vespa velutina: o que procura nas flores?

A V. velutina, assim como as suas primas, a V. crabro e a V. orientalis, são vistas frequentemente sobre as flores.

O que procuram? Prioritariamente o néctar, para darem resposta à elevada quantidade de energia que os seus voos exigem. Como caçadores oportunistas que são não dizem que não à possibilidade de caçar um insecto ou outro mais distraído que tenha o azar de estar no local errado e à hora errada.

Vespa velutina a colectar néctar numa flor.
Vespa crabro a colectar néctar numa flor.
Vespa orientalis a colectar néctar numa flor.

Contudo, se a procura dos néctares responde a essa necessidade primária ela é também essencial para responder a necessidades sociais destas espécies. Neste artigo, Continuous exchange of nectar nutrients in an Oriental hornet colony, (2022), podemos apreender alguns detalhes do processo de troca contínua, em loop, dos nutrientes açucarados num ninho de V. orientalis — a probabilidade de se passar o mesmo com a V. velutina é grande.

“A troca de nutrientes entre indivíduos adultos em insetos sociais é bidirecional, ou seja, podem ser doadores e receptores do mesmo tipo de alimento ou nutriente. […] Nas vespas sociais, as secreções larvais constituem um dos principais recursos alimentares dos adultos. As larvas de vespas são alimentadas com presas (artrópodes ou carne) coletadas pelos adultos e, em troca, as larvas devolvem aos adultos os produtos da degradação proteica na forma de uma secreção contendo carboidratos simples e aminoácidos livres (resultantes da gliconeogénese e da quebra de proteínas, respectivamente). […] Sugere-se que esta troca recíproca e unilateral de nutrientes (isto é, proteínas versus carboidratos e aminoácidos livres) e a consequente co-dependência nutricional entre adultos e larvas seja a chave para o estabelecimento da sociabilidade em Vespidae.

Apesar das vespas sociais serem ferozes caçadoras de insetos, os adultos também são frequentemente observados alimentando-se de néctar floral de uma variedade de espécies de plantas diferentes. A vespa asiática (Vespa velutina nigrithorax), por exemplo, foi observada alimentando-se de néctar floral de 27 espécies de plantas. Este consumo de néctar, no entanto, tem sido frequentemente caracterizado simplesmente como um comportamento oportunista, uma vez que a visita às flores também pode estar associada à caça de presas. As operárias adultas são voadoras fortes com uma taxa metabólica extremamente alta e alimentam seu metabolismo com uma dieta rica em carboidratos e aminoácidos livres encontrados no néctar e nas secreções larvais. Estas dietas ricas em carboidratos também podem proteger os músculos de vôo do stresse oxidativo derivado do alto desempenho aeróbico. A composição de macronutrientes das secreções larvais é análoga ao néctar das plantas visitadas pelas vespidae, embora geralmente seja mais rico em concentração e diversidade de aminoácidos. Ao contrário das operárias, as larvas necessitam de alimentos ricos em aminoácidos para sintetizar as proteínas necessárias ao seu desenvolvimento e são sustentadas por uma dieta altamente proteica. Como as larvas são alimentadas com presas e as secreções larvais são mais nutritivas para os adultos do que o néctar, por que razão as vespas também se alimentam de néctar floral?

[…] Também investigamos a importância do néctar para a sobrevivência da colónia. Nossos resultados revelam um papel importante do néctar na nutrição das vespas. Mostramos que os nutrientes do néctar são trocados num ciclo contínuo entre todas as diferentes fases da vida dos membros da colónia, desafiando o conhecimento predominante neste campo até o momento.”

Notas para levar para casa:

  • mesmo na designada fase proteica, os vespões adultos continuam a procurar fontes açucaradas;
  • a presença destes vespões nas flores explica-se pela procura de néctares e não exclusivamente por ali poder emboscar e caçar insectos;
  • se as larvas são alimentadas predominantemente com proteínas, os vespões adultos também lhes entregam nutrientes açucarados;
  • uma parte destes nutrientes açucarados, enriquecidos com aminoácidos, retornam aos indivíduos adultos através do consumo que fazem das secreções que as larvas produzem.

a conta anual da apicultura: que rentabilidade?

Desde 2009, quando iniciei a minha actividade apícola, até 2023, quando a interrompi, sempre me acompanharam as folhas de Excel, que ía preenchendo sempre que fazia uma compra ou sempre que fazia uma venda. No final do ano apícola, último dia de setembro para mim, fazia o encontro de contas para avaliar o maior ou menor sucesso financeiro alcançado no ano. Como apicultor profissional esta era uma ferramenta indispensável de registo — mais vale um lápis pequeno do que uma grande memória, P. Drucker —, de memória, de análise, de comparação, de previsão, de planeamento e de reflexão.

Vista parcial da minha folha de Excel com as despesas do ano apícola 2015-2016.

Esta publicação vem a propósito do artigo The Economics of Honey Bee (Hymenoptera: Apidae) Management and Overwintering Strategies for Colonies Used to Pollinate Almonds (2019), onde Gloria Degrandi-Hofman, reputada investigadora, e colegas concluem que contas bem feitas a rentabilidade que os apicultores profissionais retiram com o aluguer de colmeias para a polinização das amendoeiras na Califórnia é pouca ou nenhuma. Nas suas palavras “A key finding from our study is that there is little or no profit in renting colonies for almond pollination once summer management and overwintering costs are considered.

Para mim esta conclusão é surpreendente por duas razões: 1) ou os apicultores profissionais norte-americanos não estão a considerar alguns custos (custos esquecidos, ocultos ou difíceis de quantificar) e andam a trocar dinheiro; 2) ou Gloria Degrandi-Hofman e colegas, apesar de terem feito os cálculos com colmeias reais (a amostra foi de 190 colmeias) e no terreno ao longo de 10 meses, tiveram despesas acima da média, em especial no maneio de verão e inverno.

Esta publicação reflecte a complexidade em fazer a “conta” anual na apicultura.

Nota: estou consciente que para alguns apicultores a rentabilidade que tiram da sua apicultura é pouco ou nada importante, para outros é medianamente importante e muito importante e determinante para outros ainda.

tenho 500 colmeias, quanto posso esperar receber? ou um incentivo à pequenez

Surgiu num dos grupos de apicultores do FB o lacónico quadro em baixo. Como tudo o que é lacónico, demasiado sintético, abre muito o campo a interpretações. Vou apresentar a minha para o cenário de quem tem 5oo colmeias ou mais registadas na DGAV.

No escalão das primeiras 50 colmeias recebe 8,50€ por cada, isto é, 425€ (50×8,50). No segundo escalão, entre as 51 e as 150 colmeias, recebe 7,50€ por cada, isto é 750€ (100×7,50). No terceiro escalão, entre as 151 e as 250 colmeias, recebe 6€ por cada, isto é 600€ (100×6). No quarto escalão entre as 251 e as 500 colmeias, recebe 3€ por cada, isto é 750€ (250×3). No total pelas 500 colmeias irá receber 2525€ (425+750+600+750). Em média receberá 5,05 € por colmeia. Se tiver 1000 colmeias registadas receberá os mesmos 2525€, o que representa uma média de 2,53€ por colmeia. Se tiver 2000 colmeias receberá os mesmo 2525€, o que representa uma média de 1,26€ por colmeia.

Se a minha interpretação está correcta, a forma como esta medida está desenhada é um elogio e um incentivo à pequenez!

apoios directos aos apicultores: proposta rejeitada. Contrária ao espírito associativo do programa

No documento em baixo, publicado pelo GPP, ficamos a saber que propostas feitas em 2021 no sentido de se preverem apoios directos aos apicultores foram rejeitadas por serem contrárias ao espirito associativo.

Fonte: https://www.gpp.pt/images/PEPAC/ConsultaAlargadaNov21/Relatorio_2_fase_consulta_alargada_PEPAC.pdf
Como se pode ver duas propostas de apoios directos aos apicultores são rejeitadas por serem contrárias ao espírito associativo do programa.

Como já publiquei anteriormente, em França, entre outros países, os apoios directos aos apicultores convivem bem com os apoios de natureza colectiva ou associativa. Por cá a fenomenal capacidade de ler nos astros e nas vísceras de animais do mui nobre GPP, intuiu que os apoios directos aos apicultores degradam o espírito associativo. Eh pá, quero o GPP em França, já, antes que a apicultura francesa se desmorone!

vespa velutina: as velutinas têm as preferências dos gatos?

Em estudos controlados na Nova-Zelândia* e EUA acerca de quais os iscos proteicos que têm a preferência das vespas germânicas concluiu-se que são os enlatados de comida húmida de sardinha para gatos — atenção que não é a sardinha enlatada que compramos para nós!

O meu amigo, Tiago Alves Silva, enviou-me uns pequenos vídeos onde se vê as velutinas em grande actividade junto destes iscos proteicos. Deixo em baixo fotografias ilustrativas.

*Protein bait preferences of wasps (Vespula vulgaris
and V. germanica) at Mt Thomas, Canterbury, New
Zealand (1995).

Desta publicação não devem concluir que é este o melhor isco proteico para a Vespas velutina. Esse teste ainda não foi feito de forma controlada com a V. Velutina, tanto quanto é do meu conhecimento. Para já podemos concluir que também este isco tem uma boa palatabilidade para este animal voraz.

Notas: 1) com o nascimentos das gynes (as novas fundadoras) os iscos proteicos perdem gradualmente o interesse e os iscos líquidos açucarados e fermentados voltam a ter uma boa demanda por parte das futuras fundadoras.

2) Num outro estudo com a V. orientalis, verificaram que entre iscas com carne de vaca, carne de frango, fígado e sardinha, o consumo após duas horas foi 79% para a carne de vaca; 46% para o frango; 47% para o fígado e 16% para a sardinha.

fonte: Acceptance of the oriental wasp Vespa orientalis L. (Hymenoptera: Vespidae) to different baits (2016)

como utilizar este blog de forma mais rápida e eficaz

Com esta publicação, atinjo as 799. Encontrar um tema específico pode ser uma tarefa demorada e desmotivante num blog com esta dimensão. Contudo, há formas de o conseguir rapida e eficazmente. É sobre este aspecto a publicação de hoje.

Para encontrar um tema sobre o qual desejam ler neste blog, podem fazer a pesquisa por três vias basicamente: 1) por categoria; 2) utilizando a funcionalidade de pesquisa; 3) aproveitando as sugestões de publicações relacionadas.

Cada vez que faço uma publicação enquadro-a numa das categorias que fui criando ao longo do tempo. Procuro desta forma organizar, “engavetar”, publicações que abordam temas semelhantes. Por exemplo, quase tudo o que escrevi sobre V. velutina está na categoria “predadores e inimigos”. Clicando nessa categoria vão restringir bastante as publicações às que de facto vos interessam mais nesse momento.

A funcionalidade de pesquisa é, na minha opinião, a que vos orienta mais rapidamente e especificamente para o assunto que vos interessa. Por exemplo, se o amitraz vos interessa, colocando a palavra na área de pesquisa e clicando na lupa vai surgir muito do que escrevi até à data sobre este acaricida. Podem colocar duas ou mais palavras na pesquisa para a restringir o mais possível.

Finalmente, o wordpress cria automaticamente um conjunto de 3 sugestões relacionadas com cada publicação que faço. Estas sugestões podem contribuir para vos orientar na leitura de outras publicações com conteúdos semelhantes.

Estas funcionalidades aparecem em zonas diferentes do ecrã caso estejam a utilizar um computador ou um telemóvel. No caso do computador a funcionalidade 1) e 2) surge no topo superior do lado direito e a 3) ao fundo do texto publicado. No caso do telemóvel estas três funcionalidades surgem gradualmente continuando a deslizar o ecrã depois do texto da publicação.

Podem também subscrever este blog, colocando o endereço de e-mail para o qual será enviada uma notificação automática sempre que faça uma publicação nova.

Para além destas funcionalidades podem utilizar o “Dr. Google” para pesquisarem, e com uma boa probabilidade encontrarão sugestões de entrada neste blog. Por exemplo, coloquei agora mesmo “amitraz contra a varroa” na pesquisa e surgem duas entradas no topo para o “abelhas à beira”.

Leiam o mais que puderem, neste blog ou noutras fontes, e escolham essa fontes criteriosamente. Se me permitem um conselho, fujam daqueles que vos apresentam “receitas” espectaculares sem nunca terem escrito uma linha sobre a Biologia da Abelha, o ciclo de vida da Varroa destructor, e outros fundamentos… e sem nunca terem relatado um ou outro insucesso com o seu maneio de colónias de abelhas.

a apimondia da (in)sustentabilidade

O programa científico da Apimondia, que este ano decorrerá no Chile no próximo mês de setembro, tem a sustentabilidade como núcleo central — Sustainable beekeeping in a changing world, parece ser o foco.

Quem se opõe ao conceito de uma apicultura mais sustentável que levante o braço… ninguém. Ok, vamos em frente!

O que me surpreende é que esta preocupação, admirável preocupação, com a sustentabilidade não se tenha concretizado na possibilidade de os interessados poderem assistir virtualmente, on-line, em suas casas, com uma pegada carbónica bastante reduzida, quando comparada com a pegada deixada pelas deslocações que irão ser feitas das mais diversas e longínquas partes do mundo pelos interessados em assistir.

Dei comigo a pensar sobre esta incoerência ontem. Não iria passar disso, um pensamento que iria ficar comigo, caso o João Gomes hoje, em conversa comigo, não tivesse apontado também esta evidente incoerência, e isto sem termos antes falado sobre o assunto. Se dois estão a pensar sobre o mesmo é bem provável que haja muitos outros a fazê-lo. Serve esta publicação para dar voz a esses pensamentos e procurar contribuir para que todos nós, nas pequenas e grandes coisas da nossa vida, pensemos cada vez mais e mais em que medida as nossas acções no dia-a-dia estão a contribuir para a (in)sustentabilidade deste planeta. Estas jornadas da Apimondia este ano começam com o pé errado, e sem a mão ecológica necessária para credibilizar todas as magníficas palestras que irão ser realizadas sobre apicultura sutentável. Irão estar a defender uma coisa e a fazer o seu contrário!

Nota: mais estranha e incoerente esta situação é se tivermos em conta que na anterior edição da Apimondia era possível fazer a inscrição para participação virtual… pelo valor de 40€.

hoje o mel que produzo são as minhas publicações e um agradecimento

Hoje o mel que produzo são as minhas publicações. E tal como o mel que produzi quando tinha abelhas não era contrafeito, também as minhas publicações não o são.

Até hoje fiz 788 publicações. Uma boa parte delas são publicações originais, resultado da descrição do trabalho que desenvolvi e observei nos meus apiários, ou o resultado do exercício de opinião numa sociedade livre como a nossa, ou ainda da conjugação de reflexões pessoais com informações do conhecimento comum. Estas publicações obviamente não carecem da identificação das fontes.

Uma parte mais reduzida das minhas publicações são traduções, mais ou menos literais, mais ou menos parcelares, de estudos de natureza científica ou de textos de apicultores pelos quais tenho uma especial predilecção. Nestas identifico sempre as fontes e/ou referências bibliográficas que utilizei.

E os que acompanham as minhas publicações sabem que assim é.

Tanto assim é que um amigo, investigador na UC, ligou-me há umas semanas atrás a pedir-me a referência de um estudo francês que se lembrava de ter lido por aqui a tradução. Como precisava de aceder a esse estudo, e através do google scholar não estava a conseguir fazê-lo, pediu-me ajuda para localizar a publicação e assim chegar ao respectivo estudo. Ele sabia que a referência bibliográfica lá estava, como habitualmente está nas publicações deste tipo. Pela descrição que ele me fez do conteúdo da publicação, localizei-a com alguma facilidade… e lá estava, preto no branco, a referência bibliográfica, que de imediato enviei a este meu amigo.

Este mel não é contrafeito. Quando muito pode ter algumas notas um pouco amargas para alguns, como tem o mel de urze. É natural que nem todos as apreciem.

Contudo dizer que este mel puro foi misturado com açúcar magoa e ofende. E foi dessa ofensa que juntamente com os meus amigos(as), parte dos quais não conheço pessoalmente, me defendi. E lhes expresso o meu profundo agradecimento.

A vida continua… muita saúde para todos(as). Um abraço enorme!

vespa velutina: controlar a dispersão de novas fundadoras

Cada ninho maduro de V. velutina, cria em média 600-900 machos e 350-500 novas fundadoras por cada ciclo anual.

Se nesta população de novas fundadoras forem eliminadas antes de iniciarem uma nova colónia por causas naturais, como competição entre fundadoras e/ou por predação de outros animais, ou por causas artificiais, como armadilhagem para captura de fundadoras levadas a cabo por apicultores e outros, 90% dos indivíduos, os 10% da população sobrevivente terá o potencial para criar 350 a 500 mil novos indivíduos no ano em questão, a uma razão de 10 mil indivíduos por ninho.

Pela capacidade estonteante de criar inúmeros indivíduos reprodutores e fecundados por cada ciclo anual, fica claro que qualquer estratégia de controlo desta praga só terá sucesso se estiver desenhada e se tiver os meios para eliminar os ninhos maduros antes da dispersão de novas fundadoras, isto é antes de do mês de outubro, em geral.

Para levar a cabo a localização e/ou destruição dos ninhos antes da fase de dispersão da nova geração de fundadoras temos vários procedimentos, todos eles com virtualidades e limitações:

  • localização por triangulação;
  • localização por radar;
  • localização por imagens térmicas;
  • localização por perseguição;
  • localização acidental;
  • estações com iscos tóxicos;
  • “cavalos de troia”;

A propósito da localização de ninhos por perseguição deixo este pequeno vídeo com um exemplar da V. mandarinia, espécie ainda não identificada na Europa. A V. mandarinia, a maior vespa do mundo, tem a capacidade para levantar voo com um “lençol” agarrado. Com a V. velutina teria que se fazer com algo mais leve e pequeno. Nestas condições seria visível com um drone? Nada como experimentar, se ainda não foi experimentado.

Nota: os apicultores utilizam um conjunto mais vasto de ferramentas para proteger as suas colónias, que não menciono nesta publicação — escrevi outras publicações sobre as mesmas. Essas ferramentas estão desenhadas para defender as colónias de abelhas, e são mais ou menos eficazes. Contudo uma boa parte dessas técnicas e ferramentas têm apenas esse alcance: protegem as colónias mas não têm um impacto notável nos ninhos da V. velutina e na sua dispersão anual.

apicultura darwiniana: análise crítica

Deixo em baixo a tradução/adaptação de um texto que analisa de forma crítica algumas das reivindicações mais frequentemente utilizadas pelo grupo de apicultores que abraçou uma abordagem radical dos pontos de vista expostos por Tom Seeley no artigo de 2017, Darwinian beekeeping: An evolutionary approach to apiculture (American Bee Journal. 157. 277-282).

“Nos últimos anos, algumas formas de apicultura alternativa foram revitalizadas, como a apicultura sem tratamentos (treatment free), biodinâmica e “natural”. Estas práticas ganharam popularidade quando o professor Tom Seeley divulgou as suas experiências e conclusões em 2017 e introduziu o conceito “Apicultura darwiniana”. Seeley argumenta que o conceito de evolução através da seleção natural raramente é usado na apicultura. Segundo ele imitando as condições naturais das abelhas e a seleção natural, podemos levá-las a superar os seus problemas. As soluções surgirão rapidamente se o apicultor estiver sintonizado com esta visão.

No passado, o campo da apicultura “natural” foi inspirado por uma filosofia da new age: “as abelhas superam tudo com o poder da natureza”. Ao longo do caminho, as intervenções de Seeley e outros cientistas, introduziram formas alternativas de apicultura, envolvendo os princípios da biologia evolutiva. Neste texto, explicarei como essa combinação de apicultura alternativa e ciência produziu uma cultura pseudo-darwiniana de práticas extremas. Meu principal problema com a chamada “apicultura darwiniana” é que ela não é verdadeiramente darwiniana. E não quero dizer que não seja radical o suficiente, muito pelo contrário. Este ramo da apicultura usa constantemente o apelo à natureza, criando uma retórica particularmente atraente para os apicultores orgânicos e alguns apicultores de pequena dimensão adeptos da lazy beekeeping (apicultura preguiçosa).

Estes apicultores tentam a apicultura “natural” e sem tratamentos sustentados alegadamente em argumentos darwinianos. Vou desenvolvê-los a seguir. É de realçar que Seeley é bastante cuidadoso nas suas palavras e instruções, mas as suas ideias são distorcidas e usadas de forma excessivamente rígida e radical. Na demanda da “naturalidade”, qualquer método natural de apicultura nunca será natural o suficiente. Surgirá sempre uma forma mais “natural” e “pura”.

Primeira reivindicação: “As abelhas sobreviveram milhões de anos enfrentando doenças e pragas sem intervenção humana. Portanto, têm, ou podem desenvolver, os mecanismos para lidar com a varroa, etc., desde que deixemos a natureza fazer o seu trabalho.”

Na história natural, inúmeras espécies bem adaptadas extinguiram-se por mudanças súbitas no meio. O Varroa destructor mudou o meio subitamente e teria exterminado as abelhas europeias se os humanos não tivessem intervindo.

Segunda reivindicação: a natureza tem o método de seleção natural para eliminar os desajustados e escolher os ajustados. A apicultura natural está mais próxima da seleção natural.

A seleção natural é um processo de eliminação/selecção ao longo de milhares de anos. Na verdade, estes métodos apícolas alegadamente naturais exercem muitas vezes uma pressão de seleção excessivamente rápida, expondo as abelhas ao stresse crónico (parasitário e dietético) e à morte de milhares de milhões de abelhas. O esquecimento destas perdas incontáveis é bem explicado pelo viés da sobrevivência. Além disso, a evolução das espécies envolve três outros mecanismos além da seleção natural: deriva genética, mutação genética e fluxo genético. Não encontramos referências a estes três mecanismos na apicultura darwiniana porque estragam qualquer narrativa credível acerca da sua efectividade.

Terceira reivindicação: Qualquer intervenção ou assistência com substâncias químicas, biológicas ou mesmo naturais retarda a adaptação natural das abelhas contra patógenos e parasitas.

Outro erro fundamental em torno do qual a apicultura sem tratamentos é construída. Pelo contrário, a intervenção dá às abelhas tempo para se adaptarem. Quanto tempo tiveram as primeiras colónias de abelhas europeias quando entram em contato com varroa? Muito pouco… e sucumbiram.

Quarta reivindicação: Através de métodos naturais de apicultura, o ácaro Varroa perde sua natureza agressiva e desenvolve uma relação simbiótica com as abelhas.

O Varroa destructor é um parasita europeu das abelhas melíferas. É improvável que perca essa característica rapidamente, só porque algumas pessoas colocam as abelhas dentro de troncos de árvores e as deixam enxamear todos os anos. Lembrem-se de que os parasitas e predadores permaneceram os mesmos por milhões de anos e não mudam facilmente. Por exemplo, vespas predadoras, esses ancestrais das abelhas, permanecem predadoras.

Quinta reivindicação: As abelhas na natureza escolhem as suas novas rainhas, enquanto nós, com nossas técnicas, as impedimos de escolhê-las.

Esta é uma das reivindicações mais fracas no texto de Seeley. Uma análise meticulosa da enxameação revela que há uma aleatoriedade na criação natural de rainhas. É como se as operárias “optassem por não escolher” suas rainhas, fazendo numerosos cálices que serão utilizados pela rainha de forma aleatória. As operárias simplesmente descartam algumas larvas mal alimentadas, enquanto retêm o elemento aleatório. Surpreendentemente, muitas das técnicas de translarve de rainhas mantêm um elemento análogo de aleatoriedade.”

fonte: https://thebeekeepinglab.com/2023/07/08/pseudo-darwinism-in-beekeeping/?fbclid=IwAR26HCU8BeHf1DAyYguCRS-49_SaEqVIsdlSfJ317AhhXm3v5mPuXJMhD5Q_aem_Ae9BTGDi31rgF_uwnNsrzVInb1J306DJoYO0rkoJz9NA7BszGhVCPk-7dByljzkWzMU

Notas:

1) na minha opinião a publicação “a minha resistência à resistência: o foco no foco” complementa esta adequadamente.

2) Aceitando que esta abordagem darwiniana seja a melhor maneira de lidar com os ácaros varroa, nunca funcionará se não for adoptada por praticamente TODOS os apicultores e ao mesmo tempo, isto para evitar a deriva/diluição genética dos traços que conferem resistência.

3) E se TODOS aderirem ao projecto… como se resolverá a falência da polinização, a escassez de alimentos e os efeitos sociais e económicos decorrentes de mortalidade massiva de 95-99% das colónias de abelhas e isto durante os anos que o efectivo apícola levará a recuperar?

4) Esta experiência com animais sociais, com milhões de milhões de abelhas condenadas ao sofrimento e à morte desnecessária, às mãos de uma ideologia que por uma triste ironia se diz apicentrada e que procura o bem-estar das abelhas, é um paradoxo ético.

5) Ninguém sabe que abelha resultará de um processo de selecção tão esmagador como o desta proposta “vive e deixa morrer”, que conduzirá inevitavelmente a um enorme empobrecimento do pool genético, aspecto que contraria a tendência natural de promoção da diversidade genética das abelhas .

6) Que garantias há que o ácaro varroa não evoluirá também para se adaptar a colónias pequenas, que enxameiem muito e que não são tratadas, como proposto pelos mais acérrimos defensores desta via, a única respeitadora das abelhas na sua opinião.

7) Como percepcionamos deixar de tratar os nossos outros animais domésticos, cães, gatos, …, para que a natureza elimine os indivíduos susceptíveis às doenças e para as quais temos medicamentos?