Vista panorâmica do território das minhas colónias nos últimos dias.
Nestes dias frios que as minhas colónias estão a passar no distrito da Guarda estou confiante que a mortalidade será uma vez mais inferior a 5%. Esta confiança advém, basicamente, de dois aspectos: na generalidade têm reservas suficientes para este período (10-12 kgs de mel no ninho) e um número de abelhas (mínimo de 4 quadros de abelhas) que lhes permite uma eficiente termorregulação do cacho invernal. Na preparação da invernagem a última intervenção de fundo que tenho por hábito fazer é transferir os enxames mais pequenos para caixas núcleo, de modo a aumentar a sua densidade, e alimentá-los com quadros com mel ou com pasta açucarada (fondant).
Enxame que sofreu o impacto do PMS e foi transferido em meados de setembro para uma caixa núcleo. Na última inspecção, a 20 de novembro, retirei um quadro com poucas reservas e substitui-o por um com boas reservas de mel claro sem melezitose (à direita).
Para sobreviver ao inverno as abelhas comportam-se como os pinguins imperadores na Antártida. Os pinguins não tentam aquecer todo o continente congelado, eles aquecem-se formando um aglomerado compacto, com os indivíduos externos formando uma camada isolante para os pinguins no interior. As abelhas agem de forma semelhante.
As abelhas aglomeram-se, formando um manto exterior (mantle) que minimiza a perda de calor gerado no núcleo do aglomerado de abelhas (core). Se a colónia tiver criação a temperatura no interior do núcleo de abelhas (cacho) estabiliza entre os 32-35ºC. Se a colónia não tiver criação para aquecer (broodless) as abelhas estabilizam a temperatura em redor dos 18ºC. Por este facto as colónias sem criação consomem poucas reserva neste período quando comparadas com colónias com criação nos dias mais frios. As rainhas apis iberiensis respondem bem neste período, parando a postura, ao contrário por exemplo da apis ligustica (abelha italiana) e/ou algumas linhas híbridas mal-adaptadas, que não param a postura nesta época do ano.
Na imagem térmica de um aglomerado de abelhas numa colmeia horizontal do tipo “top-bar”, é observável como muito pouco calor escapa do aglomerado, deixando a temperatura no espaço restante da colmeia aproximadamente igual à temperatura externa. Muitos estudos mostraram que o aglomerado é eficiente em reter o calor, e muito pouco escapa para a cavidade da colmeia.
Por estas razões não me preocupo em adicionar protecções térmicas, deste ou aquele tipo, às colmeias que albergam os meus enxames, num dos territórios do nosso país mais fustigado pelo frio. Como dizia, há 80 anos atrás, o grande apicultor e investigador Clayton Farrar “Se uma colónia sobrevive ao inverno em boas condições tal é mais determinado pelo grau do seu desenvolvimento nos meses antecedentes do que pelo tipo ou quantidade de proteção da colmeia. ”. Mesmo que vários apicultores adorem discutir a proteção das colmeias no inverno, e sintam que estão a fazer a diferença ao proteger a colmeia com esta ou aquela placa de poliestireno, a minha atenção centra-se na produção de enxames novos numa época do ano que lhes dá o tempo suficiente para se desenvolverem antes do inverno chegar, e centra-se também no tratamento eficaz e a tempo e horas do varroa. Como outros, defendo que a sobrevivência das colónias ao inverno depende muito pouco do que fizermos/adicionarmos à própria estrutura, e muito dependerá da saúde e dimensão da colónia, constituída por abelhas preciosas de inverno maravilhosamente adaptadas ao frio.
No passado dia 20 de novembro aproveitei as boas temperaturas (a rondarem os 18ºC) para fazer uma rápida inspecção em algumas das colónias situadas em dois apiários a 600m de altitude.
Com surpresa fiquei com a sensação que tinham armazenado recentemente algum néctar. Contudo, não tenho a certeza absoluta que o líquido que escorreu de alguns quadros adjacentes aos quadros com criação não seja, afinal, mel diluído pelas abelhas, transferido dos quadros mais laterais para os mais centrais.
Néctar recente, que espelha uma anormalidade edafo-climática no território, ou antes o resultado de um comportamento de transferência de mel liquefeito entre quadros do ninho?
As colónias armazém, fortes, mantêm bons níveis de criação para a época. Assim continuará enquanto as abelhas forem trazendo algum pólen, como é o caso. Não sei aonde o vão buscar; em redor não me apercebo das fontes deste pólen tardio.
E surgem algumas dúvidas acerca do que raio se está a passar! Neste núcleo encontrei “criação calva” (habitualmente é um sinal de infestação pelo varroa), que depois de retirada dos respectivos alvéolos e inspeccionada não apresentava varroas.
Se não fiquei convencido que se tratava de uma resposta higiénica das abelhas em resposta à infestação pelo ácaro varroa o que se poderá estar então a passar? Até ao momento a minha melhor explicação alternativa é: a criação desoperculada está morta por falta de aquecimento da mesma. Este acontecimento surge num núcleo não muito densamente povoado, com uma área de criação operculada eventualmente demasiado extensa para a densidade de abelhas adultas existente, num território em que as temperatura mínimas estão frequentemente abaixo dos 5ºC, situação em que a criação nas extremidades dos quadros pode ficar descoberta do manto de abelhas quando o cacho invernal se comprime para fazer a termorregulação.
O que vou fazer? Comecei por sinalizar este núcleo para o manter debaixo de olho, alimentei e provavelmente irei eliminar esta rainha à entrada de abril. Mais que a idade ou padrão de postura como critério de eliminação de rainhas, interessa-me eliminar aquelas rainhas que não estão em sintonia com o território e com a população de abelhas disponíveis na colónia de que fazem parte. Como alguns de nós, algumas rainhas e obreiras suas filhas têm mais olhos que barriga!
O comportamento defensivo nas abelhas melíferas é um traço complexo e poligénico. Foram identificados 128 genes candidatos a influenciar o comportamento defensivo*. Não se considera nestas situações dominância nem recessividade de uns genes relativamente a outros. Para além dos factores de origem genética, as diferenças neste traço comportamental estão associadas a fatores ambientais e maturacionais que requerem a devida análise e ponderação**.
Por esta razão os cruzamentos de colónias individuais, assim como os cruzamentos entre linhagens e sub-espécies (raças) diferentes não dão resultados estáveis, pelo contrário, os resultados são muito variáveis ***.
Avaliação do comportamento defensivo de colónias, linhas, ou populações de abelhas deve, na minha opinião, basear-se em escalas que descrevam de forma clara e sucinta vários comportamentos de defesa das abelhas, que permitam a observadores diferentes fazerem avaliações mais distintivas, mais objectivas e comparáveis. Pouco ou nada servem a este propósito escalas do tipo “Muito defensivas”, “Medianamente defensivas” e “Pouco defensivas”. Facilmente a subjectividade do observador contamina a avaliação feita com uma escala tão vaga como esta. Apresento em baixo um exemplo de uma escala de cinco níveis **** para determinar a defensividade de colónias (com utilização de fumo) e que respeita os requisitos desejáveis enunciados em cima:
o valor 1 representa o nível mais defensivo e é considerado intolerável por apicultores experientes. As abelhas reagem mesmo quando o apicultor está vendo colmeias vizinhas e seu controle é muito difícil mesmo com bastante fumo. Isso faz com que sua agressividade e se espalhe para o meio, pelo que ataca as pessoas e animais que estão presentes nas proximidades.
no valor dois, o mecanismo de reação das abelhas é imediato e geram um forte zumbido, com o qual se inicia o ataque procurando picar. Elas procuram principalmente partes expostas do corpo do apicultor ou áreas escuras da roupa. Neste estado as abelhas podem ser controladas com o uso de muito fumo.
no valor três, as abelhas reagem com um zumbido forte e constante. Algumas abelhas voam agressivamente e colidem com o véu e a roupa de proteção do apicultor. Nesse estado, as abelhas são consideradas controláveis, mas requerem muito fumo.
no nível quatro, as abelhas reagem com um forte zumbido e, após alguns segundos, algumas abelhas limitam-se a voar para fora da colmeia. Em geral, podem ser bem manuseados e com pouco fumo.
o nível cinco é considerado o mais dócil. Ao abrir uma colmeia, as abelhas permanecem muito calmas, respondendo apenas com um zumbido suave e seu maneio é muito bom.
Nota: no meu caso particular como não costumo utilizar fumigador teria de fazer algumas adaptações a esta escala. Mais, de acordo com esta escala a generalidade das minhas colónias seriam avaliadas no nível 4 quando o maneio é feito por volta das 10h00 da manhã num dia ensolarado, com uma temperatura ente os 20-25ºC e com pouco vento. As mesmas colónias regridem para o nível 3, ou mesmo dois, da escala se o maneio é feito nesse mesmo dia a partir das 18h00 quando o sol já anda baixo no horizonte.
As últimas publicações focaram-se, de forma genérica, em torno das reais dificuldades na selecção e melhoramento de abelhas em condições naturais e/ou em condições relativamente controladas (1, 2 e 3). Entre outra razões, as dificuldades advém da origem poligénica dos traços mais importantes e das dificuldades de quantificar de forma rigorosa a sua heretabilidade(h²) e estabelecer o grau de correlação com os comportamentos/fenótipos ambicionados pelos apicultores.
Há poucos dias atrás foi publicado na revista Genetics Selection Evolutionum artigo de revisão da literatura bastante eloquente a este respeito. Neste artigo são identificados um conjunto de obstáculos e hipóteses explicativas para o insucesso dos programas de selecção e melhoramento para criarem uma abelha resistente ao ácaro varroa levados a cabo nos últimos 40 anos, um pouco por todo o mundo.
A fonte para o artigo: https://gsejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12711-020-00591-1
As dificuldades colocadas a estes programas de melhoramento são de natureza diversa de acordo com o artigo referido, entre outras, a saber:
Alvéolos desoperculados pela presença da larva da traça da cera.
Dificuldade em medir de forma rigorosa a presença e estabilidade de um traço comportamental desejado que permita avaliar o valor genético de uma determinada colónia matriarca/patriarca: a repetibilidade dos traços de resistência é frequentemente baixa varia entre 0 e 0,4 para MNR [acrónimo de Mite Non Reproduction] e entre 0,21 e 0,33** para comportamento higiénico em relação à cria morta. Os valores encontrados para o VSH [acrónimo de Varroa Sensitive Hygiene] situam-se entre 0,35 e 0,48, respectivamente. São necessárias até cinco medições repetidas para avaliar com bom rigor o nível de VSH de uma colónia. O fato de nos estudos publicados a repetitibilidade ser baixa lança dúvidas sobre a confiabilidade dos valores identificados e levanta a questão de como agregar vários valores quando as medições são repetidas. A média dos valores não fornece uma medição confiável do verdadeiro nível de resistência da colónia. A variação na expressão de um traço de resistência ao longo do tempo indica que fatores ainda não identificados influenciam essa expressão. Por exemplo, outras pragas e patógenos que afetam a colónia de abelhas melíferas, e especialmente sua criação, também podem afetar a avaliação da expressão de características de resistência. Por ex., a existência de larvas da mariposa da cera pode levar à sobreestimação dos comportamentos de desoperculação-reoperculação e limpeza (expressão típica do traço VSH) dado que as abelhas amas no seu afã higiénico também desoperculam os alvéolos atingidos pela larva da traça da cera;
Imagem de pupas alvo de canibalismo.
Dificuldade em isolar e quantificar o peso relativo dos factores genéticos relativamente ao factores ambientais, estes últimos obviamente não transmissíveis ainda que possam influenciar expressões epigenéticas desejáveis: o resultado do programa de seleção pode ser o resultado não apenas do acúmulo de efeitos genéticos aditivos por meio da seleção de características hereditárias, mas também dos efeitos ambientais e das interações genótipo—ambiente. Esses efeitos podem criar a ilusão de que colónias selecionadas são resistentes, enquanto a sobrevivência é parcial ou totalmente originada por fatores ambientais. Por exemplo, em tempos de escassez de pólen, a desoperculação e remoção da criação pode ocorrer devido ao canibalismo, resultante da deficiência de proteína. Este comportamento pode ser confundido com o traço VSH e distorcer o rigor da avaliação;
Mesmo traços que possam vir a ser estimados com precisão têm de ser suficientemente herdáveis (elevada heritabilidade) para que sua frequência aumente por seleção. É importante notar que a heritabilidade pode ser confundida com processos epigenéticos ou aprendizagem social. Uma característica herdada geneticamente é indistinguível de uma característica adquirida por meio da aprendizagem social, fenómenos que ocorre quando as obreiras têm a capacidade de transmitir o conhecimento adquirido às gerações seguintes. Estes comportamentos podem ser expressos pelas obreiras de uma colónia sem uma causalidade genética. Por exemplo, o comportamento de grooming foi realizado mais intensamente por obreiras de colónias de A. m. intermissa quando estiveram em contato com operárias mais velhas. Amas mais jovens podem ter aprendido este comportamento com as companheiras de ninho mais velhas (aprendizagem social);
Larva multi-infestada por várias varroas fundadoras.
A selecção para um traço resistente pode não estar devidamente correlacionado com a sobrevivência da colónia. Por ex. a seleção para o comportamento higiénico de limpeza de criação morta não aumentou de forma consistente a resistência contra o V. destructor. Vários fenómenos podem explicar esta variância. Algumas linhagens de abelhas selecionadas pelo seu comportamento higiénico expressam uma resposta de baixa remoção de pupas infestadas por V. destructor. Correlações positivas entre a remoção da criação morta por congelamento e a remoção de células de cria infestada com V. destructor foram encontradas ocasionalmente, mas apenas quando a pupa estava infestada por dois ácaros fundadores (alvéolo multi-infestado, que surge habitualmente em contexto de elevada infestação) e não quando a criação é infestada por uma só varroa fundadora. Isso pode ser devido à necessidade de uma grande quantidade de estímulos químicos para desencadear a remoção de crias mortas, doentes ou infestadas. Assim, o comportamento higiénico poderá ser desencadeado apenas em casos de alta infestação, o que pode ser tarde demais para permitir a sobrevivência da colónia. Esses resultados sugerem que a seleção do comportamento higiénico em relação à criação morta pode não ser adequada para selecionar a resistência contra V. destructor. Atualmente, é recomendado que esta característica possa ser usada para pré-selecionar colónias, mas que mais características específicas contra o V. destructor também precisam ser analisadas para determinar o potencial de resistência de uma determinado população/linha.
** o indicador de heritabilidade restrita varia numa escala entre o zero (ausência de heritabilidade) e o valor 1 (heritabilidade total).
Nota: outros comportamentos desejáveis como a produção elevada, baixa enxameação, baixa defensividade são também de natureza poligénica.
A obra de Mendel tem valor histórico na compreensão dos mecanismos genéticos, mas não pode ser aplicada de forma generalizada.
Ilustração sumária do modelo determinista simples de Mendel.
O determinismo genético das características é, na grande maioria dos casos, mais complexo do que um modelo com dois genes e quatro alelos. Modelos semelhantes de determinismo genético simples foram historicamente propostos para características complexas, como comportamento higiénico (Rothenbühler 1964), mas na realidade não são aplicáveis.
É, portanto, extremamente arriscado querer estabelecer um programa de seleção com base nestes princípios. Da mesma forma, uma simplificação extrema de certos mecanismos (por exemplo, o VSH), ligada à confusão entre caracteres com determinismo simples e caracteres quantitativos, pode levar à falsa impressão de progresso genético generalizável e rápido.
Principais abordagens aos problemas de melhoramento genético.
Está bem estabelecido, na esmagadora maioria dos casos, que os traços produção de mel, comportamento defensivo, comportamento de calma no quadro, enxameação, comportamento higiénico e comportamento de resistência ao varroa são poligénicos e requerem a aplicação dos conceitos da genética quantitativa ao melhoramento no seio de uma determinada população.
Os resultados obtidos (heritabilidades, progresso genético) são específicos das populações estudadas e não podem ser generalizados para outras populações. Apenas uma avaliação cuidadosa dos dados obtidos localmente pode identificar para quais características o progresso genético é alcançável numa determinada população. Uma das limitações ao melhoramento genético é a fraca heritabilidade de alguns traços, como aparenta ser o caso da produção de mel, resistência ao varroa, e enxameação.
A seleção é um processo complexo e não oferece uma solução imediata para todos os problemas. Por exemplo, para atingir um objetivo de produção melhorada numa exploração, é preferível priorizar outras abordagens zootécnicas, que correspondem ao maneio das colónias através de um plano apícola tecnicamente bem sustentado (verificação do estado das colónias, prevenção e controlo da enxameação, transumância, tratamentos da varroose …). Um aumento na produção de mel na exploração é mais facilmente alcançado, por ex., pelo aumento do número de colónias ou pela mudança para áreas com mais recursos nectaríferos do que pela seleção (difícil, demorada e falível) de colónias que produzem mais.
Por outro lado, uma vez que a condução da exploração apícola esteja bem adequada ao objetivo de produção, o progresso genético pode ser obtido a longo prazo, por meio da acumulação dos ganhos genéticos obtidos ano a ano: a seleção constitui então uma solução duradoura para a operação e uma alavanca para melhorar o desempenho. No entanto, para ser eficaz, é necessária uma supervisão rigorosa: é essencial documentar o trabalho realizado (recolha de dados de desempenho, etc.) e promover parcerias apicultor-investigação para a gestão destes procedimentos (integração do cálculo de heretabilidades, valores genéticos, estimativa do progresso genético). Este tipo de abordagem deve permitir que a selecção desempenhe um papel preponderante na obtenção de populações de abelhas adaptados às condições locais e às expectativas dos apicultores.
fonte: para quem lê francês, um texto essencial em pdf: Agroscope Transfer | No 333 / 2020 Concepts de sélection appliqués à l’abeille
Já há alguns anos atrás, em 2015, li pela primeira vez sobre as “famílias reais raras” presentes nas colónias de abelhas melíferas. Fui resistindo ao impulso de publicar esta informação por várias razões, sendo a principal que eu próprio, à época, não tinha segurança na qualidade desta informação divergente do conhecimento convencionalmente aceite. Contudo, de lá para cá, encontrei mais dois estudos que replicam a descoberta, o que me deixa mais confortável relativamente a este aspecto. Esta informação divergente, em particular no que respeita aos critérios de escolha de ovos/larvas de futuras rainhas numa situação natural assim como o número médio de zângãos com que as rainhas acasalam, merecem o espaço desta publicação.
Zona de congregação de zângãos. Estes eventos podem envolver vários milhares de zângãos, todos reunidos em áreas a cerca de 5 a 40 metros acima do solo.
As abelhas rainhas acasalam com dezenas de machos a mais do que se pensava (o conhecimento convencional refere uma média de 13 zângãos).
Ao colher mais amostras de larvas, os pesquisadores descobriram recentemente que, numa colmeia, as abelhas podem ter até 50 pais diferentes.
Uma vez madura, uma jovem abelha rainha poderá visitar várias “áreas de congregação de zângãos” em dias diferentes, acasalando com cerca de 50 zângãos.
“Pode ser algo como: quando eles acasalam, a rainha armazena apenas uma pequena quantidade do esperma de cada zangão, […] gerando um número baixo de descendentes.” Segundo Withrow, um dos autores do estudo, esta baixa frequência de descendentes desta genética, explica em boa medida a razão porque amostragens clássicas de indivíduos da colónia não os “apanhou na rede”. Os espermatozoides destes zângãos geram ovos e larvas de futuras rainhas mais atraentes para as abelhas. A descoberta destas linhas de famílias reais com genética críptica, até agora oculta, será assunto para uma publicação próxima.
Estes dados, na minha opinião, junto com outros, revelam bem o excessivo optimismo (não vou dizer ignorância) presentes na concepção da pretensa eficácia de saturar as zonas de congregação com os “nossos” zângãos, e da ilusão de melhorar abelhas ou manter traços desejados em condições de acasalamento em campo aberto e em Portugal continental.
Nota: as minhas rainhas, todas elas fecundadas em condições naturais, são, em regra, suficientemente responsivas ao que eu desejo delas. Quem, por estar insatisfeito com as abelhas que tem, deseja melhorar substancial e rapidamente as suas linhas, e depois mantê-las, deve ter bem consciente que muitos dos atalhos propostos para o alcançar, mais do que realidades no terreno, são muitas vezes ilusórios argumentos de marketing.
Neste vídeo, o apicultor norte-americano Bob Binnie refere “depois do trabalho de equalização terminado todas as colónias ficam com uma média de 6 quadros com criação” (aos 9’42”). Binnie publicou o vídeo em março de 2020.
Em abril de 2017, na publicação intitulada a regra “não mais de 6“, já o humilde escriba deste blog pisava o mesmo terreno.
Vamos supor que existe um criador muitíssimo competente e que lhe compramos abelhas rainhas com excelentes características. São pouco defensivas, invernam bem, são abelhas muito produtivas e, a cereja no topo do bolo, são abelhas que resistem ao ácaro Varroa. Para o criador de rainhas a manutenção destas características não é um problema, possui um local de acasalamento bastante isolado e realiza, sempre que necessário, inseminação instrumental.
Acasalamento em voo, em campo aberto.
Contudo as dificuldades com a preservação destas abelhas são muitas e ocorrem sobretudo depois das rainhas terem saido das mãos do criador. Numa geração ou duas, os descendentes dessas “superabelhas” estão de volta à estaca zero. Os traços criados em rainhas por via de programas de reprodução cuidadosamente controlados desaparecem rapidamente quando as filhas dessas rainhas acasalam em campo aberto, nos nossos apiários. Por que razão acontece isto?
No mundo 1 quase real, adquirimos uma rainha cuidadosamente criada e inseminada para um comportamento supressor da fertilidade/fecundidade do ácaro varroa, a sua prole provavelmente mostrará a característica desejada, e os ácaros varroa serão mantidos em números bastante baixos. Mas num determinado momento, a colónia perde esta rainha seleccionada (por substituição ou por enxameação). Deixando a natureza seguir o seu curso sem intervir, uma de suas filhas tornar-se-á a nova rainha. Ela carrega o traço desejado de sua mãe e pai, mas quando ela acasala, ela acasala com o conjunto de zângãos locais. Talvez alguns desses zângãos tenham o gene resistente ao ácaro, especialmente se alguns outros apicultores locais compraram rainhas ao mesmo criador. Mas a maioria dos zângãos não tem essa característica. Portanto, se a nova geração de abelhas mostrará resistência ou não, é um caso de probabilidade. Quase todos os genes resistentes ao varroa são recessivos, se a nova rainha acasalar 16 vezes, e apenas um ou dois desses acasalamentos ocorrerem com um zangão com genes resistentes ao varroa, teremos, no máximo, apenas duas subfamílias na colónia exibindo o traço comportamental desejado. Supondo que todas as subfamílias estejam igualmente representadas, seria cerca de 1/8 das abelhas ou 12,5% – percentagem muito baixa para manter o varroa debaixo de controlo.
A chave para manter um traço recessivo num ambiente local é a saturação das zonas de congregação do território com zângãos com os genes desejados.
No mundo 2 menos real, imaginemos que com muito esforço e persistência conseguimos saturar a zona com os nossos zângãos resistentes. Mas um novo apicultor instala nas proximidades 250 colónias sem o traço resistente. Temos 250 rainhas, cada uma pondo 1.000 ovos por dia nos meses de abril, maio e junho. Se 15% dessa postura são zângãos, então temos (250 x 1000 x 90) x 15%, contas feitas, 3 milhões e 375 mil zângãos na nossa área durante aquele período de três meses. E estes são apenas os zângãos dos novos enxames ali instalados, não são considerados outras colónias domésticas ou ferais ali instaladas. E cada um destes zângãos não resistentes está ansioso para acasalar com as rainhas da nossa linha resistente. Estes são números aproximados, obviamente.
A mensagem é clara. Se levarmos uma rainha resistente ao varroa para uma área onde há muitas abelhas, mas pouca resistência ao varroa, a característica rapidamente desaparecerá. Em resumo, um apicultor persistente com muitas colónias pode alterar significativamente o pool genético a seu favor. Mas se uma área é constantemente bombardeada com abelhas vindas de outros lugares, é extremamente difícil desenvolver e manter uma linha resistente. Isso exigirá tempo, esforço e planeamento. Não digo que não devemos tentar criar abelhas melhores. Mas precisamos entender que é uma uma longa leira para cavar à enxada, que pode ser difícil imitar o sucesso de outros e que as características resistentes são difíceis de manter. Por causa da biologia única das abelhas, pode demorar muito para vermos uma mudança substancial.
Nota 1: decidi elaborar a partir de um traço, comportamento resistente ao varroa, porque, tanto quanto sei, não há criadores de rainhas em Portugal a referirem explicitamente que estão a seleccionar para este traço. O que menos desejo é ferir susceptibilidades de natureza comercial. Ainda assim espero que a mensagem para os apicultores mais inexperientes e menos conhecedores tenha sido clara o suficiente para que compreendam melhor dois aspectos:
comprando rainhas seleccionadas, a baixa probabilidade de manterem esses traços desejados nas suas abelhas ao longo das sucessivas gerações através de fecundações naturais;
as exigentes condições que os criadores de rainhas têm de garantir para poderem reclamar que estão a selecionar para este ou aquele traço e fornecer o mercado com rainhas rigorosamente seleccionadas.
Nota 2: Publicação inspirada em leituras antigas do blog HoneyBeeSuite.
Os pontos comuns são muitos entre as abelhas e nós: somos seres sociais que vivemos em comunidades densas; colonizamos ubiquamente vastos territórios; apesar de uma boa memória imunitária somos sujeitos a patógenos exóticos para os quais não possuímos resistência ou tolerância; vivemos num planeta globalizado que faz circular entre continentes e à velocidade de barco ou de avião essas ameaças. Não é, por estas razões, surpreendente que tanto as abelhas como nós estejamos sujeitos a pandemias e soframos os seus efeitos cada vez mais frequentemente. A propósito deste fado comum traduzo excertos de um artigo que apreciei, escrito por Alison McAfee, entomologista norte-americano, e publicado há poucos meses no blogs.scientificamerican.com..
“Como a pandemia COVID-19 deixa claro, as cidades são indiscutivelmente a maior invenção da humanidade, mas metrópoles densamente povoadas também nos tornam vulneráveis à rápida propagação de doenças. No entanto, os humanos não são a única espécie que enfrenta este problema. As abelhas têm levado uma vida social durante dezenas de milhões de anos, o que as torna algumas das mais velhas veteranas na batalha contra o contágio. E, com o tempo, a seleção natural deu-lhes um conjunto impressionante de estratégias para mitigar a transmissão dentro das colónias. Sofisticadas como são, no entanto, essas estratégias não são suficientes para afastar todas as ameaças. As abelhas estão lutando contra sua própria pandemia global, para a qual estavam totalmente despreparadas. Um ácaro parasita, apropriadamente denominado Varroa destructor, originalmente infestava apenas colónias de abelhas melíferas asiáticas, Apis cerana, mas saltou de espécie para infectar as abelhas melíferas ocidentais, Apis mellifera, a espécie que domina a polinização comercial moderna em todo o mundo.
Varroa destructor: vista ao microscópio electrónico
O ácaro provavelmente saltou das abelhas asiáticas para as ocidentais algures na década de 1950, com os primeiros relatos surgidos em 1957 no Japão, depois em 1963 em Hong Kong. Os humanos facilitaram o salto entre os hospedeiros mantendo A. cerana e A. mellifera em proximidade artificial dentro dos apiários, transportando depois colónias recém-infestadas dentro e entre os países. E o V. destructor está fazendo jus ao seu nome. Hoje, espalhou-se para todas as regiões onde as abelhas são mantidas, exceto Austrália e um conjunto de ilhas remotas, rapidamente se tornando uma pandemia global e a maior ameaça patológica à saúde das abelhas. […] Os apicultores [nos EUA] conseguiram aumentar lentamente o número de colónias que mantêm, em média, mas a um custo substancialmente maior. E este aumento de colónias está sendo superados pela crescente demanda de polinização. As abelhas melíferas ocidentais não coevoluíram com o V. destructor, e as abelhas ocidentais não possuem os traços comportamentais que as abelhas asiáticas têm, como sepultar permanentemente criação infestada pelos ácaros e, talvez a estratégia mais extrema, apoptose social**, onde a criação é tão sensível à parasitização que morre imediatamente após a infestação, sacrificando-se para evitar que o ácaro se reproduza. As características de combate a ácaros também existem em populações de abelhas ocidentais, mas não são suficientes para conferir resistência adequada sem reprodução seletiva intensa. […]
Tropilaelaps à esquerda e V. destructor à direita.
Até agora, as aplicações rotineiras de acaricidas são suficientes para mitigar esse problema. Mas, como acontece com o uso sustentado de qualquer biocida, os ácaros estão tornando-se resistentes aos tratamentos dos apicultores. E se isso não bastasse, outro género de ácaro parasita, chamado Tropilaelaps, está prestes a iniciar outra pandemia. Ele também saltou recentemente de outra espécie de abelha melífera, a abelha gigante asiática [Apis dorsata], para a abelha ocidental. Identificado pela primeira vez em ratos perto de colónias de abelhas nas Filipinas, tem-se expandido para regiões mais frias da Ásia continental, onde os climas são muito semelhantes aos dos EUA. Onde o Varroa e o Tropilaelaps coexistem em colónias, o Tropilaelaps supera Varroa, causando danos e deformidades ainda maiores.
Larvas de apis melífera a serem parasitadas por ácaros Tropilaelaps e uma pupa deformada pela doença tropilaelapsose
Até agora, os ácaros Tropilaelaps não se espalharam para outros continentes, mas sua dispersão global é provavelmente apenas uma questão de tempo. Não é tão incomum colónias inteiras de abelhas apanharem boleia no exterior fazendo ninhos em cargas ou em navios, carregando patógenos e parasitas com elas. Outras pragas invasivas provavelmente também alcançaram a América do Norte por esta rota: a vespa gigante asiática, Vespa mandarinia, foi recentemente avistada na Colúmbia Britânica e em Washington, com pelo menos um ninho estabelecido sendo identificado e erradicado. O Canadá importa dezenas de milhares de pacotes de abelhas (colónias iniciais) de países como Austrália, Nova Zelândia e Chile, então o Tropilaelaps também pode entrar na América do Norte por qualquer um desses países. Uma economia globalizada e nossa destruição sistemática do mundo natural criam as condições perfeitas para patógenos e parasitas estabelecerem novos hospedeiros e se espalharem rapidamente no exterior. Devemos estar mais bem preparados para que as doenças emergentes sejam o principal risco no mundo moderno. Eles são uma ameaça persistente para a nossa própria saúde, a saúde do nosso gado e da vida selvagem, podendo espalhar-se inadvertidamente. Como testemunhamos tragicamente com COVID-19, doenças emergentes estão nos matando e estão matando nossas abelhas também.”
** Para os investigadores, entre os vários mecanismos de resistência e ou tolerância da A. cerana relativamente ao V. destructor, a apoptose social tem vindo a adquirir relevância.
Desde há muito que são popularmente referidos os benefícios da própolis para a prevenção e recuperação de alguns estádios doentios. Gradualmente têm vindo a ser realizados estudos controlados que vão confirmando alguns desses benefícios (ver aqui). Dentro desta linha de investigação foi publicado, há poucos dias atrás, este estudo que fundamentadamente alimenta a esperança de a própolis ter efeitos positivos na luta contra o vírus SARS-CoV-2 e na redução da resposta inflamatória em pacientes com a doença COVID-19. Agradeço ao Paulo Matos ter-me chamado a atenção para este artigo científico.
Título: Própolis e seu potencial contra mecanismos de infecção por SARS-CoV-2 e doença COVID-19
Aspectos principais:
A própolis, produzida por abelhas a partir de resinas vegetais bioativas, tem atividade antiviral.
A própolis pode potencialmente interferir na invasão da célula hospedeira pelo SARS-CoV-2.
A própolis bloqueia a PAK1 pró-inflamatória, uma quinase altamente expressa em pacientes com COVID19.
A própolis padronizada tem propriedades consistentes para pesquisas clínicas e laboratoriais.
A própolis é um alimento funcional seguro, amplamente consumido, com propriedades medicinais.
Conclusões: Considerando o grande número de mortes e outros tipos de danos que a pandemia de COVID-19 está causando, há uma necessidade urgente de encontrar terapias que possam ajudar a evitar ou reduzir a infecção por SARS-CoV-2 e suas consequências. A própolis tem efeitos antiinflamatórios e imunorreguladores comprovados, incluindo a inibição da PAK-1. Além disso, a ligação à ACE2, um dos principais alvos do vírus SARS-CoV-2 para a invasão da célula hospedeira, é inibida pela própolis. Componentes da própolis, incluindo CAPE, rutina, quercetina, kaempferol e miricetina têm demonstrado in silico uma forte interação com a ECA2. Kaempferol reduziu a expressão de TMPRSS2. Além destas atividades, a própolis não interage com as principais enzimas hepáticas ou com outras enzimas essenciais de acordo com os critérios adotados pela Organização Mundial de Saúde, portanto, a própolis pode ser usada concomitantemente aos principais medicamentos sem risco de potencialização ou inativação. Para determinar se a própolis afeta especificamente a SARS-CoV-2, serão necessárias mais pesquisas. Mas como a própolis é um produto isento de riscos, exceto para aqueles que podem desenvolver alergia a ela, as conhecidas atividades biológicas desse produto natural apícola levam-nos a sugerir seu uso para reduzir o risco e o impacto da infecção e como coadjuvante do tratamento.