No artigo de revisão Varroa destructor infestation levels in Africanized honey bee colonies in Brazil from 1977 when first detected to 2020, publicado este ano na revista Apidologie, é apresentada a dinâmica dos níveis de infestação por Varroa destructor em abelhas africanizadas no Brasil nos últimos 45 anos e são elencados os factores que mais vezes são sugeridos pela comunidade científica para explicar o baixo dano nas colónias de abelhas africanizadas no país. Deixo em baixo a tradução do sumário do artigo desejando que a apicultura brasileira assim continue nos próximos 45 anos.
Sumário: Os objetivos deste artigo de revisão foram examinar a dinâmica dos níveis de infestação por Varroa destructor em abelhas africanizadas (AHB) no Brasil, desde que esse ácaro parasita foi detectado pela primeira vez em 1977. Dados de artigos de pesquisa publicados, resumos de conferências, resumos de congressos dados obtidos de pesquisadores académicos e inéditos, foram incluídos. Embora as infestações por ácaros tenham variado significativamente ao longo dos anos, não houve indicações de que a varroa tenha impactado negativamente a apicultura brasileira. Os níveis médios de infestação permaneceram em torno de 4,5 ácaros por 100 abelhas adultas, com uma mediana de 3,8, durante os últimos 45 anos. As taxas de infestação de abelhas adultas e de crias operárias foram semelhantes, embora com alguma variação geográfica, incluindo uma tendência para infestações mais elevadas nas regiões do sul do país. Vários pesquisadores sugeriram que os baixos níveis de infestação podem ser uma consequência do clima tropical e subtropical, da hibridização das abelhas, dos comportamentos higiénicos e catação (grooming), dos fatores genéticos das abelhas e dos ácaros, do baixo stresse nutricional, das práticas de maneio, do baixo stresse migratório e das condições ambientais. A ausência de necessidade de tratamento químico das infestações por varroa facilita o maneio do apiário e favorece a apicultura orgânica em todo o país. No entanto, embora as colónias de AHB e a apicultura no Brasil prosperem sem a necessidade de medidas de tratamento, mais pesquisas devem ser realizadas para avaliar melhor o impacto que as baixas infestações por ácaros Varroa têm na saúde e produtividade das colónias de AHB.”
No artigo Wings as impellers: honey bees co-opt flight system to induce nest ventilation and disperse pheromones, 2020, Jacob M. Peters e colegas filmaram os movimentos das asas das abelhas em movimento muito lento. Quando as abelhas estão a ventilar a colmeia ou a dispersar as feromonas produzidas na glândula Nasonov (feromona de chamamento e/ou de alerta) o movimento das asas cria um fluxo de ar no sentido da retaguarda. Esta publicação é um complemento visual a esta publicação.
“As abelhas melíferas (Apis mellifera) são voadoras notáveis que carregam regularmente cargas pesadas de néctar e pólen, apoiadas por um sistema de voo – as asas, tórax e músculos de voo – que se pode supor é otimizado para locomoção aérea. No entanto, as abelhas também usam esse sistema para realizar outras tarefas cruciais que não estão relacionadas com o voo. Ao ventilar o ninho, as abelhas agarradas à superfície do favo ou à entrada do ninho abanam as suas asas para direccionar o fluxo de ar através do ninho ou expulsá-lo do ninho. Um comportamento semelhante de abanar as asas é usado para dispersar feromonas voláteis da glândula Nasonov.“
Nesta publicação deixei a pergunta: “o comportamento de ventilação das abelhas expulsa o ar quente e saturado de CO2 do interior da colmeia, como se o aspirasse para o exterior ou, ao contrário, força a entrada de ar fresco e oxigenado do exterior para o interior da colmeia?”
A questão surgiu-me da leitura do artigo Collective ventilation in honeybee nests, de 2019, Jacob M. Peters e colegas. Os investigadores tiram duas conclusões dos dados que recolheram da ventilação auto-organizada em colónias de abelhas melíferas europeias:
“Existem dois componentes comportamentais que são críticos para a ventilação auto-organizada.
“Primeiro, com o batimento de asas à entrada da colmeia as abelhas devem (e fazem) a extracção do ar para fora da entrada do ninho, e não para dentro. Isso permite-lhes sentir a temperatura do ninho a montante. Se as abelhas introduzissem o ar pela entrada do ninho, não teriam nenhuma informação sobre o estado da colmeia. ” Por palavras minhas, as abelhas ventiladadoras aspiram/expulsam activamente o ar do interior da colmeia e despejam-no no exterior. Ao fazerem assim recolhem informação da temperatura deste ar [humidade e CO2 também, digo eu] e o ar do exterior entra passivamente para ocupar o espaço do ar extraído. Esta utilização da mecânica dos fluídos pelas abelhas é de uma elegância e inteligência inquestionável, na minha opinião.
“Em segundo lugar, a função que determina a probabilidade de uma abelha ventilar a uma determinada temperatura provavelmente foi ajustada por meio da seleção natural. […] De fato, sabe-se que colónias com alta diversidade genética têm mais variação nos limiares individuais de temperatura para ventilação e são capazes de atingir uma temperatura de colmeia mais estável ao longo do tempo. Nossa teoria sugere que essa diversidade também é crítica para a estabilidade da padronização espacial do comportamento de ventilação, necessária para uma ventilação eficiente.” Mais um aspecto que associa a diversidade genética da colónia, isto é a presença de diversas sub-famílias, ao bem-estar e sanidade das colónias. Vamos a ver o que o nosso afã para selecionar, afunilando a diversidade genética, nos está a trazer e nos trará no futuro. Por exemplo nos EUA, vários especialistas e apicultores já se questionam se a selecção para abelhas menos propolizadoras não será uma das causas para os problemas sanitários e mortalidade de suas abelhas.
Deixo outra questão: em que medida o apicultor ao promover a ventilação superior, com a abertura por exemplo do óculo da prancheta e promovendo o efeito chaminé, não está a perturbar estes comportamentos de auto-organização? Se sim, que significado e impacto tem essa perturbação?
Rachael Kaspar, no artigo Experienced individuals influence the thermoregulatory fanning behaviour in honey bee colonies, 2018, mostra que as abelhas mais velhas influenciam as abelhas mais jovens e inexperientes a ventilar a sua colónia para a arrefecer nos dias mais quentes. O seu estudo testou a hipótese de que uma abelha individual/ou pequeno grupo de abelhas pode influenciar outros membros do grupo a realizar um comportamento termorregulador de batimento de asas à entrada da colmeia na abelha ocidental, Apis mellifera L.
Kaspar mostrou-nos que as abelhas amas são influenciadas ao ver as abelhas operárias mais velhas e experientes na tarefa de batimento de asas e ocupação de locais precisos para promover um maior fluxo de saída e de entrada de ar na colmeia.
“As operárias mais velhas influenciam definitivamente as abelhas ama mais jovens”, disse Kaspar. “Eu estava interessada em analisar como grupos de diferentes idades interagiam socialmente, quais são as variações entre grupos de diferentes idades e como eles interagem para alcançar uma resposta adequada aos stressores ambientais”.
“Nós pensávamos que as abelhas como insetos não teriam a capacidade de aprender, memorizar ou ter estas influências sociais. Mas, na verdade, elas fazem-no. As abelhas são um ótimo modelo para estudar outras sociedades, como a nossa.”
Kaspar teve a ideia de um influenciador ou iniciador do comportamento da colmeia quando observou o comportamento humano no campus. Um grupo de pessoas esperava que o sinal mudasse para poderem atravessar. Muito impaciente por ter de esperar, uma pessoa atravessou a rua. Um ou dois segundos depois, os outros pedestres também atravessaram, influenciados pelo comportamento da primeira pessoa a atravessar.”
Notas: 1) também o comportamento defensivo parece ter uma componente de aprendizagem/imitação social. Abelhas menos defensivas transferidas para colónias mais defensivas tornam-se mais defensivas.
2) o comportamento de ventilação das abelhas expulsa o ar quente e saturado de CO2 do interior da colmeia, como se o aspirasse para o exterior ou, ao contrário, força a entrada de ar fresco e oxigenado do exterior para o interior da colmeia?
3) sobre a ventilação superior e seu maneio há muitos apicultores norte-americanos, entre outros, a baterem o pé que ela é benéfica no seu território.
Como sabemos, a poliandria, a panmixia e o sistema haplodiploide conduzem a uma elevada diversidade genética dentro do enxame. O enxame é a soma de diversas sub-famílias de abelhas de diferentes linhas paternas mais ou menos aproximadas do ponto de vista genético. Esta diversidade traduz-se em ganhos de adaptabilidade e performance dos enxames face aos desafios ambientais. Contudo, esta diversidade introduz dificuldades na selecção de traços/comportamentos desejáveis quando os critérios de escolha de que dispomos estão limitados à observação do comportamento da colónia como um todo, isto é, quando a selecção é feita ao nível da colónia. Quando seleccionamos esta ou aquela colónia porque gostamos do seu comportamento X ou Y, quer para nos dar larvas para o translarve, quer para nos dar zângãos para saturar uma zona de congregação, partimos do pressuposto de que esse comportamento que desejamos selecionar está igualmente presente na herança genética de todos os indivíduos daquela colónia. Temos fé que qualquer zângão ou qualquer larva escolhida para futura rainha transporta consigo, na sua bagagem genética, esse comportamento em potência. Ora não é assim tão simples nem tão linear. Sabemos hoje que a proximidade genética entre indivíduos da mesma colónia pode ser muito baixa. Por exemplo, entre duas ou mais larvas escolhidas para translarve de uma colónia seleccionada a proximidade genética ronda os 0,15, isto para uma rainha que acasalou com 12 zângãos (a escala utilizada vai de 0 a 1, em que zero é nenhuma proximidade genética e 1 é proximidade genética total). A proximidade genética das obreiras com os zângãos filhos de uma mesma rainha é de 0,25. Fica claro porque razão selecionar ao nível da colónia pode provocar resultados tão diferentes nas colónias filhas, umas com o comportamento que desejamos e outras com pouco ou nada desse comportamento almejado.
Estes dados estão incluídos num estudo a que acedi e como o achei muito interessante e pedagógico decidi traduzir um pequeno excerto.
“Colónias com níveis mais altos de diversidade genética entre as operárias, resultado de maior número de acasalamentos, são melhor sucedidas na regulação da temperatura (Jones et al., 2004), são mais resistentes a doenças (Palmer e Oldroyd, 2003; Seeley e Tarpy, 2007) e mostram melhor eficiência de forrageamento (Mattila et al., 2008), armazenamento de alimentos e crescimento da colónia (Oldroyd et al., 1992b; Mattila e Seeley, 2007).
Acredita-se que o aumento do desempenho seja resultado de diferenças geneticamente influenciadas na propensão das operárias para realizar tarefas específicas (revisto em Beshers e Fewell, 2001; Myerscough e Oldroyd, 2004; Oldroyd e Fewell, 2007). A variação nas propensões das operárias para realizar uma tarefa significa que, para um certo nível de estímulo para realizar uma tarefa, apenas um subconjunto particular de operárias se envolverá nessa tarefa. Esta modulação do número de operárias que executam um determinado comportamento particular permite uma alocação mais eficiente de operárias às tarefas (Myerscough e Oldroyd, 2004; Graham et al., 2006). Operárias com limiar suficientemente baixo para uma tarefa podem até se tornar especialistas, a ponto de retardar sua maturação e progressão para outras tarefas da colónia (Arathi et al., 2000; Beshers e Fewell, 2001).
Algumas tarefas, como comportamento higiénico e defesa da colónia, são frequentemente realizadas por operárias de um pequeno subconjunto do número total de linhas paternas das operárias (Arathi et al., 2000; Hunt et al., 2003). Assim, quando as rainhas são escolhidas com base no fenótipo da colónia [isto é, com base no comportamento observável da colónia], elas podem não ser das linhas paternas que contribuem para a característica desejada. Populações reprodutoras pequenas, portanto, correm o risco de perder alelos desejáveis mais raros antes que eles se fixem/predominem na população. Como a seleção continuada numa população fechada aumenta a homogeneidade genética, o desempenho da colónia decorrente da diversidade genética de linhas paternas diminuirá, reduzindo os ganhos obtidos pela seleção.”
As abelhas melíferas são dos animais domésticos sujeitos a selecção para o incremento de determinadas características, uma das espécies mais complicadas. Contudo e talvez pela complexidade inerente à sua melhoria (do ponto de vista pecuário) o desconhecimento dos obstáculos é grande na comunidade apícola. E esse desconhecimento é terreno fértil para o “comércio” de muitas ilusões. Randy Oliver referia recentemente que após 8 anos de um intenso e rigoroso trabalho de selecção do comportamento de resistência à varroa, selecção que está a fazer ao nível da colónia, tinha apenas 15% das suas colónias resistentes. Tendo partido de uma população com menos de 1% de colónias resistentes, como afirma, a evolução não deixa de ser notável. Contudo não podemos deixar de pensar que o caminho é demorado, que requer muita resiliência e meios financeiros e que está ao alcance de muito poucos fazê-lo.
Haverá um caminho menos demorado? Sim há; a selecção ao nível do indivíduo. A selecção por inseminação instrumental com o sémen de um único zângão é uma delas (ver Harbo, J., The value of single-drone insemination in selective breeding of honey bees). Mas há outras opções mais recentes e que dão provavelmente mais garantias. Não é por acaso que Kaspar Bienefeld, um dos mais notáveis especialistas europeus em genética das abelhas, está a utilizar ovos não fertilizados de obreiras higiénicas e não ovos/larvas de rainhas de colónias higiénicas para acelerar e garantir ganhos mais rápidos na selecção de abelhas resistentes (ver aqui). Contudo esta estratégia, apesar de mais rápida, também tem obstáculos na complexidade dos meios e conhecimentos que envolve.
Chegado aqui interrogo-me: os procedimentos de selecção ao nível da colónia vão ser descontinuados para passarem a ser feitos ao nível do indivíduo? Não quero fazer nenhuma afirmação peremptória sobre um futuro que desconheço, e não quero deixar a ideia de que um procedimento exclui o outro, até porque hoje os sinais que temos são do uso complementar dos dois níveis de selecção, através da selecção sustentada no pedigree (ao nível da colónia) e através da selecção com recurso aos marcadores genéticos (ao nível do indivíduos, ver aqui).
A realidade hoje é que seleccionamos ao nível da colónia pela sua praticabilidade, ainda que os ganhos sejam lentos e sujeitos a avanços e retrocessos. Simultaneamente, alguns de nós, aqueles com recurso a ferramentas e conhecimentos sofisticados, seleccionam ao nível do indivíduo, e assim obtém ganhos mais rápidos e lineares.
Notas: 1) no caso específico do comportamento de resistência à varroa, um dos mais desejados e procurados na comunidade apícola, fiz esta publicação sobre os avanços, retrocessos e pedras que têm surgido no caminho dos últimos 40 anos. 2) admito que o título mais adequado seria este: “da estratégia de selecção ao nível da colónia e da estratégia de selecção ao nível do indivíduo”.
Resposta à questão do título: o sémen dos diversos zângãos com que a rainha acasalou é misturado na espermateca. Por esta razão as larvas escolhidas para translarve, aquelas ali no mesmo quadro e ao lado umas das outras, podem provir de diferentes linhas paternas, umas com os pais “certos” outras com os pais “errados” para aquele comportamento em particular que visamos ter nas futuras colónias. Enquanto essa característica não predominar na população de onde provém as rainhas e os zângãos progenitores, enquanto essa característica for rara, pouco frequente na população, são necessários anos e anos de trabalho de selecção ao nível da colónia. Até este trabalho estar realizado, seleccionar larvas de colónias que gostamos tem algo de semelhante a uma roleta russa, umas dão e outras não. É da natureza das coisas.
Os mestreiros de enxameação surgem quando a colónia tenciona dividir-se, dando origem a uma ou mais novas colónias. A enxameação é o mecanismo reprodutivo ao nível da colónia ou do super-organismo.
Ao contrário dos mestreiros de emergência e dos mestreiros de substituição que podem surgir em qualquer altura do ano, os mestreiros de enxameação surgem habitualmente em épocas do ano que se caracterizam por abundância de recursos alimentares, presença de zângãos e boas condições meteorológicas para os vôos de acasalamento, condições que por norma se verificam à entrada e durante a primavera.
Ao contrário dos mestreiros de emergência, os mestreiros de enxameação são iniciados a partir de cálices reais pré-existentes, à semelhança do que acontece com os mestreiros de substituição.
Os mestreiros de enxameação distinguem-se dos mestreiros de substituição pelo conjunto dos aspectos seguintes:
são mais numerosos, habitualmente mais de 5;
surgem frequentemente nas extremidades inferiores e laterais dos favos;
surgem em períodos de abundância, isto é na época da enxameação reprodutiva.
Nota: só depois de começar esta série de publicações localizei esta outra, de há anos atrás, onde abordei a distinção entre tipos de mestreiros.
Os esforços para seleccionar abelhas resistentes ao varroa têm sido muitos nos últimos 30 anos, contudo o progresso tem sido exasperadamente lento, com avanços e retrocessos de geração para geração. Uma das razões para a pouca solidez nos avanços está no facto de a selecção ser feita ao nível da colónia, segundo Kasper Bienefeld, investigador na área Genética, Bioinformática, Zootecnia e criopreservação de sémen de abelhas. Segundo este especialista:
“A desoperculação e a remoção da cria infestada assume-se ser características importantes para a resistência ao Varroa. Tradicionalmente, a seleção em programas de melhoramento de abelhas é realizado com base no desempenho da colónia […] mas a seleção ao nível da colónia pode não ser muito eficiente para criação de resistência ao Varroa porque há variações significativas intracoloniais, causadas pelos múltiplos acasalamentos da rainha e consequentemente as colónias são compostas por diversas sub-famílias de operárias com diversas origens paternas. Tendo este aspecto em conta, começámos a selecionar linhas para a resistência ao Varroa assente no comportamento higiénico de abelhas operárias individuais ( ver foto em baixo) durante uma observação de vídeo de infravermelhos durante 6 dias (Bienefeld et al., 2016).
Estas abelhas operárias muito higiénicas, identificadas individualmente através da visualização do vídeo, foram induzidas a fazer postura de ovos não fertilizados. Estes ovos não fertilizados são deixados terminar o seu ciclo de desenvolvimento, dão origem a zângãos, cujo esperma é usado para inseminação de rainhas. Consequentemente, estas abelhas operárias raras, com elevada capacidade sensorial para detectarem larvas/pupas infestadas pelo Varroa, são usadas como pais para a próxima geração.”
É óbvio para mim que esta metodologia de selecção está apenas ao alcance de uma equipa de investigação. Contudo interessou-me por: (i) destacar que este ou aquele traço que nos interessam quando observamos uma colónia podem depender sobretudo de uma das várias sub-famílias que compõe aquela colónia e (ii) nos ajudar a compreender as razões dos avanços e retrocessos que temos assistido nestes últimos 30 anos de esforços para ter linhas estáveis de abelhas resistentes ao varroa, quando fazemos selecção ao nível da colónia e com base no seu pedigree.
Os mestreiros de substituição surgem quando as colónias necessitam substituir uma rainha envelhecida e/ou com postura fraca.
As abelhas apercebem-se deste declínio e/ou falha da rainha através da diminuição das feromonas glandulares da rainha e das feromonas da criação. Ao contrário da condição de emergência que se caracteriza pela sua natureza súbita e inesperada, a condição de substituição da rainha caracteriza-se pela sua natureza gradual e previsível. As colónias produzem mestreiros de substituição por razões diferentes, como por exemplo:
a rainha está envelhecida;
a rainha é nova mas está mal fecundada;
a rainha não produz feromonas suficientes;
a rainha produz demasiados zângãos;
o padrão de postura é irregular;
…
O número de mestreiros de susbstituição geralmente não ultrapassa os 4 e estão frequentemente localizados na zona do topo e/ou central do quadro. Estes mestreiros formam-se a partir de cálices reais pré-existentes, aspecto distintivo dos mestreiros de emergência.
Ao contrário dos mestreiros de enxameação, os mestreiros de substituição podem surgir em qualquer época do ano. Durante algumas épocas do ano, a fecundação da rainha tem poucas probabilidades de sucesso porque há poucos zângãos disponíveis e/ou porque a metereologia não é a ideal para os voos de fecundação. Nestas situações, o apicultor pode intervir introduzindo uma nova rainha fecundada se a tiver disponível, ou juntando o enxame orfão a um enxame funcional.
A apicultura, assim como outras actividades humanas, não escapa a falsas verdades que vão sendo perpetuados por sucessivas gerações. Por exemplo, acredita-se que numa condição de emergência, por perda súbita e inesperada de sua rainha, as abelhas entram em pânico, produzem rainhas a partir de larvas demasiado velhas, dando origem a rainhas de qualidade inferior que, por serem as primeiras a emergir dos mestreiros, irão eliminar as suas irmãs ainda por nascer e de melhor qualidade. Portanto e segundo esta crença, as abelhas depois do estado de pânico inicial e do erro cometido debaixo dessa circunstância de desespero, nada mais fazem para rectificar a estupidez cometida atrás, ficam a assistir passivamente ao desenrolar dos acontecimentos e condenam-se a ter uma mãe de má qualidade. Este é o mito!
Já há cerca de um século atrás, apicultores de grande crédito como G. Doolittle, C. Miller, J. Smith, M. Quinby, entre outros, questionavam este mito.
Viremos a página, actualizemo-nos e aprendamos com o que hoje se sabe através dos dados obtidos empiricamente, por observações devidamente planeadas e controladas. Numa situação de emergência as abelhas calmamente, sem pânico e sem desespero:
escolhem os ovos e larvas melhor nutridas para daí criarem as suas rainhas;
eliminam mestreiros de pior qualidade antes de as rainhas emergirem;
depois das rainhas nascidas, contribuem para a selecção das rainhas mais vigorosas por via das vibrações que imprimem nos quadros de cera.
Estes comportamentos mostram à saciedade o papel activo das abelhas, desde o ovo até à rainha adulta, na selecção de suas rainhas de emergência.
Um aparte: não estou nesta publicação a defender que os apicultores devem multiplicar os enxames por via desta técnica em lugar de utilizarem o translarve ou rainhas compradas a criadores. Não! Não defendi isso, nem nesta publicação nem em qualquer outra feita por mim. Aqueles que assim o entenderam, entenderam mal. Sei uma coisa de há muito: controlo o que escrevo, não controlo, nem o quero controlar, as ilações que cada um tira do que escrevo, estejam elas certas ou erradas.
A terminar: há rainhas de emergência de fraca qualidade? Sim, eu encontrei umas poucas nas minhas colmeias. Quando foram criadas em condições sub-óptimas, com poucas abelhas e/ou poucos recursos nutritivos. Apesar de fazerem muito bem o que fazem, rainhas entre outras coisas, as abelhas ainda não fazem omeletes sem ovos!
Nota: Podem ler mais aprofundadamente aqui: https://www.beeculture.com/a-closer-look-9/
Muitas vezes é difícil identificar exatamente por que razão as colónias produzem mestreiros de emergência. Contudo um aspecto é comum: a colónia ficou súbita e inesperadamente orfã. Estas são algumas das razões mais frequentes por detrás desta circunstância:
A rainha morreu de repente;
A rainha foi esmagada durante as inspeções;
Rainha perdeu-se durante a inspeção;
A rainha voou e não regressou à colónia;
A rainha virgem não conseguiu voltar do voo de acasalamento;
…
Os mestreiros de emergência surgem geralmente na periferia externa de uma ou mais áreas com criação operculada, zona onde em geral as abelhas encontram as larvas mais novas e/ou ovos. Estes mestreiros não são iniciados a partir de cálices reais pré-existentes (ao contrário dos mestreiros de substituição, como veremos numa publicação próxima), mas sim a partir dos alvéolos onde se encontram as larvas e/ou ovos. Nesta circunstância de orfandade súbita e inesperada as abelhas constroem um número elevado de mestreiros. Uma boa parte deles será destruído pelas próprias abelhas no decurso do intervalo de tempo até à emergência das rainhas.
Ao contrário do que se pensa, nesta circunstância de emergência as abelhas tendem a preferir os ovos de três dias de idade para iniciarem o processo de criação de rainhas e emergência. Nesta circunstância não preferem larvas mais velhas do que 48h (ver gráfico em baixo).
Em baixo, um pequeno vídeo ilustrativo do processo de construção de mestreiros de emergência.