Com as urgueiras roxas a apresentarem as primeiras flores, isto cerca de um mês antes das datas mais habituais, entrei no apiário com dois objectivos principais: iniciar o primeiro tratamento do ano da varroose* e alimentar com fondant, cerca de trinta dias depois de as ter alimentado pela última vez.
Urgueira roxa (Erica australis) no território circundante ao apiário (a 850m de altitude).
Substituição dos sacos vazios colocados há cerca de 30 dias atrás.
Colocação das tiras de Apistan, o medicamento que escolhi para realizar o primeiro tratamento da varroose este ano. Como já passaram mais de 4 anos sobre a última utilização deste medicamento, o prazo mínimo necessário para acontecer a reversão a uma potencial resistência ao fluvalinato, estou optimista … mas atento relativamente à sua eficácia.
Das 22 colónias deste apiário todas sobreviveram ao outono e ao que já se passou deste inverno. Estão saudáveis e a expandir-se, muito graças às boas cargas de pólen que estão a trazer do campo.
As colónias estão bem povoadas em geral, com 7-8 quadros cobertos com abelhas.
A postura/criação ocupa entre 3 e 5 quadros, e preenche cerca de 50-60% da superfície dos quadros.
As rainhas a fazerem o que lhes está predestinado.
*Na semana passada iniciei o primeiro tratamento do ano nos dois apiários nas terras baixas; esta semana estou a colocar o primeiro tratamento nos dois apiários nas terras altas.
A colocação de armadilhas para capturar Vespas velutinas fundadoras tem sido um tema controverso na comunidade científica e apícola por duas razões principais: 1) a polémica sobre o efectivo impacto na redução do número de ninhos definitivos mais adiante na época e 2) a falta de selectividade das armadilhas e atractivos utilizados. Se a polémica sobre o primeiro ponto foi desfeita por um estudo francês que veio demonstrar que a captura de V. velutinas em determinadas condições reduz efectivamente o número de ninhos definitivos (estudo que foi atempadamente e justamente referenciado neste blog aqui), o ponto 2 não merece qualquer dúvida até aos menos informados. Tendo estes dois aspectos em consideração, a validade da estratégia de captura de fundadoras e, em simultâneo, a falta de ferramentas devidamente selectivas para a concretizar, o caminho de ora em diante passa por melhorar as armadilhas ao nível da sua concepção e aprimorar os atractivos. Sobre este aspecto fiz diversas publicações nas quais identifiquei concretamente várias soluções já disponíveis (aqui, por exemplo).
Nesta demanda identifiquei recentemente mais um projecto, desta vez nascido nas Astúrias, e que teve como objectivo ” Crear una trampa para avispa asiática, que sea selectiva (es decir, que evite atrapar a otros insectos) y que se pueda fabricar por impresión 3d.”. Para além do produto final obtido, o que me importa mais com esta publicação é realçar a vantagem e necessidade de um trabalho colaborativo entre a academia, os decisores institucionais e os apicultores com vista a procurarem soluções mais efectivas para um problema complexo como este é. Na minha opinião, já não estamos em tempo de a academia e os decisores institucionais ignorarem a gravidade que a V. velutina representa para a biodiversidade e, de forma concomitante, é avisado procurar melhorar substancialmente a selectividade das armadilhas e atractivos, para que estas deixem de funcionar no campo como os insecticidas generalistas pouco selectivos contra os quais os apicultores sempre se opuseram, como no caso dos organofosforados e dos neonicotinoides.
No Manual de Boas Práticas no Combate à Vespa Velutina — captura de vespa velutina com armadilhas —, publicado em 2020, foram apresentados os resultados da eficácia de diversas armadilhas, artesanais e comercias. Como podemos ver a eficácia é muito baixa; apenas 1% dos insectos apanhados são V. velutinas para os três tipos de armadilhas artesanais avaliadas. Os resultados das 3 armadilhas comerciais avaliadas são igualmente pouco entusiasmantes.
Modelos artesanais
Modelo da Associação dos Apicultores do Norte de Portugal Modelo da Associação dos Apicultores do Cávado e Ave Modelo Associação dos Apicultores de Entre- Minho e Lima
Modelos comerciais
Modelo comercial CLAC Modelo comercial TAP TRAP Modelo comercial VÉTO-PHARMA
À luz das minhas observações e nos meus apiários faz cada vez mais sentido realizar um tratamento intermédio da varroose, isto no mês de abril ou maio. Entre outras variáveis, os invernos amenos como o actual, que não forçam as rainhas a uma paragem da sua postura, contribuem para este desfecho: a necessidade de fazer um tratamento intermédio com um bom nível de eficácia. Esta constatação é cada vez mais transversal como se pode ler neste relatório francês: “Apesar dos tratamentos anti-varroa utilizados entre duas épocas de produção, algumas colónias ainda estão demasiado infestadas na primavera. Que tratamentos estão disponíveis? Que intervenção melhora o desempenho da colónia reduzindo o nível de infestação? Dependendo do tratamento utilizado, quais são os riscos para as colónias de abelhas e para a qualidade do mel? Para responder a essas perguntas, o ITSAP-Bee Institute e a rede ADA experimentaram o uso de ácido fórmico ou ácido oxálico contra a Varroa durante a temporada apícola.“
Como sabemos a questão dos resíduos no mel coloca-se com muita agudeza nos tratamentos intermédios e limita muito a opção por princípios activos. Neste contexto em regra a opção dos apicultores recai nos ácidos orgânicos naturalmente presentes no mel e que conjuguem um bom potencial acaricida: o ácido fórmico (AF) e o ácido oxálico (AO). Vejamos agora com mais detalhe se de facto estes dois ácidos não deixam resíduos anormais no mel.
“Não há limite máximo de resíduos (LMR) para AF e AO no mel, mas de acordo com o Codex Alimentarius os níveis não devem alterar o sabor do mel e nenhum composto pode ser removido ou adicionado. […] As amostras de colmeias tratadas com MAQS® apresentam um teor de ácido fórmico superior ao valor usual em 8 de 14 análises, ou seja, 57% dos casos (ver Tabela em baixo). As concentrações são consideradas incomuns. […] Os níveis de ácido oxálico nas amostras analisadas não são detectáveis para a maioria das amostras retiradas das colmeias tratadas com ácido oxálico dihidratado por sublimação. […] Assim, para os dois métodos de tratamento testados, apenas o tratamento MAQS® apresenta risco significativo de aumento grande de ácido fórmico além dos valores usuais no mel. Charriere et al. (2012) alertaram para a presença de resíduos de ácido fórmico no mel após tratamento contra Varroa durante a estação. Assim, o uso de MAQS® como tratamento corretivo na primavera deve ser reservado para colónias muito infestadas, mas que devem ser removidas do circuito de produção: mesmo a produção de verão pode ser poluída apesar do intervalo de tempo entre a aplicação do tratamento e a colheita mel. […] o uso de MAQS® durante o fluxo deve ser dissociado da produção de mel: várias experiências sobre o uso de ácido fórmico na primavera contra a Varroa, assim como para o tratamento contra a traça da cera, revelam resíduos de AF no mel produzido posteriormente. É necessário um período de vários meses (tipicamente: o período de invernada após a sua utilização no final do verão) para evitar qualquer risco de acumulação de ácido fórmico no mel. […] o tratamento MAQS® na primavera aumentou o teor de ácido fórmico do mel, mesmo o produzido mais tarde no verão, consolidando as observações feitas noutros estudos: tratar com ácido fórmico ou produzir, é preciso optar!“
Legenda: ND-não detectável; fundo verde – conteúdo de ácido normal; fundo vermelho – conteúdo de ácido anormal.
fonte: Renforcer la lutte contre Varroa : comment réguler l’infestation en cours de saison? Julien Vallon (ITSAP-Institut de l’abeille)
Com estes dados presentes a minha opção pelo ácido oxálico para os tratamentos intermédios que pretendo realizar durante a temporada está justificada. Em próximas publicações tenciono descrever com mais detalhe algumas das opções de maneio para aumentar a eficácia do ácido oxálico nesta época do ano.
Ainda que neste inverno só tenha encontrado duas colónias mortas por efeitos diferidos da varroose, valor que representa pouco mais que 1% das colónias, estou a estudar, a aprender e a planear novas técnicas que poderão vir a fazer parte da minha estratégia de tratamentos para a próxima época apícola de 2023 (a de 2022 já está definida e será apresentada no III encontro de apicultores do distrito da Guarda) .
Os que me seguem mais assiduamente já terão notado que estou a dar uma atenção particular à estratégia de paragem artificial da postura da rainha conjugado com a utilização de tratamentos baseados no ácido oxálico — foi em 2016 que tomei conhecimento desta estratégia, através das referências que alguns apicultores italianos lhe foram fazendo no fórum Beesource. Ainda este ano conto fazer alguns ensaios preliminares para testar não apenas a sua eficácia contra a infestação por varroa e vírus associados mas também a carga de trabalho associada à sua aplicação no terreno, assim como o impacto na população das colónias, na produção de mel e na enxameação.
Como é meu hábito, tenho lido documentação variada acerca desta estratégia e, entre outra, vou destacar este excelente dossier técnico publicado pelo INRA, ITSAP e 3 ADAs, que sintetiza os resultados de ensaios com “mais de 40.000 medições (varroas/100 abelhas) realizadas pelas ADAs durante os últimos dez anos e agrupadas pelo INRA num banco de dados com as “cargas de Varroa” em diferentes regiões francesas, em diferentes operações apícolas e estações do ano.”
Irei fazer mais algumas publicações sobre esta estratégia no futuro próximo, contudo, deixo o link para quem quiser ler o documento na íntegra. Boa leitura!
O terceiro encontro de apicultores do distrito da Guarda foi reagendado para o próximo dia 20 de Fevereiro. Serão bem-vindos apicultores de qualquer região de Portugal.
Encontram o link para fazer a vossa inscrição aqui: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdumNwkqYeOAEayxsulwGLsaVDL-my9jXePWWisWtiuRnKvdA/viewform
Mais uns momentos para continuarmos esta conversa inesgotável sobre as abelhas e a relação que vamos tendo com elas.
No seguimento da publicação anterior, o Varrox Eddy, um sublimado/vaporizador inovador, poderá ser a minha escolha para colocar em prática uma nova estratégia de tratamento das minhas colónias: interrupção artificial da postura+sublimação de ácido oxálico. Antes vou ensaiar o método por gotejamento, infinitamente mais económico do ponto de vista do custo de equipamentos, com o objectivo de avaliar os efeitos sub-letais do ácido oxálico em solução açucarada nas minhas colónias.
O primeiro e único vaporizador de ácido oxálico que funciona com uma bateria incluída! Não há necessidade de andar com equipamentos pesados como geradores de energia ou baterias de carros. Varrox Eddy é leve, prático e pesa cerca de 0,5 kg, incluindo a bateria. Uma única tecla pressionada no dispositivo é suficiente para iniciar o processo de vaporização/sublimação. As baterias permitem tratar cerca de 10-15 colmeias de cada vez. O processo de tratamento de cada colónia ronda os 2-3 minutos.
“Todos nós sabemos que a existência de criação operculada nas colónias diminui a eficácia dos tratamentos contra a varroose, em particular a eficácia dos tratamentos “flash” ou de curta duração. Por exemplo, os tratamentos com ácido oxálico, na forma gotejada ou sublimada, são muito eficazes quando a colónia não apresenta criação fechada, contudo essa eficácia fica seriamente comprometida quando ela está presente.
Algumas técnicas apícolas, ao alcance de todos, permitem promover a interrupção, total ou parcial, da postura. Em baixo deixo a descrição de uma destas técnicas, a partir de uma proposta de Randy Oliver:
Dia 1: Com recurso a quadros confinadores de rainha*, confinar a rainha a um quadro normal, que servirá de “quadro armadilha para o varroa”;
Dia 14: Solte a rainha;
Dia 21: Remover o “quadro armadilha para o varroa” e gotejar (ou sublimar) com ácido oxálico as abelhas da colónia.”
* Exemplar de um quadro confinador de rainha, fabricado por Randy Oliver.
Esta técnica foi amplamente investigada por Ralph Büchler e colegas, durante duas épocas apícolas, em 10 países europeus, num total de 370 colónias. Os resultados obtidos divergiram de acordo com o modo de aplicação do ácido oxálico, contudo dois deles são demasiado promissores para não lhes dar atenção: “A eficácia do enjaulamento da rainha dependeu do modo de aplicação do ácido oxálico e variou de 48,16% a 89,57% de remoção de ácaros. As maiores eficácias foram alcançadas com gotejamento de solução a 4,2% (89,57%) e com a sublimação de 2 g de ácido oxálico (média de 88,25%) no período sem criação. […] Concluímos que a aplicação adequada de um dos métodos de interrupção de criação descritos pode contribuir significativamente para um controle eficiente de Varroa e para a produção de produtos apícolas atendendo aos mais altos padrões de qualidade e segurança alimentar. […] Embora os apicultores possam ficar preocupados com os efeitos negativos do enjaulamento de longo prazo naa rainha, nenhum aumento da mortalidade de rainhas devido ao tratamento de enjaulamento foi observado durante as duas estações da experiência. […] O controlo da Varroa com a técnica de enjaulamento da rainha durante o início da estação (final do inverno/início da primavera) foi capaz de reduzir a taxa de infestação sem causar repercussões negativas na colheita de mel ou no desenvolvimento e desempenho sazonal da colónia. Além disso, o enjaulamento da rainha pode ser utilizado como técnica para controlar o desenvolvimento da colónia ao longo do ano, por diversos motivos, como regular o desenvolvimento da colónia de acordo com o fluxo de néctar ou para controlar a enxameação. […] O enjaulamento oportuno da rainha, considerando a floração do fluxo principal de verão, poderá libertar parte da força de trabalho das abelhas que cuidam da criação para se dedicar à coleta de néctar. Infelizmente, os efeitos das técnicas testadas na produtividade do mel não foram medidos no nosso estudo. Um efeito positivo da remoção de crias durante o fluxo principal na colheita de mel nos 14 dias seguintes foi relatado na Alemanha (Buchler & Uzunov, 2016), mas as diferenças regionais e sazonais devem ser consideradas.[…] Um fator importante que limita a adoção generalizada destes métodos pode ser o tempo necessário para localizar a rainha e o nível individual de experiência necessário para lidar com a rainha. No nosso estudo, com um grupo heterogéneo de pesquisadores com diferentes níveis de experiência em apicultura e sob condições de apicultura variáveis, uma estimativa média realista de menos de 20 minutos é a estimativa para o tempo de trabalho necessário para aplicar o método de gotejamento de solução a 4,2%.“
A animação em baixo representa o crescimento teórico de uma colónia de abelhas saudável sem tratamentos para os ácaros varroa em regiões do hemisfério norte com um inverno de 3 meses. Deixo a descrição desta animação, um excelente instrumento didáctico que nos permite observar, numa perspectiva anual e global, as interacções que se estabelecem entre o crescimento destas duas populações.
Nas colónias de abelhas a população no inverno é composta predominantemente por abelhas adultas de inverno (população representada a azul escuro na animação) com muito pouca criação de operárias (representada a castanho claro na animação) e baixas populações de varroa (representadas pelos pontos vermelhos).
No final do inverno/início da primavera, à medida que novas abelhas vão surgindo, a colónia aumenta rapidamente a sua população de abelhas adultas (representada a amarelo) e criação. No final do inverno/início da primavera a colónia inicia a criação de zângãos* (representada a castanho escuro) que, sendo preferida pela varroa, permite um aumento rápido da população do parasita.
No final da primavera/início do verão, após a época de enxameação, as abelhas param de criar zângãos, forçando a varroa a reproduzir-se na criação de abelhas. À medida que os níveis de ácaros aumentam, uma única larva é co-infestada por várias varroas fundadoras. Neste casos de co-infestação a taxa de reprodução de cada varroa é menor, mas a taxa de produção de descendentes femininos fertilizados aumenta. Por outro lado esta co-infestação permite acasalamentos cruzados, isto é a hibridação entre diferentes famílias de varroas, ao qual está associada a potencial disseminação de resistência a acaricidas.
No final do verão, tanto a população de abelhas quanto a área de criação contrai-se, e as infestações de varroa tem um aumento proporcional súbito e dramático na população de abelhas adultas, podendo ultrapassar rapidamente os limites de acção dos tratamentos acaricidas que, desejavelmente, devem fazer regredir a população de varroas para um patamar abaixo das 50 por colónia**.
No final de verão/início do outono as colónias iniciam a criação de abelhas de inverno (representada a azul claro), de vida longa (representada a azul) com uma camada extra de gordura corporal, da qual a varroa se alimenta.
No outono/inverno, à medida que a colónia pára de criar novas abelhas, a varroa não tem onde se reproduzir e sua população diminui — isto no caso de a colónia não ter sucumbido à entrada do outono/inverno pelos danos causados pelas varroas e pelos vírus que veiculam, em particular os vírus das asas deformadas e os vírus da paralisia aguda.
Crescimento teórico de uma colónia saudável sem tratamentos de ácaros varroa em regiões do hemisférios norte com um inverno de 3 meses (clima temperado).
* Este ano, em algumas colónias mais fortes encontrei nesta semana alguma criação de zângãos! Este facto, muito atípico neste território, promete tornar a luta contra a varoose um enorme desafio este ano.
** Foi o que não consegui obter na colónia em baixo, que morreu esta semana devido aos efeitos de um controlo insuficiente da população dos ácaros com o tratamento de verão que efectuei no ano passado. Até à data, no inverno 2021-2022 e nos meus apiários morreram duas colónias por efeitos diferidos da varroose (um pouco acima de 1%).
Colónia a ser pilhada no dia 10-01-2022.
Neste quadro vi alguns ovos, o que significa que a pilhagem se terá iniciado neste dia ou um ou dois dias antes.
Li, não me recordo onde, que alguém assumiu que tinha varroas resistentes porque uma vez viu uma varroa a passear sobre as tiras de Apivar. Esta afirmação ou era uma piadola ou, se era a sério, mostra muito desconhecimento — o desconhecimento em si mesmo não é questionável, mas é questionável fazer uma parangona/soundbite a partir de uma afirmação ignorante como se fosse uma evidência sólida. Esta publicação tem sobretudo como objectivo elucidar-nos sobre a complexidade e rigor do método de testagem da sensibilidade/resistência preconizado pelo The COLOSS BEEBOOK, Volume I e II: standard methods for Apis mellifera research, e elucidar-nos que se nem tudo tem a complexidade da investigação espacial, da mesma forma muito na apicultura não tem o simplismo de colocar o nariz fora da porta para ver se faz frio. Os resultados e as conclusões, que também aproveito para apresentar, devem ser lidas com alguma prudência sabendo que este teste foi realizado em 2016 em França (ver aqui um estudo mais recente).
“Desde 2007, a FNOSAD realiza testes anuais de eficácia em duzentas a trezentas colónias com o objetivo de verificar o percentual de eficácia da maioria desses medicamentos, sua velocidade de ação e o número de varroa residual após o tratamento. No entanto, o que acontece à eficácia de uma droga se a população de parasitas desenvolve resistência à substância acaricida que entra na sua composição? Recordamos os fenómenos de resistência observados ao Apistan (Tau-fluvalinato). Em relação ao Apivar, o feedback de observações de campo por apicultores experientes pode sugerir, para certos lotes de medicamentos, falta de eficácia ou fenómenos de resistência sem que nenhum estudo possa invalidar ou confirmar estas impressões.
O Apivar é hoje o fármaco homologado mais utilizado na França, porém poucos estudos com o objetivo de testar a sensibilidade/resistência de populações de varroa ao amitraz foram realizados. Para suprir essa carência, a FNOSAD coordenou um estudo realizado pelo Laboratório Departamental de Análises do Jura, cujos resultados estão aqui resumidos.
Apresentação do método O estudo de resistência consiste em determinar a concentração letal para 50% (CL50) de uma população de ácaros varroa suspeitos de serem resistentes e compará-la com uma CL50 de referência determinada para uma população de ácaros não resistentes ou sensíveis. O método utilizado neste estudo é o recomendado pelo Coloss Beebook para moléculas lipossolúveis agindo por contato. O amitraz é incorporado em diferentes concentrações em cápsulas de parafina. O intervalo de concentrações utilizado é de 0,1 ppm (partes por milhão) a 5.000 ppm. Os ácaros são então postos em contato com a parafina tratada e, após um determinado período de tempo, a mortalidade de ácaros é quantificada.
Os ácaros Varroa foram retirados de quadros de criação (o equivalente a dois quadros de ninhada por apicultor, dando preferência à criação de zângão) fornecidos por apicultores voluntários de 18 apiários espalhados pelo território.
Localização dos diferentes apiários que forneceram amostras de criação.
As amostras, foram colhidas entre 21 de maio de 2016 e 2 de agosto de 2016. Os ácaros varroa foram colhidos com uma escova e com uma pinça fina após desoperculaçao dos alvéolos. Dos 18 apiários amostrados, 17 receberam tratamento de final de verão (2015) com amitraz e um com tau-fluvalinato. Apenas três apiários receberam um tratamento adicional de inverno (2015/2016) à base de ácido oxálico. Apenas indivíduos/ácaros do sexo feminino maduros foram recolhidos para o estudo. Dez ácaros foram colocados em cada cápsula (correspondente a cada concentração de amitraz a ser testada) durante quatro horas: esta é a fase de contaminação durante a qual os ácaros varroa são colocados em contato com parafina impregnada de amitraz. Eles são depois observados com uma lupa binocular antes de serem transferidos para placas de Petri. Quando observados com uma lupa binocular, os Varroa foram classificados em três categorias: móveis, paralisados ou mortos. As observações foram repetidas após 24 h e 48 h. Os ácaros Varroa foram alimentados com larvas/pupas de abelhas durante toda a experiência. Para cada concentração testada, o efeito percentual do acaricida é calculado da seguinte forma: (número de ácaros paralisados + número de ácaros mortos – número de ácaros perdidos ou mortos acidentalmente) / (número de ácaros iniciais – número de ácaros perdidos ou mortos acidentalmente) .
Resultados Das 18 amostras recebidas, os resultados dos testes realizados só puderam ser considerados em 13 delas. Para todas as populações de varroa, o efeito (paralisia ou mortalidade) é total em t0 + 4h para todas as concentrações maiores ou iguais a 100 ppm [partes por milhão]. E após 24 horas, o efeito é completo para todas as concentrações maiores ou iguais a 10 ppm. Para as 13 populações estudadas, as CL50s obtidas variam entre 0,08 e 1,66 ppm, sendo a média de 0,49 ppm. Os 13 Intervalos de Confiança sobrepõem-se e, portanto, não há diferença significativa na sensibilidade ao amitraz nestas 13 populações de ácaros testadas.
Discussão – Conclusão Embora originárias de colónias de abelhas com diferentes níveis de infestação, as 13 populações de varroa testadas não apresentaram diferença marcante na suscetibilidade ao amitraz. O resultado obtido para todas as 13 amostras pode constituir uma referência LC50 para uma população de ácaros sensíveis em torno de 0,5 ppm, ou 15,5 ng/cm2 de parafina. Como indicação, as tiras comerciais de Apivar têm um teor de amitraz entre 4,2 e 6,4 x106 ng/cm2, (ou seja, cerca de 30.000 vezes mais do que o valor de CL50 para uma população de ácaros varroa suscetíveis determinada por este estudo). Para tornar este valor de LC50 ainda mais robusto, seria necessário multiplicar estes testes na zona de 0,5 ppm. Mas para isso precisamos de mais ácaros varroa. Se o método de coleta favos com criação e sua entrega por correio ao laboratório se mostraram satisfatórios, a coleta de ácaros varroa dentro dos alvéolos é entediosa e muito demorada … Este é o primeiro estudo para pesquisar a possível resistência dos ácaros varroa ao amitraz realizado usando um dos métodos recomendados pelo Coloss Beebook. Assim, é possível obter pela primeira vez um valor de referência LC50 para uma população de ácaros varroa suscetíveis.
Esses resultados interessantes, apesar do número relativamente pequeno de amostras estudadas, levantam questões sobre as falhas de eficácia por vezes observadas com as tiras do medicamento Apivar. É certo que o método de teste de sensibilidade/resistência foi realizado aqui por contacto com a substância amitraz e não após contato direto com as tiras de Apivar. Estes vários elementos tenderiam a nos levar a pensar que as falhas de eficiência observadas estariam antes ligadas a questões de formulação do medicamento (galénica*), um medicamento que, como vimos, teoricamente contém substância ativa suficiente.”
* Galénica é o processo que transforma uma substância activa num medicamento pronto a administrar, que pode ser doseado conforme necessário. O medicamento compreenderá um contentor da substância ativa (comprimido, creme, suspensão, solução), excipientes (ingredientes inativos como a lactose), e embalagem/dispositivo de administração (blister, frasco, inalador, frasco para injetáveis seringa pré-cheia).
Reflexão: Como sempre disse uma coisa é o amitraz, o princípio activo, outra coisa é o Apivar, o medicamento. Uma possibilidade forte que coloco actualmente é que a galénica do Apivar não é a mais eficaz para responder a alguns ganhos eventuais de resistência das varroas nas minhas colónias, para as relações que se estabelecem entre as dinâmicas populacionais das minha colónias de abelhas e populações de ácaros que hospedam e para o influxo de ácaros de colónias vizinhas. Por essa razão este ano vai para o banco de suplentes como afirmei aqui e vou substituí-lo, no tratamento de verão, por um outro medicamento baseado no amitraz mas com uma galénica diferente: o Amicel.