a temperatura no interior de uma colmeia com sobreninho quando faz frio cá fora

Durante o inverno algumas das minhas colónias passam o outono e inverno com um sobreninho (são as minhas colmeias armazém de outono/inverno). Neste sobreninho estão guardados/armazenados quadros com muito mel que vou distribuindo pelas colónias que deles necessitem ao longo deste período do ano. As colónias dedicadas a esta função são colónias fortes que entram no outono com 8 a 10 quadros bem preenchidos com abelhas. A pergunta que importa é: serão prejudicadas por terem de aquecer o dobro do espaço durante o inverno? A minha resposta é não, e alguns concordarão e outros discordarão. Tenho verificado que muitas das minhas colónias mais fortes à saída do inverno são precisamente estas colónias que passaram o inverno com uma alça com quadros cheios de reservas num dos distritos mais frios do pais. Passo a explicar, socorrendo-me de Rusty Burlew, que generosamente me autorizou a traduzir os excelentes conteúdos do seu blog Honeybeesuite, porque acho e observo que em colónias fortes este espaço a dobrar não as prejudica mesmo quando faz frio cá fora.

Rusty Burlew

Os sistemas naturais não desperdiçam energia e as abelhas não são exceção. Para sobreviver ao inverno, a aglomeração das abelhas permite-lhes manterem-se aquecidas. Embora façam isso com eficiência, elas não fazem esforço nenhum para aquecer todo o espaço dentro da colmeia.

O lugar mais quente dentro de uma colmeia está no centro da aglomeração/cacho invernal. A temperatura no cacho diminui em direção ao exterior do mesmo. As abelhas do lado de fora deste cacho ficam tão frias que precisam girar para dentro do mesmo. Se o interior da colmeia estivesse uniformemente aquecido, essa rotação seria desnecessária.

Claro, há algum calor perdido deste aglomerado para o ar circundante e, como o calor é perdido, as abelhas devem gerar continuamente mais. Se colocar a mão perto de um ferro aquecido, por exemplo, poderá sentir o calor. A perda de calor do ferro é semelhante à perda de calor do cacho de abelhas. Não precisamos de mudar a mão para longe para deixar de sentir o calor. O mesmo é verdade dentro da colmeia: a temperatura cai rapidamente à medida que você se afasta do cacho invernal.

No entanto, o ar dentro da colmeia é ligeiramente mais quente do que o ar externo do ambiente. Isso ocorre porque a própria caixa colmeia fornece uma pequena quantidade de isolamento. Mas o valor R (resistência térmica) de uma tábua de pinho não é elevado, o que significa que a diferença de temperatura entre o ar interno e o ar externo não é grande.

Existe um lugar na colmeia que é mais quente do que os outros, e esse lugar é imediatamente acima do cacho invernal. Isso ocorre porque o ar quente sobe. Um apicultor na França mediu as temperaturas nas suas colmeias quando a temperatura do ar externo era de 6,7 ° C. Ele mediu 35 °C no centro do cacho, 21,6 ° C imediatamente acima do cacho e 11,1 ° C nas outras partes vazias da colmeia. Outros apicultores encontraram gradientes de temperatura semelhantes.

Costumo ouvir as pessoas dizerem que não deixam alças com mel nas suas colmeias porque é muito espaço para as abelhas aquecerem. Além do fato de que as abelhas não vão tentar aquecê-lo, uma alça de mel é muito diferente de uma alça vazia. Um alça vazia fornece mais espaço para o calor crescente se escoar sem benefícios adicionais, por isso não é uma boa ideia.

Mas um alça de mel tem muitas vantagens. Além de ser um suprimento de comida, uma alça de mel é um bom isolante térmico no topo. Além disso, por ser muito denso, tem alta capacidade calorífica. Isso significa que pequenas ou rápidas flutuações na temperatura externa não mudam prontamente a temperatura do mel. Em outras palavras, um grande suprimento de mel estabiliza a temperatura interna da colmeia.

Além disso, uma alça com mel desacelera o fluxo de ar de baixo para cima na colmeia. Isso ocorre porque o ar que passa pelos espaços estreitos entre os quadros sofre atrito nas superfícies irregulares do favo, de modo que o fluxo de ar é consideravelmente perturbado. Isto é uma coisa boa: queremos que exista algum de fluxo de ar pela colmeia para remover a humidade, mas não queremos um túnel de vento. Um alça de mel, então, fornece alimento, isolamento, estabilidade de temperatura e reduz a velocidade do fluxo de ar quente no interior da colmeia.


“Se as abelhas não podem comer xarope frio, por que podem comer mel frio?” Na verdade, o mel não está frio quando as abelhas o comem.

Quando trazemos mantimentos da loja para casa, nós armazenamo-los num forno quente? Claro que não. E as abelhas também não precisam armazenar mel num local quente. Lembre-se, o calor sobe do cacho, então o mel acima do cacho é bastante quente. Mesmo o mel próximo às laterais do cacho estará quente o suficiente.

À medida que o mel quente é consumido, o cacho move-se lentamente em direção a mais mel e, à medida que se aproximam, esse mel aquece mais ainda. As abelhas aquecem a comida conforme a necessidade, assim como nós. Como mencionei no início, os sistemas naturais não desperdiçam energia. Seria um desperdício total manter todo o mel aquecido o tempo todo.

Além disso, o mel em armazenamento refrigerado tem muito menos probabilidade de ser destruído por outros insetos porque eles também não gostam de comida fria. Se as abelhas mantivessem seus estoques de mel muito quentes, a predação aumentaria.

fonte: https://www.honeybeesuite.com/physics-for-beekeepers-temperature-in-the-hive/

Dito isto, enxames fracos à saída de setembro, nos quais as abelhas cobrem apenas 2 a 4 quadros procuro cada vez mais transferi-los para caixas-núcleo. Estes enxames precisam na minha opinião de uma caixa mais pequena, ou de quadros-falsos (follower boards, segundo a designação inglesa), que aumentem a densidade do enxame. Tenho notado regularmente que estes casos sobrevivem melhor ao inverno e arrancam melhor à saída do inverno quando invernam num espaço interior mais reduzido. Tenho impressão que esta condição lhes permite:

  • atingir uma densidade optimizada;
  • beneficiar mais rapidamente do aquecimento proporcionado pelos dias ensolarados que vamos tendo durante o inverno;
  • diminuir as áreas frias no topo do cacho e assim evitar as zonas de condensação do vapor em água.

expandindo o apiário: o cruzamento da experiência de Bob Binnie com a minha

Há cerca de um ano atrás conheci Bob Binnie através das suas palestras virtuais e do seu canal no YouTube. Como alguém diz num comentário “Existem muitos especialistas com 2 ou 3 anos de apicultura ensinando no YouTube como lidar com as abelhas. Este não é um deles. É uma das poucas apresentações que assisti até ao fim e aproveitei cada minuto.”. Também para mim as palestras de Bob Binnie estão noutro patamar.

Bob Binnie e colaborador num dos seus apiários.

Neste vídeo do seu canal Bob Binnie apresenta a sua experiência de cerca de 40 anos no que respeita a alguns pontos da caminhada feita para expandir os seus apiários. Eu, com apenas 11 anos de experiência apícola, revejo-me e identifico-me com muito do que ali é descrito e aconselhado. Acho, de uma forma difícil de qualificar, que o meu percurso seguiu muitas das directrizes e cruzou-se inúmeras vezes com as experiências deste apicultor norte-americano, ainda que não as conhecesse na altura. Há coisas assim!

A palestra de Bob Binnie de março de 2019

Bob inicia a sua palestra sobre a justificação da expansão do(s) apiário(s) subordinando-a ao objectivo que queremos atingir. No meu caso em setembro e outubro de 2009 adquiri 50 colónias com o objectivo de passar a viver em exclusividade da apicultura. Larguei por completo a minha actividade profissional anterior e desde essa data passei a ocupar-me a tempo inteiro com as minhas abelhas.

De seguida pergunta quantas colónias os presentes desejam ter. No meu caso desejava atingir as 1000 colónias em cerca de 5 a 7 anos. Atingi as 700 passados 8 anos, mas teria chegado às mil e até ultrapassado este número caso não tivesse vendido inúmeras colónias ao longo dos anos.

Bob refere que tem 2500 colónias e que deseja baixar este número. De há dois anos para cá tenho reduzido significativamente o número das minhas colónias.

Refere que de há dois anos para cá “perdeu” 6 a 7 colaboradores experimentados e que ficou apenas ele e um colaborador experimentado para gerirem 2500 colónias. E, em razão desta situação, está a chegar atrasado às colónias para as tratar contra os ácaros varroa. A minha realidade difere neste aspecto, primeiro reduzi o número de colónias e só depois terminei a minha relação contratual com o meu empregado. Contudo, algumas vezes, também cheguei atrasado a algumas colónias para as tratar. Quem me segue com mais assiduidade e atenção sabe bem a importância que desde há anos dou à necessidade de fazer os tratamentos atempadamente. Parece-me que esta ideia começa a fazer o seu caminho na nossa comunidade apícola.

Bob alerta a sua audiência que não funciona passar de 5 a 10 colónias para 500 com um “estalar de dedos”. Infelizmente em Portugal e num passado recente as vozes e os estímulos iam num sentido contrário, e vários “jovens apicultores” sentiram o sabor amargo do fracasso, resultado de um projecto megalómano que tinha tudo para fracassar.

Aconselha a “crescer com as abelhas” e de forma gradual. Nos primeiros anos triplicou o número de colónias de ano para ano… de 8 para 25, de 25 para 75,… em 5 anos tinha 500 colónias. No meu caso das primeiras 50 passei para as 90, e no ano seguinte tinha 170,… e passados 5 anos tinha cerca de 450. Crescemos ambos com um saber acumulado de ano para ano que nos permitiu gerir eficazmente o número crescente de colónias de um ano para o outro.

Voltarei a esta palestra e, por agora, termino com esta afirmação de Bob Binnie: “As competências que são adquiridas com a experiência são a “arte” da apicultura. A apicultura é 50% ciência e 50% arte. A arte é o desconhecido, a arte é a forma de fazermos as coisas, arte é como trabalhamos as abelhas, a arte vai crescer durante o percurso, caso contrário falhamos.

tabuleiro divisor: fase final do maneio

Hoje, entre outras tarefas, transferi alguns dos últimos enxames produzidos este ano com recurso ao tabuleiro divisor para caixas-núcleo ou caixas-colmeia. Procuro sempre colocar estes novos enxames em caixas completamente independentes ao longo da estação e antes da invernagem. Assim, evito as dificuldades na alimentação do enxame situado na caixa inferior e a eventual entrada de humidade excessiva por entre o tabuleiro divisor.

Configuração da colmeia: a colónia 1 habita o ninho inferior com entrada no sentido oposto ao visível; tabuleiro divisor com entrada no sentido visível a separar as duas colónias; e colónia 2 no ninho superior.
Vista interior da colónia 2 que ocupa cerca de 5 quadros.
Transferência dos 5 quadros para uma caixa-núcleo; a rainha foi transferida sobre este segundo quadro.
O tabuleiro divisor.
Vista interior da colónia 1 que habita a caixa inferior.
Vista do exterior logo após a transferência dos quadros para a caixa-núcleo, caixa que irá permanecer no local original durante uns dias, antes de ser transferida para outro apiário.
Vista exterior 15-20 minutos após a transferência.

Deixo um vídeo muito interessante do apicultor profissional Bob Binnie, que conjuntamente com sua esposa Suzette, possui e opera a Blue Ridge Honey Co. em Lakemont, Geórgia, uma operação apícola com 2.000 colónias. Bob Binnie também faz uso dos tabuleiros divisores e descreve aqui as vantagens que observa da sua utilização. Binnie foi eleito o “Apicultor do ano” pela Associação de Apicultores da Geórgia em 2003 e tem uma operação apícola com quase quatro décadas.

expansão da Vespa velutina no noroeste da Espanha: influência da altitude, fatores meteorológicos e efeito da armadilha de isca em organismos vivos alvo e não alvo

Fica a tradução do resumo de um estudo, realizado na vizinha Galícia, acerca dos factores abióticos que parecem condicionar a expansão da V. velutina naquela região e do efeito das armadilhas de isca não selectivas na espécie-alvo e nas espécies não-alvo de acordo com as características dos locais de captura.

Resumo

A vespa de patas amarelas, Vespa velutina, é uma espécie invasora recente na Galiza (noroeste da Espanha). Sua invasão tem um importante impacto socioeconómico porque ataca abelhas (Apis mellifera) e outros insetos polinizadores cruciais. A dispersão desta espécie deve ser monitorada para minimizar os danos que causa e tomar as ações de controle necessárias. Os objetivos deste estudo foram determinar organismos vivos alvo e não alvos capturados por armadilhas de isca e comparar os padrões de distribuição de V. velutina e da autóctone V. crabro. A altitude e as condições climáticas desempenharam papéis importantes no comportamento das vespas. As armadilhas colocadas em áreas costeiras de baixa altitude continham uma maioria de vespas de patas amarelas. Em contraste, as vespas autóctones surgiram em números relativamente maiores nas armadilhas colocadas em áreas de grande altitude. Altas temperaturas mínimas, orvalho, humidade relativa alta e baixas temperaturas máximas favorecem a ocorrência e disseminação de V. velutina. Essas condições são comuns nas áreas costeiras deste território e promoveram a rápida dispersão desta praga. As armadilhas de isca usadas não eram seletivas, então muitos outros organismos artrópodes foram capturados juntamente com o vespão. Portanto, o uso de iscas seletivas para a espécie é necessário para o controlo ecologicamente correto desta praga de inseto.

fonte: https://link.springer.com/article/10.1007/s10340-018-1042-5

Imagens de um estudo sul-coreano acerca da competição interespecífica entre a V. velutina (invasora) e 5 outros vespões nativos daquela região, entre elas a V. crabro.

padrões de invasão da Vespa velutina em Portugal utilizando dados crowdsourced

Em baixo deixo a tradução do resumo de um estudo português publicado recentemente (04.2020) acerca da colonização do território continental pela Vespa velutina.

Vista dorsal (em cima) e ventral (em baixo) de uma Vespa velutina nigrithorax

Resumo
A vespa invasora de patas-amarela (Vespa velutina) foi detectada pela primeira vez em Portugal continental em setembro de 2011. A falta de informação sobre os processos de propagação da espécie tem dificultado o desenvolvimento de medidas adequadas para mitigar o potencial impacto deste predador invasor.

Dados coletados, ou seja, informações oportunamente relatadas pelos cidadãos, podem facilitar a coleta de registros de ocorrência de espécies em grandes escalas espaciais, o que pode ser valioso para compreender a expansão de espécies invasoras. Aqui, utilizando dados crowdsourced validados sobre a localização precisa de 49 013 ninhos, nós: (i) atualizamos a informação sobre a distribuição de V. velutina em Portugal; (ii) estimamos a taxa de expansão da espécie; e (iii) analisamos os padrões de distribuição de ninhos a uma escala nacional e local.


A espécie encontra-se actualmente distribuída por uma área de cerca de 57 000 km2, o que corresponde a 62% do território continental. Estimamos uma taxa média de 37,4 ± 13,2 km / ano para a expansão de V. velutina. A distribuição e densidade dos ninhos de Vespa velutina a uma escala local urbana foi estimada em 5,4 ± 3,3 ninhos / km2. A diminuição observada na distância entre ninhos vizinhos ao longo dos anos sugere que a densidade dos ninhos não atingiu seu limite.

Defendemos que o desenvolvimento de um método barato e rápido para detecção de ninhos e o estudo numa escala fina dos mecanismos que que levam à dispersão de V. velutina são etapas importantes para identificar as vias de colonização e planear abordagens de controlo com o objetivo de interromper a disseminação de espécies e o impacto em apiários.

fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/icad.12418

Nota: sabendo que cada ninho produz em média 500 a mil novas fundadoras e cerca de 13 mil indivíduos por cada ciclo anual (Rome et al., 2015) o controlo da população e expansão da Vespa velutina passa obrigatoriamente pelo desenvolvimento de uma capacidade melhorada de detecção e destruição dos ninhos.

a invernagem de colónias de abelhas: maneio de preparação

Iniciei hoje a minha semana de trabalho no campo. Estive ocupado com a inspecção das colónias instaladas em dois dos quatro apiários activos. Nestes dias tenho no plano realizar um conjunto de tarefas que visam atingir dois objectivos principais:

  1. Preparar as colónias o melhor possível para o período de invernagem que se aproxima;
  2. avaliar o efeito das acções remediativas encetadas para o controlo da varroose.

Para alcançar o primeiro objectivo publico o foto-filme das acções empreendidas e observações realizadas:

Colocação das réguas de entrada da colmeia na posição de inverno.

Se no periodo do ano em que as temperaturas máximas ultrapassa os 25ºC deixo o óculo da prancheta semi-aberto para que elas decidam se querem ou não a ventilação superior…

… e algumas colónias aparentemente desejam esta ventilação superior porque não fecham com própolis este espaço aberto…
… outras aparentemente não desejam esta ventilação superior porque fecham com própolis o espaço aberto…

… nesta época em que as temperaturas máximas ficam de forma regular abaixo dos 25ºC fecho completamente o óculo da prancheta.

Outras das tarefas passou por avaliar as reservas de mel e reforçar as colónias que me pareceram escassas neste recurso. Tenho como referência a necessidade de ter 4 quadros bem preenchidos de mel por colónia. Estes 4 quadros garantem um total de 10 a 12 kgs de mel, o suficiente para que as minhas abelhas passem os próximos meses 3 meses com hidratos de carbono de qualidade e na quantidade indispensável para a manutenção dos mecanismos individuais e colectivos a uma eficiente termorregulação. Assim substituo os quadros leves com poucas reservas por quadros pesados bem fornecidos de reservas.

Quadros leves retirados e…
… substituídos por quadros pesados com boa quantidade de mel.

De que “cartola mágica” sairam estes quadros com mel?

… das inevitáveis “colmeia armazém“, e que vai receber os quadros leves.

Foi também a oportunidade para verificar/confirmar as novas reservas de pão-de-abelha fresco tão importante para a alimentação desta geração de abelhas de inverno que está agora a ser criada, assim como indispensável para a alimentação da futura primeira geração de abelhas do próximo ano, lá para meados de janeiro.

Criação larvar com aquela boa cor pérola e a “nadar” em papa larval.
Stong bees a serem criadas exclusivamente com os recursos naturais do território!

acerca do futuro próximo da apicultura e seus apoios

Começo por remeter para esta publicação. Se o sector apícola europeu em lugar dos 40 milhões que recebe anualmente da PAC (Política Agrícola Comum), recebesse 1% das mais-valias que incorpora à fileira alimentar, os números seriam muito diferentes: passaria a receber 140 milhões (14 mil milhões/100= 140 milhões). Até por esta razão se verifica que sector apícola europeu está claramente sub-financiado!

Que forças vejo a convergir para que o actual sub-financiamento da PAC ao sector apícola seja alterado e venhamos a assistir a curto-prazo, isto é já no próximo triénio-quinquénio, a um reforço significativo dos apoios concedidos? Vejo três grandes forças a convergir para o desfecho: (i) os negociadores e decisores da distribuição sectorial dos fundos da PAC irão fazer mais ainda nesse sentido, consequência da informação científica disponível acerca da importância crítica do sector apícola enquanto motor da produtividade de muitos dos outros sectores agro-pecuários; (ii) o sector apícola europeu conquistará poder e força na competição por fundos, lado-a-lado com os outros sectores agro-pecuários, resultado de uma percepção dos cidadãos europeus cada vez mais despertos e informados da importância dos polinizadores para a qualidade e preço de uma vasta gama de alimentos que fazem parte da sua dieta diária; (iii) a crise no sector ficará mais visível ainda pelo abandono da actividade apícola e/ou não regeneração da actual geração de apicultores com a entrada de apicultores jovens, pouco motivados e estimulados a fazer a opção pela apicultura no menu de outras escolhas profissionais aparentemente mais aliciantes.

Com mais apoios ao sector como os distribuir?, que grandes eixos priorizar? Deixo algumas sugestões:

Continuação do apoio ao tratamento obrigatório do varroa (esta política parece-me que tem vantagens, se observarmos a mortalidade de colónias na UE por comparação com os EUA);

Apoio a linhas de investigação bem sustentadas e integradas em programas europeus bem planeados (forma de evitar desperdiçar fundos em investigação do tipo céu azul) no desenvolvimento e melhoramento de (novas) ferramentas de controlo de (novas) pragas, como por exemplo a vespa velutina;

Apoio a campanhas para o consumo de mel e outros produtos da colmeia de produção local, enquanto alimento de elevada qualidade, e promotores de serviços ecossistémicos locais;

Apoio ao reforço do rastreamento da qualidade de meis e outros produtos da colmeia oriundos de outros espaços económicos;

Apoios directos, como sucede noutros sectores agrícolas;

Apoios ao rendimento dos apicultores, à imagem do que sucede noutros sectores agrícolas;

Apoios à instalação e desenvolvimento de redes curtas de comercialização;

Apoios a centros de investigação e formação de nível 4 e 5 em cada um dos países-membros;

vespa velutina: a solução está em falar com elas?

A equipa do IRBI (Institut de Recherche sur la Biologie de l’Insecte ), liderada por Eric Darrouzet, há vários anos que analisa os constituintes moleculares das feromonas produzidas e libertadas pelas vespas velutinas com o objectivo de vir a descodificar as mensagens que elas encerram. Esta e outras linhas de investigação, como a localização de ninhos através de radares marítimos e/ou telemetria, a produção de cavalos de troia com fungos “amigos do ambiente”, a interferência genética ao nível do ácido ribonucleico (ARN), e que estão a ser projectadas e/ou levadas a cabo em alguns países europeus (sobretudo França, Inglaterra e Itália), visam fornecer a comunidade de um conjunto de ferramentas, efectivas e respeitadoras da restante entomofauna, para o controlo das populações e expansão no território deste insecto exótico. Neste momento são cada vez mais os sectores que clamam por armas deste tipo, como o vitivinícola, o pomarista, o apícola.

Em baixo deixo a tradução de uma peça jornalística da france3-regions, publicada em 15.03.2020, acerca da pesquisa e avanços alcançados pelo IRBI em torno dos mecanismos de comunicação entre indivíduos Vespa velutina e sua aplicação, com vista à diminuição dos impactos sociais, económicos e na biodiversidade provocados por estes predadores.

O departamento da Mancha (França) financiou um programa de pesquisa, cujos primeiros resultados são considerados “muito promissores”. Em 2016, o Conselho Departamental decidiu avançar com 95.000 €, sabendo que a erradicação deste inseto invasor é ilusória, mas que será possível lutar contra a sua proliferação.

O vespão asiático foi observado pela primeira vez na França em 2005. Desde então, proliferou em toda a França e em vários países europeus.

O trabalho foi confiado ao IRBI. Este Instituto de Pesquisas em Biologia de Insetos, ligado à Universidade de Tours, tem vindo a descodificar a linguagem deste invasor. “Os humanos comunicam por via oral. Os insetos comunicam entre si quimicamente, emitindo moléculas”, explica Eric Darrouzet, professor e pesquisador do IRBI. Por exemplo, uma vespa operária stressada emitirá moléculas de alarme, para pedir ajuda ou, ao contrário, para espantar as suas semelhantes para as alertar do perigo“. Em laboratório, a equipa de pesquisa procurou identificar os componentes químicos que permitem estabelecer este tipo de diálogo. “A única maneira de ser eficaz com o vespão asiático é falar com ele. Você tem que falar com ele na sua própria língua, dizer-lhe para ir embora, ou para vir e atraí-lo para uma armadilha.

O IRBI identificou três moléculas que têm a capacidade de repelir o vespão asiático. “A ideia é usá-los para proteger os apiários, estabelecendo uma espécie de barreira química. Já foram feitos testes perto das colmeias em Indre-et-Loire. Uma destas feromonas parece repeli-las. Vamos testar agora aqui no Canal “, continua Eric Darrouzet.

O IRBI também encontrou uma molécula potencialmente atraente, que permitirá atrair as vespas para as armadilhas. “Todas estas moléculas são produzidas naturalmente pela vespa. Agora será necessário sintetizá-las para que possam ser fabricadas a uma escala industrial”, alerta Eric Darrouzet. Será o culminar de dez anos de pesquisa. O IRBI acredita que pode apresentar uma fórmula em 2021, o que, num mundo ideal, permitirá a uma empresa colocar estes produtos no mercado já em 2022. “Mas, ainda há muitos se …

Até hoje, não há uma solução convincente para atrair as vespas asiáticas. As armadilhas caseiras às vezes parecem eficazes. Mas elas têm a desvantagem de atrair muitas outras criaturas. Uma publicação científica mostra que para um vespão asiático capturado, quase mil outros insetos caem na armadilha. “E um isco alimentar pode não ser eficaz”, insiste o pesquisador. “Se alguém lhes propuser açúcar, a armadilha está em competição com as outras fontes de açúcar disponíveis na natureza. Sem falar que uma operária em busca de proteína não será atraída por uma armadilha com um isco doce. E de que adianta matar algumas vespas quando ainda há milhares na colónia?

Por isso financiámos este trabalho“, insiste Valérie Nouvel, vice-presidente do Conselho Departamental responsável pela transição energética e pelo meio ambiente. “Precisamos encontrar soluções que possibilitem proteger a biodiversidade. Estas novas armadilhas também terão de ser baratas para serem usadas.“.

fonte: https://france3-regions.francetvinfo.fr/normandie/manche/saint-lo/solution-contre-frelon-asiatique-chercheurs-ont-enfin-trouve-comment-lui-parler-1794951.html

Proposta de acção: O que me ocorre de imediato é fazer a seguinte experiência (eu não posso porque este ano ainda não vi nenhuma velutina junto das minhas colmeias): apanhar algumas velutinas e esmagá-las muito lentamente contra a parede frontal das colmeias, no intuito de elas libertarem a feromona de afastamento/repulsa. Julgo que terá de ser feito lentamente, não por crueldade, mas para lhes dar tempo suficiente para se sentirem ameaçadas de morte e libertarem esta feromona que terá o eventual efeito repulsivo que desejamos. Fica a ideia.

mortalidade invernal e opções no controlo da varroose: dados em grande escala

Esta publicação apresenta os primeiros resultados obtidos em grande escala por 4 anos de inquéritos (2012–2015), realizados a uma amostra de 18 971 apicultores dos EUA, no que respeita às opções de maneio para o controlo da varroose e sua correlação com a perda de colónias de abelhas durante o inverno.

Título: Uso de métodos químicos [sintéticos e orgânicos] e não químicos para o controle do Varroa destructor (Acari: Varroidae) associados a perdas de colónias no inverno em operações de apicultura nos EUA [publicado em 2019]

Sumário: O ácaro Varroa destructor (Acari: Varroidae) é uma das principais causas de perdas de colónias de abelhas (Apis mellifera) durante o inverno, indicando que os apicultores devem controlar as populações de Varroa para manter colónias viáveis. Os apicultores têm acesso a vários varroacidas químicos e práticas não químicas para controlar as populações de Varroa. No entanto, nenhum estudo examinou os padrões em grande escala dos métodos de controle do Varroa nos Estados Unidos. Aqui nós utilizamos as respostas de 4 anos de inquéritos realizados anualmente a apicultores representando todas as regiões e tamanhos de operação nos Estados Unidos para investigar o uso de métodos de controle do Varroa e perdas de colónias no inverno associadas ao uso de diferentes métodos. Nós nos concentrámos em sete produtos varroacidas (amitraz, cumafos, fluvalinato, óleo de lúpulo [Hope Guard], ácido oxálico, ácido fórmico e timol) e seis práticas não químicas (remoção de cria de zângão, favos com alvéolos pequenos [4,9 mm], estrados sanitários, açúcar em pó, abelhas resistentes a ácaros e divisão de colónias) indicadas para ajudar no controle do Varroa. Descobrimos que quase todos os apicultores de grande escala usavam pelo menos um varroacida, enquanto os apicultores de pequena escala eram mais propensos a usar apenas práticas não químicas ou não usar qualquer controle do Varroa. O uso de varroacidas esteve consistentemente associado a perdas mais baixas no inverno, com o amitraz estando associado a menores perdas do que qualquer outro produto varroacida. Entre as práticas não químicas, a divisão das colónias esteve associada às menores perdas no inverno, embora as perdas associadas ao uso exclusivo de práticas não químicas fossem altas em geral. Nossos resultados indicam métodos de controle que são potencialmente eficazes ou preferidos pelos apicultores e, portanto, devem informar a experimentação que testa diretamente a eficácia de diferentes métodos de controle. Isso permitirá que os apicultores incorporem métodos de controle Varroa aos planos de maneio que melhoram o sucesso da hibernação de suas colónias.

fonte: https://academic.oup.com/jee/article-abstract/112/4/1509/5462560?redirectedFrom=fulltext

Algumas notas:

  • nos últimos anos a taxa de mortalidade invernal de colónias de abelhas tem sido superior nos EUA quando comparada com a que se verifica na UE (por ex., no inverno de 2017/18 a mortalidade foi cerca de 40% nos EUA e cerca de 16% na UE) ;
  • nos EUA o tratamento da varroose não é obrigatório ao contrário da UE;
  • nos EUA os medicamentos homologados para tratar doenças das abelhas (os acaricidas) não são comparticipados pelo estado, ao contrário da prática seguida na UE.

Reflexão: estes dados gerais, suportados em grandes amostras, permitem-nos ter uma visão “de helicóptero” e formular algumas conclusões muito valiosas a vários níveis, desde as políticas gerais para o sector até às decisões individuais na condução dos nossos apiários.

Estes dados gerais deverão ser complementados por dados a uma escala regional, porque há aspectos regionais que importa conhecer e estudar (ver estes já publicados por aqui, conduzidos na região da Alsácia francesa (1, 2 e 3).

Mais, não dispensam até estudos-de-casos para uma análise fina que permitam relevar e corrigir erros grosseiros a um nível individual, como este que ilustro em baixo (a foto é de uma colónia de um apiário pedagógico).

resistência aos acaricidas: alguns apontamentos e reflexões

Apontamentos

A resistência a pesticidas é um fenómeno que ocorre quando os organismos-alvo sobrevivem a doses ou concentrações de uma substância tóxica que anteriormente provocava níveis elevados de mortalidade. Os principais mecanismos de resistência hoje conhecidos incluem desintoxicação melhorada, insensibilidade do local-alvo e penetração cuticular reduzida.

Daqui decorre que para avaliar resistências seja indispensável conhecer/determinar um “valor-base de referência” da concentração necessária de uma determinada substância activa para que esta provoque elevados níveis de mortalidade em populações-alvo susceptíveis. Mais, é de todo desejável que se defina o que são níveis elevados de mortalidade na população-alvo.

No caso concreto dos pesticidas utilizados pelos apicultores para controlar as populações do varroa é uma tarefa complexa determinar com rigor se se está na presença de um fenómeno de resistência ao acaricida que se utilizou. Episodicamente há apicultores a testemunhar a baixa eficácia dos tratamentos, referindo com alguma frequência a possibilidade de resistências. Para termos uma noção da complexidade que envolve avaliar com o rigor necessário este fenómeno nada como analisar os protocolos utilizados na sua investigação.

Frank D. Rinkevich, um grande especialista na área (ver aqui excelente entrevista que deu), numa publicação recente dá-nos a conhecer um exemplo desse percurso/protocolo. Acerca da resistência ao amitraz e baixa eficácia do Apivar em alguns casos pontuais de operações apícolas profissionais nos EUA o autor sentiu, entre outros aspectos, a necessidade de apresentar uma definição funcional de resistência, e definiu-a assim: populações de varroa que apenas são susceptíveis a concentrações do amitraz 10 vezes superiores ao “valor-base de referência” e cuja eficácia do Apivar® é inferior a 80% podem ser classificadas como funcionalmente resistentes ao amitraz.

fonte: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6968863/

Reflexões

Neste outro estudo de 2019, acerca da eficácia de tratamentos baseados no ácido fórmico, verificamos que dois dos três tratamentos avaliados apresentam uma eficácia inferior a 80%. Será um caso de varroas resistentes ao ácido fórmico? Aumentar em 10 vezes a dosagem do ácido fórmico está fora de questão porque as abelhas não iam sobreviver. De qualquer forma a resistência dos ácaros ao ácido fórmico, tanto quanto é do meu conhecimento, nunca foi rigorosamente testada com qualquer protocolo. Assume-se que a falta de eficácia dos tratamentos com fórmico não se pode dever à existência de varroas resistentes ao mesmo. Como esta hipótese não foi testada faltam evidências da resistência ao fórmico. A questão que me fica é se esta falta de evidências é uma evidência da falta de resistência? Não sei, não estou convencido, é um aspecto que na minha opinião merece mais estudo e menos partis pris!**

fonte: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00218839.2019.1656788

Nota: destes dois estudos, e sem querer tornar esta análise numa questão de tipo “clubístico”, noto que mesmo quando o Apivar é menos eficaz elimina os varroas numa percentagem semelhante ou até superior a dois dos tratamentos com fórmico.

** Neste aspecto estou bem acompanhado. Randy Oliver escreveu: “Tem sido frequentemente afirmado que os acaricidas naturais serão “sustentáveis”, isto é, que é improvável que o ácaro lhes desenvolva resistência. Eu não compro isso. Milani (2001) fala pelos biólogos quando afirma: “Não há razão para acreditar que o ácaro varroa não possa desenvolver resistência contra acaricidas de origem natural ou moléculas simples (por exemplo, ácido fórmico). Existem centenas de espécies de insetos e ácaros que se alimentam de plantas que contêm toxinas naturais. ”. fonte: http://scientificbeekeeping.com/the-arsenal-natural-treatments-part-1/