Na passada segunda-feira o Marcelo Murta, comigo a dar uma mãozinha, fez a cresta das colmeias que tem no seu apiário nas proximidades de Coimbra. Deixo em baixo algumas fotos que ilustram o trabalho que efectuámos.
Crestámos 10 colmeias do modelo Langstroth.
Há cerca de 45 dias atrás o Marcelo optou por colocar grelhas excluidoras em todas as colónias em produção. Confessa ter ficado muito satisfeito com esta opção.
Também neste apiário verificámos que a utilização da grelha excluidora permite alcançar um ninho mais organizado do ponto de vista do apicultor, com a criação mais compacta, sem o bloqueio do ninho com pão-de-abelha e meias-alças livre de criação, com pouco ou nenhum pólen.
Já na sala de extracção.
Mel de mil flores, muito aromático, com um bouquet floral notável que apreciei muito.
Das 20 meias-alças foram extraídos 180 kgs de mel, a melhor produção que alcançou nos anos que leva de apicultura. Uma das razões que encontra passa por ter utilizado este ano de forma mais sistemática e planeada as colmeias armazém que lhe permitiram desbloquear mais eficientemente os ninhos no período da enxameação reprodutiva (março e abril este ano e nesta zona). A utilização das grelhas excluidoras também deu o seu contributo, porque permitiu crestar todas as meia-alças, inclusivé as primeiras logo sobre o ninho, onde se encontravam muitos quadros com mel a encher os alvéolos, quando 45 dias antes se encontravam ocupados com criação.
O meu maneio preferido para fazer o controlo da enxameação, passava por encontrar a rainha e transferi-la para um núcleo. Este maneio simula a enxameação natural, diminuição da força de trabalho e mudança de casa, e refreia absolutamente o impulso enxameador.
Quadro com a rainha retirado da colónia que estava para enxamear em 23-03-2021.
3 a 4 semanas adiante estes núcleos são fábricas de fornecimento de quadros com criação a outras colónias, em particular às colónias em produção. Dadas as características das rainhas, dadas as dimensões dos núcleos e, sobretudo, porque estas colónias mais pequenas têm mais fome de crescer do que uma colónia de 10 quadros, a produção de quadros repletos de criação é mais rápida e intensa.
Desde que geridos com regularidade, tirando semanalmente ou quinzenalmente um a dois quadros com criação, estas colónias explosivas não tendem a atingir o limiar que as predispõe a enxamear novamente no ano em que são criadas. É um maneio no fio da navalha, mas para quem tem disponibilidade e gosto é muito gratificante. Por regra, no ano seguinte continuavam a apresentar um padrão de criação bastante satisfatório no final do inverno, com uma rainha provavelmente no seu terceiro ano de postura (foto de 08-03-2022).
Publiquei e descrevi esta estratégia de maneio em várias publicações que podem encontrar neste blog a partir de 2018/2019. Provavelmente terei suscitado um vasto leque reações, desde as mais interessadas às do tipo “este gajo é doido em não deixar crescer o núcleo para colmeia “. Para fazer justiça a todos, uma vez mais repito que não inventei nada, esta estratégia de maneio aprendia-a das leituras que fiz de Michael Palmer, um apicultor do Vermont (EUA) que julgo que tem uma operação com cerca de 700 colónias, e que nos seus apiários tem permanentemente um conjunto de núcleos para este fim. Por cá na Europa sei que estou bem acompanhado nesta opção de controlo da enxameação e utilização dos núcleos, que é também a de David Evans, aquele que melhor escreve sobre abelhas no mundo virtual. É o que o David refere na última publicação do The Apiarist, esta semana.
De acordo com o Dr. Google serei o único a escrever sobre esta técnica em português. Sei que alguns amigos a passaram a utilizar quando me referiram a sua satisfação com os resultados.
Apicultor orgânico/bio em Ville-en-Tardenois, no Marne, Philippe Lecompte conta com uma estreita colaboração com o setor agrícola como um todo para preservar a fauna e a flora (ver aqui entrevista).
“A jornada de Philippe Lecompte, apicultor orgânico perto de Reims! Este especialista em abelhas e amante teve sua primeira colmeia em 1975 e tornou-se profissional em 1979. Preocupado com a qualidade do mel e o bem-estar de suas abelhas, tornou-se orgânico/bio em 1995. Philippe também é presidente da Réseau Biodiversité pour les Abeilles, e vice-presidente da associação Symbiose para paisagens e biodiversidade, que reúne representantes do mundo agrícola e vitivinícola, várias autoridades regionais do Grand Est e indústrias de proteção de plantas.
Este ano em França, as beterrabas, inclusive as orgânicas, foram parasitadas por pulgões, com quedas espetaculares de rendimento. Existem apenas dois tratamentos: os piretroides sintéticos, que são administrados por pulverização e, portanto, podem envenenar vários insetos com facilidade, e as sementes revestidas com neonicotinoides, menos prejudiciais porque permanecem no solo.
Mas esta polémica, acima de tudo, impede que se pense nas verdadeiras causas da mortalidade das abelhas. A Plataforma de Epidemiologia de Saúde Animal, uma organização independente sob a égide do Ministério da Agricultura e do INRAE (Instituto Nacional de Investigação para a Agricultura, Alimentação e Ambiente), publica um estudo anual sobre as causas de mortes de abelhas:
Na 2ª posição, a Plataforma aponta para as más práticas apícolas, cada vez mais difundidas. A abelha é o terceiro animal doméstico em França há vários anos. Muitas pessoas iniciam a apicultura sem ter as habilidades e os conhecimentos necessários, o que tem graves consequências na mortalidade do seu efectivo.
Quais são as relações entre o apicultor do Grand-Est e outros atores do mundo agrícola? A agricultura é um castelo de cartas: se uma cai, as outras seguem. Por exemplo, o desaparecimento do setor francês de beterraba teria sérias consequências na produção de alfafa, uma planta muito benéfica para a preservação da biodiversidade, porque as unidades de desidratação da alfafa também produzem polpa de beterraba, essencial para assegurar a sua rentabilidade.
Na nossa região, os atores do setor agropecuário em sentido amplo trabalham juntos há vários anos nestas questões. A associação Symbiose lançou assim iniciativas e experiências para promover a biodiversidade nos nossos territórios, como a instalação de faixas intra-parcela com floração escalonada, de forma a garantir a alimentação dos polinizadores durante todo o ano, sebes ou faixas de alfafa na orla das parcelas.”
No artigo Wings as impellers: honey bees co-opt flight system to induce nest ventilation and disperse pheromones, 2020, Jacob M. Peters e colegas filmaram os movimentos das asas das abelhas em movimento muito lento. Quando as abelhas estão a ventilar a colmeia ou a dispersar as feromonas produzidas na glândula Nasonov (feromona de chamamento e/ou de alerta) o movimento das asas cria um fluxo de ar no sentido da retaguarda. Esta publicação é um complemento visual a esta publicação.
“As abelhas melíferas (Apis mellifera) são voadoras notáveis que carregam regularmente cargas pesadas de néctar e pólen, apoiadas por um sistema de voo – as asas, tórax e músculos de voo – que se pode supor é otimizado para locomoção aérea. No entanto, as abelhas também usam esse sistema para realizar outras tarefas cruciais que não estão relacionadas com o voo. Ao ventilar o ninho, as abelhas agarradas à superfície do favo ou à entrada do ninho abanam as suas asas para direccionar o fluxo de ar através do ninho ou expulsá-lo do ninho. Um comportamento semelhante de abanar as asas é usado para dispersar feromonas voláteis da glândula Nasonov.“
Visualização do fluxo de ar impulsionado para a retaguarda, marcado com uma cruz vermelha. Movimento desacelerado aproximadamente 400 vezes.
Nesta publicação deixei a pergunta: “o comportamento de ventilação das abelhas expulsa o ar quente e saturado de CO2 do interior da colmeia, como se o aspirasse para o exterior ou, ao contrário, força a entrada de ar fresco e oxigenado do exterior para o interior da colmeia?”
A questão surgiu-me da leitura do artigo Collective ventilation in honeybee nests, de 2019, Jacob M. Peters e colegas. Os investigadores tiram duas conclusões dos dados que recolheram da ventilação auto-organizada em colónias de abelhas melíferas europeias:
“Existem dois componentes comportamentais que são críticos para a ventilação auto-organizada.
“Primeiro, com o batimento de asas à entrada da colmeia as abelhas devem (e fazem) a extracção do ar para fora da entrada do ninho, e não para dentro. Isso permite-lhes sentir a temperatura do ninho a montante. Se as abelhas introduzissem o ar pela entrada do ninho, não teriam nenhuma informação sobre o estado da colmeia. ” Por palavras minhas, as abelhas ventiladadoras aspiram/expulsam activamente o ar do interior da colmeia e despejam-no no exterior. Ao fazerem assim recolhem informação da temperatura deste ar [humidade e CO2 também, digo eu] e o ar do exterior entra passivamente para ocupar o espaço do ar extraído. Esta utilização da mecânica dos fluídos pelas abelhas é de uma elegância e inteligência inquestionável, na minha opinião.
“Em segundo lugar, a função que determina a probabilidade de uma abelha ventilar a uma determinada temperatura provavelmente foi ajustada por meio da seleção natural. […] De fato, sabe-se que colónias com alta diversidade genética têm mais variação nos limiares individuais de temperatura para ventilação e são capazes de atingir uma temperatura de colmeia mais estável ao longo do tempo. Nossa teoria sugere que essa diversidade também é crítica para a estabilidade da padronização espacial do comportamento de ventilação, necessária para uma ventilação eficiente.” Mais um aspecto que associa a diversidade genética da colónia, isto é a presença de diversas sub-famílias, ao bem-estar e sanidade das colónias. Vamos a ver o que o nosso afã para selecionar, afunilando a diversidade genética, nos está a trazer e nos trará no futuro. Por exemplo nos EUA, vários especialistas e apicultores já se questionam se a selecção para abelhas menos propolizadoras não será uma das causas para os problemas sanitários e mortalidade de suas abelhas.
Deixo outra questão: em que medida o apicultor ao promover a ventilação superior, com a abertura por exemplo do óculo da prancheta e promovendo o efeito chaminé, não está a perturbar estes comportamentos de auto-organização? Se sim, que significado e impacto tem essa perturbação?
Rachael Kaspar, no artigo Experienced individuals influence the thermoregulatory fanning behaviour in honey bee colonies, 2018, mostra que as abelhas mais velhas influenciam as abelhas mais jovens e inexperientes a ventilar a sua colónia para a arrefecer nos dias mais quentes. O seu estudo testou a hipótese de que uma abelha individual/ou pequeno grupo de abelhas pode influenciar outros membros do grupo a realizar um comportamento termorregulador de batimento de asas à entrada da colmeia na abelha ocidental, Apis mellifera L.
Kaspar mostrou-nos que as abelhas amas são influenciadas ao ver as abelhas operárias mais velhas e experientes na tarefa de batimento de asas e ocupação de locais precisos para promover um maior fluxo de saída e de entrada de ar na colmeia.
“As operárias mais velhas influenciam definitivamente as abelhas ama mais jovens”, disse Kaspar. “Eu estava interessada em analisar como grupos de diferentes idades interagiam socialmente, quais são as variações entre grupos de diferentes idades e como eles interagem para alcançar uma resposta adequada aos stressores ambientais”.
“Nós pensávamos que as abelhas como insetos não teriam a capacidade de aprender, memorizar ou ter estas influências sociais. Mas, na verdade, elas fazem-no. As abelhas são um ótimo modelo para estudar outras sociedades, como a nossa.”
Kaspar teve a ideia de um influenciador ou iniciador do comportamento da colmeia quando observou o comportamento humano no campus. Um grupo de pessoas esperava que o sinal mudasse para poderem atravessar. Muito impaciente por ter de esperar, uma pessoa atravessou a rua. Um ou dois segundos depois, os outros pedestres também atravessaram, influenciados pelo comportamento da primeira pessoa a atravessar.”
Notas: 1) também o comportamento defensivo parece ter uma componente de aprendizagem/imitação social. Abelhas menos defensivas transferidas para colónias mais defensivas tornam-se mais defensivas.
2) o comportamento de ventilação das abelhas expulsa o ar quente e saturado de CO2 do interior da colmeia, como se o aspirasse para o exterior ou, ao contrário, força a entrada de ar fresco e oxigenado do exterior para o interior da colmeia?
3) sobre a ventilação superior e seu maneio há muitos apicultores norte-americanos, entre outros, a baterem o pé que ela é benéfica no seu território.
A ventilação das colónias e o seu maneio é um clássico nas conversas entre apicultores. Quando se fala de ventilação há que discriminar entre (i) a ventilação inferior, ao nível do estrado — sólido ou em rede? — e do alvado — com ou sem grelha de entrada?; (ii) a ventilação superior — óculo da prancheta, fechado ou aberto?
Vou apresentar as minhas opções relativamente à ventilação superior, que não são nem melhores nem piores que outras, são as que me pareceram favorecer mais os meus enxames no seu território. Lembro que é um território no distrito da Guarda, de temperaturas bastante baixas no inverno e altas no verão. As amplitudes térmicas diárias são elevadas no final do inverno, primavera e outono. É um clima de ar seco, aspecto a que dou particular importância, porque não tão atreito ao desenvolvimento de bolores e micoses no ninho. Lembro ainda que tinha as colmeias em assentos a cerca de 30 cm do solo, aspecto que também potencia a ventilação.
Tendo em conta estas particularidades, as minhas colónias no final da primavera (desde que as temperaturas diurnas atingiam os 25-27ºC e as noturnas se estabilizavam acima dos 13-15ºC) passavam a ter o óculo aberto em apenas cerca de 1/3 do seu diâmetro. Esta opção permitia às abelhas escolherem a sua ventilação superior. Quem melhor do que elas para decidir?
… e algumas colónias aparentemente desejam esta ventilação superior porque não fechavam com própolis este espaço aberto…
… enquanto outras aparentemente não desejam esta ventilação superior porque fecham com própolis o espaço aberto.
No outono/inverno e parte da primavera, com temperaturas nocturnas estabilizadas abaixo do 10-12ºC e diurnas abaixo dos 23-25ºC, fechava o óculo da prancheta. Com esta opção procurava evitar o efeito chaminé, a saída rápida pelo orifício da prancheta do ar quente e húmido proveniente do ninho. Como sabemos a criação de larvas beneficia muito por dispor de um nível relativamente alto e estável de humidade no ninho. Caso deixasse o óculo aberto, o ar seco do território entraria mais intensamente no ninho, podendo desidratar demasiado o ambiente interno do ninho e criar dificuldades suplementares às abelhas no cuidado às larvas.
Óculo fechado para estabilizar o mais possível a temperatura, mas sobretudo a humidade relativa no ninho. A humidade relativa no ninho de uma colónia forte e saudável situa-se entre os 50% e 60%. Com níveis inferiores a 50% de humidade relativa os ovos não eclodem. Com o óculo aberto o efeito de chaminé no ninho intensifica-se, podendo desidratá-lo em demasia.
A sensibilidade para a necessidade de uma mão ecológica para com os polinizadores vem crescendo. O projecto Stripes, referido nesta publicação de 2019, é a materialização desta sensibilidade. Outros projectos com objectivos semelhantes têm aparecido, nomeadamente o Apiluz em França, que é objecto desta publicação.
“Em 2021, foram preservados 1.700 km de faixas de alfafa (luzerna)* não cortadas no projeto Apiluz, lançado pela associação Symbiose. O objetivo: aliviar a escassez de alimentos dos polinizadores em junho e julho. Isto representa 560 ha não cultivados nos oito departamentos envolvidos (Aisne, Ardennes, Marne, Seine-et-Marne, Aube, Haute-Marne, Yonne e Val-de-Marne).
No leste da França, a associação Symbiose está a trabalhar para financiar o projeto Apiluz para os próximos anos. Em 2021, conseguiu instalar 1.700 km de faixas de alfafa não cortadas para polinizadores
Lançado entre 2014 e 2016, o Apiluz consistiu inicialmente no lançamento de protocolos experimentais. Estes permitiram determinar as características técnicas do projeto (largura da faixa, localização na parcela para limitar a sujidade, etc.) e verificar a sua eficácia.
Ajuda financeira “Sem o dinheiro vivo dos parceiros, incluindo o Lidl, não teríamos conseguido o que fizemos”, disse Philippe Lecompte, apicultor e presidente da Réseau Biodiversité pour les Abeilles (RBA) (ver aqui entrevista).
A Apiluz teve, de facto, vários financiadores para a sua implantação: Lidl (€ 114.000 dos € 350.000 do projeto), as fundações Avril e Crédit Agricole Nord Est, a Câmara de Agricultura do Marne, Cérèsia, a região do Grand Est e as cooperativas de alfafa (Luzeal , Sundeshy, Capdéa, Prodeva, Cristal Union, Tereos).
Estes apoios permitiram compensar as perdas associadas à manutenção destas faixas aos agricultores (–2 t/ha) e pelas plantas desidratadas (qualidade impactada pela queda do teor de proteína da alfafa em floração).
Trabalho no período pós-2021 “Estamos demonstrando a possibilidade de uma política de interesses convergentes, com uma abordagem económica da biodiversidade”, disse Philippe Lecompte. Mas também buscamos financiamento de longo prazo. Desenvolvimentos em benefício da biodiversidade têm um custo e a pergunta é: quem paga? Os nossos impostos através da política agrícola comum, os nossos agricultores dos seus próprios rendimentos? Através de sinais de qualidade, responsabilidade social empresarial? Presumivelmente, vamos mover-nos em direção a uma mistura de todos. Trabalharemos nesse sentido no período pós-2021. »
Projeto multiparceiro Hervé Lapie, presidente da Symbiose e presidente da FDSEA de la Marne, destacou a força da rede de múltiplos parceiros para realizar tais projetos por meio de consultas. Criada em 2012, a Symbiose reúne vários atores do leste da França: agricultores, apicultores, caçadores, naturalistas, administração…
A Symbiose procura que o interesse deste projeto pela biodiversidade seja reconhecido à escala nacional. Hervé Lapie, no entanto, lamentou a ausência de representantes dos Ministérios da Agricultura e da Transição Ecológica durante a apresentação em 2 de julho de 2021.”
*Medicago sativa, conhecida pelos nomes comuns de luzerna e alfafa, é uma leguminosa perene, pertencente à família Fabaceae e subfamília Faboideae, amplamente utilizada como alimento para ruminantes em regiões de clima temperado e seco. O nome alfafa significa em árabe “O melhor alimento”.
Os vírus são das principais causas de mortalidade em espécies sociais (ver o caso da recente pandemia COVID-19). Também as colónias de abelhas são afectadas por vírus, e entre outros destaca-se o Vírus das Asas Deformadas (VAD), que pela sua virulência e ubiquidade está fortemente associado ao colapso de muitos enxames de abelhas melíferas europeias. Como sabemos, um dos mais importantes vectores do VAD entre as abelhas são os ácaros varroa.
as asas das abelhas afetadas pelo VAD encolhem e deformam-se, as abelhas ficam impedidas de voar e com a vida substancialmente encurtada;
noutros casos os vírus atacam o sistema nervoso das abelhas, a tal ponto que acabam por perder o sentido de orientação. Resultado, elas não conseguem encontrar o caminho de regresso à sua colmeia.
Uma nova estirpe de vírus mais virulenta ocupa o lugar da anterior estirpe
Como sabemos da nossa recente experiência pandémica, os vírus sofrem mutações frequentes, das quais emergem novas estirpes mais ou menos virulentas, algumas das quais tendem a tornar-se prevalentes na população dos hospedeiros. Ora foi o que aconteceu recentemente com o VAD: sofreu uma mutação, mutação essa que está a tomar o lugar da estirpe anterior (VAD-A), a tornar-se prevalente nas colónias de abelhas pela Europa fora. Infelizmente esta nova estirpe (VAD-B) é mais virulenta: transmite-se mais facilmente e mata mais rapidamente os seus hospedeiros (em regra em 48h). Com esta nova estirpe as colónias de abelhas estão em maior risco do que estavam num passado recente.
Como referido no artigo Virus des ailes déformées (DWV-B) : le variant mortel qui menace les abeilles dans le monde entier, publicado em 2022: “Em entrevista à Bee Culture (revista americana de apicultura), os autores do estudo* apontam que a nova variante (DWV [VAD]-B) mata as abelhas mais rapidamente e é transmitida com mais facilidade que o DWV [VAD]-A. Eles identificam claramente o DWV [VAD] como a maior ameaça às colónias de abelhas“.
* Paxton, Robert J., et al. “Epidemiology of a major honey bee pathogen, deformed wing virus: potential worldwide replacement of genotype A by genotype B.” International Journal for Parasitology: Parasites and Wildlife 18 (2022): 157-171.
Na ausência de tratamento para este e outros vírus que fragilizam e reduzem de forma significativa a longevidade e funcionalidade das abelhas fazendo perigar a sobrevivência das colónias, a solução para reduzir o impacto desta ameaça passa por baixar a presença dos seus vectores, neste caso o ácaro varroa. Para tal o apicultor deve fazer os tratamentos atempadamente, com eficiência e eficácia, para salvaguardar o estado sanitário das abelhas, em particular as de inverno que começam a ser criadas no final de agosto/princípio de setembro em muitas das nossas colónias.
Deixo em baixo a tradução de uma entrevista a Philippe Lecompte, apicultor profissional no Marne e presidente da Réseau biodiversité pour les abeilles (RBA), publicada no início deste ano. Sobre os vírus e a varroa tenho escrito muito, sobre os neonics pouco ou nada. Esta opção é reveladora do meu pensamento e do alinhamento do pensamento de Philippe Lecompte com o meu. Está na hora de dar um passo em frente e ultrapassar o debate conflituoso e mal orientado entre a agricultura e a apicultura.
“A mortalidade das abelhas nunca foi tão alta como no inverno passado, diz Philippe Lecompte, apicultor profissional no Marne e presidente da Réseau biodiversité pour les abeilles (RBA). Ao contrário da crença popular, os produtos fitossanitários e, em particular, os neonicotinóides (NNI), não são responsáveis por esta mortalidade sem paralelo. O desenvolvimento de populações de vírus é a principal causa. »
60 vírus letais estão permanentemente presentes numa colmeia. A partir de certo limiar, as defesas imunológicas das abelhas não são suficientes para os enfrentar. Elas desenvolvem patologias e enfraquecem até morrer. Philippe Lecompte não entende. “Há mais de 10 anos que os cientistas alertam sobre o desenvolvimento de populações virais e as consequências devastadoras associadas, mas ninguém quer ouvir isso.”
O apicultor acredita que o conhecimento científico enfrenta dificuldades para ser divulgado aos apicultores. Apenas 12% deles acham que os vírus representam um problema para as colmeias, segundo a ANSES. “Infelizmente é muito pouco, lamenta Philippe Lecompte. Estamos em negação. Precisamos mudar nosso raciocínio e ter outra visão da apicultura e suas questões.”
Desde a década de 1980, vários parasitas exóticos colonizaram a França, incluindo o ácaro varroa. Eles representam verdadeiras portas abertas para os vírus. Em território francês, as abelhas não evoluíram com esses parasitas, o que explica as suas dificuldades para se proteger contra eles. “Um vírus multiplica-se intensamente, o que inegavelmente leva a erros de multiplicação genética e ao desenvolvimento de novas estirpes”, explica o apicultor. Transmissor direto e indireto, o varroa recombina vírus e amplifica sua patogenicidade. Isso cria uma competição entre os vírus e os hospedeiros que os combatem.
“Estamos a assistir a um verdadeiro problema viral que merece ser explicado aos apicultores e por eles combatido”, adverte Philippe Lecompte. Ele fica aborrecido ao observar que, nos últimos dois anos, muitas publicações se concentraram no vírus das asas deformadas (vírus DWV), transmitidos pelo ácaro varroa, são esquecidas. Em níveis baixos, este vírus causa grandes distúrbios na orientação espacial e no sistema nervoso das abelhas*. “Ainda temos pouco conhecimento e, no entanto, o alerta sobre esta questão da virologia existe desde a década de 1980 e foi ampliado desde os anos 2000! Hoje, cerca de 30% do orçamento para pesquisa em apicultura é dedicado ao combate à varroa. Mas nada está planeado para estudar as consequências dos vírus e seus efeitos devastadores na saúde das abelhas”.
Os restantes 70% do orçamento destinam-se a financiar estudos sobre o impacto dos produtos fitossanitários na mortalidade das abelhas. “Esta pesquisa é altamente divulgada. Assim, podemos compreender facilmente porque os produtos fitossanitários (NNI, SDHI e até o glifosato) provocam tanto descontentamento entre os apicultores, protesta Philippe Lecompte. Os produtos fitossanitários são o bode expiatório da apicultura quando não há comprovação científica de que sejam os responsáveis pela massiva e recorrente mortalidade das abelhas. É certo que os laboratórios conseguem medir uma ínfima concentração de produtos fitossanitários nas colmeias. Mas e quanto ao seu efeito na saúde da colmeia?
Para o apicultor profissional, a implantação de técnicas como a espectrometria de massa permitiria determinar a presença e o impacto de ataques virais e outros stressores, a fim de antecipar problemas relacionados com a saúde da colméia. “Precisamos investir nessa nova tecnologia extremamente promissora”, explica o apicultor. Esta é uma das condições para sair dos debates conflituosos entre agricultura e apicultura.”