vespa asiática: uma estratégia alternativa para a colocação de armadilhas

Apresento esta estratégia alternativa para ser conhecida. Não a defendo nem deixo de defender, porque desconheço os seus méritos ou deméritos. Conheço alguns estudos, realizados em França, que desaconselham também a eliminação prematura das fundadoras, e preconizam que se deixe a natureza/competição interespecífica entre as fundadoras eliminar um bom número das mesmas quando saem da hibernação. Repito que não advogo esta posição nem deixo de advogá-la, estou apenas a dar a conhecê-la. Como Pilatos, lavo as minhas mãos… façam o que entenderem melhor para proteger as vossas abelhas! Eu farei o mesmo!

“Nós neste gráfico estabelecemos o período em que se deve usar as armadilhas para capturar as fundadoras …

Fig. 1: O calendário alternativo para colocar armadilhas para eliminar as fundadoras e primeiras obreiras V. velutina (a amarelo). A vermelho o número de rainhas decresce acentuadamente entre fevereiro e março, resultado da luta feroz pelo território entre fundadoras.


Após a saída da hibernação (quando os dias ultrapassam os 13º-15ºC) as velutinas fundadoras desenvolvem uma luta feroz entre elas pelo território e ninhos em construção. Esta luta desenrola-se em duas ou três semanas, e as 20.000 velutinas fundadoras (que representamos na figura) caiem para pouco mais mais de cem no início de março, e será esta centena de fundadoras a responsável pela construção dos ninhos secundários, tantos quantos os do ano anterior.

Portanto, a nossa estratégia de armadilhagem pressupõe que devemos deixar a natureza fazer seu trabalho primeiro.

Em março, quando já não vemos velutinas no ambiente é que a nossa tarefa começa, devemos agora sim colocar as armadilhas.
Como dizemos, é possível que num raio de quilómetro e meio a dois quilómetros, em torno do nosso apiário, exista apenas um pouco mais de uma centena de velutinas fundadoras, mas é esta centena de ninhos que está agora em construção que fará aumentar exponencialmente a população meses mais tarde. Portanto, agora cada velutina caçada é um ninho a menos e muitos milhares de velutinas obreiras mais adiante.
[…]
Neste período raramente as veremos, mas uma parte dessas cem velutinas visitará o seu apiário nos próximos três meses: março, abril, maio.
Não se desespere se as suas armadilha capturam apenas alguns exemplares, deve persistir e manter as armadilhas ativas ao longo desse tempo, porque cada velutina caçada agora será um ninho menos. Com esta captura vai eliminar os ninhos mais próximos do seu apiário, e, portanto, os que mais dano lhe causariam se atingissem a maturidade (a fase de ninho secundário).

No final de maio/ início de junho, as velutinas fundadoras que conseguiram sobreviver às armadilhas deixam de sair do ninho e começam a surgir as primeiras obreiras. A caça a estas primeiras obreiras é essencial: subtrair dez obreiras de um ninho ainda incipiente, com trinta irmãs, é subtrair 30% da força de trabalho necessário ao crescimento desse ninho. Isso atrasará/ evitará a explosão geométrica de indivíduos no ninho no final do verão.

Se executar bem a captura das fundadoras e primeiras obreiras durante a primavera no seu apiário, observará como a população de velutinas no verão pouco o afetará. […]

Por outro lado a administração local deve fazer o mesmo, com uma rede de armadilhas selectivas distribuídas em todo o território municipal, armadilhas selectivas municiadas com ambos os atrativos, doce e proteína, para capturar o punhado de rainhas que, mais cedo ou mais tarde as visitará. Observe que estamos falando de um período considerável de tempo que pode chegar a três meses.
Esta estratégia não é para caçar grandes quantidades de velutinas, esta é a proposta para capturar os indivíduos essenciais à próxima geração e que neste período são poucos. Em nossa opinião, é altura do ano mais vulnerável da espécie e, portanto, quando podemos fazer mais danos.

Nós pensamos que este período é de extrema importância, a batalha contra a VELUTINA ou se ganha nos meses de março, abril ou maio, ou NÃO se ganhará.”


Finalmente, também consideramos a captura de rainhas no final do outono praticamente inútil, se no exemplo que demos, existem 20.000 velutinas que vão hibernar, qual é o sentido de matar 5, 10, 15.000 velutinas, até 19.500 velutinas? se apenas cem serão suficientes para cobrir todo o território novamente.

Portanto, consideramos, sob nossa humilde opinião, uma perda total de tempo e dinheiro a armadilhagem do outono, não somos contra a captura nessas datas, simplesmente consideramos uma perda de tempo e dinheiro.”

fonte: https://sanve.weebly.com/el-trampeo.html

varroa: qual o local onde se alimentam

O estudo de Samuel Ramsey veio re-equacionar uma verdade científica que vinha do início dos anos 70 do sec. XX: o parasita externo varroa alimenta-se predominantemente do corpo gordo da abelha e não da hemolinfa. Para termos uma noção mais clara do local da abelha onde os varroas se alimentam é necessário conhecer alguns detalhes da investigação. Samuel Ramsey e os colegas recolheram abelhas de uma colmeia infestada de ácaros e registraram a localização na abelha à qual os ácaros estavam fixados.

Verficaram que a maioria estava presa à parte inferior esquerda do abdómen. Mais especificamente, o ácaro estava encravado sob o terceiro tergito abdominal.

Fig.1 : A maior parte dos ácaros (60%) estava localizado na zona indicada pelo ponto vermelho

Ramsey e seus colegas removeram alguns dos ácaros e usaram um microscópio eletrónico para examinar este ponto de fixação do ácaro na abelha. Por baixo do tergito existe uma membrana mole. A impressão do corpo do ácaro era claramente visível na membrana.

Fig.2 : Imagem ampliada por microscópio electrónico do ponto de fixação do ácaro na abelha

Nas imagens em cima podemos ver: as patas almofadadas do ácaro foram deixadas presas à membrana (imagem esquerda, setas brancas), abrangendo uma ferida óbvia onde os aparelhos bucais perfuraram a membrana (seta preta). Entre eles, a forma de W invertido é presumivelmente a impressão da carapaça inferior do ácaro.

A imagem em close-up à direita mostra os sulcos no local da ferida consistentes com as partes bucais do ácaro.

Estes ácaros estavam a alimentar-se do corpo gordo da abelha.

Fig.3 : Vista ao microscópio electrónico do corpo gordo de uma abelha

fonte: https://theapiarist.org/pedantically-not-phoresy/

Espero escrever mais um ou dois posts com mais alguns detalhes da investigação de Samuel Ramsey, para depois retirarmos algumas novas implicações para a prática apícola e, em simultâneo, reforçarmos a importância de efectuar o tratamento de final de verão de forma atempada.

Nota: a investigação deste jovem mostra as virtualidades do processo científico, um processo de construção suportado pelo que já é conhecido mas, paralelamente, um teste e reteste empírico do conhecimento já construído, uma construção nova, sustentado em novas reflexões e observações, novas técnicas e novas medições, que resultam algumas vezes em propostas de novas relações para as variáveis em estudo. Quando se trata de propor uma alternativa de explicação há uma comunidade de pares para convencer, comunidade muito exigente quanto à qualidade da investigação e robustez dos factos apresentados. Como este jovem fez afirmações extraordinárias foi obrigado por essa comunidade a apresentar evidências também elas extraordinárias. Parece-me que o tem conseguido e abriu um novo paradigma com muitas implicações práticas e teóricas. Mais uma vez a ciência mostra que se não é o espaço dos meros opinadores, também não é um espaço de dogmas inquestionáveis.

vespa velutina: se eu fosse investigador…

É verdade, sou apicultor a tempo inteiro. Contudo, se fosse investigador, e só soubesse o que sei hoje, esta seria a minha linha de investigação: criar um atraente/isco específico para a vespa velutina. Como?

Sabemos que a vespa velutina adulta, que vai aos apiários caçar as abelhas, o faz para conseguir o tórax das nossas amigas. Com este pedaço de proteína vai para o ninho onde o entrega às larvas famintas. Estas, por sua vez, fornecem-lhe um líquido claro, rico em aminoácidos, que contribui substancialmente para a sua nutrição e que, paralelamente, estabelece um vínculo indestrutível de interdependência, que condiciona pelo reforço positivo o comportamento de caça assanhado na vespa adulta.

Fig. 1: Vespa velutina trucidando uma abelha melífera para lhe retalhar o seu tórax. A natureza também é isto… não é feita apenas de animaizinhos fofinhos e peludinhos!

Este comportamento é característico de todas as vespas pertencentes à superfamília Vespinae, isto é, estas vespas ao invés de consumirem as presas que caçam, trucidam-nas e alimentam com elas as suas larvas.

O mais importante e relevante para este post, e para a minha hipotética linha de investigação, é este dado: a composição exacta dos aminoácidos presentes no tal líquido claro fornecido pelas larvas varia substancialmente entre as espécies de vespas. Confirmado que no caso das vespas velutinas este líquido as atrai exclusivamente ou muito próximo disso, o passo seguinte seria fazer a sua análise e posterior síntese.

Correndo tudo pelo melhor teríamos o tão desejado atraente selectivo. Fica a ideia…

o varroa destructor alimenta-se principalmente de tecido do corpo gordo da abelha e não de hemolinfa

“O ácaro Varroa destructor é a maior causa per se do declínio global da saúde das abelhas melíferas. Uma melhor compreensão da relação entre este parasita e seu hospedeiro é fundamental para o desenvolvimento de práticas de maneio sustentável. O nosso trabalho mostra que este parasita externo não consome hemolinfa, como se pensava, mas prejudica as abelhas hospedeiras consumindo o corpo gordo, um tecido aproximadamente análogo ao do fígado nos mamíferos. Na nossa investigação tanto a hemolinfa como o corpo gordo das abelhas foram marcados com bio-sinalizadores fluorescentes. O perfil de fluorescência nos intestinos dos ácaros que se alimentaram destas abelhas era muito diferente do introduzido na hemolinfa da abelha hospedeira, e correspondia consistentemente ao perfil de fluorescência exclusivo do corpo gordo. Através da microscopia eletrónica de transmissão, observámos tecido do corpo gordo parcialmente digerido nas feridas de abelhas parasitadas. Os ácaros na sua fase reprodutiva foram então alimentados com uma dieta composta de um ou de outro dos tecidos. Ácaros alimentados com hemolinfa mostraram (in)capacidade de se reproduzir semelhantes às do grupo controle não alimentado. Ácaros alimentados com tecido do corpo gordo sobreviveram por mais tempo e produziram mais ovos do que aqueles alimentados com hemolinfa, sugerindo que o corpo gordo é parte integrante de sua dieta quando se alimentam também de larvas de abelhas. No conjunto, estas descobertas sugerem fortemente que o Varroa consome o corpo gordo como sua principal fonte de sustento: o corpo gordo é um tecido essencial para a adequada função imunológica, desintoxicação de pesticidas, sobrevivência no inverno e vários outros processos essenciais em abelhas saudáveis. Estas descobertas realçam a necessidade de revisitar a nossa compreensão deste parasita e seus impactos, diretos e indiretos, sobre a saúde das abelhas melíferas.”

fonte: https://www.pnas.org/content/116/5/1792

  Fig. 1: Vista ao microscópio electrónico do corpo gordo de uma abelha

Post relacionado: aqui

ciclo de vida da vespa velutina (em França)

Uma das chaves para a luta contra o invasor vespa velutina nigrithorax é aprofundar o conhecimento sobre o seu ciclo de vida, dieta, tamanho da colónia, reprodução, comportamento predatório, …

Fig. 1 : Zonas colonizadas pela Vespa Velutina até 2017

O ciclo de vida

O ciclo de vida do vespão de patas amarelas é anual. Uma nova rainha funda a colónia na primavera. Dos primeiros ovos nascem as fêmeas que serão as primeiras obreiras dessa colónia. Do ovo à emergência vão 4 a 5 semanas. Estas obreiras permitirão que a rainha gradualmente se dedique exclusivamente à postura. No final do verão, começa a geração dos primeiros machos e futuras rainhas. O ninho pode então abrigar milhares de indivíduos. Estima-se que ao longo de um ano cada ninho produza entre 5.000 a 15.000 indivíduos, nas maiores colónias. A título de comparação, um ninho de vespas crabro produz cerca de 1.000 a 1500 indivíduos. A fecundação da nova geração de rainhas acontece antes do inverno. Nos primeiros dias de geadas, a nova geração de jovens fundadoras deixa o ninho e procura um esconderijo para passar o inverno, onde hibernam solitariamente. O resto da colónia é abandonado ao seu destino, a velha rainha morre, a falta de comida e o frio fazem colapsar a colónia e a estrutura do ninho deteriora-se com o mau tempo.

Fig. 2: Principais diferenças entre a V. Crabro (à esquerda) e a V. Velutina (à direita).
Fig. 3: Esquema geral do ciclo de vida da Vespa Velutina

 O período solitário: o fim da hibernação e desenvolvimento da colónia no ninho primário

Com os primeiros dias mais quentes (> 13 ° C), em geral em meados de fevereiro, as fêmeas fundadores saem da hibernação, pelo menos aquelas cujo esconderijo permite um rápido aquecimento. Em poucos dias recuperam a sua vitalidade, desenvolvem os seus ovários se encontrarem os açúcares energéticos de que precisam. As rainhas sobreviventes iniciam um novo ciclo infernal. Cada uma com vontade de fundar uma nova colónia, construirá o seu ninho e alimentará as larvas até que se tornem adultas obreiras, 5 semanas após a postura dos ovos. Em três semanas, a larva atinge o seu tamanho máximo. Então, tece ao seu redor um casulo sob o qual se vai isolar por mais 2 semanas, período das metamorfoses. A vespa adulta emergirá depois de ter rasgado seu casulo com suas mandíbulas e se libertar de seu alvéolo. Durante este período a rainha fundadora é a única a assumir a sobrevivência de sua colónia. Durante este período as suas necessidades e tarefas são diversas: procura de açúcares para ela, proteínas para alimentar as larvas, fibras de madeira e água para construir e aumentar o ninho primário. Ao contrário das rainhas das abelhas melíferas europeias, a rainha velutina passa a maior parte do seu tempo fora do ninho, até ao nascimento das primeiras obreiras. Gradualmente a rainha fundadora ficará cada vez mais no ninho dedicada à postura de mais e mais ovos, e chegará a pôr 100 ovos por dia, até à sua exaustão no outono.

Fig. 4: Imagens da construção do ninho primário

O período cooperativo ou de transição: a construção do ninho secundário

Este período coincide com o surgimento das primeiras obreiras até à cessação completa da atividades fora do ninho por parte da rainha. Este período dura cerca de 3 meses. Na verdade, o papel da rainha vai evoluir com o crescimento da colónia. O grau de divisão do trabalho entre rainha e operárias, após a emergência destas varia com o tamanho das colónias. A rainha “liberta-se” dos trabalhos realizados no exterior para dedicar-se principalmente à postura 20 a 40 dias após a emergência das primeiras obreiras. Às vezes, no caso de falta de espaço, comida ou água, a colónia vai mudar de local e iniciar a construção de um ninho secundário localizado em local mais propício ao seu desenvolvimento.

Fig. 5: Ninho secundário de V. Velutina no topo de uma árvore
Fig. 6: Vista aproximada de um ninho secundário

Período polietico de desenvolvimento: o aumento acentuado de obreiras, quando a rainha só desova

Este período de desenvolvimento é caracterizado por um aumento acentuado no número de obreiras assim como o tamanho da colónia, bem como uma separação total de atividades entre a rainha (desova) e as obreiras (coleta de recursos, manutenção da colónia) . Após a forte expansão do ninho, a rainha não faz nada além de desovar e não participa mais nas atividades extra-ninho. A postura concentra-se nos novos andares do ninho, que as obreiras vão construindo. Neste último terço do ciclo da colónia, alvéolos maiores são construídas para criar machos e novas rainhas. Nas V. velutina, rainhas, machos e obreiras são de tamanhos muito semelhantes no final do outono e o tamanho dos alvéolos ainda não foi relacionado com a casta.

Fonte principal: https://tel.archives-ouvertes.fr/tel-01758929/document

alterações climáticas: o consumo de reservas numa colónia de abelhas

As mudanças climáticas podem influenciar o ciclo de desenvolvimento das abelhas. É geralmente aceite que cada raça de abelhas melíferas se desenvolve ao seu próprio ritmo. Qualquer tipo de mudança climática ou importação de uma raça de abelhas para uma região geográfica onde não é nativa está fadada a ter consequências mensuráveis, muitas delas negativas inclusivamente para os ecotipos locais. Em regiões com estações frias (com semanas seguidas abaixo dos 10ºC), as abelhas devem “saber” passar o inverno agrupadas num “cacho” apertado, onde produzem o calor que precisam para sobreviver até a primavera e, ao mesmo tempo, ter uma rainha que não teime em fazer muita postura nesta época. A capacidade da abelha melífera acumular reservas de energia/alimento e administrar o desenvolvimento da colónia decorre de uma significativa pressão adaptativa. As raças autóctones, fruto da lenta selecção natural, foram afinando esta co-evolução entre as condições ambientais locais e o genótipo/fenótipo (comportamento autóctone). Nestes ecotipos locais, no final de inverno/início da primavera, quando o clima fica mais ameno, a rainha aumenta gradualmente a postura e a colónia desenvolve-se e aumenta o tamanho da população de obreiras.

  Fig. 1: Abelha prestes a regressar a casa por ameaça de chuva.

Fruto das alterações climáticas, inesperadas ondas de frio e/ou chuva com duração de várias semanas podem ocorrer durante o final do inverno/início da primavera. Nesta época o grande tamanho da população de abelhas provoca um esgotamento muito rápido das reservas e a colónia pode morrer de fome. Esta mortalidade, já na praia, ocorreu, infelizmente, a vários apicultores no ano passado (2018), fruto dos meses de março e abril mais frios e chuvosos que o habitual. Lembro-me que nestes meses, nestes dois últimos anos, andei vários dias debaixo de alguma chuva a suplementar com alimento pastoso as minhas colmeias. Se assim não tivesse feito teria perdido um número apreciável de colónias.

As colónias dos ecótipos locais, as melhor adaptadas às condições ambientais da região, terminado o período de escassez, desenvolvem-se muito rapidamente. Desta forma, evitam colocar em risco a sobrevivência da colónia. Em determinados anos de clima alterado, mesmo estas colónia bem adaptadas necessitam do apicultor ao seu lado, especialmente nas semanas chuvosas de final de inverno/início de primavera, quando elas não conseguem ir ao exterior buscar o seu alimento.

Nota: os períodos de escassez, que colocam as colónias em perigo, também podem estar associados a secas longas e ondas de calor mais frequentes e em épocas inabituais. Tema para um outro post.

alterações climáticas: doenças e mudanças na sua distribuição geográfica

Alguns patógenos das abelhas conhecidos estão distribuídos por todo o mundo. Eles incluem: Varroa destructor no caso de Apis mellifera e Apis cerana; bactérias que causam a Loque Americana e Loque Europeia; os microsporídios Nosema apis e Nosema ceranae; e numerosos vírus que afetam a Apis mellifera. Esses patógenos tendem a ter diferentes haplótipos de virulência variável. A mudança climática pode encorajar a transferência desses haplótipos entre as populações de abelhas. Outros patógenos ou haplótipos têm faixas de distribuição mais limitadas, como Tropilaelaps, que até agora só foi encontrada na Ásia.

Fig. 1: Ácaro varroa (à esquerda); ácaro Tropilaelaps (à direita).

As mudanças climáticas conduzirão a deslocações de abelhas de diferentes espécies e raças, colocando-as em contato com patógenos com os quais nunca co-evoluíram, como ocorreu com o Varroa destructor e a Apis mellifera. No espaço de algumas décadas no século passado, dois haplótipos extremamente homogéneos desse parasita foram suficientes para invadir virtualmente todas as áreas de distribuição da Apis mellifera. A história mostra, portanto, que tais encontros podem ser catastróficos e que as abelhas necessitarão de assistência humana para sobreviver.

Os movimentos das abelhas melíferas podem ser espontâneos e ligados às mudanças climáticas nas zonas geográficas de origem e de acolhimento (por ex. o conhecido caso de colonização das abelhas africanizadas no continente americano). Pode acontecer ainda que a maior ou menor expressão de doenças, dependa de fatores climáticos. Um estudo recente descobriu que temperaturas mais baixas estão associadas a uma menor prevalência do parasita Nosema ceranae, indicando que temperaturas mais altas, resultado de mudanças climáticas, podem ocasionar mais abelhas infectadas com este microsporídio.

fonte principal: https://www.researchgate.net/publication/23285587_Climate_change_Impact_on_honey_bee_populations_and_diseases

os mais visitados em 2018

Passado mais um ano a escrever sobre o mundo das abelhas e mais uma ou outra coisa que me interessa, apresento a habitual lista dos posts mais lidos este ano. Tenho escrito sobre a articulação e integração da minha experiência pessoal com a experiência de alguns outros (sobretudo bloggers estrangeiros e investigadores académicos). Este espaço tem uma dupla função: a de armazenar o que mais me importa e motivar-me para momentos de auto-aprendizagem. Estou certo que assim o será também para os estimados leitores deste blogue. Durante este ano foram feitas um pouco mais de 100 000 visitas e foram estes os 10 posts mais visitados:

 

melhoramento de abelhas: facto ou ficção?

O Dr. Keith Delaplane, investigador da Universidade da Geórgia, pergunta nesta palestra dada a 9 de fevereiro de 2013, na Associação de Apicultores do Estado de Indiana, se o melhoramento de abelhas é um fato ou uma ficção.

K. S. Delaplane vai apresentando ao longo desta palestra um conjunto de questões e afirmações relativamente surpreendentes/provocatórias (porque provocam reflexão). Destaco estas:

  • pergunta quão bem sucedido tem sido a selecção e melhoramento de abelhas nas últimas décadas?
  • pede à sua audiência para comparar a tinta que foi gasta, o tempo gasto a pensar, falar, escrever, a investigação que foi levada a cabo com o produto final do processo de melhoramento (a abelha) para solucionar os maiores problemas da apicultura actual;
  • refere, que o que vemos e ouvimos é que “estamos a caminho”, “estamos a caminho”, “estamos a caminho”… e que um dia destes chegaremos lá (ironicamente!);
  • anuncia que não está ali para denegrir os programas de melhoramento de abelhas, e que concorda que se deve investir nestes programas, mas questiona-se se estes programas não estão a ignorar áreas importantes da biologia da abelha?
  • a biologia actual é cada vez mais uma “ciência dura”, sustentada na investigação genética e na estatística, e que visa responder a questões muito simples como esta: quando o gene G1 está presente ocorre “sempre” aquele comportamento C1?
  • O estudo da biologia das abelhas nos dias de hoje é muito isto: que genes estão presentes nos cromossomas e como esta “informação” é expressa no comportamentos das abelhas, como por ex. comportamento higiénico, comportamento defensivo, comportamento de forrageamento, comportamento anti-varroa, …?
  • na ordem himnoptera (onde estão incluídos os insectos em geral e as abelhas em particular) há indivíduos hemozigóticos com apenas metade do genoma, no caso que nos interessa os zângãos;
  • existem basicamente três programas diferentes de melhoramento de abelhas: a) selecção materna/com acasalamento livre (do tipo “eu gosto desta colónia, vou seleccionar/melhorar a partir das suas larvas”); b) melhoramento através do acasalamento de indivíduos híbridos (heterozigóticos) com indivíduos puros (homozigóticos); c) melhoramento pelo acasalamento de populações próximas/fechadas (o programa mais sofisticado dos três );
  • os dois primeiros programas funcionam até um certo ponto mas não são suficientemente poderosos para seleccionar para um traço específico, como por ex. a resistência à varroa;
  • para seleccionar para traços específicos o programa mais adequado é o c (melhoramento pelo acasalamento de populações próximas). É um programa de compromisso entre seleccionar para um traço, sem correr o risco de estreitar demasiado o “pool” genético; contudo é um programa que funciona até 20 gerações para a frente… depois começam a surgir os problemas com a homozigose recessiva/consanguinidade (por ex. criação em mosaico);
  • K. Delaplane levou a cabo um programa de melhoramento pelo acasalamento de populações próximas e ao longo de 5 anos para conseguir o que ele chama uma abelha perfeita para os dias de hoje: uma abelha prolífica e ao mesmo tempo muito resistente a doenças e ao ácaro varroa;
  • refere que este programa é muito exigente e complexo a vários níveis se feito de forma séria: envolve equalização rigorosa das colónias no início do programa, medições rigorosas dos comportamentos desejados, priorizar os comportamentos desejados, transformar dados de escalas diferentes numa escala única (“z score”); criar um índice de seleção;
  • No final dos 5 anos do programa de melhoramento com a estratégia acasalamento de populações próximas Delaplane apresenta as conclusões: para o traço comportamento higiénico os resultados foram inconsistentes; para o traço área de criação os resultados foram bons com melhoria leve mas consistente; para o traço compacticidade da criação os resultados mantiveram-se estáveis ao longo dos 5 anos, não melhoraram mas também não pioraram; para o traço resistência à varroa os resultados foram muito desanimadores, não se verificaram melhorias consistentes, verificaram-se avanços e retrocessos ao longo dos 5 anos;
  • K. S. Delaplane acaba a dizer com algum desânimo que passados 5 anos de um trabalho muito sério, utilizando o programa de melhoria de abelhas mais sofisticado que dispomos na actualidade… selecionar para uma abelha melhor não conseguiu mostrar grande coisa, não conseguiu uma abelha geneticamente melhorada;
  • O investigador está a pensar numa outra hipótese/estratégia de trabalho: assentar o programa de melhoria numa característica da espécie, o acasalamento poliândrico. O caminho não é estreitar o “pool genético”, é alargar a diversidade genética. Os genes que desejamos são raros e recessivos, e podem estar presentes de forma homozigótica/recessiva em várias sub-famílias de abelhas numa colónia naturalmente poliândrica;
  • K. S. Delaplane conclui a sua apresentação afirmando: é possível seleccionar para o melhoramento de determinados traços nas abelhas; reter e propagar esses traço ao longo de várias gerações tem-se mostrado muito difícil; o produto (abelha) alcançado com os programas de melhoramento não tem sido suficientemente interessante; a poliandria é central na história evolutiva da abelha melífera; os dois programas de melhoramento, o poliândrico (natural) com a selecção para traços (o manipulado pelo homem) são compatíveis.

Pelo menos assim o deseja K. S. Delaplane, que nesta apresentação complexa apresentou os limites dos actuais programas de melhoramento de abelhas, a falta de resultados interessantes para os apicultores. Deixa, contudo, uma porta aberta para um caminho que se está a iniciar. Sem marketing ilusório, sem garantias que a “abelha perfeita” está logo ali ao virar da esquina, apenas a promessa de trabalho sério e honesto pela frente.

perdas de colmeias em três regiões francesas no inverno de 2016-2017: dados, análise e discussão

Depois deste relatório relativo às perdas invernais em três regiões francesas no inverno de 2015-2016, surge o novo relatório, produzido pela Chambre d’Agriculture d’Alsace, relativo às perdas invernais no inverno 2016-2017 nas mesmas três regiões, inseridas na região Grand Est (Alsace, Champagne-Ardenne et Lorraine).

Fig.1: A região Grand Est

Este relatório apresenta a análise e discussão dos dados recolhidos através das respostas de 430 apicultores ao inquérito apresentado, e que descrevem 20.787 colmeias repartidas por 1.616 apiários. A amostra aumentou significativamente face à do ano anterior, e deu origem a um documento que recomendo fortemente a sua leitura.

Deixo um apanhado de alguns aspectos salientes do relatório.

Uma panorâmica geral
Com 24,4% de perdas de inverno nas 3 regiões inquiridas (incluindo 14,3% de colmeias mortas e 10,1% de colmeias sem valor à entrada da primavera), a perda de colmeias durante o inverno de 2016-2017 é mais elevadas que em anos anteriores. As respostas dos 430 participantes indicam diferenças significativas entre os apicultores, que se traduzem em maiores perdas para os apicultores com menos colmeias em comparação com aqueles com um número alto de colmeias. As escolhas técnicas do apicultor, especialmente as que dizem respeito à luta contra o Varroa está uma vez mais associado às perdas invernais (este resultado é sistematicamente encontrado em cada levantamento de perdas de inverno). Um segundo fator explicativo e que também emerge: a melada excepcionalmente tardia do sapin em 2016 (o mel de melada de sapin é muito valorizado e apreciado em França). Extraordinariamente, esta melado aparece associada às perdas de inverno. Em 2016 esta melada atrasou-se no calendário, fruto de um clima anormal.

As condições climáticas anormais, vividas na região, em 2016 e seu impacto nas perdas invernais serão tema de um post a publicar em breve. Analisemos agora com algum detalhe os dados do relatório acerca das escolhas técnicas do apicultor, especialmente as que dizem respeito à luta contra o Varroa, e seu impacto na mortalidade invernal das colónias.

Corte de criação de zângãos

No que concerne à pratica do corte de zângãos como medida de controlo do Varroa, 8,2 % dos inquiridos responderam que a utilizavam e 91,8% responderam não.
Esta medida foi implementada por vários apicultores, mas apenas 36 deles realizaram 3 ou 4 cortes sucessivos (uma condição essencial para retardar significativamente a progressão do parasita).
Comparando as perdas invernais do grupo de apicultores que realizaram 3 ou 4 cortes de zângão com as perdas de outros apicultores que não efectuaram o referido corte verifica-se que as perdas invernais foram de 26,76% no grupo de apicultores que a aplicou e de 24,34% nos apicultores que não utilizaram o corte de zângão para controlar o Varroa. A medida não tem influência significativa na diminuição das perdas de inverno quando comparada. Esta observação é consistente com a realizada no inquérito do ano anterior.

Timing dos tratamentos

Em 2016, 48% dos apicultores aplicaram o tratamento em julho (período ideal) e agosto. A maioria dos tratamentos, contudo, foi aplicada em setembro ou, pior, em outubro ou novembro (no total, 52% dos apicultores).

As colónias tratadas em julho estão associadas às melhores taxas de sobrevivência no inverno. As perdas invernais foram: 16,4% para as colónias tratadas em julho; 21, 2% para as tratadas em agosto; 26,7% para as tratadas em setembro; e 41,1% para as tratadas em outubro (ver gráfico 14).

A escolha do medicamento e as perdas invernais

A escolha do medicamento anti-varroa é decisiva (ver gráficos 16 e 17). Como em anos anteriores, o Apivar está associado aos melhores resultados (22,4% de perdas invernais este ano), enquanto os tratamentos com timol ou ácido fórmico estão associados a maiores perdas (31,5% e 36,4% respectivamente) em virtude das limitações e perigos dos seus princípios ativos. Colónias não tratadas mostram as taxas mais elevada de perdas (51,1%).

A análise global dos vários elementos do relatório

A análise global dos dados destaca a infestação por varroa como o factor mais relacionado com as perdas de inverno. Por outro lado, vários parâmetros aparentemente não estão relacionados com as perdas de inverno: a prática da transumância, a colocação das colónias numa cultura agrícola específica, o número de quadros renovados/substituídos no ninho ou mesmo o fato de ter uma rainha jovem.

Fonte: http://www.adage.adafrance.org/downloads/apiculture_bilan_enquetes_pertes_hivernales_grd-est_2017.pdf