treinar o olhar para localizar rainhas: a minha proposta de solução

No seguimento desta publicação apresento a minha proposta de solução: a rainha virgem/não fecundada/mal fecundada está na extremidade da seta.

Sobre a foto em baixo escrevi: “Intrigou-me o facto de alguma desta criação parecer criação de obreira à vista desarmada. Os opérculos estão muito pouco salientes em relação ao plano da cera. Julgo saber a razão, mas vou deixar em aberto este aspecto para os meus leitores.” A razão que descortino vai ao encontro da mencionada pelo João Paulo na caixa dos comentários. Estes zângãos estão mal-nutridos, são praticamente do tamanho de obreiras e, como tal, as abelhas não estão a fechar os alvéolos com um opérculo mais saliente em relação ao plano da cera por não ser necessário. Na minha opinião é um caso cristalino em que a “nature”/genética do indivíduo é fortemente determinada pelo “nurture”/ambiente. Apesar de terem todo o aparato genético para serem uns matulões, estes zângãos nascem pequenos por deficiências nutricionais e por o “ventre”/alvéolo onde são criados ser mais pequeno que o normal.

Para reflectir: as abelhas “ratinhas” de que o meu pai me falava, abelhas mais pequenas, será um caso de “nature” ou um caso de “nurture”?

Agradeço aos meus leitores, muito especialmente aos que participaram fazendo o seu comentário.

treinar o olhar para localizar rainhas

No meu histórico dos últimos 7 anos a maior parte das minhas perdas invernais deve-se a problemas com rainhas. Dos habituais 4 a 5% do total de perdas invernais, 2 a 3% devem-se a problemas com rainhas. Ou a colmeia fica absolutamente órfã, ou fica funcionalmente órfã, isto é, tem uma rainha não fecundada. Hoje tirei um conjunto de fotos de uma colónia nestas condições.

Na inspecção de 19 de outubro verifiquei que tinha uma rainha virgem.

Nas fotos em baixo anda uma rainha virgem. Faço esta publicação a pensar nos companheiros que se convenceram que não conseguem encontrar as rainhas. Nada mais errado e derrotista. Só é preciso um pouco de paciência e, sobretudo, acreditar que a vão localizar. As minhas dicas: tem o abdómen ligeiramente mais comprido; as asas estão fechadas e assentes sobre o abdómen; os círculos beije que dividem os segmentos do abdómen são mais finos; o tórax, muito importante, não tem pelos e é mais saliente; as patas são maiores. Conseguindo identificar e localizar uma rainha virgem, identificar e localizar uma rainha fecundada é para meninos ; -). Aproveitam para treinar o olhar nestas imagens paradas. A dificuldade vai sendo maior à medida que vão avançando nas fotografias.

Na foto em baixo, vemos a criação desta rainha não fecundada. Intrigou-me o facto de alguma desta criação parecer criação de obreira à vista desarmada. Os opérculos estão muito pouco salientes em relação ao plano da cera. Julgo saber a razão, mas vou deixar em aberto este aspecto para os meus leitores. Se desejarem dar a vossa opinião façam-no através dos comentários. Serão muito bem vindos. Que orgulho e honra me dão em me acompanharem!

alimentando… e fazendo contas

Desde 2014 que os suplementos alimentares que forneço aos meus enxames são em pasta açucarada, em 99% dos casos. Nos três primeiros anos da minha apicultura, 2009 a 2011, alimentava no final do inverno/início da primavera com xarope líquido. Em 2012 e 2013 meteu-se-me na cabeça que o açúcar era prejudicial às abelhas e deixei de as alimentar. Nesses dois anos vi algumas das minhas colónias morrerem à fome. Mais que o eventual prejuízo de alimentar as minhas abelhas com açúcar, ficou-me claro o prejuízo irrecuperável que adveio da fome que algumas passaram. É caso para dizer que a realidade atropelou as minhas crenças!

Em 2014, e de lá para cá, ficou claríssimo para mim que a minha competência como apicultor se mediria também pela taxa de colmeias mortas, em particular durante a invernagem. De lá para cá, defini esta métrica para mim: considerar-me-ía um apicultor com razoável competência se conseguisse atingir, ano após ano, uma taxa de mortalidade, por fome e/ou varroa, abaixo dos 10% do meu efectivo. E de lá para cá, com muito trabalho, com algum conhecimento à mistura, com um pouco de sorte também, tenho atingido de forma consistente este objectivo. Como não tenho por feitio responsabilizar terceiros pela mortalidade das minhas colónias (farmacêuticas, doenças desconhecidas, os governantes, os insecticidas, as fases da lua,…), procurei melhorar o que dependia de mim. E assim, de 2014 para cá, conta-se pelos dedos de duas mãos o número de colónias que me morreram por fome.

E hoje, dia sem chuva e com algum sol e com uma temperatura mais amigável, pus-me a caminho para mais uma ronda de alimentação.

Algumas colónia já tinham comido o Kg de pasta que lhes coloquei há 4 semanas atrás.
Outras ainda não.
Duas colónias lado a lado, a debaixo tinha consumido tudo e esta mais próxima não.
Como vi as abelhas a trazerem boas cargas de pólen e como a temperatura a rondava os 15ºC, aproveitei para confirmar se havia criação em alguns núcleos. Nos que abri, sim tinham criação. Uma situação um pouco anormal neste território, nesta altura do calendário. A abelha esmagada mostra bem como o levantamento dos quadros nesta altura do ano pode correr muito mal se em lugar de uma abelha for uma rainha.
As colónias aparentavam boa saúde, com excepção de um núcleo (num apiário com 22 núcleos) com um cacho de cerca de 500 abelhas, resultados tardios do PMS, que muito provavelmente irá morrer nas próximas 2 a 3 semanas.
Pão de abelha e pólen recente.

Neste momento para além de as alimentar faço contas também. O meu fornecedor de alimento para as abelhas refere-me um aumento recente de cerca de 30% por kg de alimento. Obviamente não deixarei de alimentar as colónias que necessitarem — neste momento são cerca de 25% das colónias assentes neste apiário. No final do ano apícola (próximo outubro de 2022) aferirei do retorno do investimento.

shake, shake: fazendo os ácaros soltarem as suas garras


Conforme apontado pelo Dr. David de Jong em 1982, os ácaros aderentes de forma superficial a uma abelha são relativamente fáceis de remover agitando as abelhas num líquido [ou açúcar em pó], mas os ácaros que estão profundamente alojados nas membranas intersegmentais no abdómen das abelhas podem ser mais difíceis de desalojar.

Curioso em determinar exatamente como os ácaros varroa se seguram numa abelha, passei algum tempo olhando-os de perto sob o microscópio.

É fascinante observar um ácaro caminhando sobre o vidro. A cada passo, o ácaro infla um empódio pegajoso. Nesta foto, coloquei um ácaro vivo de costas numa lâmina de microscópio e, em seguida, coloquei uma lamínula de vidro fina sobre ele. O ácaro é obrigado a andar de cabeça para baixo no vidro. O empódio da perna superior nesta foto está a começar a se desdobrar; o próximo está totalmente estendido no vidro.”

fonte: https://scientificbeekeeping.com/6960-2/

Nota: para além desta capacidade de grande aderência, os varroas mimetizam também os odores do corpo das abelhas de forma perfeita, o que lhes permite escapar boa parte das vezes ao comportamento de auto e hetero limpeza das abelhas. Esta capacidade de ocultação é mais um aspecto que faz deles uma arma de aniquilação massiva das abelhas.

enxameação e pilhagem: um dispositivo tecnológico de alerta

Na publicação anterior fiz alusão a um dispositivo tecnológico. Embora não fosse minha intenção inicial escrever em profundidade sobre este dispositivo, dado o elevado número de mensagens e e-mails que recebi a questionarem-me sobre a função deste equipamento, decidi complementar a publicação anterior com informações mais detalhadas acerca das funcionalidades deste equipamento.

Sensor de radar e vibração instalado na colmeia.

Existem dois eventos num apiário que requerem intervenção imediata do apicultor: enxameação e roubo.

A enxameação é um evento natural durante o qual cerca de metade da população de abelhas deixa a colmeia para estabelecer uma nova colónia. Na medida do possível, os apicultores gostam de evitar a enxameação e a perda associada da produção de mel, utilizando técnicas de maneio adequadas. Quando a enxameação acontece inesperadamente, no entanto, o apicultor gostaria de ser alertado o mais rápido possível. A enxameação pode ocorrer em questão de minutos. Geralmente começa com um grande alvoroço vindo da colmeia, seguido por um rápido voo de milhares de abelhas numa nuvem para o exterior. O enxame pousa inicialmente e forma um aglomerado próximo à colmeia original antes de voar para seu destino final. Este acampamento [bivouac] pode durar uma hora, ou dependendo do clima, pode durar dias. A ação rápida durante a fase de acampamento é a melhor chance do apicultor de capturar um enxame e, assim, aumentar seu efectivo.

Em épocas de fluxo insuficiente de néctar, as abelhas de uma colmeia mais forte podem atacar uma colmeia mais fraca e roubar o seu mel. Se forem bem-sucedidos, os ladrões podem limpar todo o mel da colmeia em poucos dias. Roubar tende a ser um evento persistente durante todo o dia, geralmente acompanhado por um alto nível de ruído e atividade frenética de voo contínuo na frente da colmeia. Uma maneira de lidar com essa situação é reduzir temporariamente o tamanho da entrada da colmeia ou fechá-la totalmente.

Uma atividade comum e inofensiva é o “voo de orientação em massa”, uma atividade das abelhas que até agora escapou a uma explicação biológica concisa. Neste cenário, uma nuvem substancial de abelhas voa para frente e para trás na frente da entrada da colmeia. Voos de orientação em massa costumam ser confundidos com enxameação, excepto que as abelhas não voam para longe da colmeia e retornam à colmeia após alguns minutos. O nível de atividade de voo, de voos de orientação e enxameação, pode ser muito semelhante; no entanto, o nível de ruído acústico associado aos voos de orientação é consideravelmente mais baixo. Embora os voos de orientação também sejam detectados pelo nosso sensor, eles geralmente não requerem intervenção do apicultor.

Observando cuidadosamente a atividade de voo perto da entrada da colmeia e o ruído acústico da colmeia, um apicultor experiente pode dizer rapidamente se as abelhas estão felizes, tristes ou enraivecidas. No entanto, muitas vezes não é prático para o apicultor verificar diariamente as colmeias num apiário remoto. Um sistema de monitorização de colmeias de baixo custo é de interesse para avisar o apicultor que a enxameação está para acontecer, ou acabou de ocorrer, ou que um roubo/pilhagem está em andamento.

Dispositivo Janus.

Um sensor externo, conforme ilustrado, pode atender ao requisito acima mencionado. Mostraremos que as observações de eventos de enxameação, feitas tanto com um radar Doppler quanto com um sensor de vibração, estão altamente correlacionadas, embora estejam baseadas em fenómenos totalmente diferentes. Quando ocorre uma grande perturbação da colmeia e os níveis de Doppler e de vibração estão altos, é provável que seja uma enxameação. Quando os níveis diferem significativamente, então o evento é mais provavelmente devido a um roubo ou a um “voo de orientação”.

Diagrama do bloco do sensor de radar e vibração.

Conclusão
Tanto o radar quanto o sensor de vibração, quando montados na parede externa de uma colmeia, são capazes de detectar a atividade de enxameação e roubo/pilhagem. Embora o sensor de vibração por si só seja consideravelmente mais barato, o desempenho de detecção pode ser melhorado (isto é, falsos alarmes reduzidos) combinando medições de ambos os sensores e submetendo-os a um PCA (principal component analysis)*.

* “Numa experiência, numa colmeia (8B), o espaço disponível para a expansão da população de abelhas foi limitado propositadamente para induzir a enxameação. Na verdade, a colmeia enxameou cinco vezes. A análise de PCA identificou de forma clara e inequívoca esses eventos, permitindo que os enxames fossem capturados. Notámos um nível reduzido de atividade cerca de dez dias antes do enxame primário. Este nível de atividade reduzido foi relatado num outro artigo**, mas é difícil de detectar automaticamente ou com antecedência.”

fonte: https://ieeexplore.ieee.org/document/9346064

** S. Ferrari, M. Silva, M. Guarino and D. Berckmans, “Monitoring of swarming sounds in bee hives for early detection of the swarming period”, Comput. Electron. Agriculture, vol. 64, pp. 72-77, 2008.

Notas:

  1. tenho ideia que as colmeias nos EUA são fabricadas com tábuas com 2cm de espessura. Em Portugal, como sabemos, as tábuas das nossas colmeias têm 2,5 cm de espessura. Se esta diferença de espessura deve ser ou não tida em consideração, na eventualidade de desejarmos colocar este dispositivo nas nossas colmeias, não ficou claro para mim da leitura que fiz do artigo original.
  2. em apiários não cobertos por rede de telemóvel, temo que a transferência de dados para os nossos telemóveis ou computadores seja impossível. Não o garanto, é um aspecto que também não está absolutamente claro para mim.

novas tecnologias na apicultura: uma opinião e uma reflexão

Deixo em baixo uma opinião do apicultor J.F. sobre um dispositivo tecnológico que apareceu recentemente no mercado e sua visão sobre a introdução de tecnologias em determinados sectores agrícolas e sua comparação com o sector apícola. A terminar apresento a minha reflexão.

Uma patente comercial foi recentemente emitida com base na “intenção de uso” para a “JANUS HIVESENTRY” para a Maine Biosensors LLC, portanto, mais uma esperança que entra no mercado, baterias não incluídas.

O sensor Janus.

Não há vida útil mais curta do que os muitos flashes das empresas de “tecnologia para colmeias”. A verdade básica é que os apicultores estão entre os clientes mais forretas de toda a agricultura e gastarão US $ 10 na tentativa de economizar US $ 5.
Os produtores de leite têm espalhadores de estrume que dispensam quantidades precisas de fertilizante para cada metro quadrado de terra localizado no GPS, calibrados para dados de humidade e vegetação coletados por satélites apenas para melhorar a produção de feno para alimentar suas vacas, enquanto a maioria dos apicultores ainda lutam com a mudança de “gerir pelo calendário” para “gerir pelas mudanças sazonais” (mais quente, mais cedo), e a maioria nem sequer consegue manter um simples caderno com anotações do que observa e faz.

A apicultura permanece essencialmente inalterada desde a época de Langstroth, excepto pelo impacto de doenças exóticas invasivas e pragas perpetradas na agricultura pelo “Comércio Mundial”. Eu vejo isso como uma coisa boa, semelhante ao tiro ao alvo com meu Fausti, uma espingarda quase idêntica à Benelli que meu avô usava. Coisas que são um prazer nem sempre se tornam mais prazerosas com o acréscimo de tecnologia, e tenho sido privilegiado com a apicultura que continua sendo um prazer.” J.F. (Bee-L, 07-12-2021)

Nota: este ponto de vista, não coincide totalmente com o meu ponto de vista. Contudo entendo-o, na medida que uma parte do prazer que retiro da minha apicultura está associado ao desafio, e sua superação, que encontro na avaliação regular que faço das minhas colónias. Mais, associado a esta vontade de avaliar está o prazer em obter a resposta para o “suspense” que cada colmeia por abrir representa. Se um conjunto de sensores deste e daquele tipo, instalados fora e dentro da colmeia, fizerem esta avaliação por mim, temo que a minha apicultura perda a componente cognitiva mais complexa e estimulante, a de avaliar. Perderia também um aspecto lúdico muito intenso e prazeroso, o do “suspense antes de abrir”. Temo que a minha apicultura passasse a ser predominantemente uma actividade psico-motora, isto é, tirar e colocar coisas na colmeia. Contudo, dispositivos que meçam com rigor os acontecimentos da colónia, por ex. a taxa de infestação por varroa a cada semana/quinzena, ou outros aspectos, dispositivos que me forneçam dados inteligíveis, que me permitam calibrar/ajustar as minhas intervenções poupar-me-ia dinheiro, tempo e esforço. Não estou certo se os adoptaria e não estou certo que lhes viraria as costas. Muito provavelmente compraria alguns e faria os meus ensaios-piloto. E avaliaria.

Bob Binnie entrevista: tratamento da varroose com ácido oxálico

Grato ao Nuno Cascais por me ter chamado a atenção para este conjunto de entrevistas conduzidas pelo apicultor norte-americano Bob Binnie a dois investigadores da Universidade do Estado da Georgia. Jennifer Berry e Lewis Bartlett estão a conduzir esta investigação sobre o tratamento da varroose com recurso ao ácido oxalico. O meu interesse pelos tratamentos com ácido oxálico não é de agora (ver aqui e aqui). Contudo, o aumento substancial de apicultores a recorrerem a este químico simples para fazerem os tratamentos tem provocado um interesse cada vez maior nos investigadores. E assim, os estudos controlados que têm surgido recentemente ajudam-nos a compreender melhor as virtudes e limitações desta opção com o ácido oxálico.

Em baixo elenco um conjunto de dados e conclusões que estes dois especialistas têm retirado nos seus ensaios com a utilização de ácido oxálico:

  • ao contrário de Randy Oliver, que no clima quente e seco do norte da Califórnia, tem tido sucesso com os dispensadores lentos de ácido oxálico, isto é, com os suportes celulósicos com uma mistura de glicerina e ácido oxálico, no clima quente mas húmido da Geórgia os dispensadores celulósicos não são efectivos no controlo/abaixamento do número de varroas de acordo com os resultados obtidos por esta equipa de investigadores; a ecologia do local, em particular a maior humidade relativa do ecossistema do estado georgiano, parece estar na causa desta pouca efectividade, associado ao facto de neste estado as colónias terem criação presente ao longo de 12 meses, ou próximo disso;
  • outro aspecto que esta equipa testou foi o regime de tratamentos utilizado. Por exemplo vaporizaram com ácido oxálico as colónias num regime de 7 vaporizações com 5 dias de intervalo entre vaporizações; conseguiram estabilizar o número de varroas mas não conseguiram que a população de varroas decrescesse até números abaixo do limiar de danos económicos, isto é menos de uma varroa por cem abelhas adultas;
  • o pressuposto de que todas as colónias têm a mesma taxa de infestação no início dos tratamentos e, consequentemente, a mesma taxa de infestação no final do tratamento não é realista. Nesta publicação “arrisquei a pele” dizendo isto mesmo; é reconfortante ouvir agora a Jennifer Berry defender basicamente o mesmo: monitorizar sim, mas monitorizar todas as colónias porque todas as colónias apresentam à partida do tratamento e no final do tratamento diferentes taxas de infestação;
  • numa abordagem de Gestão Integrada de Pragas estas opções com ácido oxálico e neste contexto, presença de criação durante quase todo o ano e clima quente e húmido, podem não servir os objectivos dos apicultores;
  • Binnie coloca a questão sobre a extensão do período forético/fase de dispersão, se este pode ser inferior a 4 dias. Resposta: esqueçam tudo o que julgam saber. Pode ser menos de 4 dias. Como já referi em publicações anteriores, em laboratório, Rosankranz e colegas, identificaram varroas com um período forético de cerca de um dia;
  • o conceito tão caro à Gestão Integrada de Pragas de apenas tratar as colónias que atingiram o limiar de dano económico (2 a 3% de infestação de abelhas adultas) deve ser revisto. O “super-organismo” é o apiário todo, não a colónia. Os fenómenos de deriva, de pilhagem, os zângãos vagabundos, permite às varroas viajarem rapidamente entre colónias do mesmo apiário e entre colónias de apiários diferentes. Quando se identifica uma colónia que ultrapassou o limiar de dano económico devem tratar-se todas as colónias desse apiário;
  • com os métodos mais comuns de monitorização dos níveis de infestação, como a lavagem de abelhas adultas para fazer soltar os ácaros ou a queda destes em cartolinas/tabuleiros colocados no fundo das colmeias, podemos não obter uma boa representação, um número fidedigno, do nível de infestação das colónias.

identificando o impacto das condições climáticas nas doenças das abelhas melíferas

Publicado em novembro deste ano, este estudo longitudinal que decorreu entre 2006 e 2016 em Inglaterra e no País de Gales, com uma enorme riqueza de detalhes, teve como âmbito e objectivo clarificar a interacção entre a doença em abelhas e o clima, os dois principais causadores de perda de colónias, nas palavras dos autores. A equipa de investigadores, combinaram os registros de doenças resultantes das inspeções ao estado sanitário das colónias com dados meteorológicos para identificar o impacto do clima na loque europeia, loque americana, paralisia crónica das abelhas, varroose, ascosferiose e criação ensacada.

Segundo os autores “As abelhas melíferas sofrem de uma variedade de patógenos bacterianos, fúngicos, microsporídicos e virais, bem como ácaros ectoparasitários, que podem levar a uma saúde precária e à perda de colónias. Especificamente a loque europeia, loque americana, paralisia crónica das abelhas, varroose, ascosferiose e criação ensacada. São todas doenças que podem ter efeitos adversos diretos bem documentados em colónias de abelhas, como a deterioração da criação e paralisia de abelhas adultas. Além dos efeitos diretos óbvios sobre a saúde da colónia, a doença pode ter consequências indiretas mais subtis que são menos bem definidas e mais difíceis de estudar. Por exemplo, a perda de obreiras devido à infestação da colónia com ácaros Varroa destructor resulta em forrageamento pobre e subsequente inanição de larvas e adultos. Além disso, o encurtamento da expectativa de vida das abelhas infectadas com o vírus das asas deformadas associado ao ácaro pode levar à perda de colónias no inverno. Doenças da criação, como loque europeia, loque americana, ascosferiose e criação ensacada, são conhecidas por terem efeitos diretos significativos na saúde das colónias por causa de seu impacto nos estágios iniciais da vida, posteriormente limitando o número de futuras operárias disponíveis para realizar tarefas essenciais na colmeia.

As abelhas atendem a todas as suas necessidades nutricionais, procurando no seu ambiente local néctar (carboidrato) e pólen (proteína), mas o forrageamento depende muito das condições climáticas. Chuvas, baixas temperaturas e ventos fortes são conhecidos por restringir a atividade de forrageamento das abelhas. A escassez de pólen pode ocorrer após alguns dias sem forrageamento, levando à operculação mais precoce das larvas e redução da amamentação/fornecimento da geleia de obreiras. O consumo de pólen não fresco pode causar disbiose intestinal [desequilíbrio na flora intestinal em que existe alteração na quantidade e na distribuição de bactérias no intestino] e um aumento na prevalência de patógenos. O mau tempo na primavera e no verão, quando as colónias são mais populosas, pode levar ao aumento da congestão das colmeias, o que, por sua vez, tem sido relacionado com um aumento na transmissão de doenças. A mudança climática pode trazer um clima mais severo e imprevisível que pode, em última análise, ser prejudicial à sobrevivência das colónias de abelhas e pode alterar as fontes de alimento naturalmente disponíveis.” […]

Entre 2006 e 2016, houve 317.838 visitas às colónias por inspetores, com uma média de 28.894 por ano. A prevalência de cada doença variava anualmente. A loque americana foi a doença mais rara, seguida pela paralisia crónica das abelhas e loque europeia. Varroose, criação ensacada e criação de giz [ascosferiose] foram as três doenças mais prevalentes observadas durante as inspeções.”

Número total de casos de diferentes doenças das abelhas melíferas em Inglaterra e no País de Gales entre 2006 e 2016. Cada condado foi normalizado para casos por 1000 colónias visitadas para evitar viés do número de inspeções.

Vejamos as conclusões deste estudo fecundo de pistas para todos os apicultores que pretendem uma compreensão mais completa das relações entre o clima e a prevalência destas doenças:

  • A nossa nova abordagem analítica demonstra claramente pela primeira vez que o risco de quatro das seis doenças das abelhas melíferas é impactado por condições meteorológicas, apesar de ser causado por diversos agentes causadores que abrangem bactérias, fungos, vírus e ácaros.
  • As condições meteorológicas temperatura, precipitação e vento foram selecionadas por causa de sua clara influência no forrageamento e reprodução das abelhas.
  • O Varroa é um problema considerável para os apicultores em todos os lugares, devido à sua ubiquidade e vectorização de outras doenças. A infestação pelo Varroa aumentou com o aumento da temperatura e reduziu com o aumento da chuva e do vento. Embora a reprodução do Varroa exija a criação presente, os ácaros Varroa transferem-se entre as colónias de abelhas montadas nas costas de abelhas adultas que andam em busca de alimentos. A atividade de forrageamento das abelhas melíferas aumenta à medida que as temperaturas aumentam e quando a chuva e o vento diminuem. Como tal, os comportamentos que levam à transferência das abelhas entre as colónias, como a deriva, onde as abelhas adultas retornam para uma colónia diferente, e roubo/pilhagem, onde as forrageadoras roubam mel de outras colónias mais fracas, podem ocorrer durante os períodos que também permitem o forrageamento. Os eventos de transmissão ao nível de colónia, portanto, requerem tempo bom, e a maioria das invasões ocorreu no final do verão.
  • Nossa análise sugeriu que o risco do vírus da criação ensacada aumentou com o aumento das temperaturas, o que está de acordo com outros estudos, que sugerem que o vírus da criação ensacada tem maior probabilidade de ocorrer nos meses mais quentes.”
  • Criação de giz/ascosferiose é causado por um patógeno fúngico, e essa doença da criação tem uma relação oposta com a temperatura, tornando-se mais provável de ocorrer à medida que as temperaturas baixam. Embora isto aparentemente contradiga as observações de laboratório que determinaram a temperatura ideal para o crescimento do agente causador em 30 ° C, a temperatura no ninho com criação presente numa colónia de abelhas permanece constante, mesmo durante os períodos de frio. Os patógenos fúngicos precisam de humidade para se replicar e se espalhar, contudo não encontrámos nenhuma relação entre chuva e risco de criação de giz, o que é surpreendente.
  • Nossas observações indicam que o surgimento da paralisia crónica das abelhas é independente de qualquer mudança nos padrões climáticos, destacando uma causa alternativa para o surgimento. Estudos anteriores indicaram um aumento do risco de paralisia crónica das abelhas associado a certas práticas de apicultura, como a importação de rainhas, a escala da operação apícola ou a colocação de capta-pólenes nas colónias.
  • A loque americana foi a doença mais rara, com apenas 46 relatados em Inglaterra e País de Gales em 2016, muito mais baixa do que outros países. O baixo número de observações provavelmente contribuiu para nossa incapacidade de relacionar o risco de loque americana com qualquer condição específica. A loque americana é uma doença epidémica em Inglaterra e no País de Gales, com a maioria dos casos sendo provavelmente causados por acções humanas, como a importação de mel, e não pela disseminação natural. A loque americana é uma doença difícil de modelar, pois muitos dos veículos que lhe estão associados são difíceis de identificar, uma vez que estas epidemias costumam ser oportunistas e aleatórias, e os casos costumam ser exponencialmente baixos. A contribuição da propagação antropomórfica/com origem humana tem sido observada noutras regiões.
  • A loque europeia foi mais prevalente do que loque americana (356 casos em 2016), e nossa análise destacou algumas características interessantes desta doença endémica. O risco de loque europeia aumentou com altos níveis de chuva, clima associado a más condições de forrageamento. Os casos de loque europeia têm sido associados a condições de setresse nas colónias, como a falta de alimentos. Embora as abelhas armazenem quilos de mel durante os meses de verão, elas armazenam uma quantidade relativamente pequena de pólen. Períodos de chuva ou ventos fortes reduzem a oportunidade de forrageamento e podem adicionar setresse nutricional às colónias de abelhas, possivelmente contribuindo para surtos de loque europeia. Curiosamente, as abelhas recorrem ao canibalismo da criação durante os períodos de forrageamento insuficiente, e isso poderia contribuir para um aumento direto da transmissão de parasitas da criação dentro da colmeia. O risco de loque europeia no sul e no oeste é muito reduzido, sugerindo que o clima é um fator importante na distribuição/prevalência desta doença.

fonte: https://www.nature.com/articles/s41598-021-01495-w

Nota: os estudos científicos não se preocupam com a verdade geral e absoluta. De uma forma mais humilde, procuram compreender as relações entre as variáveis num contexto específico. No caso deste estudo não devemos esquecer que o contexto onde ele foi levado a cabo, Inglaterra e e País de Gales, é outro diferente do nosso. No nosso caso, atrevo-me a dizer que o calor extremo que se atinge nos meses de julho e agosto em certas zonas do nosso país tem um contributo inegável na redução do forrageamento, e deve ser uma variável a considerar por todos nós para, em conjunto com os dados deste estudo, poder fazer uma aproximação mais afinada à realidade da doença em colónias de abelhas no nosso país.

um documento essencial para a sobrevivência da apicultura portuguesa

Deixo em baixo o documento elaborado pelos apicultores João Neto e José Vicente, da Melbionisa, no âmbito de 2ª fase de consulta para a elaboração do PEPAC, 2023-2027 (ver aqui). Este documento deve ser lido com toda a atenção por todos nós, em particular pelas Associações de Apicultores, que o poderão/deverão ter como base de trabalho nesta fase de consulta do PEPAC 2023-2027. Tal como actualmente está desenhado, este Plano Estratégico para os próximos 5 anos não responde às dificuldades, necessidades e justas aspirações dos apicultores portugueses. A todos os companheiros, incentivo que façam chegar este documento às Vossas Associações, para que estas sejam os megafones das nossas preocupações, das nossas propostas, das nossas esperanças.