litoral centro: avaliação da taxa de infestação por varroa no final de agosto e tratamento

Ontem, acompanhei o Marcelo Murta na realização de duas tarefas nas colónias que tem assentes no seu apiário nas proximidades de Coimbra: 1) avaliação da taxa de infestação por varroa em abelhas adultas; 2) aplicação por gotejamento de ácido oxálico diluído em xarope de açucar.

Como referi nesta publicação, no dia 19 de Julho o Marcelo fez a avaliação da taxa de infestação e deparou-se com 8,14% e 8,4% de infestação em duas colónias (13% das colónias no apiário).

Como é um apicultor munido de um bom arsenal de conhecimentos e forte motivação, sabia que tinha que fazer descer essa taxa para abaixo dos 2% com o objectivo de garantir abelhas saudáveis e ficar tranquilo com os desafios que as suas colónias vão enfrentar no final do verão e na entrada do outono. E com essa motivação iniciou o terceiro tratamento do ano nos últimos dias de julho. Utilizou o Amicel em três rondas, com espaçamento de 12 dias entre as duas primeiras aplicações da tira de Amicel e de 8 dias para a terceira tira.

Ontem, 31 de Agosto, os resultados da medição da actual taxa de infestação nas colónias anteriormente avaliadas em julho são muito positivos: 0,86% e 1,02%.

Avaliação da taxa de infestação em cerca de 300 abelhas adultas através da lavagem em álcool.

Ainda que as taxas de infestação actual não sejam preocupantes, o meu amigo decidiu aproveitar a ausência de criação ou a pouca criação nas suas colónias para as gotejar com ácido oxálico diluído em xarope de açúcar. Como diz o Marcelo não devemos ser reactivos, sim pró-activos. E deste princípio os seus ganhos são evidentes: neste ano e até à altura a mortalidade por varroose é zero.

Aplicação de 5 ml da mistura por cada espaço entre os quadros, segundo uma formulação proposta por Randy Oliver.
Decidiu pela formulação “hot” porque as colónias em Coimbra não vão passar por um período longo sem criação — 60 grs. de ácido + 600 ml de água + 600 grs. de açúcar.*

Entre as diversas trocas de impressões disse-lhe que esta opção me fazia lembrar um apicultor norte-americano com +3000 colónias, que tem como princípio não esperar que a taxa de infestação chegue aos 3%, para ele um limiar já demasiado alto e com riscos de os tratamentos falharem; prefere tratar para ter os níveis de infestação abaixo ou igual a 1%: trata não para fazer descer os níveis de infestação mas para evitar que eles subam; não confia cegamente em nenhum medicamento, acredita neles todos, na sua utilização frequente e diversificada**.

Assim como para a prevenção da enxameação é necessário andar um mês à frente das colónias, também o controlo da varroose nos obriga a estar, não um, mas dois meses à sua frente.

*https://scientificbeekeeping.com/oxalic-acid-treatment-table/

**https://honeybeehealthcoalition.org/wp-content/uploads/2021/06/Commercial_Beekeeping_060621.pdf

ácido fórmico: procedimentos de aplicação por escovagem

Na publicação anterior apresentei um vídeo técnico acerca dos procedimentos de aplicação de uma técnica inovadora, patenteada pelo investigador romeno Adrian Siceanu em 2019 e apresentada na Apimondia que se realizou no Canadá nesse mesmo ano.

Como podemos ver a técnica consiste basicamente na passagem de ácido fórmico a 65% ou 85% com um pincel sobre a superfície dos opérculos que cobrem a criação. Sabemos que os opérculos de cera (a camada externa) assim como os casulos que envolvem as pupas das abelhas (a camada interna) são porosos de forma a permitirem a respiração das abelhas em formação. Ora são este poros que permitem que os vapores libertados pelo fórmico, espalhado por meio deste processo de escovagem, penetrem nos alvéolos e casulos e asfixiem e/ou desorganizem o metabolismo e/ou danifiquem os tecidos moles das varroas presentes na criação, matando-as ou impedindo a continuação da sua reprodução. Mas aplicando o ácido fórmico das formas habituais também se verifica o mesmo, e com uma carga de trabalho menor e com mais rapidez, estarão alguns a dizer. Não tiremos conclusões precipitadas.

Como podemos ver no vídeo, o investigador romeno, apresenta três procedimentos que convém tomar em consideração: 1) aplica o fórmico depois de ter sacudido as abelhas e rainha; 2) a escovagem com o fórmico é o mais possível centrada apenas sobre criação operculada; 3) os quadros depois de escovados com o fórmico não são devolvidos de imediato à colónia, são colocados por 10-15 minutos numa caixa ventilada e só após este período são colocados na colónia a que pertencem.

O pincel utilizado é de cerdas de rigidez média, cerca de 4-10 cm de largura. O ácido fórmico foi aplicado e escovado com uma leve pressão, para ajudar o opérculo a absorvê-lo. A escovagem foi feita com movimentos da esquerda para a direita, para evitar o acúmulo de gotas na borda inferior dos alvéolos destapados e o vazamento dentro deles. Para realizar o tratamento, o ácido fórmico foi colocado numa caixa plástica especial que é fortemente fixada na parede da colmeia.


Os quadros tratados não foram devolvidos imediatamente à colónia porque a quantidade de ácido evaporado pode prejudicar as abelhas ou rainhas, especialmente nos primeiros minutos. O contato direto do ácido com qualquer indivíduo (abelhas ou rainha) pode matá-los. Por esta razão, é recomendado manter os quadros tratados após a escovagem em caixas separadas por pelo menos 10 minutos, dependendo da superfície tratada, até ao excesso de ácido se ter evaporado.


Durante a utilização do ácido fórmico, é obrigatório o uso de luvas de proteção resistentes aos ácidos, óculos e máscara para evitar a inalação de vapores do ácido ou contato direto.”

fonte: https://animalsciencejournal.usamv.ro/pdf/2021/issue_1/Art55.pdf

Escovagem da criação operculada com ácido fórmico.

Enquanto as técnicas de aplicação convencional do ácido fórmico, apresentam eficácia muito variável, são aplicações mais longas e podem ser perturbadas por alterações na temperatura e humidade ambiental com consequências nefastas nas abelhas, criação e até nas rainhas, esta técnica alcança resultados melhores e mais consistentes em poucas horas/minutos na mortalidade que provoca nas varroas que parasitam a criação.

Sobre o tempo que se demora a aplicar, não me parece que seja superior ao despendido com a técnica “rasca la cria”, utilizada por apicultores de grande dimensão em Espanha e em Portugal, com a vantagem de não se destruir criação nem se disseminar vírus entre as abelhas.

Sobre a eficácia desta forma inovadora de aplicar o fórmico fica para uma publicação próxima.

ácido fórmico: técnica inovadora para reduzir a infestação por varroa em criação operculada

Vi ontem, numa publicação de um grupo de apicultura kosovar, um apicultor a passar uma trincha com um líquido sobre um quadro repleto de criação fechada. Esse vídeo lembrou-me que tinha lido, há cerca de três meses atrás, uma publicação científica sobre uma forma muito semelhante de aplicar o ácido fórmico e o ácido láctico.

fonte: https://animalsciencejournal.usamv.ro/pdf/2021/issue_1/Art55.pdf

Nessa publicação surge, na bibliografia, uma referência para um vídeo técnico demonstrativo da sua aplicação. É esse vídeo que podem ver em baixo, com a explicação de como fazer pelo autor do referido artigo científico.

Esta técnica foi apresentada na Apimondia, no Canadá, pelo seu autor A. Siceanu. Cabe-me a mim, que não estive nessa Apimondia, apresentá-la pela primeira vez em Portugal.

Antes de apresentar/traduzir excertos do referido artigo prefiro fazer o início da apresentação deste procedimento inovador assim desta forma, com este vídeo, para termos uma ideia geral dos procedimentos, antes de avançar para os detalhes, cumprindo um dos preceito pedagógicos de “avançar do geral para o particular”.

Entretanto se quiserem colocar questões ou fazerem comentários podem utilizar o espaço de comentário.

Esta publicação, assim como outras que fiz a propósito das tiras de ácido oxálico com glicerina, não pretende incentivar a sua utilização. Este é um blog informativo que está atento às inovações apícolas que vão surgindo em várias regiões do mundo e que informa os seus leitores disso mesmo. Este é um blog que apresenta modelos alternativos de medicação para doenças e/ou luta contra predadores e que o faz sustentado em investigação controlada e apenas a título informativo. Não é um receituário de mesinhas caseiras, nem um relato de casos anedóticos. Informa sobre medicamentos e procedimentos testados em ambientes controlados, nada mais. O objectivo é viver numa sociedade informada, verdade?

vespa velutina: os abelharucos impedem a expansão da vespa velutina?

Vi hoje no Facebook esta imagem em que se procura encontrar uma correlação entre a presença dos abelharucos (Merops apiaster) e a dificuldade de expansão da V. velutina.

Fonte: https://www.facebook.com/photo/?fbid=6537607732999312&set=gm.318419287352795&idorvanity=310795051448552

Olhando com vista grossa até parece haver essa correlação, isto é, o mapa da esquerda com os territórios onde a vespa tem presença consolidada parece ser também o território onde o abelharuco está ausente. Mas olhando com um pouqinho mais de atenção para os dois mapas vejo duas falhas nesta correlação, uma assinalada com um rectângulo na zona do extremo nordeste transmontano e outra assinalada com uma oval na zona ribatejana — isto aceitando que os mapas estão correctos.

Na primeira zona não temos abelharuco mas também não temos uma grande implantação da vespa; na segunda verifica-se que é zona de grande implantação de abelharucos e de V. velutina. Podem fazer-se todo o tipo de correlações e mesmo assim não acertarmos com relações de causalidade. Neste caso nem correlação temos.

Do que de melhor se sabe até agora, os principais factores que determinam uma maior e mais rápida expansão da V. velutina em Portugal e noutros países da Europa são basicamente dois: disponibilidade de alimento e factores abióticos. Os primeiros são abundantes em muitas regiões e o segundos são resumidamente os seguintes: temperaturas mínimas altas, orvalho, humidade relativa alta e baixas temperaturas máximas favorecem a ocorrência e disseminação de V. velutina. Estas condições […] promoveram a rápida dispersão desta praga. (ver aqui).

Neste momento do que sei, é da destruição/eliminação massiva dos ninhos que poderá haver um impacto assinalável na expansão e consolidação desta praga em territórios com factores abióticos que lhes são favoráveis.

A realidade é esta: dos milhares e milhares de ninhos que temos em território nacional, basta que apenas uma fundadora se “safe” de cada um deles e funde uma nova colónia na época seguinte para que população global de V. velutina se mantenha constante, exactamente a mesma do ano anterior. Que cada um faça o que tem a fazer para proteger da melhor forma possível as suas colónias e que não espere que os pássaros e sonhos coloridos resolvam a expansão e consolidação da praga.

como utilizar este blog de forma mais rápida e eficaz

Com esta publicação, atinjo as 799. Encontrar um tema específico pode ser uma tarefa demorada e desmotivante num blog com esta dimensão. Contudo, há formas de o conseguir rapida e eficazmente. É sobre este aspecto a publicação de hoje.

Para encontrar um tema sobre o qual desejam ler neste blog, podem fazer a pesquisa por três vias basicamente: 1) por categoria; 2) utilizando a funcionalidade de pesquisa; 3) aproveitando as sugestões de publicações relacionadas.

Cada vez que faço uma publicação enquadro-a numa das categorias que fui criando ao longo do tempo. Procuro desta forma organizar, “engavetar”, publicações que abordam temas semelhantes. Por exemplo, quase tudo o que escrevi sobre V. velutina está na categoria “predadores e inimigos”. Clicando nessa categoria vão restringir bastante as publicações às que de facto vos interessam mais nesse momento.

A funcionalidade de pesquisa é, na minha opinião, a que vos orienta mais rapidamente e especificamente para o assunto que vos interessa. Por exemplo, se o amitraz vos interessa, colocando a palavra na área de pesquisa e clicando na lupa vai surgir muito do que escrevi até à data sobre este acaricida. Podem colocar duas ou mais palavras na pesquisa para a restringir o mais possível.

Finalmente, o wordpress cria automaticamente um conjunto de 3 sugestões relacionadas com cada publicação que faço. Estas sugestões podem contribuir para vos orientar na leitura de outras publicações com conteúdos semelhantes.

Estas funcionalidades aparecem em zonas diferentes do ecrã caso estejam a utilizar um computador ou um telemóvel. No caso do computador a funcionalidade 1) e 2) surge no topo superior do lado direito e a 3) ao fundo do texto publicado. No caso do telemóvel estas três funcionalidades surgem gradualmente continuando a deslizar o ecrã depois do texto da publicação.

Podem também subscrever este blog, colocando o endereço de e-mail para o qual será enviada uma notificação automática sempre que faça uma publicação nova.

Para além destas funcionalidades podem utilizar o “Dr. Google” para pesquisarem, e com uma boa probabilidade encontrarão sugestões de entrada neste blog. Por exemplo, coloquei agora mesmo “amitraz contra a varroa” na pesquisa e surgem duas entradas no topo para o “abelhas à beira”.

Leiam o mais que puderem, neste blog ou noutras fontes, e escolham essa fontes criteriosamente. Se me permitem um conselho, fujam daqueles que vos apresentam “receitas” espectaculares sem nunca terem escrito uma linha sobre a Biologia da Abelha, o ciclo de vida da Varroa destructor, e outros fundamentos… e sem nunca terem relatado um ou outro insucesso com o seu maneio de colónias de abelhas.

vespa velutina: habituação às manjedouras by apicant

O meu amigo João Gomes fez a sua estreia no YouTube para que eu pudesse fazer o upload deste vídeo. Não tenho 100% de certeza, mas creio que o vídeo do João é o primeiro vídeo realizado por um apicultor português que coloco no meu blog. Sendo o primeiro, espero que seja o primeiro de muitos, realizados pelo João e outros companheiros portugueses. Nesta fase da vida do meu blog, com uma exposição como nunca teve, importa-me trabalhar cada vez mais próximo com a nossa comunidade apícola. Ontem fiz uma publicação que passou algo despercebida, mas que considero das mais importantes que fiz este ano para os apicultores do nosso rectângulo e arquipélagos. Fi-la com a preciosa ajuda do Francisco Rogão.

Hoje conto com o João Gomes, da Apicant Queen Bees que, para além de criar magníficas abelhas rainha, tem uma preocupação extremosa em alimentar as V. velutinas sempre que se tornam visitas frequentes nos seus apiários.

Como todas as belas histórias de amor, esta também se define pela simplicidade da interacção e pelo sempre oportuno KISS — keep it simple and small — em momentos chave.

Durante uns dias as V. velutinas são alimentadas em locais pré-definidos com carne moída, simplesmente e sem qualquer tempero. É preciso habituar os animais às manjedouras. KISS. Depois de estabelecido o hábito, depois de estabelecida a dependência, chega a altura de dar algum tempero à carne (podem ver aqui uma forma de temperar quanto baste para não haver estragação do tempero). KISS. O tempero (ver aqui) é utilizado universalmente nos mais variados pontos de globo, onde faz o controlo de pragas de vespas invasoras, sem conservantes e, sobretudo, sem repelentes. KISS.

Não as tratem à paulada… alimentem-nas!

Nesta manjedoura de habituação, vemos os animais a prepararem a sua carga, carga que não conseguem ingerir por ser sólida, e levantarem voo para alimentarem as suas larvas. As larvas ou pupas já operculadas não são alimentadas. Será esta geração não alimentada que poderá aparecer passados 15-20 dias nos nossos apiários e que haverá que atender novamente.

Notas: 1) esta publicação tem aqui e ali uma pontita de ironia, um recurso expressivo, simplesmente.

2) obviamente não posso garantir resultados efectivos sempre e em todo o lado. Cada caso é um caso. Por ex. os iscos de habituação muito provavelmente terão de ser renovados diariamente, porque desidratarão rapidamente com temperaturas altas. Em alguns casos a habituação será alcançada no primeiro dia, noutros casos poderá demorar um pouco mais , e noutros casos tarde ou nunca será alcançada. Dependerá das fontes de proteínas— insectos e outras — disponíveis na zona. Se passadas 48h não observarem uma habituação ao alimento colocado nas manjedouras sugiro que não insistam nesta técnica.

3) reforço que o tempero não deve ser repelente de insectos e que a quantidade a utilizar deve ser a mais baixa possível por razões ambientais.

4) os efeitos na redução da predação, a existirem, devem ser observados nas primeiras 48h e perduram, em regra, durante cerca de 15-20 dias.

5) para quem não se achar capaz de seguir com imenso cuidado e rigor a utilização desta ou de outras técnicas semelhantes, há outras propostas de defesa das colónias com menos riscos envolvidos.

6) por favor leiam as hiperligações (cliquem nas palavras sublinhadas a azul) antes de me enviarem mensagens privadas a solicitar a receita, porque me obrigariam a escrever novamente aquilo que já tive o cuidado de escrever e publicar. Obrigado pela V. atenção e compreensão.

2023: um ano de varroa, uma reflexão e questões

Todos os anos são anos de varroa, é bem verdade! Contudo, alguns anos são mais graves do que outros. E 2023 está a ser um ano muito mau, a este respeito.

Esta impressão que tenho, de conversas com amigos acaba de me ser confirmada pelo Francisco Rogão, apicultor amigo que dispensa apresentações, mas que com justiça devo dizer que me tem ensinado e a muitos outros com base na sua vasta experiência e profundo conhecimento do que se passa no terreno.

Nesta conversa o Franciso dizia-me que vários apicultores já retiraram 40-50% das suas colónias colapsadas nas útimas semanas, e que na sua opinião e com base nos relatos que lhe fizeram, este lamentável acontecimento se deveu à varroa.

Tanto ou mais impressionante é o Francisco dizer-me que apesar de estar a monitorizar e a tratar como nunca fez, continua a encontrar uns impressionantes 34% de infestação na criação de várias colmeias e 2% de infestação nas abelhas adultas. Ela está lá, “escondida” dentro dos alvéolos e provavelmente com um período de dispersão (forético) significativamente mais curto do que há 10-15 anos atrás.

O Franciso pediu-me para deixar este alerta: tratem e monitorizem. E conclui que em anos como este as suas colónias estão vivas porque as tratou 5 ou 6 vezes. Também neste aspecto estamos em sintonia, acerca da importância e necessidade dos tratamentos intermédios durante a época de produção, por forma a manter as taxas de infestação abaixo dos 3-5% neste período.

Reflexão: Em boa verdade dou comigo a reflectir sobre estes números: Delaplane indica que o limiar económico da população total de varroas em agosto não deve ultrapassar o intervalo de 3000-4000 em colónias com 25000-33000 abelhas*. Neste cenário, que não devemos ignorar é um cenário optimista, e para um tratamento de final de verão/outono verdadeiramente eficaz trazer este número de varroas abaixo das 50 varroas, o recomendado pelo INRAE/ITSAP franceses, a eficácia do mesmo teria de ser superior a 98%.

Sobre tratamentos durante o período de colheita das abelhas, em especial os tratamentos com ácido oxálico é o melhor documento que conheço, à data.

Questões: qual o medicamento que na actualidade tem esta eficácia superior a 98%? Qual o medicamento que na actualidade devemos considerar “principal”? Não estaremos a entrar numa nova época em que todos eles deverão ser percepcionados como intermédios, porque com eficácias de 80% ou menos nos obrigarão a tratamentos de dois em dois meses?

Foram estes os dados, as reflexões e as questões que deixei o ano passado na palestra que fiz a convite da AALC, no âmbito do seu seminário de apicultura que decorreu em Cantanhede.

* https://www.apidologie.org/articles/apido/abs/1999/04/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004/Apidologie_0044-8435_1999_30_5_ART0004.html

acaricidas: temos de mudar de vida, mas a utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais será a solução?

Ontem, na sequência desta publicação, fui contactado por três companheiros, a confirmarem que os tratamentos com amitraz, 2 deles a utilizar os caseiros e o terceiro a utilizar homologados, não estão a limpar devidamente as suas colónias. Estes testemunhos, a juntar à minha experiência, ao testemunho de outros companheiros e aos estudos franceses e norte-americanos referenciados neste blogue, reforçam duas convicções que tenho desde 2020: o problema não é apenas uma perda de eficácia dos homologados, fruto de uma hipotética sabotagem das farmacêuticas que os produzem, o problema é um acréscimo de varroas resistentes ao amitraz, seja ele veiculado por medicamentos homologados ou por medicamentos caseiros.

Sem surpresa para mim e no seguimentos dessa mesma publicação, um ou outro apicultor, defendem que a solução está no modelo alemão ou austríaco. Estes modelos utilizam exclusivamente (ou quase) os ácidos fórmico e/ou oxálico e os óleos essenciais, o timol sobretudo. Os acaricidas de síntese foram proscritos nestes países. Não me vou focar no conjunto de ideias falsas sobre os resíduos de amitraz no mel e cera que alguns apicultores teimam em veicular, porque os estudos e relatórios estão disponíveis para a leitura de quem teima no fearmongering —alguns destes estudos estão referenciados noutras publicações deste blogue. O foco da publicação de hoje é este: o que nos dizem os inquéritos epidemiológicos acerca da utilização exclusiva de ácidos e óleos essenciais sobre a sobrevivência invernal das colónias de abelhas (vou chamar-lhe opção AOE).

Na Alsácia francesa os dados recolhidos ao longo de mais de 10 anos revelam que a opção AOE está associada a taxas de mortalidade invernal superior quando comparada com a opção tratar com amitraz — fiz várias publicações em torno destes relatórios.

Nos EUA, um estudo de 2019 que apresenta a análise de dados recolhidos ao longo de 4 anos naquele país, revela que a utilização do amitraz está associado a taxas de mortalidade mais baixas do que a que resulta da utilização de outros acaricidas, entre os quais estão os da opção AEO *.

Mais impressivo é um estudo, publicado em 2019, que compara a morte invernal durante 4 anos em dois países europeus vizinhos, onde num deles a opção AOE é a mais comum e no outro a opção mais comum é a utilização de acaricidas de síntese, nomeadamente o amitraz. Os dois países são a Áustria e a Chéquia. No primeiro país temos uma população de apicultores das mais educadas da Europa, com muitos anos de experiência na utilização de ácidos e óleos essenciais e, ainda assim, a mortalidade invernal de colónias é superior à do país vizinho que utiliza maioritariamente o amitraz na forma fumigada**.

Depois de em 2020 ter constatado uma menor eficácia do Apivar, em 2021 decidi fazer um tratamento intermédio à base de um ácido orgânico. Para as minhas abelhas ainda bem que não fui um apicultor teimoso, radical e purista. Não lhes causei morte e sofrimento evitável.

Em conclusão, espero que no conjunto destas duas publicações fique bem claro o meu pensamento:

  • estou convicto que em Portugal há populações de varroas resistentes ao amitraz;
  • nestes casos, é uma prática arriscada continuar a tratar exclusivamente com amitraz;
  • confrontados com esta realidade não defendo que a estratégia de tratamentos se deva restringir à utilização de acaricidas ditos orgânicos. Esta opção, mesmo que utilizada por uma população de apicultores educados como os austríacos, está associada a taxas de mortalidade superior às que se registam quando a opção é um cruzamento de acaricidas sintéticos com acaricidas orgânicos, como no caso da Chéquia;
  • em Portugal, com temperaturas elevadas ao longo de muitos meses seguidos, com criação presente durante (quase) todo o ano, copiar modelos de países do centro e do norte da Europa não acredito que seja a solução. Dos dados que conheço para Portugal, as taxas de mortalidade em modo BIO situam-se entre os 26% e os 50%, em média (cf. Manual de Apicultura em MPB, FNAP);
  • em Portugal, continuar a insistir na utilização exclusiva de amitraz em apiários onde se tem verificado abaixamento da sua eficácia numa percentagem importante de colónia nos últimos anos, não me parece o caminho;
  • o caminho, na minha opinião, está na utilização adequada e pertinente de acaricidas sintéticos e acaricidas orgânicos, sem preconceitos ideológicos, até porque a varroa não é travada por ideologias, é travada por uma estratégia de tratamentos realista e ajustada às condições particulares de cada país e de cada apiário.
Lista parcial de MUV em 2017. Como vemos esta estratégia mista que tanto me agrada é perfeitamente viável com os medicamentos homologados em Portugal. O maior entrave a esta estratégia é a política de apoio à sua aquisição. Os apoios para apenas dois tratamentos por ano são insuficientes segundo a minha experiência e a de outros. Um tema para uma outra publicação.

fontes: * https://academic.oup.com/jee/article/112/4/1509/5462560; ** https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167880919300027

varroas resistentes ao amitraz: facto ou ficção?

Entre 2011 e 2020 o amitraz, veiculado pelas tiras de Apivar, foi o princípio activo que preferi para medicar as minhas colónias. Ressalvo que não o utilizei em exclusivo neste período, e que fui fazendo rotações com outros princípios activos: o tau-fluvalinato e a flumetrina. Além da rotação dos princípios activos fiz também um ajustamento nas datas de tratamento e na duração dos mesmos. Estes procedimentos basilares permitiram-me manter, entre 2014 e 2019, taxas de mortalidade de colónias por varroa abaixo dos 3%, com dois tratamentos anuais em 4 destes 6 anos.

Em 2020, e seguindo basicamente a mesma estratégia vencedora dos anos anteriores, choquei contra a parede! Não tivesse feito adequadamente a habitual monitorização das minhas colónias durante e no final do tratamento de verão, e teria perdido 20-25% das minhas colónias para a varroa (ver aqui). Felizmente re-tratei a tempo e as perdas não ultrapassaram os 5%.

Confrontado com estes resultados insatisfatórios, resolvi modificar a minha estratégia de medicação como relatei em diversas publicações que fiz a este propósito. De forma sumária, em 2021 e 2022 introduzi um tratamento intermédio à base de ácido oxálico, em 2022 fiz a rotação dos princípios activos no tratamento de final de inverno com a utilização do Apistan, e utilizei uma galénica diferente para veicular o amitraz no tratamento de verão de 2022. Os resultados melhoraram. Em 2023, caso tivesse colmeias, iria introduzir mais alterações como por exemplo, a interrupção artificial da postura para uma utilização mais eficaz do oxálico ou um tratamento adicional com fórmico.

Hoje, olhando para trás, desde 2020 procurei encontrar uma resposta gradualista para um problema acerca do qual não tinha a certeza da sua causa. Nestes últimos anos, a mortalidade por varroa subiu um pouco, mas não ultrapassou os 5%. A habitual monitorização assídua das colmeias durante o período de tratamento (10 a 12 semanas) em muito contribuiu para este desfecho.

Seria um problema de decréscimo da qualidade dos medicamentos, isto é, as farmacêuticas estariam a sabotar os medicamentos para os tornar menos eficazes? Seria um problema de populações de varroas resistentes aos medicamentos que estava a utilizar? Seria um problema de maneio? Seria outra razão qualquer?

Para perceber o que se estava a passar, pesquisei em relatórios e estudos à procura de respostas para as minhas dúvidas. Em finais de 2021 tomo conhecimento que em França são identificadas pela primeira vez populações de varroa com níveis moderados a elevados de resistência ao amitraz (ver aqui).

A descoberta destas populações resistentes conduziu a mais investigações para se identificar o mecanismo subjacente à resistência. Em simultâneo estava a realizar-se nos EUA um estudo semelhante para as populações resistentes também lá encontradas recentemente. Estes dois estudos identificaram duas mutações genéticas associadas à resistência ao amitraz: estas mutações genéticas ocorrem em dois aminoácidos presentes nos receptores celulares dos ácaros onde o amitraz se liga (ver Resistance to amitraz in the parasitic honey bee mite Varroa destructor is associated with mutations in the β-adrenergic-like octopamine receptor [https://link.springer.com/article/10.1007/s10340-021-01471-3].

Este “filme” da resistência ao amitraz está a seguir um guião muito semelhante ao da resistência ao fluvalinato, ocorrido cerca de duas décadas antes. Mais tarde ou mais cedo, a natureza encontra um caminho para a espécie sobreviver e transmitir os genes a novas gerações, neste caso o caminho da resistência aos acaricidas utilizados para a eliminar.

Tiras de apivar retiradas da minha colmeia número 514, no final do período de tratamento.

Respondendo à questão do título: a minha opinião, documentada, é que a resistência ao amitraz é já um facto inquestionável em certas populações de ácaros varroa em França e EUA. E em Portugal? Desconheço que tenha sido feita alguma avaliação formal e devidamente controlada no nosso país e nos anos mais recentes. Ainda assim, seria surpreendente que por cá não existam populações de ácaros com algum grau de resistência ao amitraz, tendo em consideração a minha experiência pessoal e a de companheiros que referem uma menor eficácia com este princípio activo nos últimos dois a três anos. Estou convencido de que os “anos dourados” dos dois tratamentos anuais com amitraz, veiculados por medicamentos homologados e/ou caseiros, que funcionavam em mais de 90% das colónias, acabaram!

vespa velutina: exemplar encontrado nos EUA

Depois de há três anos ter sido encontrado o primeiro exemplar de V. mandarinia e seus ninhos nos EUA, foi encontrado o primeiro exemplar de V. velutina no Estado da Geórgia. Não é referido se é um indíviduo reprodutor (fundadora ou macho). Espero que as autoridades administrativas juntamente com os especialistas façam esse diagnóstico rapidamente, para afinarem a sua estratégia de eliminação/contenção deste insecto invasor.

Como foi encontrado no passado dia 9 de Agosto por um apicultor (provavelmente a predar junto das suas colónias, especulo eu) é muito provável que se trate de uma obreira, o que deverá querer dizer que, pelo menos, há um ninho activo nas proximidades. Havendo apenas um ninho, não sendo localizado e eliminado antes da dispersão de novas fundadoras, a praga tem todas as probabilidades de se expandir como aconteceu na Europa. Havendo vários ninhos, só um milagre impedirá o começo da invasão.

fonte: 8.14.23 Yellow Legged Hornet Release.pdf

Lembro o que já escrevi noutra publicação: “A acontecer a erradicação deste insecto invasor seria um feito nunca visto. A história diz-nos que nenhuma vespa social invasora foi alguma vez erradicada dos novos territórios colonizados (Beggs et al., 2011). À luz deste histórico deprimente o futuro não se afigura brilhante para os companheiros apicultores da américa do norte, que muito provavelmente irão ter de se conformar a viver com este insecto invasor e dar-lhe luta, como nós apicultores europeus o temos vindo a fazer com a Vespa velutina.”