do Parque Natural de Montesinho ao Parque Natural da Serra da Estrela, um cenário de escassez

Li ontem, no jornal Brigantia, este testemunho de Carlos Alves: “Carlos Alves é o maior apicultor do Parque Natural de Montesinho. Tem 1200 colmeias, em Passos de Lomba, concelho de Vinhais. A apicultura começou por ser um passatempo, mas há cerca de sete anos decidiu profissionalizar-se, quando a actividade ainda era “rentável”. Agora, os prejuízos são grandes. “Pelas minhas contas anuais, o ano passado, na minha exploração, que se dedica exclusivamente à produção de mel, tive prejuízos entre os 12 a 15 mil euros”.

A continuar assim, pondera deixar a actividade, porque começa a ser intolerável aguentar os custos de produção. “Se este ano tiver perdas, em 2024 tenho que pensar seriamente se posso continuar ou não na actividade porque está a deixar de ser rentável. As produções estão a ser muito baixas, o custo de produção está elevadíssimo, os materiais para a apicultura estão muito caros, os alimentos também, o preço deles duplicou”.

O apicultor não compreende a falta de apoios do Ministério da Agricultura. “A falta de apoios, que temos pela parte do Estado, não se compreende porque nós temos que seguir as normas europeias, a nível de produção, tanto de bens derivados da apicultura como a forma como tratamos as colmeias. Quando se trata de direitos… não temos os mesmos direitos que os apicultores europeus”.

Foi um mero acaso, mas ontem em conversa o meu amigo Pires Veiga confirmou um cenário muito semelhante nos seus apiários situados no Parque Natural da Serra da Estrela. Meias alças vazias em junho, com as abelhas a não subirem apesar dos ninhos estarem bem povoados, com as abelhas paradas na frente das colmeias, sem vontade de saírem para o campo. A explicação que me adiantou foi a escassez de néctar no mês de abril, com o rosmaninho e outras florações a durar meia dúzia de dias, consequência das ondas de calor que também ali se sentiram. E como uma desgraça nunca vem só, as fortes chuvadas e as trovoadas do mês de maio lavaram as flores, piorando mais ainda as condições de pasto para as abelhas. Dizia-me a terminar que as coisas a continuarem assim, com fracas produções e os materiais cada vez mais caros, sem qualquer apoio digno desse nome (porque um apoio não é uma esmolinha) a apicultura será para aqueles com meia-dúzia de colmeias, que desejem passar algum do seu tempo livre a cuidar delas.

A terminar esta publicação dizer, caro amigo, que acompanho a tua análise da época e o teu sentimento acerca do futuro próximo. Haverá seguramente algumas zonas com produções razoáveis, infelizmente uma excepção à regra.

trabalho de apiário: colocação de grelhas excluidoras e marcação de rainhas

Ontem, o Marcelo desafiou-me a ir ao seu apiário para o acompanhar e ajudar na realização de duas tarefas: colocar grelhas excluidoras em todas as colónias do apiário, com a óbvia excepção de alguns enxames novos que se mantêm no ninho, e aproveitar a oportunidade para marcar e remarcar algumas rainhas de 2023 e de 2022, respectivamente.

O Marcelo e as excluidoras novas a estrear.

E porque está o Marcelo a universalizar a utilização das excluidoras? Porque também neste litoral está a ver o que eu via na beira. As excluidoras são peças fundamentais para ter ninhos muito organizados, com quadros desbloqueados, com excelentes áreas para excelentes padrões de postura, quadros com o pólen/pão de abelha nas bordaduras e não espalhado um pouco por toda a superfície dos mesmos, meias alças preenchidas de néctar/mel sem a presença de indesejável criação e/ou pólen/pão de abelha.

Estou consciente que iniciei uma renovação/outra forma de fazer e pensar em vários aspectos do maneio de colónias de abelhas no nosso país, por ex. com as colmeias armazém, a regra não mais de 6, os desdobramentos com recurso à técnica Doolittle. No caso das excluidoras parece-me que os apicultores estão a acreditar e a experimentar cada vez mais as virtualidades da utilização adequada das mesmas, a ultrapassar preconceitos como este por exemplo: estou a criar turbo-rainhas que põem um mínimo de 4 mil ovos/dia e não as quero limitadas! WTF bro!!

Exemplo de um quadro langstroth de uma colónia com a rainha confinada ao ninho por uma excluidora.
Remarcação de uma rainha de 2022.
Rainha remarcada. Alguns criadores de rainhas defendem a tese que a limpeza desta marca do tórax das rainhas indica um bom comportamento higiénico das abelhas daquela colónia! What?? Seria tão confortável se assim fosse. Aqueles que utilizam os testes de refrigeração da criação, os testes de perfuração da criação para testar o comportamento higiénico, são ultrapassados pela direita e a grande velocidade por estes espertos que dizem n’import quoi! Para todos nós, o comportamento higiénico é bastante complexo, envolve várias operações por parte das abelhas, envolve uma combinação de genes relativamente rara e em nada se assemelha a este comportamento de (suposta) limpeza de tinta do tórax da rainha.

A foto da excluidora em baixo, é a testemunha silenciosa de um acontecimento inesperado. Uma rainha que passa através dela como água por areia fina. Defeito da excluidora? Não nos parece, nem ao Marcelo nem a mim. Esta já é a segunda excluidora que colocamos nesta colmeia, porque também com a excluidora anterior a rainha passava do ninho para as meias alças e novamente para o ninho. Na altura e apesar não vermos nenhum defeito nessa excluidora decidimos trocá-la e colocar esta da foto em baixo. Ontem decidimos trocar esta por uma nova. Para ver o resultado numa próxima oportunidade.

Até à próxima visita a um apiário, do Marcelo ou de outro companheiro que deseje que o acompanhe neste prazeroso trabalho, ficam-me na retina e na memória o muito que as abelhas me mostraram e ensinaram… juntamente com o que aprendi dos vários Mestres com quem tive a felicidade de me ir cruzando.

rainhas de emergência: põem menos ovos e gastam-se mais depressa?

Ontem com um bom amigo e criador de rainhas conversámos sobre a qualidade das rainhas de emergência.

Em publicações passadas, esta entre outras pobres rainha de emergência revisitado, apresentei dados que não confirmam a crença de que as abelhas numa situação de orfandade súbita e inesperada produzem mestreiros de pouca qualidade a partir de larvas com 6 ou mais dias de idade, contados a partir da oviposição. Mais, é defendido que são estas rainhas morfologicamente e nutricionalmente comprometidas que eliminam as suas irmãs mais novas e que acabam por ser aceites pelas abelhas. Esta crença tão profundamente instalada nos apicultores como a crença de que o mel cristalizado está misturado com açucar de mesa nos consumidores, não é confirmada por estudos empíricos devidamente controlados. O que estes estudos confirmam é de que as abelhas seleccionam os mestreiros e seleccionam a melhor rainha de emergência que têm disponível.

Mas será a melhor rainha de emergência suficientemente boa? Não irá pôr menos ovos e/ou durante menos tempo, isto é, não tendem a ser menos prolíficas e menos longevas?

Para responder a estas duas questões importa conhecer o número médio de ovaríolos presentes em cada ovário e o volume da espermateca em rainhas de reputada qualidade. O número de ovaríolos determina a prolificidade, isto é o potencial de oviposição de uma rainha; o volume da espermateca determina o potencial de armazenamento de sémen, portanto a longevidade das rainhas.

Contagem de ovaríolos. Da esquerda para a direita: um ovário após a coloração, um ovário durante a contagem dos ovaríolos, detalhe da estrutura dos ovaríolos. (fonte:
Investigating Genetic and Phenotypic Variability of Queen Bees: Morphological and Reproductive Traits, 2021)

Num estudo recente (Investigating Genetic and Phenotypic Variability of Queen Bees: Morphological and Reproductive Traits, 2021) são apresentados, entre outros, os valores médios para estas duas características resultantes da análise de 147 rainhas criadas por translarve de um reputado criador italiano*: (i) o número médio de ovaríolos é 282 (141 por ovário); (ii) o volume médio da espermateca é 1,27 milímetros cúbicos.

Tomando estes números como referência, 282 ovaríolos e 1,27 mílimetros cúbicos para o volume da espermateca, comparemo-los com os dados referidos num estudo de Tarpy e colegas, estudo já aqui mencionado (Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality, 1999), onde avaliaram estes mesmo parâmetros em 89 rainhas criadas naturalmente e numa situação de emergência: (i) o número médio de ovaríolos não desceu abaixo de 305; (ii) o volume médio da espermateca não desceu abaixo de 1,21 milímetros cúbicos (na categoria rainhas criadas a partir de larvas com até 24 h) e, em todas as outras categorias analisadas, foi sempre igual ou superior a 134 milímetros cúbicos (ver quadro em baixo)

Fonte: Worker regulation of emergency queen rearing in honey bee colonies and the resultant variation in queen quality, 1999.

Em conclusão e respondendo resumidamente às duas questões do título: as rainhas criadas naturalmente num processo de emergência têm potencial morfológico (número de ovaríolos) para porem os mesmo ovos que as rainhas criadas por translarve e, simultaneamente, têm o mesmo potencial para durarem tanto como as rainhas criadas por translarve (volume da espermateca).

Na minha prática apícola foram muitas as vezes que recorri aos criadores de rainhas para fazer novas colónias. Comprei mais rainhas de boa qualidade do que rainhas de pouca qualidade, o que revela que o trabalho está a ser bem feito. Contudo, nunca reneguei umas nem outras por preconceitos baseados em crenças de maior ou menor qualidade de umas ou de outras. As minhas opções guiavam-se por critérios de custo-oportunidade para atingir os objectivos do momento. Numas alturas esta análise levava-me a adquirir rainhas de criadores, noutras alturas levava-me a criar as minhas rainhas de forma natural. Como não estou aqui a vender nada, digo isto sem estar a puxar a brasa à minha sardinha, digo-o com sustentação em evidências empíricas, de outros e minhas, e não porque ouvi dizer nas avenidas e nos becos da conversação apícola, tão alimentada por mitos e interesses, mais ou menos expressos ou latentes.

Nota: * a propósito do método de criação de rainhas do referido criador italiano lê-se no artigo: “As rainhas foram fornecidas por uma empresa italiana de criação de rainhas e apicultura que produz e vende cerca de 400 a 600 rainhas por semana, da primavera ao final do verão. A criação das rainhas foi caracterizada por um sistema de produção padronizado e pela rastreabilidade das linhagens materna e paterna de cada rainha (o pedigree). O sistema de criação padronizado consiste em utilizar apenas colónias finalizadoras sem rainha.”

sobre a epidemia de enxameação e sobre as abelhas domésticas no Reino Unido

Em baixo deixo a tradução de um artigo publicado ontem na BBC News intitulado “Beekeepers ‘run out of equipment’ as swarms rise“. Muito interessante a explicação do apicultor Alan Deeley — eu também atrasei/adiei algumas vezes o meu maneio de prevenção da enxameação em alguns apiários por razões devidas à metereologia difícil e, quando finalmente o podia fazer, algumas colónias estavam já em modo de enxameação. Muito interessante também a opinião do professor David Chandler, sobre o papel dos apicultores na sobrevivência das abelhas melíferas domésticas.

“Os apicultores dizem que estão a ficar sem equipamentos para albergar o aumento do número dos enxames de abelhas após um período de calor.

Uma primavera longa e fria seguida do aumento das temperaturas significa que um número grande de enxames agora procuram novas localizações, dizem especialistas da Universidade de Warwick.

O público está sendo aconselhado a não entrar em pânico se avistar as abelhas e, em vez disso, chamar profissionais para as retirar.

“Foi um ano muito incomum para enxames”, disse o apicultor Alan Deeley.

Alan Deeley diz que uma longa primavera fria seguida de clima quente levou a um aumento de enxames.

Os apicultores inspecionaram as colmeias assim que se atingiram 15°C, no entanto, no início da primavera, as temperaturas permaneceram baixas, e por essa razão eles não conseguiram fazer o maneio de prevenção da enxameação, disse Deeley.

“Assim que o tempo melhorou, a enxameação aumentou de forma louca”, acrescentou.

O professor David Chandler, microbiologista e entomologista da Universidade de Warwick, disse: “Agora só existem abelhas por causa dos apicultores.

“Não há abelhas selvagens neste país porque as abelhas são afetadas por um ácaro parasita que se alimenta de seu sangue – é uma espécie invasora”.

O meu acordo total com o professor David Chandler, como se pode confirmar pelo que escrevi aqui há uma semana atrás.

Fonte: https://www.bbc.com/news/uk-england-coventry-warwickshire-65746081

quadros de cera laminada no ninho: como interpretar a sua utilização pelas abelhas

Na época da enxameação reprodutiva (abril e maio no território onde tinha os meus apiários), a aplicação da regra não mais de 6 para fazer a prevenção da enxameação de forma sistemática permitiu-me ir fazendo um conjunto numeroso de observações acerca da utilização e finalidade que as abelhas davam aos quadros de cera laminada que lhes ía colocando regularmente no ninho. Havia colónias que aproveitavam estes quadros para a rainha aí fazer postura de travessão a travessão num primeiro ciclo de postura, e nos ciclos seguintes ía aumentando a abóbada de mel permanecendo uma área generosa desses quadros para a postura da rainha. Contudo outras colónias aproveitavam estes quadros com cera nova sobretudo para armazenarem pólen e/ou néctar.

Das minhas observações verifiquei que esta apropriação e utilização diferente entre colónias dos quadros de cera laminada que ía colocando com intervalos de 15 dias e durante o período da enxameação reprodutiva (período com cerca de 45 dias no território onde tinha os apiários) estava associada frequentemente a dois modos diferentes das colónias:

  • as colónias que aproveitavam os quadros para a rainha aí fazer abundante postura não estavam em modo de enxameação;
  • as colónias que aproveitavam os quadros para aí armazenarem pólen e néctar estavam em modo de enxameação.
Quadro langstroth com cera laminada colocado na posição 2 do ninho 10 dias antes desta fotografia. Está cheio de larvas de travessão a travessão.
Quadro lusitana colocado na posição 9 no âmbito da aplicação da regra não mais de 6 com criação em mais de 90% da sua área. As abóbadas de mel aparecem somente no ciclo posterior de postura nesta época do ano.

A utilização que as colónias faziam dos quadros com cera laminada que lhes ía colocando em intervalos de cerca de 15 dias funcionavam para mim como bio-sensores do modo em que estavam as minhas colónias: em modo de crescimento ou em modo de enxameação.

a genética da abelha melífera: palestra de Umberto Moreno

Em baixo deixo uma palestra que Umberto Moreno, apicultor colombiano, investigador avançado em programas de genética da abelha, deu recentemente para a Apicultura sin Fronteras.

Entre outros, esclarece os seguintes conceitos:

  • F1, F2,F3,
  • Raça pura, híbrido e linha.

Ao mesmo tempo desmistifica e traz-nos à terra acerca da possibilidade/dificuldade de melhoria genética das nossas abelhas, sem um suporte em processos contínuos e demorados, levados a cabo por profissionais com elevados conhecimentos e apetrechados com recursos e tecnologia dedicada. A este propósito aborda:

  • a dificuldade de fazer selecção e melhoria de comportamentos, como a defensividade e a produção de mel, porque 1) estes comportamentos têm uma origem poligénica; 2) pela baixa heritabilidade; 3) pela complexidade trazida pelo sistema haplo-diploide, poliandria e panmixia de reprodução destes super-organismos;
  • a ideia de que para potencializar comportamentos desejáveis, como a produtividade das nossas colónias, a qualidade do maneio é uma peça crucial (defesa que fiz também aqui).

Para esta lição magistral de um geneticista, que conhece muito bem os limites e as potencialidades da selecção das nossas abelhas pela abordagem genética, fui todo ouvidos. Desafio-vos a fazerem o mesmo!

jornadas apícolas marienses

Um agradecimento aos organizadores pelo convite para participar, onde descreverei as técncicas de prevenção da enxameação e as técnicas de controlo da enxameação que utilizei ao longo de vários anos num cantinho da Serra da Estrela.

Para mais informações ficam o número de telefone e o endereço electrónico no canto inferior direito do cartaz. Apareçam!

o papel dos apicultores na sobrevivência de enxames de abelhas domésticas europeias

Ontem, escrevi o seguinte no meu mural do facebook:

“A abelha doméstica europeia não está em perigo de extinção, mas tal não se deve à qualidade do ambiente como se sabe. Deve-se aos apicultores que cuidam delas. E os apicultores estão a ficar desalentados por diversas razões, principalmente pela falta de retorno do investimento que fazem ano após ano. E se assim continuar, com o abandono e falta de substituição dos apicultores mais velhos por apicultores mais novos, a abelha doméstica europeia poderá vir a correr riscos de extinção. Para que tal não aconteça importa evitar a extinção dos seus cuidadores, os apicultores.”

Uma colónia de abelhas domésticas europeias (A.m. iberiensis). A terminologia doméstica é utilizada neste contexto para identificar as colónias de abelhas que são acompanhadas e geridas pelo apicultor, e distingui-las das colónias de abelhas assilvestradas e/ou selvagens que se desenvolvem sem esse acompanhamento.

Num artigo recente da Comissão Europeia (2022), surge este quadro com a evolução do número de colónias domésticas de abelhas no período de 2016 a 2020 e no espaço da UE. Fica evidente que nos últimos 3 anos avaliados o número de colónias domésticas tem aumentado.

Contudo as razões deste aumento do número de colónias devem ser bem identificadas e melhor compreendidas.

Primeiro ponto: o efectivo tem aumentado não porque o ambiente tenha melhorado. Segundo ponto: o efectivo tem aumentado porque as colónias de abelhas têm tido, genericamente, cuidadores à altura das exigências do momento, os apicultores.

Vejamos com algum detalhe. Muitos aspectos do ambiente têm-se detriorado nos últimos anos, entre outros: o principal inimigo das abelhas melíferas, o ácaro Varroa destructor, adquire resistência a medicamentos e veicula vírus mais virulentos (tipo 2 do VAD, por exemplo); as alterações climáticas retiram potencial apícola onde antes ele existia (zonas de clima mediterrânico, entre outras); os predadores ultrapassam geografias por via do comércio global e invadem a Europa (V. velutina, entre outros); os custos e esforços para a manutenção de efectivos produtivos são cada vez maiores (custos de diversos equipamentos e produtos essenciais à apicultura e manutenção dos enxames).

Ao mesmo tempo é evidente, para os que conhecem a realidade, que o aumento de colónias de abelhas melíferas depende exclusivamente do aumento de colónias domésticas. O aumento das colónias de abelhas na Europa não se deve ao aumento dos enxames assilvestrados. Estes enxames, que surgem dos processos de enxameação de colónias domésticas, têm taxas de sobrevivência muito baixas, e a grande maioria não sobrevivem durante o primeiro ano. Os enxames de abelhas melíferas selvagens, aqueles que sobrevivem durante anos seguidos sem intervenção do homem, contam-se pelos dedos.

Nos dias de hoje a dependência da sobrevivência dos enxames de abelhas melíferas dos cuidados dos a apicultores é um aspecto por demais evidente. E este é um copo meio cheio. Por enquanto, conseguimos sustentar e até aumentar o número de colónias. Contudo esta relação é frágil, porque um dos maiores motivadores para a sua manutenção é económica, e este motivo tem sofrido uma erosão forte nos últimos anos. Sei que outros motivos, desde os espirituais, aos emocionais e ecológicos, também estão presentes nos apicultores. Tenho muitas dúvidas, contudo, se estes serão suficientes para manter os 19 milhões de colónias de abelhas domésticas existentes em 2020 na UE.

tipos de mestreiros: os mestreiros de substituição

Os mestreiros de substituição surgem quando as colónias necessitam substituir uma rainha envelhecida e/ou com postura fraca.

As abelhas apercebem-se deste declínio e/ou falha da rainha através da diminuição das feromonas glandulares da rainha e das feromonas da criação. Ao contrário da condição de emergência que se caracteriza pela sua natureza súbita e inesperada, a condição de substituição da rainha caracteriza-se pela sua natureza gradual e previsível. As colónias produzem mestreiros de substituição por razões diferentes, como por exemplo:

  • a rainha está envelhecida;
  • a rainha é nova mas está mal fecundada;
  • a rainha não produz feromonas suficientes;
  • a rainha produz demasiados zângãos;
  • o padrão de postura é irregular;

O número de mestreiros de susbstituição geralmente não ultrapassa os 4 e estão frequentemente localizados na zona do topo e/ou central do quadro. Estes mestreiros formam-se a partir de cálices reais pré-existentes, aspecto distintivo dos mestreiros de emergência.

Exemplo de um mestreiro de substituição formado a partir de um cálice real.
Localização mais frequente dos mestreiros nos quadros: os de substituição no topo e/ou centro dos quadros; os de enxameação no fundo e/ou laterais dos quadros.

Ao contrário dos mestreiros de enxameação, os mestreiros de substituição podem surgir em qualquer época do ano. Durante algumas épocas do ano, a fecundação da rainha tem poucas probabilidades de sucesso porque há poucos zângãos disponíveis e/ou porque a metereologia não é a ideal para os voos de fecundação. Nestas situações, o apicultor pode intervir introduzindo uma nova rainha fecundada se a tiver disponível, ou juntando o enxame orfão a um enxame funcional.

a selecção de rainhas pelas abelhas ou a explosão de um mito

A apicultura, assim como outras actividades humanas, não escapa a falsas verdades que vão sendo perpetuados por sucessivas gerações. Por exemplo, acredita-se que numa condição de emergência, por perda súbita e inesperada de sua rainha, as abelhas entram em pânico, produzem rainhas a partir de larvas demasiado velhas, dando origem a rainhas de qualidade inferior que, por serem as primeiras a emergir dos mestreiros, irão eliminar as suas irmãs ainda por nascer e de melhor qualidade. Portanto e segundo esta crença, as abelhas depois do estado de pânico inicial e do erro cometido debaixo dessa circunstância de desespero, nada mais fazem para rectificar a estupidez cometida atrás, ficam a assistir passivamente ao desenrolar dos acontecimentos e condenam-se a ter uma mãe de má qualidade. Este é o mito!

Já há cerca de um século atrás, apicultores de grande crédito como G. Doolittle, C. Miller, J. Smith, M. Quinby, entre outros, questionavam este mito.

Viremos a página, actualizemo-nos e aprendamos com o que hoje se sabe através dos dados obtidos empiricamente, por observações devidamente planeadas e controladas. Numa situação de emergência as abelhas calmamente, sem pânico e sem desespero:

  • escolhem os ovos e larvas melhor nutridas para daí criarem as suas rainhas;
  • eliminam mestreiros de pior qualidade antes de as rainhas emergirem;
  • depois das rainhas nascidas, contribuem para a selecção das rainhas mais vigorosas por via das vibrações que imprimem nos quadros de cera.

Estes comportamentos mostram à saciedade o papel activo das abelhas, desde o ovo até à rainha adulta, na selecção de suas rainhas de emergência.

Um aparte: não estou nesta publicação a defender que os apicultores devem multiplicar os enxames por via desta técnica em lugar de utilizarem o translarve ou rainhas compradas a criadores. Não! Não defendi isso, nem nesta publicação nem em qualquer outra feita por mim. Aqueles que assim o entenderam, entenderam mal. Sei uma coisa de há muito: controlo o que escrevo, não controlo, nem o quero controlar, as ilações que cada um tira do que escrevo, estejam elas certas ou erradas.

A terminar: há rainhas de emergência de fraca qualidade? Sim, eu encontrei umas poucas nas minhas colmeias. Quando foram criadas em condições sub-óptimas, com poucas abelhas e/ou poucos recursos nutritivos. Apesar de fazerem muito bem o que fazem, rainhas entre outras coisas, as abelhas ainda não fazem omeletes sem ovos!

Nota: Podem ler mais aprofundadamente aqui: https://www.beeculture.com/a-closer-look-9/