alive and kicking

Num período de interregno da minha actividade apícola no campo, o bichinho permanece, e uma parte do meu tempo é ocupado a pesquisar, ler, reflectir, sonhar sobre abelhas. Como mestre em Ciências da Educação, é natural que me interesse muito a faceta pedagógica/andragógica, interesse que consigo expressar em boa medida com este blog. Sem o apoio de minha mulher e de meu filho tudo seria muito mais difícil. Um beijo para Vós!

Agradeço a todos os que acompanham as publicações que vou fazendo, são uma grande motivação para continuar. Nos últimos dois meses a maior parte das 20 mil visitas são expectavelmente leitores de Portugal… mas não só. Fica em baixo o escalonamento por país de origem das visitas ao abelhas à beira. Muita saúde para todos e muita saúde para as vossas abelhas onde quer que estejam.

o programa apícola francês: apoios à transumância para 2023

Os apoios à transumância são críticos para a sustentabilidade do sector, porque cada vez mais o apicultor tem de “andar atrás” de fluxos. Se os fluxos da primavera não dão (como não deram este ano) transuma-se as colónias para zonas onde os fluxos de verão poderão dar alguma coisa. Se nem uns nem outros dão, transuma-se para a polinização de pomares,… e outras combinações possíveis. Para fazer a transumância de colónias são muito úteis alguns equipamentos dedicados, geralmente dispendiosos, indispensáveis para fazer um trabalho com melhores condições de higiene e segurança e com mais eficiência e eficácia. Estes apoios à sua aquisição fazem uma grande diferença no momento da decisão para avançar.

Nesta publicação apresento a actualização para 2023 dos apoios ao dispor dos apicultores franceses para modernizarem as suas operações de transumância. Em baixo deixo a tradução (para aceder ao documento original clique na imagem em baixo).


“Este dispositivo visa ajudar a financiar equipamentos para modernizar os apiários e reduzir a dureza do trabalho durante as operações de transumância.

O auxílio é de no máximo 40% do montante sem impostos do investimento elegível.

A ajuda financeira é co-financiada: 50% com créditos europeus (FEAGA) e 50% com créditos nacionais.

Investimentos elegíveis

  • Gruas
  • Empilhadores todo o terreno de 4 rodas
  • Carrinhos com motor elétrico
  • Empilhadores elétricos
  • Reboques
  • Plataformas elevatórias
  • Bandeja de carga para veículos
  • Paletes
  • Roçadeira com autopropulsão
  • Roçadeira de mochila
  • Melhoramento/adaptação dos locais de transumância
  • Balanças eletrónicas com informação remota

Valor mínimo de ajuda: € 700 por pedido (representa um valor mínimo de investimentos elegíveis de € 1.750)
Montante máximo da ajuda: a ajuda é limitada anualmente por exploração aos seguintes montantes:

Até 150 colónias declaradas: 7.000€ de ajuda correspondente a um montante total de investimentos elegíveis de 17.500€ excluindo impostos;

Mais de 150 colónias declaradas: 15.000€ de ajuda correspondente a um montante total de investimentos elegíveis de 37.500€ excluindo impostos.

Nota: nesta publicação indiquei os equipamentos e valores máximos elegíveis para o ano de 2021.

Notas: 1) O FEAGA também abrange Portugal. 2) Estive a ler e reler as condições/regulamento dos actuais apoios aos apicultores transumantes portugueses e não entendi as normas/artigos* (ver aqui, na pag. 301-302, secção IV). Se alguém quiser explicar pode utilizar a caixa de comentários para o fazer. Desde já o meu bem-haja!

  • não deixa de ter alguma ironia não ter compreendido, num documento escrito na minha língua materna, que apoios em concreto tem o apicultor português, e facilmente ter entendido os apoios que tem um apicultor francês, e escritos numa língua que não é minha.

o translarve em colónias de que gostamos é uma roleta russa?

Como sabemos, a poliandria, a panmixia e o sistema haplodiploide conduzem a uma elevada diversidade genética dentro do enxame. O enxame é a soma de diversas sub-famílias de abelhas de diferentes linhas paternas mais ou menos aproximadas do ponto de vista genético. Esta diversidade traduz-se em ganhos de adaptabilidade e performance dos enxames face aos desafios ambientais. Contudo, esta diversidade introduz dificuldades na selecção de traços/comportamentos desejáveis quando os critérios de escolha de que dispomos estão limitados à observação do comportamento da colónia como um todo, isto é, quando a selecção é feita ao nível da colónia. Quando seleccionamos esta ou aquela colónia porque gostamos do seu comportamento X ou Y, quer para nos dar larvas para o translarve, quer para nos dar zângãos para saturar uma zona de congregação, partimos do pressuposto de que esse comportamento que desejamos selecionar está igualmente presente na herança genética de todos os indivíduos daquela colónia. Temos fé que qualquer zângão ou qualquer larva escolhida para futura rainha transporta consigo, na sua bagagem genética, esse comportamento em potência. Ora não é assim tão simples nem tão linear. Sabemos hoje que a proximidade genética entre indivíduos da mesma colónia pode ser muito baixa. Por exemplo, entre duas ou mais larvas escolhidas para translarve de uma colónia seleccionada a proximidade genética ronda os 0,15, isto para uma rainha que acasalou com 12 zângãos (a escala utilizada vai de 0 a 1, em que zero é nenhuma proximidade genética e 1 é proximidade genética total). A proximidade genética das obreiras com os zângãos filhos de uma mesma rainha é de 0,25. Fica claro porque razão selecionar ao nível da colónia pode provocar resultados tão diferentes nas colónias filhas, umas com o comportamento que desejamos e outras com pouco ou nada desse comportamento almejado.

Estes dados estão incluídos num estudo a que acedi e como o achei muito interessante e pedagógico decidi traduzir um pequeno excerto.

Colónias com níveis mais altos de diversidade genética entre as operárias, resultado de maior número de acasalamentos, são melhor sucedidas na regulação da temperatura (Jones et al., 2004), são mais resistentes a doenças (Palmer e Oldroyd, 2003; Seeley e Tarpy, 2007) e mostram melhor eficiência de forrageamento (Mattila et al., 2008), armazenamento de alimentos e crescimento da colónia (Oldroyd et al., 1992b; Mattila e Seeley, 2007).

Acredita-se que o aumento do desempenho seja resultado de diferenças geneticamente influenciadas na propensão das operárias para realizar tarefas específicas (revisto em Beshers e Fewell, 2001; Myerscough e Oldroyd, 2004; Oldroyd e Fewell, 2007). A variação nas propensões das operárias para realizar uma tarefa significa que, para um certo nível de estímulo para realizar uma tarefa, apenas um subconjunto particular de operárias se envolverá nessa tarefa. Esta modulação do número de operárias que executam um determinado comportamento particular permite uma alocação mais eficiente de operárias às tarefas (Myerscough e Oldroyd, 2004; Graham et al., 2006). Operárias com limiar suficientemente baixo para uma tarefa podem até se tornar especialistas, a ponto de retardar sua maturação e progressão para outras tarefas da colónia (Arathi et al., 2000; Beshers e Fewell, 2001).

Algumas tarefas, como comportamento higiénico e defesa da colónia, são frequentemente realizadas por operárias de um pequeno subconjunto do número total de linhas paternas das operárias (Arathi et al., 2000; Hunt et al., 2003). Assim, quando as rainhas são escolhidas com base no fenótipo da colónia [isto é, com base no comportamento observável da colónia], elas podem não ser das linhas paternas que contribuem para a característica desejada. Populações reprodutoras pequenas, portanto, correm o risco de perder alelos desejáveis mais raros antes que eles se fixem/predominem na população. Como a seleção continuada numa população fechada aumenta a homogeneidade genética, o desempenho da colónia decorrente da diversidade genética de linhas paternas diminuirá, reduzindo os ganhos obtidos pela seleção.”

O eixo x (horizontal) indica o número de zângãos acasalados com a rainha. A linha tracejada indica o parentesco genético entre uma operária e os zângãos nascidos da postura de uma mesma rainha [0,25]. A linha sólida indica parentesco médio entre uma operária e todos as operárias nascidas da postura de uma mesma rainha [para uma rainha que acasalou com 12 zângãos, a proximidade genética entre operárias é de 0,15 numa escala de 0 a 1, em que zero é proximidade nenhuma e 1 é proximidade total] (Ratnieks, 1988).

fonte: https://www.sciencedirect.com/topics/agricultural-and-biological-sciences/queen-rearing

As abelhas melíferas são dos animais domésticos sujeitos a selecção para o incremento de determinadas características, uma das espécies mais complicadas. Contudo e talvez pela complexidade inerente à sua melhoria (do ponto de vista pecuário) o desconhecimento dos obstáculos é grande na comunidade apícola. E esse desconhecimento é terreno fértil para o “comércio” de muitas ilusões. Randy Oliver referia recentemente que após 8 anos de um intenso e rigoroso trabalho de selecção do comportamento de resistência à varroa, selecção que está a fazer ao nível da colónia, tinha apenas 15% das suas colónias resistentes. Tendo partido de uma população com menos de 1% de colónias resistentes, como afirma, a evolução não deixa de ser notável. Contudo não podemos deixar de pensar que o caminho é demorado, que requer muita resiliência e meios financeiros e que está ao alcance de muito poucos fazê-lo.

Haverá um caminho menos demorado? Sim há; a selecção ao nível do indivíduo. A selecção por inseminação instrumental com o sémen de um único zângão é uma delas (ver Harbo, J., The value of single-drone insemination in selective breeding of honey bees). Mas há outras opções mais recentes e que dão provavelmente mais garantias. Não é por acaso que Kaspar Bienefeld, um dos mais notáveis especialistas europeus em genética das abelhas, está a utilizar ovos não fertilizados de obreiras higiénicas e não ovos/larvas de rainhas de colónias higiénicas para acelerar e garantir ganhos mais rápidos na selecção de abelhas resistentes (ver aqui). Contudo esta estratégia, apesar de mais rápida, também tem obstáculos na complexidade dos meios e conhecimentos que envolve.

Chegado aqui interrogo-me: os procedimentos de selecção ao nível da colónia vão ser descontinuados para passarem a ser feitos ao nível do indivíduo? Não quero fazer nenhuma afirmação peremptória sobre um futuro que desconheço, e não quero deixar a ideia de que um procedimento exclui o outro, até porque hoje os sinais que temos são do uso complementar dos dois níveis de selecção, através da selecção sustentada no pedigree (ao nível da colónia) e através da selecção com recurso aos marcadores genéticos (ao nível do indivíduos, ver aqui).

A realidade hoje é que seleccionamos ao nível da colónia pela sua praticabilidade, ainda que os ganhos sejam lentos e sujeitos a avanços e retrocessos. Simultaneamente, alguns de nós, aqueles com recurso a ferramentas e conhecimentos sofisticados, seleccionam ao nível do indivíduo, e assim obtém ganhos mais rápidos e lineares.

Notas: 1) no caso específico do comportamento de resistência à varroa, um dos mais desejados e procurados na comunidade apícola, fiz esta publicação sobre os avanços, retrocessos e pedras que têm surgido no caminho dos últimos 40 anos. 2) admito que o título mais adequado seria este: “da estratégia de selecção ao nível da colónia e da estratégia de selecção ao nível do indivíduo”.

Resposta à questão do título: o sémen dos diversos zângãos com que a rainha acasalou é misturado na espermateca. Por esta razão as larvas escolhidas para translarve, aquelas ali no mesmo quadro e ao lado umas das outras, podem provir de diferentes linhas paternas, umas com os pais “certos” outras com os pais “errados” para aquele comportamento em particular que visamos ter nas futuras colónias. Enquanto essa característica não predominar na população de onde provém as rainhas e os zângãos progenitores, enquanto essa característica for rara, pouco frequente na população, são necessários anos e anos de trabalho de selecção ao nível da colónia. Até este trabalho estar realizado, seleccionar larvas de colónias que gostamos tem algo de semelhante a uma roleta russa, umas dão e outras não. É da natureza das coisas.

resíduos no mel: o caso do amitraz

Genericamente, sobre a problemática dos resíduos de amitraz no mel há uma enorme ignorância na comunidade apícola. Entre outros aspectos desconhece-se que: (i) os resíduos de amitraz no mel não são estáveis, que o amitraz se degrada nos seus metabolitos (DMF e DMPF); (ii) o Limite Máximo de Resíduos (LMR ou MRL) relativo ao amitraz e seus metabolitos é de 200 nanogramas por grama de mel; (iii) o LMR nos alimentos é calculado com uma enorme margem de segurança, 100 vezes abaixo das concentrações que provocam os primeiros danos observáveis.

Dito isto, no quadro em baixo são apresentados os valores das concentrações de vários resíduos encontrados em diversas amostras de mel grego recolhidas entre 2015-2020. Como seria expectável não foi detectado amitraz nas amostras, apenas os seus metabolitos, o DMF e o DMPF, com concentrações entre os 4,9-11,2 ng/g e 6,9 ng/g, respectivamente.

Concluindo, a concentração dos metabolitos de amitraz nestas amostras está muitíssimo abaixo do LMR definido pela European Food Safety Authority (EFSA)* . Este padrão de baixos valores é replicado por vários outros estudos realizados noutros países, incluindo Portugal. Tranquilamente, vamos colher o nosso mel e tratar as nossas colónias!

fonte: Pesticide Residues and Metabolites in Greek Honey and Pollen: Bees and Human Health Risk Assessment, 2023
  • ver: https://efsa.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.2903/j.efsa.2016.4570

a melada de azinheira: um caso específico

Até há quatro anos atrás, 3 dos meus 12 apiários estavam situados numa pequena freguesia do distrito da Guarda, num território com condições edafo-climáticas muito particulares, povoado por alguns sobreiros, muitas azinheiras, e onde não se viam castanheiros — a 10 Km da Guarda! Estes três apiários albergavam em média 130 colmeias. Anos houve de terem produzido cerca de 1200 kgs de mel de melada de azinheira. Esta melada começava a ver-se nas meias-alças no início de julho e terminava no início de agosto. Todos os anos colhia mel desta melada, mas os melhores anos estiveram associados a uma primavera sem ondas de calor e um mês de julho quente e com madrugadas enevoadas.

Quercus ilex rotundifolia (azinheira)

A propósito da coleta pelas abelhas da melada das azinheiras esta tem duas origens, de acordo com os especialistas: 1) as secreções da planta, em particular durante processo de formação das bolotas; 2) as excreções dos afídeos.

Bolotas de Quercus ilex mostrando secreções de melada. a. Bolota seca (esquerda) e bolota em desenvolvimento secretando melada, que surge entre a cúpula e a bolota. b. Desenvolvimento de melada na bolota. c. Bolota seca secretando melada. d. Cúpula com melada após a queda da bolota. Fotografias: P. López (a) e A. Gómez Pajuelo (b–d). Fonte: The profile of phenolic compounds by HPLC-MS in Spanish oak (Quercus) honeydew honey and their relationships with color and antioxidant activity, (2023).

Abelha libando a melada excretada pelos afídeos nas folhas de uma árvore .

avaliar a prevalência no mercado de mel adulterado com açúcares na UE

Nesta publicação não levantei suspeitas acerca da qualidade analítica do mel de linha branca identificado na foto. Como poderia? Não fiz análises fisico-químicas ao mesmo, portanto sobre este aspecto calei-me como devia. Falei do que devia: para os apicultores europeus, entre os quais os portugueses, é insustentável concorrer com o mel comprado a 1,50€ aos apicultores mexicanos e argentinos. Disse mais, os apicultores mexicanos e argentinos também sofrem com esta cotação nos mercados grossistas internacionais porque são valores que não lhes permitem pagar os seus custos de produção. Sumariamente, os mercados grossistas internacionais estão a asfixiar o sector apícola um pouco por todo o lado, sector que já se debate com outras dificuldades de monta e dispensava bem esta “ajuda” de parceiros de negócio.

Dito isto, digo que o mercado grossista de mel não tem uma boa imagem e por razões válidas. Pode pôr a melhor fragância mas é um sector que cheira mal. Evidências de adulteração de mel importado são muitas. Entre outras, uma acção recente de fiscalização levada a cabo por entidades da UE, bem coordenada e com os meios necessários, conclui uma vez mais que este sector ligado à importação-exportação de mel está parcialmente apodrecido, chegando ao ponto do sector contratar os serviços de laboratórios credenciados para saber como adulterar o mel de forma a que passe nas análises físico-químicas convencionais. Suspeito que não são os apicultores mexicanos, argentinos, ou outros, a adulterar o mel da sua produção. Os grossistas depressa o detectariam, porque estas adulterações ao nível do apicultor são grosseiras e facilmente “apanhadas” nas análises feitas ou pedidas pelos grossistas antes da compra dos bidões de mel. Suspeito que é ao nível de alguns dos grossistas que se fazem adulterações e de forma sofisticada. Por exemplo, como fazer para alcançar o melhor racio 13C/12C de sacarídeos, ou que percentagem de açucares C4 ou C3 adicionar ao mel por forma a passar nas análises que são feitas mais rotineiramente. E passam!

Vejamos o que diz o relatório recente da UE a propósito das acções inspectivas que conduziu junto de importadores de mel com origem no espaço extra-comunitário.


Em 2021, a Comissão Europeia organizou a ação coordenada da UE denominada “From the Hives” para avaliar a prevalência no mercado de mel adulterado com açúcares.

A ação coordenada incluiu três etapas:

  1. Recolha de amostras de mel nas fronteiras da UE e sua análise pelo Centro Comum de Investigação da Comissão (JRC), em Geel – Bélgica.
  2. Recolha pelos Estados-Membros e pela equipa de Fraude Alimentar da DG SANTE do local de destino das remessas controladas e informações sobre operadores suspeitos (operações anteriores de importação registadas no sistema TRACES, incumprimentos e suspeitas de fraude alimentar já registadas no Alerta e Rede de Cooperação).
  3. Investigações pelos Estados Membros e autoridades dos Estados da EFTA com apoio investigativo do Organismo Europeu Antifraude (OLAF)EN••• no local de importação, processamento, mistura e embalagem na UE.
A linha de tempo das acções levadas a cabo neste âmbito

Conclusões da ação da UE
A ação coordenada confirmou a suposição inicial de que uma parte significativa do mel importado para a UE é suspeita de não cumprir as disposições da “Diretiva do Mel” (46% com base em 320 amostras).

Esta taxa foi consideravelmente superior à obtida em 2015-17 (14%). O maior número absoluto de remessas suspeitas veio da China (74%), embora o mel originário da Turquia tenha a maior proporção relativa de amostras suspeitas (93%). O mel importado do Reino Unido teve uma taxa de suspeita ainda maior (100%), provavelmente o resultado do mel produzido em outros países e misturado no Reino Unido antes de sua reexportação para a UE.

Mais de metade (57%) dos operadores tinham exportado remessas de mel suspeitas de estarem adulteradas com açúcares estranhos e mais de 60% (66), dos operadores importaram pelo menos uma remessa suspeita.

Até à data, 44 operadores da UE foram investigados e sete foram sancionados. As investigações forenses realizadas pelos Estados-Membros e pelo OLAF com base em inspeções no local, amostragem e exame minucioso de computadores e registos telefónicos demonstraram cumplicidade entre exportadores e importadores e as seguintes práticas ilícitas:

  • utilização de xaropes de açúcar para adulterar o mel e baixar o seu preço, tanto em países terceiros como no território da UE;
  • análise em laboratórios credenciados para adaptar as misturas de mel/açúcar para evitar a possível detecção por clientes e autoridades oficiais antes das operações de importação;
  • uso de aditivos e corantes para adulterar a verdadeira fonte botânica do mel;
  • mascaramento da verdadeira origem geográfica do mel, falsificando informações de rastreabilidade e removendo pólens.
  • Com base no exposto, há uma forte suspeita de que grande parte do mel importado de países não pertencentes à UE e considerado suspeito pelo CCI de ser adulterado permanece presente e não detectado no mercado da UE.

fonte: https://food.ec.europa.eu/safety/eu-agri-food-fraud-network/eu-coordinated-actions/honey-2021-2022_en

apicultores da Europa Ocidental temem pelo futuro

Excelente artigo! Por esta razão deixo a tradução (os sublinhados/negrito são meus). Foi publicado em 2022.

“Em frente à loja de mel Api Douceur em Giromagny, em França, está um recipiente de vidro incomum ao lado do caminho que leva às colmeias. Trata-se de uma vending machine, instalada pelos donos do apiário em 2019. “Como éramos apenas dois, inicialmente não conseguíamos abrir a loja em horários regulares, então tivemos a ideia de uma vending machine, para permitir que os transeuntes, ou mesmo os caminhantes de domingo, comprem seu pote de mel”, diz Flavien Durant, 31 anos, que administra a empresa ao lado de Patrick Giraud desde 2017. A máquina de venda automática ajuda a expandir sua base de clientes e tentar lucrar com um comércio cada vez mais precário.

Embora Flavien e Patrick produzam em média oito toneladas de mel por ano, em 2021 o número caiu para 300 quilos. A maioria das 400 colmeias que tinham no final do inverno não produziram mel. A maioria dos apicultores teve o mesmo destino. A colheita de mel da França em 2021 foi de cerca de 7.000 a 9.000 toneladas, de acordo com a União Nacional de Apicultura da França (UNAF). Em 2020, foram cerca de 19.000 toneladas.

Condições climáticas adversas foram as responsáveis por uma colheita tão ruim. O inverno foi particularmente ameno, mas foi seguido por períodos de geada, frio e chuva durante a primavera e no verão. Junho chegou e Flavien ainda não tinha colhido um quilo de mel. Pior ainda, ele teve que alimentar suas abelhas, e elas já tinham consumido todas as reservas de mel de sua colmeia. “É um ano perdido, um ano pobre como nunca vimos antes.”

A situação era tal que Flavien decidiu procurar um emprego extra. Ele agora está trabalhando na indústria da construção e espera voltar a cuidar de suas abelhas na primavera. “Sendo gerente, é mais fácil para mim ir e vir do apiário. E isso me permite manter nossos dois funcionários, que realmente queremos manter.”

O departamento do Territoire de Belfort está atualmente analisando a declaração de uma “calamidade apícola”, o que poderia abrir caminho para a ajuda do Estado. Por enquanto, Flavien e seu parceiro de negócios receberam € 4.000 em ajuda da autoridade local para compensar as perdas causadas pela geada tardia. “Para produtores como nós, que vivem do que produzimos, quando não produzimos, a solução é viver das nossas reservas. Mas quando você acabou de começar, eles são muito limitados”, diz Flavien. Eles só tinham reservas suficientes para durar até dezembro.

O prelúdio de um desastre ambiental


Não é apenas na França que os apicultores estão lutando, mas em toda a Europa, refletindo uma tendência mais ampla. A produção de mel e a sobrevivência das abelhas têm diminuído constantemente nas últimas décadas. A taxa de mortalidade das abelhas é atualmente de cerca de 30 por cento. Em 1995, era de 5%, segundo a UNAF. E, no entanto, as abelhas contribuem com cerca de € 22 mil milhões para o setor agrícola europeu a cada ano – não graças ao mel que produzem, mas aos serviços de polinização que fornecem para as plantações. Os cientistas estimam que uma em cada três dentadas de comida depende de polinizadores.

A perturbação climática não é a única responsável por esse declínio. Os pesticidas usados em grande escala desde a década de 1990 também desempenharam seu papel. Numerosos estudos demonstraram a toxicidade dessas substâncias, como o realizado pela Universidade de Maryland em 2016, que também destaca os perigos do efeito sinérgico dos pesticidas.

Sébastien Guillier está mais do que familiarizado com o assunto. Em 2008, ele perdeu a maior parte de suas colónias, provavelmente devido a envenenamento. Ele trabalhava como apicultor profissional há dez anos em Haute-Saône, no nordeste da França. “No outono de 2007, as abelhas estavam com sede. Tratamentos foram aplicados na área para combater os ácaros vermelhos do trigo, e as abelhas beberam das poças, como costumam fazer. A dose deve ter sido muito alta”, explica o apicultor.

Os estados membros da UE podem conceder autorizações de emergência por até 120 dias quando houver “um perigo que não pode ser controlado por nenhum outro meio razoável”, de acordo com a diretiva da UE que rege essas medidas de emergência. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) identificou 17 medidas de emergência desde 2020, todas para a beterraba sacarina. Entre 2018 e 2020, no entanto, o projeto de jornalismo Unearthed da Greenpeace registou pelo menos 67 autorizações de emergência nos vários estados membros da UE.

Após sua derrota em 2008, Sébastien procurou levantar a questão no parlamento francês e na mídia. De pouco adiantou. Recebeu 45€ por colmeia em compensação do Estado, embora o montante necessário para reconstruir a colónia rondasse os 150€ por colmeia. Ele também teve que encontrar um segundo emprego. Ele agora trabalha como inspetor de leite e mantém cerca de 100 colméias na zona rural de Haute-Saône.

Na França, apenas três por cento dos 70.000 apicultores do país eram profissionais em 2019. O restante era amador (92 por cento) ou pluriativo (5 por cento). E embora o número de apicultores esteja aumentando em quase toda a Europa, o padrão permanece o mesmo da França: eles são principalmente amadores. Os apicultores europeus têm em média 21 colmeias.

Competição insustentável


Outro fator stressante para os apicultores é a concorrência barata do exterior. Os preços dos supermercados são muito baixos para os apicultores locais ganharem a vida, especialmente para aqueles que produzem em pequena escala.

Alguns dos produtores que mantêm os preços muito baixos estão baseados em países do Leste Europeu, como a Ucrânia, mas muitos também estão na China. Um quilo de mel importado da China custou aos grossistas € 1,40, em média, em 2020. A maioria dos apicultores da União Europeia não pode competir com esses preços. Seu custo médio de produção já é de € 3,90 por quilo, segundo a Copa-Cogeca, que representa agricultores e cooperativas agrícolas na UE. Cerca de 40 por cento do mel no mercado europeu é importado.” (ver esta publicação a propósito)

fonte: https://www.equaltimes.org/beekeepers-in-western-europe-fear

mercado internacional do mel: a insustentável barateza do mel?

Quais são as razões que explicam que o mel de marca branca possa estar a 3,49€ o frasco de meio quilo? Foi esta a pergunta que me coloquei a mim próprio quando ontem vi o que a foto em baixo retrata.

Diz que é mel de flores… uma mistura da Argentina, Cuba, Espanha, Ucrânia e México.

Sei por experiência que a produção de mel a uma determinada escala, a escala das toneladas, coloca o apicultor português que não tem um estabelecimento certificado (a maioria dos apicultores) e, simultaneamente, uma estrutura comercial que lhe permita escoar essas toneladas de mel da sua produção (a imensa maioria dos apicultores), na contingência de escoar o seu mel a granel, em bidões de 300-320 kgs. E, nesta escala, o mel português concorre com o mel proveniente de zonas distantes do mundo, entre outras as atrás referidas. A concorrência deixa de ter a escala da rua, da aldeia ou da vila, como acontece para as pequenas produções, a concorrência passa a ter a escala de países e continentes. E assim sendo, importa-me perceber como conseguem os apicultores de outros cantos do mundo, por exemplo, os da a Argentina e os do México (dois dos maiores produtores mundiais de mel ) conviver neste mercado de preços insustentavelmente baratos. Pelo que consegui perceber convivem muito mal. Não me surpreende!

Neste artigo é referido que os apicultores argentinos vendem o seu mel a 400 pesos argentinos o kg (1,53€) para o mercado internacional e, neste outro artigo, indica-se que os apicultores mexicanos não conseguem mais que 28 pesos mexicanos (1,50€). Com estes valores pagos ao produtor, os intermediários têm uma boa margem comercial, assim como o distribuidor que vende ao cliente final o quilograma de mel a 7€.

O facto de mercado internacional pagar 1,53 € por kg de mel argentino e a 1,50 € por kg de mel mexicano tem um efeito estrangulador e sufocante na apicultura profissional destes dois países: no México “En este mes de Abril, con la floración en pleno, los precios van de 25 a 28 pesos el kilo, por lo que entre los propios apicultores recomiendan no vender. Incluso ofrecen tambores para almacenar y trabajar en red y no venderle a los a acopiadores, ya que el precio es muy bajo y ni siquiera cubre el gasto de la cosecha.”; na Argentina ” Bichos de Campo levantó el velo sobre el preocupante estado de esta actividad: durante casi dos años los productores de miel vieron el precio de su producto planchado, al tiempo que sus insumos aumentaron más de un 300%. Con una inflación anual del 100%, esa actividad entró en rojo.”

Este mercado do mel, que não serve os apicultores exportadores, não serve também os apicultores dos países importadores europeus, entre outros os apicultores portugueses. Concorrer com valores internacionais de 1,5€ o kg é ruinoso. Uma solução está nos mercados de nicho. Mas os mercados de nicho não recebem mel envasado em bidões e/ou enfrascado fora dos assépticos estabelecimentos certificados e fora de uma estrutura comercial sofisticada, como é o caso da imensa maioria das explorações apícolas do nosso país. Outra alternativa está nas cooperativas, para assim se ganhar escala e estabelecer contratos com as grandes distribuidoras. Não faço ideia como estão as cooperativas de mel em Portugal, pouco ou nada oiço acerca delas. Espero que estejam bem e que sejam uma boa alternativa para este contexto intoxicante do mercado internacional de mel.

tipos de mestreiros: os mestreiros de enxameação

Os mestreiros de enxameação surgem quando a colónia tenciona dividir-se, dando origem a uma ou mais novas colónias. A enxameação é o mecanismo reprodutivo ao nível da colónia ou do super-organismo.

Ao contrário dos mestreiros de emergência e dos mestreiros de substituição que podem surgir em qualquer altura do ano, os mestreiros de enxameação surgem habitualmente em épocas do ano que se caracterizam por abundância de recursos alimentares, presença de zângãos e boas condições meteorológicas para os vôos de acasalamento, condições que por norma se verificam à entrada e durante a primavera.

Ao contrário dos mestreiros de emergência, os mestreiros de enxameação são iniciados a partir de cálices reais pré-existentes, à semelhança do que acontece com os mestreiros de substituição.

Mestreiros de enxameação.

Os mestreiros de enxameação distinguem-se dos mestreiros de substituição pelo conjunto dos aspectos seguintes:

  • são mais numerosos, habitualmente mais de 5;
  • surgem frequentemente nas extremidades inferiores e laterais dos favos;
  • surgem em períodos de abundância, isto é na época da enxameação reprodutiva.

Nota: só depois de começar esta série de publicações localizei esta outra, de há anos atrás, onde abordei a distinção entre tipos de mestreiros.

a selecção de abelhas resistentes por via de… ovos de obreiras

Os esforços para seleccionar abelhas resistentes ao varroa têm sido muitos nos últimos 30 anos, contudo o progresso tem sido exasperadamente lento, com avanços e retrocessos de geração para geração. Uma das razões para a pouca solidez nos avanços está no facto de a selecção ser feita ao nível da colónia, segundo Kasper Bienefeld, investigador na área Genética, Bioinformática, Zootecnia e criopreservação de sémen de abelhas. Segundo este especialista:

A desoperculação e a remoção da cria infestada assume-se ser características importantes para a resistência ao Varroa. Tradicionalmente, a seleção em programas de melhoramento de abelhas é realizado com base no desempenho da colónia […] mas a seleção ao nível da colónia pode não ser muito eficiente para criação de resistência ao Varroa porque há variações significativas intracoloniais, causadas pelos
múltiplos acasalamentos da rainha e consequentemente as colónias são compostas por diversas sub-famílias de operárias com diversas origens paternas.
Tendo este aspecto em conta, começámos a selecionar linhas para a resistência ao Varroa assente no comportamento higiénico de abelhas operárias individuais
( ver foto em baixo) durante uma observação de vídeo de infravermelhos durante 6 dias (Bienefeld et al., 2016).

Estas abelhas operárias muito higiénicas, identificadas individualmente através da visualização do vídeo, foram induzidas a fazer postura de ovos não fertilizados. Estes ovos não fertilizados são deixados terminar o seu ciclo de desenvolvimento, dão origem a zângãos, cujo esperma é usado para inseminação de rainhas. Consequentemente, estas abelhas operárias raras, com elevada capacidade sensorial para detectarem larvas/pupas infestadas pelo Varroa, são usadas como pais para a próxima geração.”

Imagem capturada do vídeo mostrando uma abelha operária, que desoperculou um alvéolo de criação infestadapor Varroa (marcada em verde).
Os alvéolos marcados a vermelho estão livres de Varroa e são utilizados como controlo.

É óbvio para mim que esta metodologia de selecção está apenas ao alcance de uma equipa de investigação. Contudo interessou-me por: (i) destacar que este ou aquele traço que nos interessam quando observamos uma colónia podem depender sobretudo de uma das várias sub-famílias que compõe aquela colónia e (ii) nos ajudar a compreender as razões dos avanços e retrocessos que temos assistido nestes últimos 30 anos de esforços para ter linhas estáveis de abelhas resistentes ao varroa, quando fazemos selecção ao nível da colónia e com base no seu pedigree.

fonte: https://dergipark.org.tr/tr/download/article-file/859474