provável de ocorrer à medida que as temperaturas baixam. Embora isto aparentemente contradiga as observações de laboratório que determinaram a temperatura ideal para o crescimento do agente causador em 30 ° C, a temperatura no ninho com criação presente numa colónia de abelhas permanece constante, mesmo durante os períodos de frio. Os patógenos fúngicos precisam de humidade para se replicar e se espalhar, contudo não encontrámos nenhuma relação entre chuva e risco de criação de giz, o que é surpreendente.
  • Nossas observações indicam que o surgimento da paralisia crónica das abelhas é independente de qualquer mudança nos padrões climáticos, destacando uma causa alternativa para o surgimento. Estudos anteriores indicaram um aumento do risco de paralisia crónica das abelhas associado a certas práticas de apicultura, como a importação de rainhas, a escala da operação apícola ou a colocação de capta-pólenes nas colónias.
  • A loque americana foi a doença mais rara, com apenas 46 relatados em Inglaterra e País de Gales em 2016, muito mais baixa do que outros países. O baixo número de observações provavelmente contribuiu para nossa incapacidade de relacionar o risco de loque americana com qualquer condição específica. A loque americana é uma doença epidémica em Inglaterra e no País de Gales, com a maioria dos casos sendo provavelmente causados por acções humanas, como a importação de mel, e não pela disseminação natural. A loque americana é uma doença difícil de modelar, pois muitos dos veículos que lhe estão associados são difíceis de identificar, uma vez que estas epidemias costumam ser oportunistas e aleatórias, e os casos costumam ser exponencialmente baixos. A contribuição da propagação antropomórfica/com origem humana tem sido observada noutras regiões.
  • A loque europeia foi mais prevalente do que loque americana (356 casos em 2016), e nossa análise destacou algumas características interessantes desta doença endémica. O risco de loque europeia aumentou com altos níveis de chuva, clima associado a más condições de forrageamento. Os casos de loque europeia têm sido associados a condições de setresse nas colónias, como a falta de alimentos. Embora as abelhas armazenem quilos de mel durante os meses de verão, elas armazenam uma quantidade relativamente pequena de pólen. Períodos de chuva ou ventos fortes reduzem a oportunidade de forrageamento e podem adicionar setresse nutricional às colónias de abelhas, possivelmente contribuindo para surtos de loque europeia. Curiosamente, as abelhas recorrem ao canibalismo da criação durante os períodos de forrageamento insuficiente, e isso poderia contribuir para um aumento direto da transmissão de parasitas da criação dentro da colmeia. O risco de loque europeia no sul e no oeste é muito reduzido, sugerindo que o clima é um fator importante na distribuição/prevalência desta doença.

fonte: https://www.nature.com/articles/s41598-021-01495-w

Nota: os estudos científicos não se preocupam com a verdade geral e absoluta. De uma forma mais humilde, procuram compreender as relações entre as variáveis num contexto específico. No caso deste estudo não devemos esquecer que o contexto onde ele foi levado a cabo, Inglaterra e e País de Gales, é outro diferente do nosso. No nosso caso, atrevo-me a dizer que o calor extremo que se atinge nos meses de julho e agosto em certas zonas do nosso país tem um contributo inegável na redução do forrageamento, e deve ser uma variável a considerar por todos nós para, em conjunto com os dados deste estudo, poder fazer uma aproximação mais afinada à realidade da doença em colónias de abelhas no nosso país.

varroa destructor, esse grande desconhecido

No passado dia 31 de julho, fiz esta pequena publicação no meu mural do FB, relatando o que podem ler.

No seu útimo webinar (infelizmente indisponível por enquanto) Samuel Ramsey, este jovem e genial investigador, veio revelar algumas das suas mais recentes descobertas. Entre outras, esta descoberta, aqui relatada nas palavras de P.H. um membro da lista do fórum Bee-L, e que vem contribuir para compreender o que relatei nesse dia 31 de julho : “Uma apresentação verdadeiramente magistral! Graças ao NY Bee Wellness. Entre os novos fatos apresentados este:

  • o Varroa tem a capacidade de “suster a respiração” dobrando/fechando os seus canais respiratórios. Pode sobreviver várias horas submerso em álcool e com possíveis implicações na [menor] eficácia dos acaricidas que funcionam por evaporação [timol e fórmico], especialmente nos tratamentos de curta duração/flash.”
Samuel Ramsey, tem feito investigação “fora da caixa” e devidamente sustentada em observações empíricas. O melhor de dois mundos!

Nota 1: sobre uma outra notável descoberta de Samuel Ramsey podem ler mais aqui;

Nota 2: Na Europa estão identificadas populações de varroa resistentes aos vapores do timol. Sabemos também que os tratamentos flash com fórmico estão associados a maiores taxas de mortalidade de colónias na Áustria. É possível, com estes tratamentos flash por evaporação, que estejamos a seleccionar as varroas com maior capacidade de “suster a respiração”. E são essas que, sobrevivendo, vão passar as suas características às gerações seguintes. Darwin, e outros de lá para cá, explicaram estes mecanismos de sobrevivência dos indivíduos mais adaptados e transmissão aos descendentes dessas características que favorecem a adaptabilidade há quase 170 anos.

influência do clima na evolução da varroose: estudo espanhol

Este estudo espanhol (1995) aborda a influência de três tipos de clima na evolução da varroose. Este é um assunto que me interessa particularmente dado que verifico que a varroose nos meus apiários a 600m de altitude é, em geral, mais difícil controlar (felizmente não tem sido impossível, apenas mais difícil) do que nos apiários a 900m. Como estão apenas distanciados uma a três dezenas de quilómetros não posso afirmar que estejam em zonas com tipos de clima diferentes. Contudo há aspectos de pormenor que os distinguem, em especial as temperaturas mínimas, mais baixas nos apiários a 900m, e os diferenciais entre as temperaturas mínimas e as temperaturas máximas, mais elevados nos apiários a 900m. Extrapolando os dados do estudo para a minha realidade, estes factores estarão a abrandar a dinâmica de crescimento das populações de varroa nos meus apiários a mais alta altitude. Pela minha constatação, a olho, deste fenómeno, inverno sempre um número maior de colónias nos apiários de altitude. As abelhas, pelo que vou vendo ano após ano nestes apiários de montanha, lidam muito bem com o frio, estando devidamente desparasitadas e devidamente fornecidas de alimento e com populações acima das 7000- 8000 abelhas (4 quadros cobertos de abelhas mínimo para não correr riscos desnecessários).

“Resumo: Estudámos a dinâmica da população de V. Jacobsoni [alguns anos mais tarde os especialistas concluíram que o haplotipo presente na Península Ibérica era o haplotipo coreano V. destructor] na Andaluzia, no
sul da Espanha, região onde existem grandes contrastes climáticos. Realizou-se amostragem mensal, de julho de 1990 a outubro de 1992, sem tratamento acaricida, em 26 colmeias distribuídas em 9 apiários em toda a Andaluzia, com exceçpão de uma colmeia localizada em Cáceres. Estas zonas correspondem às seguintes 3 regiões climáticas: Mediterrâneo continental e oceânico (MCO), Mediterrâneo continental (CM) e Mediterrâneo subtropical (MS). O desenvolvimento das populações de ácaros foi estudado levando-se em consideração os seguintes parâmetros: mortalidade natural (M), taxa de infestação de abelhas adultas (TIA) e taxa de infestação de criação (TIC). As taxas de infestação para os 3 tipos de climas foram, respectivamente, 9,9; 4,1 e 6,1 ácaros por 100 abelhas adultas. Da mesma forma, as taxas de infestação de cria foram 34,2; 17,8 e 24,8 ácaros por 100 alvéolos. O período de máxima infestação variou dependendo da região climática. Os valores globais para as 3 regiões estudadas foram de 8,2 ácaros por 100 abelhas e 29,5 ácaros por 100 alvéolos.”

Deixo em baixo a caracterização que os autores fazem das três regiões climáticas.

  • i) O Vale do Guadalquivir, a linha de costa oceânica e a Extremadura, que representam uma área com clima mediterrânico predominantemente continental, mas com uma orla costeira de clima mediterrânico oceânico; toda esta zona sendo considerada como uma região climática (MCO), caracterizada por uma temperatura média anual de 18 ° C e uma humidade relativa média bastante elevada. Estabelecemos 12 colónias em 6 locais diferentes. [região com as mais elevadas taxas de infestação nas abelhas adultas e criação];
  • ii) A área dos planaltos da Andaluzia oriental e do sulco Intrabético tem um clima mediterrâneo continental (CM) com uma temperatura média anual entre 13 ° C e 15 ° C e uma variação térmica anual bastante elevada (a partir de 7 ° C a 20 ° C). A humidade média é mais baixa do que na região climática anterior e os períodos de geada são bastante frequentes. Nós amostrámos 8 colónias localizadas em 2 locais. [região com as mais baixas taxas de infestação nas abelhas adultas e criação];
  • iii) A zona da costa mediterrânica subtropical (MS), de clima mediterrâneo subtropical, apresenta oscilações térmicas fracas, um inverno ameno e uma temperatura média anual de 18 ° C a 19 ° C. Nesta área, estudamos 6 colónias localizadas no mesmo local. [região com taxas intermédias de infestação nas abelhas adultas e criação].

fonte: https://www.apidologie.org/articles/apido/pdf/1995/05/Apidologie_0044-8435_1995_26_5_ART0002.pdf

Nota 1: numa futura publicação conto apresentar outras explicações, desta feita com a ênfase colocada nas diferenças entre a condução das colónias a 600 m e as colónias a 900 m que, na minha opinião, estão subjacentes a diferentes dinâmicas de evolução das populações de varroa.

Nota 2: bons tempos, ou menos maus, onde era possível ter colónias a sobreviverem sem aplicação de acaricidas mais de dois anos. É bem revelador que actualmente a crescente gravidade da varroose parece ser mais função do aumento de virulência dos vírus veiculados pelas varroas, em particular os vírus das asas deformadas e os vírus da paralisia aguda, do que nas varroas per si.

abelhas resistentes: aprender com quem faz bem o trabalho

Como já referi, o esforço na selecção de linhas resistentes é meritório. Contudo a transferência destas linhas resistentes para os apiários dos apicultores europeus e norte-americanos está a processar-se a conta-gotas, com a consequente diluição do traço resistente ao longo do tempo. Mais, os dados de inquéritos de grande escala a apicultores europeus e norte-americanos revelam que estas linhas não estão a sobreviver mais do que as linhas não resistentes. No caso ibérico coloca-se ainda o problema de actualmente faltarem programas sustentados e credíveis de desenvolvimento de linhas resistentes com a abelha autóctone.

O que interessa aos apicultores que adquirem linhas resistentes? Basicamente que as linhas resistentes sobrevivam mais e com menos cuidados (menos acaricidas e menos monitorização) e produzam tanto ou mais que as linhas não resistentes. Como disse atrás, não é isso que os apicultores inquiridos verificam nas suas linhas resistentes: morrem em igual número.

Talvez seja altura de questionarmos se os traços para os quais se está a seleccionar, especialmente o VSH, o grooming e o REC, serão os indicados.

Costuma-se dizer que se queremos aprender a sério devemos aprender com aqueles que fazem bem o trabalho. Neste caso de resistência ao Varroa é a Apis cerana que está a fazer bem o trabalho. Resiste há muito ao Varroa. E como faz a A. cerana para resistir?

Foi descoberto recentemente um comportamento nestas colónias que pode explicar boa parte da sua resistência. Está descrito neste artigo (li-o pela primeira vez há uns anos atrás, e decidi referi-lo só agora, depois de o Randy Oliver o ter referido no Bee-L há umas semanas atrás, dizendo que poderá ser o caminho para criar linhas de abelhas mais resistentes que as actuais existentes no mercado das linhas resistentes).

De uma forma muito sumária, foi descoberto um comportamento de “suicídio altruísta” das larvas e pupas da A. cerana quando feridas pelo Varroa.

Na linha de cima vemos a expressão deste comportamento de “suicídio altruísta” ou “apoptose social”, larvas infestadas que “decidem” não continuar o seu desenvolvimento após serem feridas pelo Varroa, “decidem” deixar-se morrer. Foi feito um teste (ler artigo) que mostra de forma transparente que as larvas da A. cerana se deixam morrer, mesmo quando feridas de forma não letal. Na linha debaixo vemos pupas de um grupo de controle não infestado.

Os autores escrevem “Assim, a suscetibilidade significativamente maior da criação infestada por ácaros do hospedeiro original de V. destructor [A. cerana] leva a um comportamento higiénico mais eficiente, fornecendo uma base para a sobrevivência da colónia de abelhas ao parasitismo e constituindo uma característica de resistência adicional do hospedeiro original deste parasita . Nossos resultados fornecem uma explicação mais parcimoniosa para as diferenças marcantes no impacto de infestações pelo haplótipo coreano de V. destructor entre as espécies de abelhas melíferas ocidentais [europeias] e orientais. A suscetibilidade da criação também pode contribuir para a sobrevivência da colónia à infestações de ácaros V. destructor em populações de A. mellifera naturalmente resistentes.

fonte: https://www.nature.com/articles/srep27210

Obviamente, para mim, a solução está em aprender com a A. cerana, não em importar a A. cerana para o nosso país/Europa. Onde estão os estudos do impacto ambiental que decorrem da hipotética introdução desta espécie no nosso país/Europa? Aparentemente alguns apicultores, que se dizem amigos do ambiente e do ecossistema, estariam dispostos a introduzir um sério competidor por néctar e pólen, e que resistindo ao ácaro e com o elevado comportamento de enxameação que lhe é característico, muito provavelmente se tornaria uma população dominante, contribuindo inexoravelmente para a exaustão dos recursos melíferos tão necessários aos nossos insectos polinizadores, em particular os polinizadores selvagens que tantos riscos já correm. E tudo para terem ganhos de curto-prazo!? E ao mesmo tempo criticam os importadores e bodegueiros que trabalham com mel chinês por verem apenas os seus ganhos de curto-prazo!?

perdas de colónias de abelhas no inverno de 2018/19 na Áustria: os dados [a análise]

No inquérito COLOSS de 2019, um total de 1.534 apicultores austríacos com 33.651 colónias relataram uma taxa de perdas de 15,2% no inverno de 2018/2019.

Deixo em baixo um conjunto de dados resultantes deste inquérito que mereceram a minha atenção e uma breve [análise pessoal]:

  • mais da metade (51,4%) dos apicultores participantes perderam entre 0–10% de suas colónias durante o período de inverno e 30,3% perderam mais de 20% [os apicultores de pequena dimensão perdem em média mais colónias que os apicultores de maior dimensão; estes dados replicam os dados conhecidos na região alsaciana francesa];
  • a altitude do local principal do apiário de inverno mostrou taxas de perda significativamente mais baixas para elevações mais altas: 601–800 m: 13,0%; 800 m: 11,8%; do que os grupos intermediários: 201-400 m: 17,0%; 401-600 m: 16,6% [nos meus apiários, dois a 600m e outros dois a cerca de 900m tenho verificado mais dificuldade em controlar a varroa no verão/outono nos apiários a mais baixa altitude];
  • os apicultores que compraram cera fora de sua própria operação, tiveram uma taxa de perda significativamente maior (perdas de 17,4%) do que os participantes que utilizaram a sua própria cera (perdas de 14,0%);
  • outra questão dizia respeito à quantidade de quadros antigos que foram trocados no verão anterior. Quando as taxas de câmbio são mais altas (> 30%) identifica-se uma tendência de menor taxa de perda, mas sem diferença significativa entre as categorias;
  • os apicultores que monitoraram o nível de infestação de varroa tiveram uma taxa de perda significativamente menor (14,7%) do que aqueles que não monitoraram (21,7%) [no artigo lido não são identificadas as técnicas de monitorização utilizadas];
  • a remoção de criação de zângãos realizada apenas na primavera, apenas no verão, e em ambas as estações não teve um efeito de diminuição nas perdas de inverno em comparação com a ausência de remoção de criação de zângãos [estes dados estão em consonância com os dados recolhidos em França, na região da Alsácia];
  • relativamente à estratégias/combinações de tratamentos os dados são: a combinação de métodos mais usada (1) ácido fórmico -com libertação longa no verão – e ácido oxálico gotejado no inverno foi a combinação com a taxa de perda significativamente menor (10,8%); a segunda combinação mais frequente (2) de ácido fórmico – com libertação rápida/flash no verão – e ácido oxálico gotejado no inverno com perdas de 16,1% [aparentemente a libertação lenta do ácido fórmico é mais efectiva que a libertação rápida/flash do ácido fórmico];
  • as maiores taxas de perda foram observadas para ácido fórmico – com libertação rápida/flash no verão e ácido oxálico gotejado no verão e inverno – com uma taxa de perda de 26,9%. O tratamento único com ácido fórmico – com libertação rápida/flash no verão – estão associadas a mortalidade de 22,4 % [aparentemente fazer dois tratamentos com ácido oxálico gotejado, um no verão e outro no inverno, tem um impacto negativo na sobrevivência das colónias no período invernal];
  • não foi encontrada nenhuma diferença na taxa de perda de inverno entre as colónias em favo natural e as colónias com cera laminada [neste inquérito o favo natural não evidenciou os alegados impactos positivos na sobrevivência das colónias];
  • as colónias com rainhas criadas a partir de linhas tolerantes/resistentes à Varroa não tiveram mortalidade inferior às colónia de linhas não resistentes [neste inquérito as linhas de abelhas resistentes não evidenciaram os alegados impactos positivos na sobrevivência das colónias. Nos EUA verificou-se o mesmo: ver aqui].

fonte: https://www.mdpi.com/1424-2818/12/3/99/htm

estudo experimental português acerca da eficácia dos tratamentos com amitraz

Na hiperligação inserida na imagem em baixo podem aceder a um estudo recente realizado em território nacional para avaliar a eficácia no controlo da varroose com os três medicamentos com a substância activa amitraz, homologados em Portugal: Apivar, Apitraz, Amicel.

Mais que os resultados obtidos, com validade e fidedignidade insuficiente, pelos erros que a própria autora reconhece, acho que esta tese de mestrado merece a atenção de todos nós pelos ensinamentos que podemos retirar na introdução ao trabalho, assim como em vários detalhes descritos nos procedimentos experimentais.

Os meus parabéns à Ana Catarina Oliveira da Silva pelo trabalho realizado. Espero que continue a interessar-se por esta área de estudo e que venha a produzir mais conhecimento neste domínio.

varroa destructor: detalhes sobre o processo e estratégia de fecundação

Nesta publicação apresentei alguns dos aspectos, actualmente consensuais na comunidade científica, acerca do ciclo de vida do responsável pelo maior número de baixas de colónias de abelhas melíferas: o ácaro Varroa destructor. Para se chegar aqui foram essenciais múltiplas contribuições de investigações parcelares desenvolvidas ao longo das últimas três décadas. O estudo da varroa resume muito bem algumas das principais características do processo científico: parcelar, gradual, integrativo. As conclusões mais gerais e mais consolidadas provêm de contributos parcelares e replicados que se integram posteriormente num quadro mais geral. Vem isto a propósito do excerto de um texto que traduzo em baixo, sobre as observações realizadas há cerca de 30 anos, que contribuíram para o conhecimento fundamentado dos processos e mecanismos de fecundação do ácaro Varroa destructor de que dispomos hoje.

“Como na prole de uma fêmea varroa apenas um macho é criado, pode-se esperar que este poupe suas forças e que, depois de fertilizar uma fêmea, reserve seu sémen para as fêmeas que surgirem posteriormente. Nossas observações mostraram que a estratégia da Varroa é diferente porque o macho e a jovem fêmea Varroa acasalam um grande número de vezes. Essas repetições podem comprometer a capacidade do macho de fertilizar todas as futuras fêmeas, pois causam um gasto de energia para a formação do esperma. No entanto esses acasalamentos repetidos podem ser benéficos aumentando a fertilidade das novas fêmeas.

Dois argumentos estão a favor desta hipótese. Em primeiro lugar, observamos que o macho aproveita a perfuração na pupa da abelha preparada pela varroa mãe. Graças a esta perfuração, e apesar de suas quelíceras terem se transformado em espermadáctilos, o macho alimenta-se com frequência, o que lhe permite acasalar frequentemente.

Uma ninfa Varroa destructor procura o local de alimentação (indicado pela seta) numa pupa de abelha. Uma vez o buraco na cutícula da pupa encontrado, ela começa a alimentar-se. Os movimentos peristálticos de seu sistema digestivo são visíveis através de sua cutícula.

Em segundo lugar, testamos a seguinte hipótese: o número de acasalamentos influencia a quantidade de espermatozóides armazenados na espermateca das fêmeas. Como as fêmeas se reproduzem em vários ciclos, era muito difícil determinar o número de ovos produzidos por cada fêmea. Por isso utilizámos o número de espermatozoides presentes na espermateca feminina como critério de fertilidade potencial. Conhecemos dois fatos: o número de espermatozóides armazenados na espermateca das fêmeas Varroa é muito baixo (menos de 40 segundo Alberti & Hänel, 1986) e está muito próximo do número máximo de óvulos produzidos pelas fêmeas, 30 (de Rujter 1987).
Para testar essa hipótese, realizamos a seguinte experiência em alvéolos artificiais transparentes contendo pupas de operária: duas fêmeas jovens são juntas a 2 machos. Estes foram retirados de alvéolos naturais. Os acasalamentos são observados em incubadora a 34 ° C e 60% R.H .. Foram considerados acasalamentos os atos sexuais que duraram mais de 6 minutos. Foram determinados três grupos de teste: (A) fêmeas fecundadas por um único acasalamento, (B) fêmeas fecundadas por dois acasalamentos e (C) fêmeas permanecendo 48 horas na presença de machos. Fêmeas mães retiradas da criação operculada foram utilizadas como controles (grupo D). Três dias após o acasalamento, os espermatozoides migram para a espermateca e apresentam um formato fusiforme ou em pera, e posteriormente têm forma de faixa. As fêmeas são dissecadas em solução de Ringer e sua espermateca é extraída, depois dividida entre lâmina e lamela e os espermatozóides são contados ao microscópio.

Acasalamentos numerosos: garantia de fertilidade
Nenhuma das cinco fêmeas acasaladas apenas uma vez tinha espermatozoides na espermateca, enquanto nas quatorze fêmeas que acasalaram duas vezes, a contagem de espermatozoides variou de 0 (5 indivíduos) a 26 espermatozoides. Com exceção de uma, as onze fêmeas que permaneceram 48 horas na presença dos machos possuíam mais de 24 espermatozoides. Estes resultados mostram que os acasalamentos repetidos observados aumenta o número de espermatozoides armazenados por uma fêmea. Eles também indicam a importância do fator tempo para o parasita.

Assim, as primeiras duas filhas são provavelmente melhor fertilizadas do que a terceira, uma vez que acasalaram mais de oito e quatro vezes, respectivamente. A terceira fêmea só pode ser acasalada duas vezes por falta de tempo, pois a abelha se metamorfoseou em adulta.

Para concluir
Depreende-se de nossas observações que o parasita Varroa está com pressa e que, para garantir a fecundação de seus descendentes, os indivíduos utilizam um ponto de encontro que serve de local de acasalamento. Para que todas as fêmeas sejam fertilizadas, as fêmeas mais novas são preferidas em relação às mais velhas. As fêmeas mais velhas acasalam tão frequentemente quanto possível, o que aumenta sua fertilidade potencial.
No seu hospedeiro original, a abelha indiana (Apis cerana), a Varroa procria quase exclusivamente em cria de zângãos, que é menos protegida por abelhas. Nas abelhas europeias a defesa das abelhas contra a Varroa é fraca e a eficiência deste parasita em se reproduzir é claramente visível.”

fonte: Donzé G., Fluri P, Imdorf A. (1998) Pourquoi les varroas s’accouplent-ils si souvent? La santé de l’abeille 165 (5-6) 141-146.

determinação do resíduo de amitraz e de seus metabólitos no mel e cera de abelha após o tratamento com Apivar® em colónias de abelhas (Apis mellifera)

Dr. Jeffery S. Pettis, investigador no Bee Research Laboratory, USDA-ARS, Beltsville, MD, USA.

Em baixo deixo a tradução do sumário de um artigo, que resulta da investigação coordenada por Jeffery S. Pettis aquando do processo de homologação do Apivar pelas entidades norte-americanas.

Sumário: Um acaricida sintético, o amitraz é amplamente utilizado para controlar o Varroa destructor. Embora tenha o potencial de matar ácaros em colónias de abelhas, o resíduo de amitraz e seus metabólitos em produtos como o mel é uma preocupação. Aqui, determinámos os níveis de resíduos de amitraz e seus metabólitos no mel e cera de abelha quando as colónias foram tratadas com diferentes doses de Apivar® (1X = 2 tiras, 5X = 10 tiras e 10X = 20 tiras); a dose 1X corresponde ao tratamento de colmeia numa aplicação normal. Os resultados demonstraram que nenhum resíduo de amitraz foi detectado no mel e cera após 42 dias da aplicação em todas as colónias tratadas. Os metabólitos do amitraz, 2,4-dimetilfenilformamida (DMPF) e 2,4-dimetianilina (DMA), foram encontrados nas amostras 28 dias após o tratamento. Os níveis de resíduos desses dois metabólitos na cera de abelha foram maiores do que no mel. O DMA foi detectado apenas em cera de abelha, variando entre 111 e 177 µg/Kg , quando as colónias foram tratadas com 5X e 10X de Apivar®. Os níveis de resíduo de DMPF variaram entre 13,7 e 60,5 µg/Kg mel e 196–6,160 µg/Kg em amostras de cera. O resíduo de metabólitos de amitraz encontrados em produtos de abelhas melíferas não excedeu os limites máximos de resíduos (LMRs), embora altas doses tenham sido aplicadas neste estudo para criar os casos de piores cenários.

fonte: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00218839.2021.1918943

Nota: O LMR do amitraz e seus metabólitos é 200 µg/Kg para o mel de produção convencional, de acordo com o estabelecido pela Comissão Regulatória (UE), N° 37/2010 de 22 Dezembro de 2009.

a saúde da rainha das abelhas não é afetada pela exposição ao contato a pesticidas comumente encontrados na cera de abelha

Fórmula estrutural do 2,4-Dimethylphenyl, um dos metabolitos do amitraz, presente nas tiras de Apivar, provavelmente o medicamento homologado mais utilizado contra a varroa no mundo ocidental.

Resumo:

A saúde da rainha da abelha melífera é crucial para a saúde e produtividade da colónia, e os pesticidas foram anteriormente associados à perda da rainha e à sua substituição prematura. Pesquisas anteriores investigaram os efeitos da exposição indireta a pesticidas de rainhas via contacto com abelhas obreiras, bem como os efeitos diretos em rainhas durante o desenvolvimento. No entanto, quando adultas, as rainhas estão em contato constante com a cera enquanto caminham sobre o favo e põem ovos; portanto, o contato direto de pesticidas com rainhas adultas é uma via de exposição relevante, mas raramente investigada. Aqui, conduzimos experiências de laboratório e de campo para investigar os impactos da exposição a pesticidas tópicos em rainhas adultas. Testamos as relações dose-resposta de seis pesticidas comumente encontrados na cera: cumafos [CheckMite], tau-fluvalinato [Apistan], atrazina, 2,4-DMPF [Apivar], clorpirifos, clorotalonil e um coquetail de todos os seis, cada um com dosagens até 32 vezes as concentrações normalmente encontradas em cera. Não encontramos nenhum efeito de qualquer tratamento na massa corporal da rainha ou na viabilidade do esperma. Além disso, nenhuma das 1.568 proteínas quantificadas nos corpos gordos das rainhas (um importante local de produção da enzima de desintoxicação) foi expressa diferencialmente. Num ensaio de campo com N = 30 rainhas expostas a um controle de maneio, um controle de solvente ou um coquetail de pesticidas, novamente não encontramos impacto no padrão de postura de ovos da rainha, sua massa corporal ou massa corporal de operárias filhas. Além disso, das 3.127 proteínas identificadas no fluido da espermateca (órgão de armazenamento do esperma), nenhuma foi diferencialmente expressa. Estas experiências mostram consistentemente que em níveis de exposição realistas, os pesticidas comumente encontrados na cera não têm impacto direto no desempenho da rainha, na reprodução ou nas métricas de qualidade. […]

fonte: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2021.04.24.441288v1.full