Em estudos controlados na Nova-Zelândia* e EUA acerca de quais os iscos proteicos que têm a preferência das vespas germânicas concluiu-se que são os enlatados de comida húmida de sardinha para gatos — atenção que não é a sardinha enlatada que compramos para nós!
O meu amigo, Tiago Alves Silva, enviou-me uns pequenos vídeos onde se vê as velutinas em grande actividade junto destes iscos proteicos. Deixo em baixo fotografias ilustrativas.
*Protein bait preferences of wasps (Vespula vulgaris and V. germanica) at Mt Thomas, Canterbury, New Zealand (1995).
Desta publicação não devem concluir que é este o melhor isco proteico para a Vespas velutina. Esse teste ainda não foi feito de forma controlada com a V. Velutina, tanto quanto é do meu conhecimento. Para já podemos concluir que também este isco tem uma boa palatabilidade para este animal voraz.
Notas: 1) com o nascimentos das gynes (as novas fundadoras) os iscos proteicos perdem gradualmente o interesse e os iscos líquidos açucarados e fermentados voltam a ter uma boa demanda por parte das futuras fundadoras.
2) Num outro estudo com a V. orientalis, verificaram que entre iscas com carne de vaca, carne de frango, fígado e sardinha, o consumo após duas horas foi 79% para a carne de vaca; 46% para o frango; 47% para o fígado e 16% para a sardinha.
fonte: Acceptance of the oriental wasp Vespa orientalis L. (Hymenoptera: Vespidae) to different baits (2016)
A primeira imagem que me ocorre de uma montanha russa são aqueles picos elevados antecedidos e seguidos por vales profundos, isto é uma estrutura com altos e baixos. Esta imagem pode ser aplicada com toda a pertinência às taxas de infestação por varroa em abelhas adultas, avaliadas por lavagem, em dois apiários de um amigo do distrito de Bragança. Uma nota prévia: os dois apiários foram submetidos ao mesmo programa de tratamentos durante o ano e até agora.
Vamos aos dados que me fez chegar: num dos apiários as amostragens realizadas em três das cerca de 50 colónias ali assentes deram resultados de infestação baixos, uma varroa no conjunto das 3 amostras de abelhas — infestação abaixo de 1%.
No outro apiário os dados parecem ser de outro planeta: de 6 amostras feitas, num apiário com uma dimensão semelhante ao anterior, temos uma colónia com 98 varroas em 222 abelhas, isto é uma infestação de 44,1% e, no pólo oposto, uma outra colónia com 1 varroa em 260 abelhas, 0,4% de infestação. As taxas de infestação nas restantes 4 colónias são: 1,8%, 4,8%, 5,7%, 7,8%.
As 98 varroas que sairam das 222 abelhas após a sua lavagem.
Relembro, todas as colónias destes dois apiários receberam o mesmo programa de tratamentos até à data. Por razões que dispensam mais explicações, o meu amigo está a re-tratar todas as colónias deste segundo apiário e aplicar-lhe em simultâneo uma medida de urgência conhecida como “rasca la cria”.
O meu amigo, e bem, fez a avaliação da taxa de infestação no seu segundo apiário, mesmo tendo obtido resultado muito positivos no primeiro. É esta realidade não-linear, rugosa, com altos e baixos que torna o controlo da varroose tão complexo.
O meu amigo Fernando Moreira, com apiários no extremo norte da Beira Alta, decidiu fabricar harpas eléctricas para reduzir a pressão das V. velutinas sobre as suas colónias. Verificou que a partir de finais de Julho a pressão aumentou a um ponto que paralisava o voo das abelhas. Como é um homem que trabalha a madeira como poucos, decidiu meter mãos à obra e em meados de agosto tinha as harpas feitas e prontas a colocar no terreno.
O Fernando está a colocar as harpas de acordo com as facilidades do próprio terreno, com cerca de 4 colmeias de espaço entre elas.
Observou que passado um dia após a sua colocação quase deixou de ver velutinas nos seus apiários. Põe a hipótese de algum tipo de comunicação que alerta as irmãs para o perigo e que seria um tema interessante para uma publicação neste blog. O desafio está aceite, tenho andado a ler sobre o que se sabe com algum rigor sobre os processos de comunicação na sub-família Vespinae, o grupo taxonómico dos vespões, e para já constato duas coisas: 1) as grandes lacunas de conhecimento rigoroso sobre os processos de comunicação neste grupo de insectos; 2) do que li até agora apenas a V. mandarinia marca com feromonas as colmeias para atrair/recrutar mais irmãs para o massacre que costumam fazer nas colónias de abelhas.
Do que li até agora começo a construir uma hipótese que explica o sucesso das harpas que alguns observam, assim como insucesso ou menor sucesso que outros encontram com a utilização das mesmas. Talvez lhe chame a “hipótese abutre”, a ver vamos para onde me conduzirão as leituras que tenho andando a fazer. A hipótese de uma feromona de alarme ou repelente explicar o abandono dos apiários com a colocação de harpas parece-me, neste momento, pouco sustentável à luz destes aspectos: 1) com as armadilhas em garrafas essas feromonas atraem mais irmãs, não as repelem; 2) essas feromonas são voláteis, provavelmente de curta duração, e não explicam como passados horas/dias continuam a exercer o seu efeito repelente; 3) se são feromonas, como explicar que os apicultores que relatam sucesso com as harpas, deixem de ver quase por completo velutinas; ao contrário, seria caso para ver velutinas a rondar os apiários, a farejar as redondezas das harpas e colmeias, e só depois dessa inspecção inicial fugirem rapidamente porque detectaram uma hipotética feromona de alarme, feromona que persistiu horas ou até dias no local.
“As colmeias que no início de agosto estavam paralisadas, agora trabalham como na primavera (02-09-2023)” palavras de meu amigo Fernando Moreira. Bom combate!
Sobre o efeito das harpas ver os resultados de um estudo controlado aqui.
Notas: 1) dispenso comentários lacónicos do tipo “isto é só negócio”, porque obviamente para mim não o é, nunca vendi harpas, não vendo harpas, e não está no meu horizonte vir a vender harpas; 2) ou comentários do tipo “isto não elimina os ninhos”, porque obviamente que não elimina, o objectivo é defender as colónias de abelhas. Para eliminar ninhos as técnicas são outras. Para erradicar todas as V. velutinas do nosso país não conheço neste momento técnica nenhuma; 3) ou comentários “comigo não funcionou”, porque é óbvio que técnica nenhuma funciona com eficácia igual para todos os que a aplicam. Agradeço comentários detalhados, sejam positivos sejam negativos, mas com pormenores, porque com esses aprendemos. Muito obrigado pela vossa atenção!
Recentemente o apicultor norte-americano Bob Binnie publicou este vídeo sobre a aplicação de ácido oxálico na forma sublimada em núcleos.
Vídeo sobre o tratamento de núcleos com 2 grs. de ácido oxálico sublimado.
O que mais me interessou no vídeo foi o facto de o Bob Binnie referir que aplica 2 grs. de ácido oxálico em núcleos e referir que aplica 4 grs. de ácido oxálico em colónias estabelecidas em colmeias Langstroth com 10 quadros. E do ponto de vista da eficácia está a fazer a opção correcta. No estudo Determining the dose of oxalic acid applied via vaporization needed for the control of the honey bee (Apis mellifera) pest Varroa destructor (2021), Cameron Jack e colegas referem que é essa a dosagem mais eficaz de acordo com as observações controladas que realizaram.
O pequeno problema é que a EPA (a congénere norte-americana da DGAV) definiu que as colónias não devem ser tratadas com mais do que 1 gr. de ácido oxálico quando sublimado.
O grande problema para os apicultores norte-americanos é que este limite estabelecido pela EPA, repito 1 gr. de ácido sublimado por colónia, é pouco ou nada eficaz como demonstrado pelo estudo de Cameron Jack e colegas. Bob Binnie foi honesto e corajoso por vir publicamente dizer como faz e que o “rei vai nú”, arriscando ser perseguido e multado por tal.
Ontem, acompanhei o Marcelo Murta na realização de duas tarefas nas colónias que tem assentes no seu apiário nas proximidades de Coimbra: 1) avaliação da taxa de infestação por varroa em abelhas adultas; 2) aplicação por gotejamento de ácido oxálico diluído em xarope de açucar.
Como referi nesta publicação, no dia 19 de Julho o Marcelo fez a avaliação da taxa de infestação e deparou-se com 8,14% e 8,4% de infestação em duas colónias (13% das colónias no apiário).
Como é um apicultor munido de um bom arsenal de conhecimentos e forte motivação, sabia que tinha que fazer descer essa taxa para abaixo dos 2% com o objectivo de garantir abelhas saudáveis e ficar tranquilo com os desafios que as suas colónias vão enfrentar no final do verão e na entrada do outono. E com essa motivação iniciou o terceiro tratamento do ano nos últimos dias de julho. Utilizou o Amicel em três rondas, com espaçamento de 12 dias entre as duas primeiras aplicações da tira de Amicel e de 8 dias para a terceira tira.
Ontem, 31 de Agosto, os resultados da medição da actual taxa de infestação nas colónias anteriormente avaliadas em julho são muito positivos: 0,86% e 1,02%.
Avaliação da taxa de infestação em cerca de 300 abelhas adultas através da lavagem em álcool.
Ainda que as taxas de infestação actual não sejam preocupantes, o meu amigo decidiu aproveitar a ausência de criação ou a pouca criação nas suas colónias para as gotejar com ácido oxálico diluído em xarope de açúcar. Como diz o Marcelo não devemos ser reactivos, sim pró-activos. E deste princípio os seus ganhos são evidentes: neste ano e até à altura a mortalidade por varroose é zero.
Aplicação de 5 ml da mistura por cada espaço entre os quadros, segundo uma formulação proposta por Randy Oliver.
Decidiu pela formulação “hot” porque as colónias em Coimbra não vão passar por um período longo sem criação — 60 grs. de ácido + 600 ml de água + 600 grs. de açúcar.*
Entre as diversas trocas de impressões disse-lhe que esta opção me fazia lembrar um apicultor norte-americano com +3000 colónias, que tem como princípio não esperar que a taxa de infestação chegue aos 3%, para ele um limiar já demasiado alto e com riscos de os tratamentos falharem; prefere tratar para ter os níveis de infestação abaixo ou igual a 1%: trata não para fazer descer os níveis de infestação mas para evitar que eles subam; não confia cegamente em nenhum medicamento, acredita neles todos, na sua utilização frequente e diversificada**.
Assim como para a prevenção da enxameação é necessário andar um mês à frente das colónias, também o controlo da varroose nos obriga a estar, não um, mas dois meses à sua frente.
Vi hoje no Facebook esta imagem em que se procura encontrar uma correlação entre a presença dos abelharucos (Merops apiaster) e a dificuldade de expansão da V. velutina.
Olhando com vista grossa até parece haver essa correlação, isto é, o mapa da esquerda com os territórios onde a vespa tem presença consolidada parece ser também o território onde o abelharuco está ausente. Mas olhando com um pouqinho mais de atenção para os dois mapas vejo duas falhas nesta correlação, uma assinalada com um rectângulo na zona do extremo nordeste transmontano e outra assinalada com uma oval na zona ribatejana — isto aceitando que os mapas estão correctos.
Na primeira zona não temos abelharuco mas também não temos uma grande implantação da vespa; na segunda verifica-se que é zona de grande implantação de abelharucos e de V. velutina. Podem fazer-se todo o tipo de correlações e mesmo assim não acertarmos com relações de causalidade. Neste caso nem correlação temos.
Do que de melhor se sabe até agora, os principais factores que determinam uma maior e mais rápida expansão da V. velutina em Portugal e noutros países da Europa são basicamente dois: disponibilidade de alimento e factores abióticos. Os primeiros são abundantes em muitas regiões e o segundos são resumidamente os seguintes: temperaturas mínimas altas, orvalho, humidade relativa alta e baixas temperaturas máximas favorecem a ocorrência e disseminação de V. velutina. Estas condições […] promoveram a rápida dispersão desta praga. (ver aqui).
Neste momento do que sei, é da destruição/eliminação massiva dos ninhos que poderá haver um impacto assinalável na expansão e consolidação desta praga em territórios com factores abióticos que lhes são favoráveis.
A realidade é esta: dos milhares e milhares de ninhos que temos em território nacional, basta que apenas uma fundadora se “safe” de cada um deles e funde uma nova colónia na época seguinte para que população global de V. velutina se mantenha constante, exactamente a mesma do ano anterior. Que cada um faça o que tem a fazer para proteger da melhor forma possível as suas colónias e que não espere que os pássaros e sonhos coloridos resolvam a expansão e consolidação da praga.
Com esta publicação, atinjo as 799. Encontrar um tema específico pode ser uma tarefa demorada e desmotivante num blog com esta dimensão. Contudo, há formas de o conseguir rapida e eficazmente. É sobre este aspecto a publicação de hoje.
Para encontrar um tema sobre o qual desejam ler neste blog, podem fazer a pesquisa por três vias basicamente: 1) por categoria; 2) utilizando a funcionalidade de pesquisa; 3) aproveitando as sugestões de publicações relacionadas.
Cada vez que faço uma publicação enquadro-a numa das categorias que fui criando ao longo do tempo. Procuro desta forma organizar, “engavetar”, publicações que abordam temas semelhantes. Por exemplo, quase tudo o que escrevi sobre V. velutina está na categoria “predadores e inimigos”. Clicando nessa categoria vão restringir bastante as publicações às que de facto vos interessam mais nesse momento.
A funcionalidade de pesquisa é, na minha opinião, a que vos orienta mais rapidamente e especificamente para o assunto que vos interessa. Por exemplo, se o amitraz vos interessa, colocando a palavra na área de pesquisa e clicando na lupa vai surgir muito do que escrevi até à data sobre este acaricida. Podem colocar duas ou mais palavras na pesquisa para a restringir o mais possível.
Finalmente, o wordpress cria automaticamente um conjunto de 3 sugestões relacionadas com cada publicação que faço. Estas sugestões podem contribuir para vos orientar na leitura de outras publicações com conteúdos semelhantes.
Estas funcionalidades aparecem em zonas diferentes do ecrã caso estejam a utilizar um computador ou um telemóvel. No caso do computador a funcionalidade 1) e 2) surge no topo superior do lado direito e a 3) ao fundo do texto publicado. No caso do telemóvel estas três funcionalidades surgem gradualmente continuando a deslizar o ecrã depois do texto da publicação.
Podem também subscrever este blog, colocando o endereço de e-mail para o qual será enviada uma notificação automática sempre que faça uma publicação nova.
Para além destas funcionalidades podem utilizar o “Dr. Google” para pesquisarem, e com uma boa probabilidade encontrarão sugestões de entrada neste blog. Por exemplo, coloquei agora mesmo “amitraz contra a varroa” na pesquisa e surgem duas entradas no topo para o “abelhas à beira”.
Leiam o mais que puderem, neste blog ou noutras fontes, e escolham essa fontes criteriosamente. Se me permitem um conselho, fujam daqueles que vos apresentam “receitas” espectaculares sem nunca terem escrito uma linha sobre a Biologia da Abelha, o ciclo de vida da Varroa destructor, e outros fundamentos… e sem nunca terem relatado um ou outro insucesso com o seu maneio de colónias de abelhas.
O meu amigo João Gomes fez a sua estreia no YouTube para que eu pudesse fazer o upload deste vídeo. Não tenho 100% de certeza, mas creio que o vídeo do João é o primeiro vídeo realizado por um apicultor português que coloco no meu blog. Sendo o primeiro, espero que seja o primeiro de muitos, realizados pelo João e outros companheiros portugueses. Nesta fase da vida do meu blog, com uma exposição como nunca teve, importa-me trabalhar cada vez mais próximo com a nossa comunidade apícola. Ontem fiz uma publicação que passou algo despercebida, mas que considero das mais importantes que fiz este ano para os apicultores do nosso rectângulo e arquipélagos. Fi-la com a preciosa ajuda do Francisco Rogão.
Hoje conto com o João Gomes, da Apicant Queen Bees que, para além de criar magníficas abelhas rainha, tem uma preocupação extremosa em alimentar as V. velutinas sempre que se tornam visitas frequentes nos seus apiários.
Como todas as belas histórias de amor, esta também se define pela simplicidade da interacção e pelo sempre oportuno KISS — keep it simple and small — em momentos chave.
Durante uns dias as V. velutinas são alimentadas em locais pré-definidos com carne moída, simplesmente e sem qualquer tempero. É preciso habituar os animais às manjedouras. KISS. Depois de estabelecido o hábito, depois de estabelecida a dependência, chega a altura de dar algum tempero à carne (podem ver aqui uma forma de temperar quanto baste para não haver estragação do tempero). KISS. O tempero (ver aqui) é utilizado universalmente nos mais variados pontos de globo, onde faz o controlo de pragas de vespas invasoras, sem conservantes e, sobretudo, sem repelentes. KISS.
Não as tratem à paulada… alimentem-nas!
Nesta manjedoura de habituação, vemos os animais a prepararem a sua carga, carga que não conseguem ingerir por ser sólida, e levantarem voo para alimentarem as suas larvas. As larvas ou pupas já operculadas não são alimentadas. Será esta geração não alimentada que poderá aparecer passados 15-20 dias nos nossos apiários e que haverá que atender novamente.
Notas: 1) esta publicação tem aqui e ali uma pontita de ironia, um recurso expressivo, simplesmente.
2) obviamente não posso garantir resultados efectivos sempre e em todo o lado. Cada caso é um caso. Por ex. os iscos de habituação muito provavelmente terão de ser renovados diariamente, porque desidratarão rapidamente com temperaturas altas. Em alguns casos a habituação será alcançada no primeiro dia, noutros casos poderá demorar um pouco mais , e noutros casos tarde ou nunca será alcançada. Dependerá das fontes de proteínas— insectos e outras — disponíveis na zona. Se passadas 48h não observarem uma habituação ao alimento colocado nas manjedouras sugiro que não insistam nesta técnica.
3) reforço que o tempero não deve ser repelente de insectos e que a quantidade a utilizar deve ser a mais baixa possível por razões ambientais.
4) os efeitos na redução da predação, a existirem, devem ser observados nas primeiras 48h e perduram, em regra, durante cerca de 15-20 dias.
5) para quem não se achar capaz de seguir com imenso cuidado e rigor a utilização desta ou de outras técnicas semelhantes, há outras propostas de defesa das colónias com menos riscos envolvidos.
6) por favor leiam as hiperligações (cliquem nas palavras sublinhadas a azul) antes de me enviarem mensagens privadas a solicitar a receita, porque me obrigariam a escrever novamente aquilo que já tive o cuidado de escrever e publicar. Obrigado pela V. atenção e compreensão.
Todos os anos são anos de varroa, é bem verdade! Contudo, alguns anos são mais graves do que outros. E 2023 está a ser um ano muito mau, a este respeito.
Esta impressão que tenho, de conversas com amigos acaba de me ser confirmada pelo Francisco Rogão, apicultor amigo que dispensa apresentações, mas que com justiça devo dizer que me tem ensinado e a muitos outros com base na sua vasta experiência e profundo conhecimento do que se passa no terreno.
Nesta conversa o Franciso dizia-me que vários apicultores já retiraram 40-50% das suas colónias colapsadas nas útimas semanas, e que na sua opinião e com base nos relatos que lhe fizeram, este lamentável acontecimento se deveu à varroa.
Tanto ou mais impressionante é o Francisco dizer-me que apesar de estar a monitorizar e a tratar como nunca fez, continua a encontrar uns impressionantes 34% de infestação na criação de várias colmeias e 2% de infestação nas abelhas adultas. Ela está lá, “escondida” dentro dos alvéolos e provavelmente com um período de dispersão (forético) significativamente mais curto do que há 10-15 anos atrás.
O Franciso pediu-me para deixar este alerta: tratem e monitorizem. E conclui que em anos como este as suas colónias estão vivas porque as tratou 5 ou 6 vezes. Também neste aspecto estamos em sintonia, acerca da importância e necessidade dos tratamentos intermédios durante a época de produção, por forma a manter as taxas de infestação abaixo dos 3-5% neste período.
Reflexão: Em boa verdade dou comigo a reflectir sobre estes números: Delaplane indica que o limiar económico da população total de varroas em agosto não deve ultrapassar o intervalo de 3000-4000 em colónias com 25000-33000 abelhas*. Neste cenário, que não devemos ignorar é um cenário optimista, e para um tratamento de final de verão/outono verdadeiramente eficaz trazer este número de varroas abaixo das 50 varroas, o recomendado pelo INRAE/ITSAP franceses, a eficácia do mesmo teria de ser superior a 98%.
Sobre tratamentos durante o período de colheita das abelhas, em especial os tratamentos com ácido oxálico é o melhor documento que conheço, à data.
Questões: qual o medicamento que na actualidade tem esta eficácia superior a 98%? Qual o medicamento que na actualidade devemos considerar “principal”? Não estaremos a entrar numa nova época em que todos eles deverão ser percepcionados como intermédios, porque com eficácias de 80% ou menos nos obrigarão a tratamentos de dois em dois meses?
Foram estes os dados, as reflexões e as questões que deixei o ano passado na palestra que fiz a convite da AALC, no âmbito do seu seminário de apicultura que decorreu em Cantanhede.
Ontem, na sequência desta publicação, fui contactado por três companheiros, a confirmarem que os tratamentos com amitraz, 2 deles a utilizar os caseiros e o terceiro a utilizar homologados, não estão a limpar devidamente as suas colónias. Estes testemunhos, a juntar à minha experiência, ao testemunho de outros companheiros e aos estudos franceses e norte-americanos referenciados neste blogue, reforçam duas convicções que tenho desde 2020: o problema não é apenas uma perda de eficácia dos homologados, fruto de uma hipotética sabotagem das farmacêuticas que os produzem, o problema é um acréscimo de varroas resistentes ao amitraz, seja ele veiculado por medicamentos homologados ou por medicamentos caseiros.
Sem surpresa para mim e no seguimentos dessa mesma publicação, um ou outro apicultor, defendem que a solução está no modelo alemão ou austríaco. Estes modelos utilizam exclusivamente (ou quase) os ácidos fórmico e/ou oxálico e os óleos essenciais, o timol sobretudo. Os acaricidas de síntese foram proscritos nestes países. Não me vou focar no conjunto de ideias falsas sobre os resíduos de amitraz no mel e cera que alguns apicultores teimam em veicular, porque os estudos e relatórios estão disponíveis para a leitura de quem teima no fearmongering —alguns destes estudos estão referenciados noutras publicações deste blogue. O foco da publicação de hoje é este: o que nos dizem os inquéritos epidemiológicos acerca da utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais sobre a sobrevivência invernal das colónias de abelhas (vou chamar-lhe opção AOE).
Na Alsácia francesa os dados recolhidos ao longo de mais de 10 anos revelam que a opção AOE está associada a taxas de mortalidade invernal superior quando comparada com a opção tratar com amitraz — fiz várias publicações em torno destes relatórios.
Nos EUA, um estudo de 2019 que apresenta a análise de dados recolhidos ao longo de 4 anos naquele país, revela que a utilização do amitraz está associado a taxas de mortalidade mais baixas do que a que resulta da utilização de outros acaricidas, entre os quais estão os da opção AEO *.
Mais impressivo é um estudo, publicado em 2019, que compara a morte invernal durante 4 anos em dois países europeus vizinhos, onde num deles a opção AOE é a mais comum e no outro a opção mais comum é a utilização de acaricidas de síntese, nomeadamente o amitraz. Os dois países são a Áustria e a Chéquia. No primeiro país temos uma população de apicultores das mais educadas da Europa, com muitos anos de experiência na utilização de ácidos e óleos essenciais e, ainda assim, a mortalidade invernal de colónias é superior à do país vizinho que utiliza maioritariamente o amitraz na forma fumigada**.
Depois de em 2020 ter constatado uma menor eficácia do Apivar, em 2021 decidi fazer um tratamento intermédio à base de um ácido orgânico. Para as minhas abelhas ainda bem que não fui um apicultor teimoso, radical e purista. Não lhes causei morte e sofrimento evitável.
Em conclusão, espero que no conjunto destas duas publicações fique bem claro o meu pensamento:
estou convicto que em Portugal há populações de varroas resistentes ao amitraz;
nestes casos, é uma prática arriscada continuar a tratar exclusivamente com amitraz;
confrontados com esta realidade não defendo que a estratégia de tratamentos se deva restringir à utilização de acaricidas ditos orgânicos. Esta opção, mesmo que utilizada por uma população de apicultores educados como os austríacos, está associada a taxas de mortalidade superior às que se registam quando a opção é um cruzamento de acaricidas sintéticos com acaricidas orgânicos, como no caso da Chéquia;
em Portugal, com temperaturas elevadas ao longo de muitos meses seguidos, com criação presente durante (quase) todo o ano, copiar modelos de países do centro e do norte da Europa não acredito que seja a solução. Dos dados que conheço para Portugal, as taxas de mortalidade em modo BIO situam-se entre os 26% e os 50%, em média (cf. Manual de Apicultura em MPB, FNAP);
em Portugal, continuar a insistir na utilização exclusiva de amitraz em apiários onde se tem verificado abaixamento da sua eficácia numa percentagem importante de colónia nos últimos anos, não me parece o caminho;
o caminho, na minha opinião, está na utilização adequada e pertinente de acaricidas sintéticos e acaricidas orgânicos, sem preconceitos ideológicos, até porque a varroa não é travada por ideologias, é travada por uma estratégia de tratamentos realista e ajustada às condições particulares de cada país e de cada apiário.
Lista parcial de MUV em 2017. Como vemos esta estratégia mista que tanto me agrada é perfeitamente viável com os medicamentos homologados em Portugal. O maior entrave a esta estratégia é a política de apoio à sua aquisição. Os apoios para apenas dois tratamentos por ano são insuficientes segundo a minha experiência e a de outros. Um tema para uma outra publicação.