quantificação do intervalo de distâncias de acasalamento das abelhas melíferas e isolamento em vales semi-isolados por análise de paternidade por microssatélites de DNA

“Os machos e as rainhas de abelhas melíferas acasalam no ar e podem voar muitos quilómetros nos seus voos nupciais. A conservação de abelhas nativas, como a abelha preta europeia (Apis mellifera mellifera), portanto, requer grandes áreas isoladas para evitar a hibridização com outras subespécies, como A. m. ligustica ou A. m. carnica, que pode ter sido introduzida pelos apicultores. Este estudo utilizou marcadores microssatélites de DNA para determinar o intervalo de distâncias no acasalamento de A. m. mellifera em dois vales semi-isolados adjacentes (Edale e Hope Valley) no Peak District National Park, Inglaterra, a fim de avaliar sua adequação para a conservação de abelhas nativas e como locais de acasalamento isolados. Três apiários foram montados em cada vale, cada um contendo 12 colónias cada com uma rainha virgem e 2 colmeias com rainhas fecundadas que produziam zângãos. As rainhas virgens tinham permissão para acasalar naturalmente com zângãos das colmeias que havíamos montado e com zângãos de colmeias de propriedade de apicultores locais. Após o acasalamento, amostras de larvas de operárias foram retiradas das 41 rainhas que fecundaram com sucesso e foram genotipadas em 11 locus microssatélites de DNA. Análises de paternidade foram então realizadas para determinar distâncias de acasalamento e isolamento dos apiários. […] a média da frequência de acasalamento efetiva das rainhas de teste foi estimada em 17,2, o que é um valor normal para as abelhas. Noventa por cento dos cruzamentos ocorreram a uma distância até 7,5 km e cinquenta por cento até 2,5 km. A distância máxima de acasalamento registada foi de 15 km. Rainhas e zângãos ocasionalmente cruzavam as fronteiras entre os dois vales, mostrando que a cordilheira montanhosa de Losehill não oferece isolamento completo. No entanto, na parte mais isolada de Edale, sessenta por cento de todos os acasalamentos eram de zângãos das colmeias de Edale. A grande maioria das distâncias de acasalamento observadas situou-se na faixa de Hope Valley, tornando este local um local adequado para a conservação a longo prazo de uma população reprodutora de abelhas negras.”

fonte: https://socialevolution.ku.dk/papers/2006/jensen2006_congen.pdf

Acasalamento natural

Reflexão: O “pool” genético das abelhas de um determinado apiário, como fica claro da leitura em cima, depende em boa medida dos zângãos presentes num raio de cerca de 7 km. Em Portugal, um dos países europeus com maior densidade de colónias por quilómetro quadrado, estes dados ilustram bem como a genética das nossas abelhas não depende apenas da selecção que promovemos, mas também da selecção que os apicultores nossos vizinhos estão a fazer. Aceitando que nós e os nossos vizinhos estamos de acordo nas características que uma “boa” abelha deve apresentar no futuro, temos as condições mínimas para avançar de forma solidária e complementar.

A característica que na minha opinião mais sentido faz apurar e melhorar num futuro de médio prazo (10 a 20 anos) passa por aumentar a resistência da abelha ao ácaro varroa. Entre os vários mecanismos a seleccionar, eles devem contribuir para um conjunto de comportamentos da colónia que diminua o potencial de fecundidade, fertilidade e longevidade do ácaro. Ao mesmo tempo que esta selecção e melhoramento é realizado é necessário manter muitas das características já hoje presentes como a produtividade e resistência a outras doenças. Muitos poucos desejarão uma abelha resistente ao ácaro e pouco produtiva, por exemplo. Esta demanda depende, como todos sabemos, da genética “adequada” não só do lado materno mas também da genética “adequada” no lado paterno, até porque alguns dados actuais indicam que a “resistência” ao ácaro será a expressão fenotípica de vários genes recessivos. Estando estes indivíduos “resistentes” presentes no nosso apiário, pelo exposto em cima, torna-se indispensável que esta qualidade esteja presente também nos restantes apiários da região.

Não sendo assim arriscamos a dar um passo para a frente e, logo depois, dois para trás. O melhoramento sustentável de abelhas neste aspecto em particular, mas também noutros, é resultado de um esforço colectivo que vai muito para além do nível do nosso apiário.

a indústria do mel mal explicada

Narrativa vegana sobre a indústria do mel

Os seguidores da ortodoxia vegana não consomem mel. Até aqui nada a criticar nem a exorbitar. Comem o que entendem que devem comer. O que já não é aceitável é que alguns deles defendam essa opção alimentar sustentados num conjunto de mentiras, meias-verdades, omissões e generalizações. No vídeo em cima podemos ver um exemplo dessa narrativa ignorante, canhestra e ofensiva para a grande maioria da apicultura nacional. Desmontemos alguns pontos dessa narrativa:

  • ao contrário do que se diz as rainhas são na sua grande maioria fecundadas naturalmente;
  • ao contrário do que se diz muitos apicultores produzem as suas próprias rainhas, não necessitando de as comprar on-line;
  • ao contrário do que se diz a maior parte dos apicultores não corta as pontas das asas às rainhas;
  • ao contrário do que se diz muitos apicultores não marcam as rainhas;
  • ao contrário do que se diz as abelhas não transportam o néctar no seu estômago, mas sim no saco nectarífero;
  • ao contrário do que se diz a colheita de mel não provoca a morte de centenas de abelhas;
  • ao contrário do que se diz não são os neonicotinoides a maior causa de mortalidade de abelhas, é a parasitação pelo ácaro varroa. São os apicultores que eliminam este ácaro, mantendo as colónias de abelhas saudáveis, impedindo assim a sua provável extinção.

Para terminar uma pequena nota: há uma nova fronteira na biologia, botânica e neuro-ciências a ser desbravada, designada de neurobiologia das plantas. Esta entusiasmante nova área científica está a fazer o seu caminho e vai, para já, afirmando que as plantas têm neurotransmissores e mecanismos que funcionam de forma análoga aos mecanismos neuronais dos animais. Vamos esperar mais um pouco, mas não me surpreenderia nada que, em breve, se torne consensual na comunidade científica que o mundo vegetal é também sensível à dor. Quando tal acontecer estarei atento às reacções dos veganos mais ortodoxos e extremistas. Acerca deste tema ver: https://www.pbs.org/video/university-place-plant-neurobiology/

um efeito materno na produção de abelhas rainhas (nem todos os ovos nascem iguais)

Será que os ovos que originarão rainhas e os ovos que originarão obreiras são exactamente iguais? Esta interrogação acompanha-me praticamente desde que me iniciei na apicultura, há 10 anos atrás. Em junho de 2017 atrevi-me a colocar publicamente esta interrogação (ver aqui). Hoje vejo confirmado neste estudo, publicado há poucos dias atrás, neste ano de 2019, que a minha interrogação de há 10 anos é pertinente, tem razão de ser, e é realista.

“O paradigma dominante para as abelhas (Apis mellifera) é que as castas são ambientalmente e não geneticamente determinadas, estando o ambiente e a dieta de larvas jovens na origem da diferenciação de castas. Um papel para os efeitos maternos não foi considerado, mas aqui mostramos que o tamanho do ovo também influencia o desenvolvimento da rainha. Verificámos que as rainhas depositavam ovos significativamente maiores nas taças/cálices reais que nos alvéolos de operárias. Ovos depositados em taças/cálices reais, ovos depositados em alvéolos de obreiras e larvas de 2 dias de alvéolos de obreiras foram transferidos para cúpulas artificiais de rainhas para serem criados como rainhas num ambiente padronizado. As rainhas adultas, recém-emergidas, originárias de taças/cálices reais, eram mais pesadas que as dos outros dois grupos e tinham mais ovaríolos, indicando uma consequência do tamanho do ovo na morfologia da rainha adulta. Análises de expressão génica identificaram vários genes com uma expressão significativamente diferente entre rainhas originárias de taças/cálices reais e aquelas originárias dos outros dois grupos experimentais. Estas diferenças incluíam um número maior de genes envolvidos na sinalização hormonal, desenvolvimento do corpo e níveis mais altos de imunidade, que são traços-chave que diferem entre rainhas e operárias. Em conclusão, o tamanho do ovo influencia a morfologia e fisiologia da rainha recém-nascida/emergida e o facto de as rainhas depositarem ovos maiores em taças/cálices reais demonstram um efeito materno da rainha na expressão do fenótipo e um papel mais ativo desta na produção da sua descendência real do que previamente se julgava.”

fonte: https://www.cell.com/current-biology/pdfExtended/S0960-9822(19)30673-6

as meladas tardias ou a crónica de uma mortalidade anunciada

“As alterações climáticas vêm somar-se aos problemas já “usuais” da apicultura: parasitismo por Varroa, fragmentação do território, poluição ambiental e declínio da biodiversidade floral. Por seu turno, o vespão asiático continua sua expansão por toda a Europa e aumentou esta lista.

Temos vindo a observar nos últimos anos uma mudança no perfil das estações, em grande parte promovida pela mudança climática (ou “aquecimento global”). Suas consequências são numerosas, especialmente para as plantas das quais a alimentação de nossas abelhas depende inteiramente. Ao interromper o acesso ao pólen e ao néctar, esse distúrbio influencia a saúde das colónias de abelhas e, portanto, aumenta as perdas no inverno. Altas temperaturas e outros extremos climáticos são elementos desfavoráveis, como indicado num estudo recente que encontrou uma ligação clara entre “clima mais quente e seco no ano anterior” e “maiores perdas de inverno”.

Uma melada tardia que fez mais mal do que bem

As perdas invernais de 2016-2017 parecem estar também associadas à excepcionalmente tardia melada de abeto/”sapin” neste ano, resultante de um clima alterado.

O sapin

Importa esclarecer que não é a melada de abeto que é prejudicial como tal, mas sim o período tardio em que chegou em 2016, que resultou numa dessincronia relativamente ao padrão e às necessidades habituais das abelhas nesta época do ano. As meladas clássicas de abetos vão de julho a setembro; a de 2016 iniciou-se em setembro e terminou em novembro.

As colmeias viram os seus ninhos encherem-se de melada em detrimento da postura da rainha e da preciosa criação de outono. Isso levou aos riscos usuais da melada tardia: baixas populações de inverno; atraso na colocação dos tratamentos de luta contra o Varroa; risco de diarreia na primavera.

Este atraso da melada de “sapin”, levou mais de metade dos apicultores inquiridos a trataram as suas colónia mais tarde do que o habitual. 52% dos apicultores começaram tratamentos anti-varroa após o período recomendado de julho/agosto, o que é um erro no controlo da infestação, como têm confirmado os dados de mortalidade de colónias quando tratadas tardiamente, obtidos através dos inquéritos dos últimos anos.”

Os gráficos 14 e 15 apresentam as perdas invernais sofridas segundo a data de introdução dos acaricidas. Mostram também o número de colónias tratadas em cada mês.

fonte: http://www.adage.adafrance.org/downloads/apiculture_bilan_enquetes_pertes_hivernales_grd-est_2017.pdf

uso de métodos químicos e não químicos para o controle do varroa destructor (Acari: Varroidae) e perdas associadas de colónias no inverno em operações de apicultura nos EUA

Traduzo, em baixo, um artigo muito recente (abril de 2019) acerca de uma das principais causas de mortalidade de colónias nos EUA (o ácaro varroa destructor) e sua relação com as opções de tratamento e controlo por parte dos apicultores. Os resultados não me surpreendem e seguem em grande medida um padrão já evidenciados através dos inquéritos aos apicultores da região da Alsácia em França (ver aqui e aqui). Tenho utilizado estes resultados como guião para as minhas opções no controlo do varroa, e estou muito satisfeito até ao momento com os resultados.

“O ácaro Varroa destructor (Acari: Varroidae) é uma das principais causas de perdas de colónias de abelhas melíferas (Apis mellifera) nos Estados Unidos, sugerindo que os apicultores devem controlar as populações de Varroa para manter as colónias viáveis. Os apicultores têm acesso a vários químicos e práticas não químicas para controlar as populações de Varroa. No entanto, nenhum estudo examinou padrões de larga escala nos métodos de controle Varroa nos Estados Unidos. Aqui usamos as respostas de 4 anos de inquéritos anuais a apicultores representando todas as regiões e tamanhos de operação nos Estados Unidos para investigar o uso de métodos de controle do Varroa e perdas de colónias no inverno associadas ao uso de diferentes métodos. Nós concentrámo-nos em sete produtos varroacidas (amitraz, cumafos, fluvalinato, óleo de lúpulo (HopGuard), ácido oxálico, ácido fórmico e timol) e seis práticas não químicas (remoção de cria de zângão, favos com alvéolos pequenos, estrados de rede, açúcar em pó, abelhas resistentes a ácaros e divisão de colónias) sugeridas para ajudar no controle do Varroa. Descobrimos que quase todos os apicultores de grande escala usavam pelo menos um varroacida, enquanto os apicultores de pequena escala eram mais propensos a usar apenas práticas não químicas ou não usar qualquer controle de Varroa. O uso de varroacidas foi consistentemente associado com as menores perdas de inverno, com o amitraz estando associado a perdas mais baixas do que qualquer outro produto varroacida. Entre as práticas não químicas, a divisão de colónias está associada às menores perdas de inverno, embora as perdas associadas ao uso exclusivo de práticas não químicas fossem altas no geral. […]

Utilização de um único produto varroacida como o único controle do Varroa e perdas Associadas

No total, 843 entrevistados (agrupando todos os tipos de operação) indicaram que usaram apenas um produto varroacida e nenhuma prática não química ao longo de um ano. Os produtos mais relatados entre esses entrevistados foram timol (35,3% dos entrevistados), ácido fórmico (28,1% dos entrevistados), ácido oxálico (15,3% dos entrevistados) e amitraz (8,9% dos entrevistados).

Os apicultores que relataram o uso de um produto à base de amitraz tiveram a menor perda de inverno em média (18,8% de perda; Fig. 1). Aqueles que relataram o uso de ácido oxálico, timol ou ácido fórmico relataram 32,4%, 36,8% e 38,8% de perdas, respectivamente (Fig. 1). Os produtos de varroacida menos utilizados (cumafos, fluvalinato e óleo de lúpulo (hopguard)) foram associados às maiores perdas de inverno (Fig. 1).

Fig. 1: Perda de colónias no inverno por produto varroacida para os entrevistados que relataram usar um único produto de varroacida como o único método de controle de Varroa ao longo de um ano. A linha tracejada representa a perda média geral no inverno. Os números dentro das barras indicam o tamanho das amostras. Barras de erro representam intervalos de confiança de 95%. Letras diferentes acima das barras indicam que as perdas no inverno são significativamente diferentes com base nos testes de Tukey-Kramer. […]

Utilização de uma única prática não-química como o único método de controle do Varroa e perdas associadas

Entre os 3.459 entrevistados que indicaram que usaram uma única prática de maneio não química e nenhum uso de varroacida, 59,8% indicaram que usaram tabuleiros de rede. O uso relatado de qualquer outra prática não química como o único método de controle Varroa foi muito menos frequente, com a segunda prática mais comum (divisão de colónias) relatada por apenas 15% dos entrevistados.

As perdas médias de inverno para os entrevistados que relataram usar apenas uma única prática não química para controlar o Varroa foram maiores do que a perda média geral no inverno, independentemente da prática não química que relataram usar. Aqueles que relataram a divisão de colónias tiveram a perda de inverno mais baixa (perda de 32,8%), e essa perda foi significativamente diferente das perdas daqueles que usaram todas as outras práticas não químicas com a excepção da utilização de favo com alvéolos pequenos (Fig. 2). Aqueles que relataram o uso da remoção de cria de zângão ou açúcar em pó perderam em média aproximadamente 62% das colónias, e essas perdas foram significativamente maiores do que as perdas daqueles que relataram o uso de todas as outras práticas não químicas (Fig. 2).

Fig. 2: Perdas de colónias no inverno por práticas de maneio não químicas para os entrevistados que relataram o uso de uma única prática não química e nenhum uso de varroacida ao longo de um ano. A linha tracejada representa a perda média geral de inverno. Os números dentro das barras indicam o tamanho das amostras. Barras de erro representam intervalos de confiança de 95%. Letras diferentes acima das barras indicam que as perdas no inverno são significativamente diferentes com base nos testes de Tukey-Kramer.

fonte: https://academic.oup.com/jee/advance-article/doi/10.1093/jee/toz088/5462560

suplementos alimentares contra a nosemose: uma revisão da eficácia

Foi recentemente publicado no jornal Frontiers of Veterinary Science (março de 2019) uma resenha de muita da investigação realizada até ao momento em torno da nosemose (em particular a veiculada pelo microesporídio Nosema ceranae). Entre outros tópicos desta interessante resenha bibliográfica, destaco o relacionado com a revisão da eficácia de alguns dos suplementos alimentares mais utilizados no combate e controlo deste microesporídio. Deixo em baixo a tradução de alguns excertos que me pareceram relevantes.

Foto de Randy Oliver (scientific beekeeping)

“Vários suplementos comerciais têm sido estudados quanto à atividade contra a nosemose. […] um complexo de aminoácidos e vitaminas chamado BEEWELL AminoPlus diminui as cargas de esporos e protege as abelhas de imunossupressão, aumentando a expressão de peptídeos antimicrobianos. Dados preliminares sugerem que um suplemento fitofarmacológico comercial, o Nozevit®, pode melhorar a saúde das abelhas diminuindo as cargas de esporos em colónias de abelhas. Investigações adicionais e amostras maiores são necessários para confirmar esses resultados, dado que Van den Heever et al. relataram nenhum efeito do Nozevit® em testes laboratoriais. Um levantamento de 2 anos do suplemento HiveAlive ™, baseado em algas marinhas, relatou uma diminuição nas cargas de esporos nas colónias de abelhas e um acréscimo da população em relação aos controles após a administração de dois tratamentos bienais. Surpreendentemente, a sobrevida das colónias não foi avaliada neste estudo […]

Embora certos extratos naturais e suplementos comerciais tenham mostrado eficácia contra a N. ceranae, existem outros suplementos de produtos naturais anunciados como anti-infecciosos que não têm nenhum efeito benéfico sobre as abelhas infectadas com N. ceranae. Nosestat® e Vitafeed Gold® foram avaliados num ensaio de campo e não tiveram impacto sobre a produtividade das colónias e nos níveis de esporos de Nosema. ApiHerb® e Nonosz® também são vendidos para melhorar a saúde das abelhas e, talvez, tratar a nosemose, mas pesquisas adicionais e mais evidências científicas são necessárias para sustentar alegações de eficácia. Evidentemente, os apicultores devem ser cautelosos sobre quais suplementos e extratos que escolhem para o tratamento de infecções por N. ceranae.

Suplementos Microbianos
A administração de suplementos microbianos pode ter impactos positivos na saúde das abelhas e prejudicar a viabilidade da N. ceranae. Baffoni et al. sugerem que a suplementação da dieta das abelhas com estirpes de bifidobactérias e lactobacilos, que secretam metabólitos antibióticos, reduz os níveis de esporos de N. ceranae. […] Outras estirpes bacterianas e probióticos (Parasaccharibacter apium, Bacillus sp., Bactocell® e Levucell SB) mostraram melhorar a sobrevivência das abelhas infectadas, mas não diminuir as cargas de esporos. Um tratamento anti-Nosema bem sucedido deve melhorar a saúde das abelhas e diminuir os níveis de infecção. Suplementar com probióticos, prebióticos e substitutos do pólen podem realmente exacerbar as infecções e aumentar a mortalidade das abelhas.”

fonte: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fvets.2019.00079/full?fbclid=IwAR0G41kxADN8VZkjycnUg4OoTa5GNrfc6i7bgLASLghgn3wzLdluCQWOYmk#B38

a dose faz o veneno… mas não é nisso que o cidadão comum acredita!!

Para qualquer molécula que ingerimos/somos expostos, natural ou sintética, ser capaz de exercer um efeito positivo ou negativo sobre nós, ela deve ligar-se a uma molécula receptora existente no nosso organismo. Este efeito positivo ou negativo está totalmente dependente da dose e está praticamente ausente quando as doses são muito pequenas. A exposição a uma determinada molécula pode ser mensurável, e apesar disso não ter quaisquer efeitos mensuráveis sobre nós, positivos ou negativos. Por exemplo, frequentemente somos expostos à apitoxina (um químico natural, e que pode ser letal como sabemos) e essa exposição não resultar em nada de negativo para nós, porque as doses eram baixas.

Muitas dessas preocupações sobre os pretensos efeitos nocivos de doses muito pequenas de químicos são erradamente transferidos pelo cidadão comum a partir de casos conhecidos de aplicação de doses maiores, como se essas substâncias ainda pudessem exercer magicamente os efeitos negativos de doses muito superiores.

Bearth et al 2019, “O conhecimento dos leigos sobre a toxicologia e seus princípios” entrevistou 4934 pessoas em oito países europeus, ou mais de 600 em cada: Suíça (CH), Áustria (AT), França (FR), Alemanha (GE), Itália (IT), Polónia (PL), Suécia (SE) e Reino Unido (UK).

A dose faz o veneno. Mas não é nisso que o cidadão comum acredita!! Cerca de 5000 cidadão europeus foram questionados sobre a veracidade de algumas afirmações acerca da exposição a químicos. Por exemplo à afirmação “Uma dose pequena de uma substância química presente num produto de consumo não é necessariamente perigoso.”, afirmação verdadeira, só 23% dos inquiridos responderam correctamente. Outro exemplo, à afirmação “Ser exposto a uma substância química sintética é sempre perigoso, independentemente do nível de exposição.”, afirmação falsa, 91% dos inquiridos acharam que era uma afirmação verdadeira.

Um caso em torno dos disruptores endócrinos. A droga dietilestilbestrol foi utilizada contra o aborto e os sintomas da menopausa entre 1940-1970. Mais tarde, descobriu-se que o tratamento aumentava as taxas de vários efeitos adversos, incluindo cancro, e seu uso foi drasticamente limitado. Esta preocupação perfeitamente justificada acerca dos efeitos adversos em grandes doses, no entanto, agora é comumente aplicada em quase toda parte onde a palavra “disruptor endócrino” aparece. O composto plástico, bisfenol A, encontrado em muitos materiais de embalagens, em níveis 25.000 vezes menores do que a dosagem terapêutica de dietilestilbestrol (numa relação de 6 para 150 mil microgramas/dia), é tratado também como uma ameaça química de igual calibre para os nossos receptores endócrinos.

fonte: https://thoughtscapism.com/2019/06/12/chemical-exposures-the-good-the-bad-and-the-tiny/

a fraude do “mel” chinês

Christophe Brusset, um ex-negociador do sector agroalimentar durante cerca de 25 anos, declara nesta entrevista o que alguns de nós já conhecem há muito, mas que o consumidor médio parece ainda desconhecer: o “mel” barato que é importado da china é uma fraude, de mel nada tem, não passando de uma mistura de xaropes adocicados com colorantes e aromatizantes.

Quando entra na Europa este produto é disfarçado com a uma pequena quantidade de mel de origem europeia, vendido nos mais diversos estabelecimentos como mel e rotulado de forma opaca, onde se pode ler que é proveniente de uma “mistura de meis UE e não UE“.

Os valores baixos a que esta mistura é vendida induz a sua compra por parte do consumidor médio, que frequentemente opta com base no preço. Nos últimos anos as importações de “mel” chinês têm-se mantido relativamente constantes (80 mil toneladas/ano) o que parece mostrar que o consumidor médio europeu ainda não está suficientemente informado acerca desta fraude e ainda não modificou as suas opções de consumo.

O impacto da importação deste “mel”, a preços abaixo de 1,5 €, no sector apícola europeu (e mundial) tem-se mostrado catastrófico, forçando muitos apicultores profissionais a venderem os seus lotes de mel de qualidade abaixo do preço de custo, colocando em grave risco a sustentabilidade financeira das suas explorações.

A manter-se na Europa esta situação, se nada de efectivo mudar, poderemos assistir em breve a um rápido declínio do efectivo apícola, por abandono da actividade ou por redução nos gastos com a saúde e maneio das abelhas, com impactos negativos assinaláveis na função polinizadora e outros serviços ecossistémicos.

Mantendo-se esta trajectória, uma vasta gama de produtos alimentares, comuns na nossa mesa, passarão a ser mais caros e de pior qualidade, em virtude de um déficit polinizador.

Fechando o ciclo, o consumidor deve estar consciente que ao preferir hoje mel de produção local, um pouco mais caro é verdade mas de muito melhor qualidade, está não só a proteger a sua saúde e dos seus filhos mas a proteger um sector, que no presente e no futuro continuará a assegurar a estabilidade dos preços e qualidade de muitos dos alimentos que hoje estão à sua mesa.

o pagamento dos serviços ecossistémicos: uma mudança radical no pensamento ambiental

“Como professor de ecologia, sei muito bem que não faltam problemas ambientais para nos manter acordados à noite – alterações climáticas, disseminação de doenças/pragas, zonas mortas no Golfo do México, pesca em colapso, extinção em massa e cem outras coisas que são o habitual repertório dos profetas do alarmismo ambientalista.

O que nos permite dormir é o conhecimento de que os programas ambientais estão realmente progredindo na solução desses problemas. E há um conceito – chamado serviços ecossistémicos – que está por trás da solução de praticamente todos os desafios ambientais que enfrentamos. Se este milénio for lembrado por qualquer coisa ambiental, ele será lembrado por uma mudança radical no pensamento ambiental centrado em torno do conceito de serviços ecossistémicos.

Mas o que é um serviço ecossistémico? E podemos usar princípios científicos para avaliar e projetar projetos ambientais que geram pagamentos dos serviços ecossistémicos que eles fornecem?

Manguezais e zonas húmidas fornecem ajuda para controlar a erosão e filtrar o ar e a água. Serviços vitais, mas quanto valem financeiramente?

A definição mais simples para um serviço ecossistémico é qualquer coisa que a natureza faça por nós que melhore nosso bem-estar. De fato, algumas pessoas chamam esses serviços de “naturais” ou “serviços da natureza”.

Tal definição ajuda, mas qual é o “serviço” num “serviço ecossistémico”?

Usamos muitos serviços em nossas vidas diárias: e-mail, eletricidade, internet, telefone, televisão a cabo, serviços financeiros, serviços de saúde, serviços governamentais, principalmente na forma de impostos para água, saneamento, polícia, militares e educação. Na verdade, o dinheiro do meu ordenado vai para pessoas de vários lugares que são essencialmente provedores de serviços.

Os serviços ecossistémicos são exatamente isso, menos a parte das pessoas. Em vez disso, eles são fornecidos por plantas, animais e microorganismos que compõem os ecossistemas. São os milhões de espécies na Terra, em florestas, pastagens, desertos, relvados , recifes de corais, tundra ártica, zonas húmidas e muito mais, que nos fornecem ar respirável, água potável, solos férteis, pesca produtiva, madeira, e um clima mais equilibrado.

Eles também fornecem a vida selvagem que eu amo ver, produtos medicinais, carne para muitas pessoas ao redor do mundo e para quem a caça é o principal meio para obter proteína, polinização por abelhas, contenção da propagação de doenças, protegem as margens costeiras dos impactos das ondas, impedem a erosão do solo, produzem solo, decompõem resíduos, e centenas de milhares de muitos outros serviços que tornam nosso mundo habitável.

Há uma grande diferença entre serviços prestados pela natureza e antropogénicos, ou fornecidos por humanos: não pagamos à natureza um centavo pelos seus serviços. E se o fizermos?

Muitas pessoas sentem que o nosso ambiente está indo para o inferno porque nós não pagamos por isso, então nós realmente não temos qualquer incentivo financeiro tangível para sermos criativos ou eficientes no nosso uso dos serviços da natureza e não temos qualquer desincentivo por destruir a natureza.

O governo da Costa Rica paga aos proprietários de terras para que não cortem as florestas, que fornecem serviços ambientais (ar e água limpos) e benefícios económicos diretos via turismo.

[…] Quando você pensa sobre isso, se os projetos de Pagamento dos Serviços Ecossistémicos estão rapidamente se tornando a maneira dominante para o nosso ambiente ser gerido, então todos nós estamos confiando a eles coisas que valorizamos quase mais do que qualquer outra coisa – um mundo saudável para nós e nossos filhos. É também um mundo rico em espécies e mais resistente aos caprichos de um planeta às vezes aleatório e caótico que pode provocar tornados, tsunamis, secas, incêndios e pode mesmo ser atingido pela queda de um asteróide ocasional.

Todos nós podemos dormir um pouco à noite por causa do fantástico trabalho de projetos Pagamento dos Serviços Ecossistémicos em todo o mundo. Mas podemos dormir um pouco melhor agora, sabendo que eles estão se unindo para melhor proteger os serviços que a natureza nos proporciona.”

Autor: Shahid Naeem Shahid Naeem
Diretor do Science, Earth Institute Center for Environmental Sustainability , Universidade de Columbia, EUA.

fonte: https://theconversation.com/bringing-scientific-rigor-to-ecosystem-services-38817

quando todos estamos de acordo nas soluções… mas posso esperar pelos seus efeitos?

No mundo actual o comércio global é uma realidade. Uma parte dos produtos produzidos em Portugal são vendidos nos quatro cantos do mundo. Estas portas abertas para a exportação dos nossos produtos tem como contrapartida Portugal (ou melhor a UE) ter de adoptar uma política recíproca: manter as portas abertas às importações de produtos dos mais diversos pontos do mundo.

No que respeita ao mel estas mesmas regras também se aplicam. Se exportamos uma parte da nossa produção, também importamos mel de outros países, em particular do maior produtor mundial, a China. Sobre as certezas e suspeitas em relação à qualidade do “mel” chinês já escrevi por aqui várias vezes. Sobre o impacto da concorrência destrutiva deste produto, a que alguns chamam mel, também já por aqui escrevi. O que me traz agora aqui é um aspecto correlacionado: como manter um sector profissional à tona de água se o mercado de mel a granel mantiver este ano a mesma tendência baixista que se verificou no ano passado?

Para responder a esta questão muitos de nós focam aspectos como a necessidade de se rotular o mel de forma mais transparente, como sempre se fez em Itália, por ex.; a necessidade de concentrar a produção em cooperativas eficientes e com mercados que escoem a valores justos as 5 a 10 mil toneladas/ano que se produzem em Portugal; a necessidade de fiscalizar mais e melhor as 200 mil toneladas/ano de mel importado pela UE com instrumentos e técnicas capazes de identificar as fraudes cada vez mais sofisticadas; a necessidade de campanhas de sensibilização para promover o consumo de mel nacional, de forma a convencer os consumidores que tem ganhos em comprar mel a 10 €/kg, quando na mesma prateleira encontra outros produtos também chamados mel a 5 €/kg. Relativamente a estas propostas só um idiota se lhes oporia. Claro que são medidas justas e necessárias. Desde 2011 que venho escrevendo em público sobre a maior parte delas. Deixo no entanto uma questão: se elas forem aplicadas já amanhã, coisa em que só um sonhador em delírio acredita, estará cada um de nós, apicultor profissional, em condições de esperar que as mesmas produzam efeitos e se reflictam no dinheiro que precisamos ter nos bolsos para honrar os nossos compromissos de hoje?

Apêndice: neste link podemos ver algumas infografias elucidativas do mercado de mel europeu e mundial: http://www.europarl.europa.eu/news/en/headlines/economy/20180222STO98435/key-facts-about-europe-s-honey-market-infographic