mortalidade de colónias de abelhas nos EUA: que relação com o maneio

Esta palestra dada por Dennis van Engelsdorp, entomólogo e Director do Projecto “Bee Informed Partnership”, dá-nos a conhecer um conjunto de dados e correlações entre opções de maneio e sobrevivência vs. mortalidade de colónias de abelhas. Estes dados foram recolhidos por inquérito aos apicultores dos EUA e ao longo dos últimos anos. Dennis van Engelsdorp apresenta um conjunto de fenómenos que se têm repetido ao longo destes anos em circunstâncias semelhantes. No seu entender esta repetição ajuda a definir tendências e, em última instância, a estabelecer algumas relações fortes e fiáveis entre a sobrevivência ou a morte de uma colónia de abelhas e o maneio levado a cabo pelo apicultor. Não esquecendo que “para cada problema complexo existe uma resposta que é clara, simples… e errada.”

Pontos que destaco:

  • maior perda de colónias durante a primavera e verão que no outono/inverno no último ano inquirido;
  • por ano os apicultores profissionais perdem menos colmeias (cerca de 20%) que os apicultores não-profissionais nos EUA (cerca de 45%);
  • cerca de 60% dos apicultores nos EUA não realiza tratamentos contra a varroa (a maior parte são apicultores não-profissionais);
  • 3 ácaros por 100 abelhas adultas justificam o início do tratamento (ver também aqui);
  • tratar com 5 ácaros por 100 abelhas pode ser tarde demais para algumas colónias (ver também aqui);
  • os ácaros são vectores de transmissão horizontal de virús entre abelhas, aspecto que se julga estar a aumentar a sua virulência;
  • tipicamente atingem-se picos de infestação nos meses de setembro e outubro;
  • apesar dos tratamentos terem sido efectuados nas colmeias, a infestação pode subir enormemente no mês de setembro/outubro devido à transferência de varroas de colónias de apiários vizinhos que estão a colapsar com varroose;
  •  o amitraz,  fórmico e o oxálico são os produtos mais eficazes no controlo dos ácaros;
  • quem alimenta com açucar ou pasta de açucar perde menos colónias do que quem não alimenta;
  • quem alimenta com quadros com mel provenientes das colmeias colapsadas perde mais colónias do que quem não o faz;
  • alimentar com proteínas no outono ou na primavera é uma boa prática;
  • mudar mais de 50% dos quadros do ninho por ano tem um impacto negativo nas colónias;
  • mudar 1 ou 2 quadros do ninho por ano é melhor do que não mudar nenhum;
  • colónias iniciadas partir de pacotes de abelhas apresentam a pior taxa de sobrevivência;
  •  colónias iniciadas por divisão/desdobramento de colónias existentes apresentam a melhor taxa de sobrevivência;
  • quem substituiu as rainhas no ano anterior apresenta menor taxa de mortalidade do que quem não o fez.

Vários dos aspectos destacados nesta apresentação já foram abordados neste blogue. Ainda que a realidade portuguesa seja em parte diferente da norte-americana, muitas das conclusões e pontos destacados têm servido e continuarão a servir-me de orientação no meu maneio. E o resultado tem sido muito positivo até agora (ver aqui e aqui)

falta de eficácia dos acaricidas ou falta de jeito do apicultor?

 

Fig.1: Esquema representando a interacção das abelhas com as tiras de Apivar que funcionam por contacto.

Neste esquema fica evidente que para as tiras de Apivar funcionarem é necessário que as abelhas contactem com as mesmas para se impregnarem com o amitraz  que depois o espalharão também por contacto a outras abelhas . Este é o princípio de funcionamento de todos os tratamentos contra a varroa que funcionam por contacto.

David Quesada, conceituado apicultor e blogger espanhol, apresenta aqui um conjunto de advertências,  feitas já também por aqui, acerca da necessidade de colocar as tiras acaricidas entre quadros com criação, em especial nos tratamentos de de verão/início de outono. Como as tiras acaricidas funcionam por contacto o local indicado para as colocar é onde há mais abelhas: no centro das zonas de criação.

Por ejemplo, si dice que se utilicen dos tiras, no colocar una porque pensemos que tenemos pocos cuadros de abeja y que con una basta, ya que así estaremos aplicando una dosis menor a la indicada. La colocación adecuada de las tiras anti varroa es también imprescindible, siempre dentro del nido de cría, en contacto con los cuadros con cría. Esto exige, en el momento del tratamiento, buscar y ver cuantos cuadros de cría hay y donde están para insertar entre ellos el tratamiento. Colocar las tiras en cualquier sitio, a ojo, sin realizar esta búsqueda hará que las abejas no entren en contacto con ellas resultando ineficaz, ya que el acaricida que portan las tiras actúa por contacto.

Todo esto puede parecerte obvio, pero aunque te cueste creerlo,  quienes trabajamos codo con codo con los apicultores lo vemos con más frecuencia de la que nos gustaría. La incorrecta aplicación de los tratamientos es uno de los hallazgos y conclusiones que hemos sacado de los últimos estudios llevados a cabo en el marco del Programa de Vigilancia Piloto de las Enfermedades de las Abejas que desde el año 2012 venimos realizando en España bajo la coordinación del Ministerio de Agricultura.

Como escreve Quesada constata-se que aplicação incorrecta de tratamentos é muito mais frequente que o esperado. Será que em Portugal é muito diferente? Não creio. Quando por cá se fala de ineficácia dos tratamentos acaricidas por contacto, eu leio falta de jeito dos apicultores, senão em todos os casos numa boa parte deles. Ver este post relacionado, entre outros.

Um velho ditado português “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és” aplicado a este contexto seria “diz-me onde colocaste as tiras e dir-te-ei que eficácia alcançarás”.

Nota: para aumentar a eficácia dos tratamentos com acaricidas que funcionam por contacto há necessidade de recolocar as tiras sempre que a zona de criação se desloque.

colmeias e suas configurações

As fotografias em baixo pretendem ilustrar as principais configurações de colmeia que utilizo. Apesar da sua importância este é um tema que me parece pouco abordado.

 

 

 

Fig.1 : Imagem geral de um apiário.

 

 

Fig.2: Colmeias com uma só câmara a ninho e meias-alças meleiras.

 

 

 

Fig.3: Colmeia com duas câmaras a ninho e 2 meias-alças meleiras (colmeia mais alta do assento).

 

 

 

Fig.4: Colmeia dividida com tabuleiro divisor (colmeia com pedra sobre o tecto).

 

Na minha opinião a tomada de decisão acerca da configuração a adoptar para esta ou aquela colmeia, mais do que regras escritas na pedra, deve ter em conta a força do enxame e o grau de desenvolvimento que dele se prevê (ver mais detalhes aqui).

colmeias langstroth e/ou lusitana: sobreninho sim ou não… depende

A propósito da questão colocada pelo Alessandro: “eu queria saber se usar duas câmaras de postura é vantagem, se o enxame fica maior?” volto a um post anterior (este) onde escrevi:

“Ao contrário das populações que se expandem exponencialmente devido a um número cada vez maior de reprodutores, a colónia de abelhas tem apenas uma fêmea que produz ovos férteis. Este facto per si estabelece um limite na taxa máxima de nascimentos (o limite é o número de ovos que o rainha põe a cada dia). […]

Analisemos com algum detalhe as limitações ao número de nascimentos de abelhas. O desenvolvimento das colónias e a manutenção de grandes populações depende de: (1) a capacidade da rainha de pôr ovos, (2) capacidade da população nutrir e manter a temperatura favorável da criação, (3) reservas de pólen e mel, e (4) espaço suficiente e no local adequado para a postura da rainha.

As investigações levadas a cabo para definir o número de ovos que uma rainha põe por dia (ovoposição) fazem-se contando o número de alvéolos com criação operculada/fechada. Os dados não são completamente convergentes:  Nolan refere que o número máximo de alvéolos com criação operculada é de cerca de 15.000, Harris cerca de 17.000, Winston cerca de 21.000. Estes números sugerem que uma rainha de boa qualidade e em condições ideais põe 800-1100 ovos por dia (supondo 90% de sobrevivência das larvas), valores que são convergentes com as contagens efectuadas por Farrar, que refere cerca de 900 ovos por dia. Há, naturalmente, rainhas excepcionais que ultrapassam estes números.

Segundo os dados do investigador canadiano Harris […] Quando as rainhas atingem o máximo de ovoposição as colónias apresentam cerca de 16 000 alvéolos operculados (de acordo com as medições de Nolan e Harris). Se bem junta nos quadros esta criação operculada, mais os ovos e a criação larvar aberta, não ocuparia mais que 5-6 quadros do ninho Langstroth. Verdadeiramente surpreendente. Outro dado muito interessante é que neste momento a colónia atingiu cerca de metade da sua população máxima, isto é cerca de 30 000 abelhas. Estas abelhas ocupam 15-17 quadros de ninho do modelo Langstroth.

Aplicação prática: o apicultor durante este período de aumento linear da ovoposição deve certificar-se de que a rainha tem espaço e que este espaço está concentrado no ninho.  O rearranjo dos quadros no ninho e o fornecimento de quadros puxados ao ninho na posição correta, maximiza a postura da rainha. Inverter o ninho e sobreninho e/ou adicionar quadros puxados (na ausência destes, adicionar quadros laminados com cera de qualidade), é o maneio mais adequado nesta época do ano. Aceitemos que se uma rainha precisa colocar um ovo a cada minuto, ela não pode gastar muito tempo à procura de um lugar onde fazê-lo. O ninho deve estar aberto e o espaço para a postura concentrado.

Uma pergunta perene da apicultura é exatamente quanto espaço uma rainha realmente exige? A partir dos números acima podemos calcular quantos quadros Langstroth são necessários para satisfazer a necessidade de espaço da rainha. Nestes quadros há quase 7000 alvéolos (segundo Randy Oliver mais precisamente 6960 numa base padrão) nos dois lados de um quadro de alça/ninho. Se esse quadro está 70% cheio com criação (nos restantes 30% é o espaço para o pólen e néctar), ficam de 4.875 alvéolos para a criação, ou 43.875 em nove quadros (por exemplo, 10 quadros na caixa, mas sem cria nos dois lados mais externos) . Uma rainha colocando 1500 ovos por dia pode encher 30.000 alvéolos em 20 dias; A 2300 ovos / dia, temos 46.000 em 20 dias. Sendo assim, a matemática diz-nos que um único corpo/alça Langstroth fornece espaço suficiente para qualquer rainha, desde que não esteja bloqueado com mel ou pólen.

Randy Oliver refere que esta é a configuração preferida por muitos apicultores australianos, que hoje em dia preferem as colmeias de uma só câmara de criação, com uma excluidora por cima desta, e fazem enormes colheitas de mel. Diz também que ele próprio raramente encontra mais de 10 quadros com criação.”

Voltando à questão do Alessandro fica claro, julgo eu, que uma só câmara de criação nas colmeias do modelo Langstroth ou do modelo Lusitana oferece o espaço suficiente para a postura de uma boa rainha, desde que não bloqueada com mel e/ou pólen.

Contudo nem sempre os ninhos oferecem estas condições desejáveis, portanto alguns apicultores que utilizam estes modelos de colmeia preferem trabalhar com duas câmaras de criação (ninho e sobreninho).

Sei o seguinte de várias fontes confiáveis, assim como das minhas observações:

  • colónias com rainhas com 2 anos tendem a enxamear mais;
  • colónias que habitam ninhos de pequenas dimensões tendem a ficar congestionadas de abelhas mais rapidamente e a enxamear mais cedo e/ou mais frequentemente.

Qual a minha opção? Uma ou duas câmaras de criação? No passado e neste ano a minha opção tem sido mista: nem todas as colmeias com ninho duplo nem nenhuma colmeia com ninho duplo.

Nas colmeias que neste momento estão a entrar na primavera com 7 a 8 quadros com criação e/ou com rainhas com 2 anos estou a colocar um sobreninho. Espero com a segunda câmara de criação atrasar ou mesmo eliminar a pulsão para enxamearem. A minha experiência com esta medida no ano passado foi positiva. Em parte por isso, este ano e até à data, já tenho 86 colmeias com sobreninho (conto colocar ainda mais 40 a 50) quando no ano passado não coloquei mais do que 61 sobreninhos.

como colher abelhas ama sem ter de encontrar a rainha

Como colher abelhas ama sem ter de encontrar a rainha?

Mova a colónia doadora para o lado, e coloque um estrado e corpo de colmeia vazio no seu lugar. Da colónia doadora retire um par de quadros com criação e coloque-os no centro do corpo da nova colmeia e, em seguida, preencha os espaços vazios com quadros puxados e quadros com mel e pólen. Em seguida, coloque outra caixa vazia por cima desta nova colmeia, para atuar como um funil. Sacuda todas as abelhas dos quadros restantes para o “funil”. Quando terminar, escove gentilmente as abelhas dos lados da caixa funil para baixo, para o novo ninho (poderá também utilizar o fumigador para as orientar para o ninho). O objectivo desta operação é ter certeza de que conseguimos colocar a rainha na caixa inferior, o ninho atual.

Uma vez que todas as abelhas estejam no novo ninho, em seguida coloque um grelha excluidora de rainhas sobre esta nova caixa. Sobre a excluidora coloque um corpo com os quadros restantes. As abelhas ama rapidamente subirão através da excluidora para cobrir, aquecer e alimentar a criação existente nesses quadros. Passada uma a duas horas, será fácil colher abelhas amas nesta caixa superior, ou mesmo quadros com criação e abelhas, para equalizar (e também aqui) as colmeias no nosso apiário, entre outros fins.

uma forma simples de gerir um apiário para aumentar a produtividade, baixar custos e diminuir riscos

Num quadro de alça do modelo Langstroth existem alvéolos suficientes para produzir 3500 ou mais abelhas por cada lado do quadro, ou 7000 abelhas adultas por quadro. Na colmeia Lusitana os números chegam a ser um pouco superiores.

Fig 1: Quadro Langstroth bem fornecido com cria operculada

Um quadro repleto com cria, de canto a canto, fornece ao apicultor uma ferramenta de grande valor na gestão/maneio de colónias de um apiário. A transferência de quadros de cria fechada/operculada das colónias mais fortes paras as colónias menos fortes, cerca de 40 dias antes de um fluxo de néctar importante, permite-nos gerir um apiário para alcançar maior uniformidade entre as colónias. A equalização permite que as colmeias mais fracas adquiram a massa crítica de abelhas suficiente para se tornarem produtivas e, muitas vezes, reduz a pressão para a enxameação na colmeia doadora. As colónias mais fracas recebem quadros repletos com cria operculada das colónias fortes. As colónias fortes recebem quadros com cria aberta e ovos das colónias mais fracas. Desta forma, reforçamos as colónias mais fracas, adicionando cria que irá eclodir em breve e que não necessita ser alimentada. Sabemos que a nutrição de larvas é um processo duro e desgastante para as abelhas, especialmente nas colónias menos fortes com menos abelhas nutrizes. As colónias fortes não são enfraquecidas porque recebem quadros com ovos e larvas. Por outro lado, estas colónias fortes apresentam melhor condições para nutrir a cria aberta, criar abelhas melhor nutridas e mais saudáveis. Simultaneamente a cria aberta contribui para diminuir a pulsão para enxamearem, dado que a feromona libertada pela cria aberta contribui para dissuadir as abelhas de enxamearem.

Fig. 2: A cria aberta contribui para dissuadir as abelhas de enxamearem 

Com este maneio simples conseguimos atingir vários objectivos numa só visita ao apiário, representando uma grande economia na carga de trabalho e nas deslocações, a par com a maximização da produtividade e a minimização de custos e riscos pelas razões em baixo discriminadas:

  • estimulamos colónias mais fracas sem ter de recorrer ao xarope 1:1, diminuindo custos e riscos;
  • a colmeia receptora recebe cria bem alimentada e saudável, diminuindo riscos sanitários e aumentando a produtividade;
  • “arrefecemos” colónias prematuramente fortes e que poderiam enxamear à entrada do fluxo de néctar, aumentando a sua produtividade;
  • aumentamos a diversidade de sub-famílias (abelhas filhas de pais e mães diferentes) nas colónias, diversidade esta que está associada a melhores respostas contra os patogeneos, diminuindo riscos sanitários.

apis mellifera iberiensis ou a melhor abelha para a península ibérica

A Península Ibérica é povoada naturalmente por uma subespécie de abelhas designado cientificamente apis mellifera iberiensis. É um hibrido natural com linhagem M e A.  Foi este ecotipo que o grande ecossistema peninsular ibérico foi seleccionando e apurando ao longo de milhões de anos.

No entanto este longo e eficaz mecanismo de selecção natural é posto em causa sempre que um de nós decide introduzir linhas exóticas no nosso território (ver aqui). O principal argumento apresentado pelos apicultores que importam outras raças (a ligustica e a cárnica são as preferidas) é o de procuram linhas mais homogéneas e/ou produtivas e gentis. Esta quimera rapidamente se desmonta.

Qualquer apicultor minimamente informado sabe que no território nacional manter linhas exóticas homogéneas obriga a uma de duas coisas: inseminação instrumental ou compra regular de rainhas no estrangeiro. É verdade que se fala da possibilidade de desenvolver zonas de acasalamento dedicadas a estas linhas exóticas mas dada a orografia continental e a elevada densidade de colmeias por Km quadrado, no nosso país essa ideia não passará das boas intenções. Voltando à inseminação instrumental, esta é uma via que requer equipamentos caros e muito sofisticados, a juntar a um conjunto competências muito evoluídas por parte do apicultor-inseminador, só ao alcance de muito poucos. A outra via, a compra regular de rainhas exóticas no estrangeiro, é uma solução que torna o apicultor dependente do criador de rainhas, e sobretudo é uma prática com imensos riscos sanitários, aumentando enormemente a possibilidade de se  introduzirem doenças e/ou patogéneos novos, como já aconteceu no passado com o ácaro varroa e o fungo nosema ceranae, e no futuro poderá vir a acontecer com o  Aethina tumida (pequeno escaravelho da colmeia)  presente em território italiano e o ácaro Tropilaelaps, tão ou mais perigoso que o ácaro varroa. A culminar, a questão do transporte aéreo de rainhas e seu efeito negativo na viabilidade espermática das mesmas poderá dar graves amargos de boca aos inocentes compradores (tema a abordar num post futuro).

Outra das razões mais frequentemente referidas para a compra de linhas exóticas passa pela crença de que serão mais produtivas e menos enxameadoras. Crenças também facilmente desmontáveis. Estudos recentes mostram que as linhas nativas tendem a ser mais produtivas que as linhas exóticas (ver aqui). Mas mesmo que estes estudos não viessem confirmar aquilo  que muitos de nós sabem, os dados das produções espanholas e portuguesas rapidamente demonstram que a nossa abelha ibérica não só produz como produz de forma muito satisfatória. O país com a produção mais elevada de mel na UE é Espanha. Pergunto como será possível um país ser simultaneamente o maior produtor de mel da UE e um dos maiores produtores do mundo com uma abelha pouco produtiva e enxameadora?  Poderá argumentar-se que tal se deve ao maior número de colónias em Espanha. Vejamos então a produção média por colmeia e os dados são elucidativos: Portugal apresentou em 2010 um produção média de 23 Kg por colmeia; Itália com as ligusticas, por alguns intituladas fábricas de fazer mel, ficou atrás com 19 Kg por colmeia; a Áustria, terra das cárnicas e dos grandes mestres apicultores, apresenta apenas 16 Kg. Nós, com uma abelha menosprezada por alguns, estamos à frente de duas raças tão cobiçadas pelos apaixonados das linhas exóticas.

Relativamente à doçura das abelhas das linhas exóticas este é um traço com grande heritabilidade e os inevitáveis cruzamentos com a abelha nativa depressa diluirão esse traço, podendo suceder gerações com comportamentos tão ou mais defensivos que os das nossas abelhas nativas  (falo por experiência pessoal).

Só me apraz uma conclusão: se alguns de nós não conseguem que a abelha ibérica produza, antes de a por em causa faria um grande favor a si próprio se começasse por se por em causa a si e ao seu maneio incompetente.

Num próximo post abordarei outro ângulo desta problemática associado ao impacto negativo que esta prática de importar linhas exóticas tem nos apiários ao redor. Se importar linhas exóticas é um tiro no pé do próprio é também uma facada nas costas do vizinho.

A terminar uma nota de esperança nesta época festiva: estou convencido que a nossa abelha por cá continuará muito depois de termos partido, e seguramente a fazer as alegrias de muitos futuros apicultores… e sem linhas exóticas. É claro para onde as tendências estão a avançar nos meios mais esclarecidos: para a preservação dos ecotipos locais e a proibição de introdução de linhas exóticas, como já acontece na Catalunha e noutras regiões da Europa (ver aqui). As autoridades portuguesas, ou porque estão mal aconselhadas ou porque desconhecem esta problemática, mais tarde ou mais cedo proibirão a importação de linhas exóticas a bem da apicultura nacional.

fazer rainhas de qualidade utilizando o formão/raspador

Como?

Esta técnica foi cunhada com o acrónimo OTS (on the spot) e foi inicialmente divulgada por Mel Disselkoen, apicultor norte-americano.

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Fig. 1 : Mel Disselkoen

Numa colmeia previamente orfanizada, vamos procurar em dois ou três quadros larvas com menos de 36 horas de vida. O mais provável é encontrar estas larvas em zonas adjacentes às zonas com ovos.

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Fig 2: Ovos (Eggs), larvas com menos de 36 h (just right) e larvas com mais de   36 h (too old)

Nas zonas onde encontrarmos estas larvas com menos de 36 h vamos esmagar com o formão os alvéolos logo por baixo como podemos ver exemplificado neste vídeo (a partir dos 4’40”).

Este simples gesto permite que a construção de alvéolos reais se faça o mais possível na vertical, como acontece naturalmente com os alvéolos reais de enxameação ou de substituição (supersedure).

Mel Disselkoen propõe que se realize o OTS  em duas a quatro zonas por quadro e em dois ou três quadros. Tudo dependerá do que cada um de nós pretender.

Se pretender fazer alguma selecção genética recomendo que utilize um quadro com larvas de uma colmeia que aprecie.

Desde há dois anos que utilizo esta técnica e estou satisfeito com a qualidade geral das rainhas que tenho obtido.

Fica assim apresentada uma técnica que requer do apicultor apenas duas coisas: um formão/raspador e uma razoável acuidade visual.

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introduzir rainhas novas em colmeias estabelecidas

Como era minha intenção construí cerca de uma centena de tabuleiros divisores no início da passada primavera.

O tabuleiro divisor é neste momento para mim o mais crucial dos equipamentos apícolas que possuo: pela sua simplicidade, pela sua versatilidade, pelo seu baixo preço. Como estou muito satisfeito com este equipamento continuo a juntar as peças do puzzle para entrever de que forma poderei maximizar e diversificar o âmbito da sua aplicação no maneio que pratico. E somando e juntando as peças daqui e dali julgo que tenho um método bem desenhado e definido na minha cabeça com vista à introdução de rainhas novas, especialmente virgens, em colmeias já estabelecidas e com o auxílio do tabuleiro divisor.

Do saber que foi sendo construído pelas anteriores gerações de apicultores sabemos que em regra é mais fácil uma rainha estranha/nova ser aceite por uma colónia estabelecida durante um fluxo de néctar. Se não houver néctar a entrar na colmeia, a aceitação será facilitada com o fornecimento de xarope de açúcar.

Para aumentar a probabilidade de uma rainha nova ser aceite há ainda um conjunto de outras considerações a ter muito em conta:

  • dar às abelhas o tempo e a oportunidade de se acostumar com sua nova rainha. Durante este período de um a dois dias a rainha deve estar protegida por uma gaiola lhe permite manter contato “físico” com as obreiras (exsudando as feromonas reais no coração da colónia);
  • as abelhas mais jovens aceitam rainhas mais facilmente do que as abelhas velhas;
  • colónias menores aceitam as rainhas mais prontamente do que colónias maiores.

O método que apresentarei seguidamente apresenta estas vantagens:

  • evitará quaisquer interrupções na postura de ovos das rainhas atuais/velhas;
  • dispensará a utilização/aquisição de material dedicado, o que permite simplificar o trabalho do apicultor e torna-lo mais rentável.

(Abrindo parêntesis: Relativamente à dispensa de material dedicado a minha posição de princípio é que o apicultor moderno deve evitar sempre que possível comprar material e equipamentos que sirvam apenas para um maneio/operação específica. Deve privilegiar os métodos que lhe permitam fazer o que pretende com os materiais e equipamentos generalistas que já possui. No caso específico da criação de rainhas há muito equipamentos dedicados por onde nos podemos “despistar”e fazer derrapar orçamentos. Como consequência destas derrapagens orçamentais desejamos e necessitamos que cada colmeia produza 50 Kg de mel/ano para o apicultor, que dê ainda uns bons quilos de pólen e umas gramitas de apitoxina, tudo para que se paguem as despesas do ano. A minha opção é sempre que possível evitar o material dedicado e procurar os métodos de maneio de colónias que levem aos mesmos fins e que exijam materiais e equipamentos que já possuo do maneio habitual e normal das colmeias. Esta recomendação poderá ter interesse para os apicultores que se focam na produção de mel, como é o meu caso. Recomendo a terminar este parêntesis que tenham um quando muito dois focos se querem ter uma apicultura rentável no nosso país. Não se dispersem, nem no território nem nos produtos! Foquem-se na produção de um/dois produtos e concentrem a vossa operação num/dois territórios!)

Equipamento necessário a preparar antes de ir para o apiário:

  • uma alça de dimensões iguais à do ninho da colmeia e com quadros puxados ou laminados;
  • tabuleiro divisor;
  • jaula temporária de rainhas/pinça para apanhar rainhas.

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Fig. 1: Exemplo de uma pinça para apanhar rainhas

No apiário:

  • Coloque a alça que trouxe em cima do tabuleiro divisor e ao lado da colmeia estabelecida onde pretende introduzir a nova rainha;
  • Localize a rainha “velha” e coloque-a numa jaula temporária;
  • Remova 2 – 4 quadros com criação larvar e sobretudo operculada do ninho desta colmeia estabelecida com todas as abelhas aderentes. Estes quadros deverão ser colocados na alça igual ao ninho que trouxe consigo. Os quadros vazios que são removidos são introduzidos no ninho da colmeia estabelecida. Devemos manter a integridade da zona de criação, colocando estes quadros “novos”nas zonas laterais da mesma;
  • Coloque um ou dois quadros adicionais de mel retirados da colmeia estabelecida ou de outra colmeia depois de sacudidas as abelhas aderentes;
  • Se necessário sacuda ainda mais algumas abelhas dos quadros da colmeia estabelecida para os quadros colocados na alça que se encontra em cima do tabuleiro divisor. Pode fazê-lo com toda tranquilidade porque a rainha ainda se encontra na sua jaula temporária;
  • Liberte a rainha velha em cima dos quadros com criação que ficaram no ninho da colmeia estabelecida;
  • Coloque a alça com tabuleiro divisor em cima da colmeia estabelecida. A entrada do tabuleiro divisor deverá ter a direção contrária à entrada da colmeia estabelecida. Isso permitirá que as abelhas mais velhas saiam e voltem para a colmeia estabelecida em abaixo;
  • Passadas umas horas ou até um dia introduza a nova rainha na sua jaula na alça que foi preparada para a receber;
  • Esta nova alça/novo ninho, foi perdendo as abelhas mais velhas que foram sendo drenadas para o ninho estabelecido em baixo, tem uma parcela importante de abelhas novas, e tem um número menor de abelhas. Com este método estão reunidas as condições que garantem maior sucesso na introdução de novas rainhas;
  • Passadas duas ou três semanas, confirmada a boa postura da nova rainha, elimina a velha rainha ou retira-a para um núcleo, tira o tabuleiro divisor e sem mais operações reúne a colónia, agora com nova rainha.

compatibilizar a renovação de rainhas e a produção de mel

Uma das leis mais sólidas em apicultura é a de que as colmeias mais populosas tendem, em condições normais, a serem as mais produtivas (ver lei de Farrar).

Se exceptuarmos as doenças das abelhas (sendo a mais prevalente a varroose) e a fome nas abelhas, as duas variáveis que mais impacto negativo têm na população das abelhas de uma família/colmeia são a pouca prolificidade de uma rainha e a enxameação.

Em condições regulares estas duas variáveis (baixa prolificidade e enxameação) podem e devem ser resolvidas com a renovação de rainhas em ciclos de dois anos, ou mesmo de ano a ano.

Os métodos de renovação de rainhas são inúmeros e cada um de nós deve escolher aquele que mais lhe agrada, de acordo com a sua realidade e as suas capacidades. Neste post vou propor uma técnica que nos permite fazer a renovação de rainhas sem pôr em causa o desenvolvimento normal da família/colmeia, isto é, sem provocar um atraso no crescimento da sua população, logo sem pôr em causa a produção.

No meu caso, tendo em conta o meu contexto, procuro uma solução para a renovação que rainhas que possa ser aplicada de forma simples (que não me exija a criação de condições relativamente complexas para a introdução de rainhas virgens ou fecundadas), económica (que não me exija por ex. a aquisição de rainhas fecundadas e/ou equipamentos dedicados), com uma baixa exigência logística (que não me exija trabalhar com caixas de tamanhos diferentes como por ex. nucleólos, núcleos ou outros equipamentos), que seja rápida ao ponto de ser realizada com um baixo de número de manipulações/operações e que seja eficiente, isto é, que me dê garantias que no processo de renovação de rainhas menos de 1% das famílias/colmeias fique orfã.

Para alcançar este conjunto integrado de exigências apenas necessito de um equipamento extra ou dedicado, o tabuleiro divisor, que me permite atingir todas as exigências elencadas em cima, em particular a baixa exigência logística.

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Fig. 1 : Tabuleiro divisor simples

Os procedimentos/manipulações são os que descrevo em baixo:

  • identificamos a família/colmeia que apresente uma rainha pouco prolífica ou que apresente sinais prévios de enxameação (por ex. ovos em cálices reais ou construção de muito cálices reais);
  • passamos esta rainha com 2 ou 3 quadros de criação e abelhas para uma outra caixa (caixa B) igual ao ninho e um ou dois quadros com reservas (tal e qual o que faríamos se da criação de um núcleo se tratasse);
  • no ninho (caixa A) ajeitamos os quadros restantes e completamos os espaços vazios com quadros novos com cera puxada e/ou laminada;
  • colocamos o tabuleiro divisor sobre este ninho (caixa A) com a sua entrada/alvado orientado na mesma direção do alvado do ninho;
  • sobre o tabuleiro divisor colocamos, finalmente, a caixa B, com a rainha original, quadros e abelhas aderentes e com os espaços vazios preenchidos com quadros novos puxados e/ou laminados;
  • passadas algumas horas ou no dia seguinte introduzimos no ninho uma realeira/mestreiro aberto ou fechado (a solução mais económica e simples de todas as que conheço para a renovação de rainhas).

Passados cerca de 10 a 20 dias (dependendo da maturação da realeira introduzida) teremos na caixa A/ninho:

  • Uma jovem rainha fecundada que iniciou a postura na caixa A (ninho) mais uma numerosa população que devido aos elevados níveis de produção de feromona mandibular da jovem rainha verão o seu instinto enxameatório fortemente diminuído;
  • Uma rainha que em virtude da sua juventude e vigor tenderá a apresentar uma taxa de ovodeposição muito elevada.

Entretanto na caixa B, a rainha original continuou a sua postura, podendo ter passado dos 2 ou 3 quadros de criação iniciais para os 5 a 6 de criação.

Se o nosso objectivo era somente o de renovar a rainha, eliminamos a rainha original da caixa B, tiramos o tabuleiro divisor, passamos estes quadros de criação existentes na caixa B e colocamo-los na caixa A. Tiramos o tabuleiro divisor e sem mais juntamos as duas famílias sem receio de lutas entre as abelhas, dado que os aromas/odores se mantiveram harmonizados pela facto de o tabuleiro divisor apresentar uma rede mosquiteira que promoveu em todos os momentos a permanência de um só odor entre as duas famílias.

Se por algum acaso, a jovem rainha não chegou a iniciar a postura, não matamos a rainha original e reunimos as duas famílias/colmeias como descrito em cima.

Se a nossa intenção é eliminar a rainha original porque a família começava a apresentar fortes sinais de enxameação, podemos aumentar a eficácia do procedimento se ao invés de colocar a entrada/alvado do tabuleiro divisor com a mesma orientação da entrada do ninho (caixa A) a colocarmos no sentido oposto, o que leva a que muitas mais abelhas forrageiras deixem a caixa B, deixando a rainha original com uma população sobretudo de abelhas nutrizes na caixa B, o que irá refrear significativamente a pulsão reprodutiva, logo a ação de enxameação.

Nota: sobre a construção e utilização do tabuleiro divisor pode ler mais aqui e aqui.