os mais visitados em 2018

Passado mais um ano a escrever sobre o mundo das abelhas e mais uma ou outra coisa que me interessa, apresento a habitual lista dos posts mais lidos este ano. Tenho escrito sobre a articulação e integração da minha experiência pessoal com a experiência de alguns outros (sobretudo bloggers estrangeiros e investigadores académicos). Este espaço tem uma dupla função: a de armazenar o que mais me importa e motivar-me para momentos de auto-aprendizagem. Estou certo que assim o será também para os estimados leitores deste blogue. Durante este ano foram feitas um pouco mais de 100 000 visitas e foram estes os 10 posts mais visitados:

 

primeiras jornadas apícolas da AAPP: alguns apontamentos

Decorreram nos passados dias 19 e 20, na Escola Superior Agrária de Castelo Branco, as primeiras jornadas apícolas organizadas pela Associação dos Apicultores Profissionais de Portugal.

Estas jornadas tiveram como palestrante o apicultor e consultor apícola argentino Anselmo Martz. Dono de uma rara capacidade oratória, associada aos mais de 40 anos de experiência como apicultor, Anselmo Martz prendeu a assistência do primeiro ao último minuto e levou-nos a (re)conhecer uma variedade de temáticas que fizeram e fazem parte da sua actividade diária enquanto apicultor profissional. Os assuntos foram surgindo de forma natural, interligando-se uns nos outros, apresentados de forma clara, sintética e segura, pontuados aqui e ali com algumas notas de humor.

Foram abordados temas vários, desde a necessidade de ter dados fidedignos acerca da repartição dos custos da operação, passando pela obrigatoriedade de tratar o varroa nos timings adequados, às colmeias com dupla rainha para maximizar a produção, a optimização da transumância tendo em conta o calendário das florações, com breves notas acerca da selecção e melhoramento de rainhas, a formação de núcleos de abelhas, as questões da importância da rastreabilidade do mel e das condições que as melarias devem apresentar, tendo passado por um relato acerca da sua experiência com tratamentos da varroa com cristais de timol.

Não me surpreendeu de todo, mas devo sublinhá-lo, a importância que Anselmo Martz em todos os temas, sem excepção, foi dando à necessidade de ter um bom sistema de recolha e tratamento dos dados. Esta é uma ferramenta básica para gerirmos profissionalmente a nossa empresa apícola, que nos permite ver o que estava invisível e ultrapassar as ilusões e enganos das primeiras impressões.

A terminar uma palavra para os amigos, novos e antigos, que por lá encontrei, Eduardo Mara, José Vicente, André Silva, Bruno Anselmo, entre outros, um beijinho para a Filipa Almeida, e um obrigado para o Bruno Moreira, Manuel Araújo e restantes amigos da Turma da Abelha, que muito me ensinaram sobre a Velutina, mas sobretudo sobre a alegria que é estar num grupo unido.

resíduos químicos em alimentos e risco de cancro: uma análise crítica

“Introdução

Possíveis riscos de cancro decorrentes de resíduos de pesticidas nos alimentos têm sido muito discutidos e debatidos com afinco na literatura científica, na imprensa popular, na arena política e nos tribunais. Pesquisas de opinião do consumidor indicam que grande parte do público dos EUA acredita que os resíduos de pesticidas nos alimentos são um sério risco de cancro (Opinion Research Corporation, 1990). Em contraste, estudos epidemiológicos indicam que os principais fatores de risco de cancro são o fumo do tabaco, desequilíbrios alimentares, hormonas endógenas e inflamação (por exemplo, infecções crónicas). Outros fatores importantes incluem exposição intensa ao sol, falta de atividade física e consumo excessivo de álcool (Ames et al., 1995). […]

Químicos naturais e sintéticos na comida e sua relação com o cancro

A atual política regulatória para reduzir os riscos de cancro humano baseia-se na ideia de que substâncias químicas que induzem tumores em bioensaios de cancro em roedores (ratinhos brancos de laboratório, sobretudo) são potenciais carcinógenos em humanos. Os produtos químicos selecionados para testes em roedores, no entanto, são principalmente sintéticos (Gold et al., 1997a, b, c, 1998, 1999). O enorme cenário de exposição humana a substâncias químicas naturais não foi sistematicamente examinado. Isso levou a um desequilíbrio nos dados e na percepção sobre possíveis riscos carcinogénicos para os seres humanos devido a exposições químicas. O processo regulatório não leva em conta (1) que as substâncias químicas naturais são maior fatia do bolo de substâncias químicas às quais os seres humanos estão expostos; (2) que a toxicologia de toxinas sintéticas e naturais não é fundamentalmente diferente; (3) que cerca de metade dos produtos químicos testados, sejam naturais ou sintéticos, são cancerígenos quando testados usando protocolos experimentais atuais; (4) que o teste de carcinogenicidade em doses quase tóxicas em roedores não fornece informações suficientemente fidedignas para prever o número de cancro humanos que podem ocorrer com a exposição a doses baixas; e (5) que a elevada frequência do teste na dose máxima tolerada (DMT) pode causar morte celular crónica e consequente substituição celular (um fator de risco para cancro que pode ser limitado a altas doses) e que ignorar esse efeito na avaliação de risco pode exagerar a percepção dos riscos.

Estimamos que cerca de 99,9% das substâncias químicas que os seres humanos ingerem ocorrem naturalmente. As quantidades de resíduos de pesticidas sintéticos nos alimentos vegetais são baixas em comparação com a quantidade de pesticidas naturais produzidos pelas próprias plantas (Ames et al., 1990a, b; Gold et al., 1997a). De todos os pesticidas dietéticos que os americanos comem, 99,99% são naturais: eles são os produtos químicos produzidos pelas plantas para se defenderem contra fungos, insetos e outros predadores animais. Cada planta produz uma matriz diferente de tais produtos químicos (Ames et al., 1990a, b).
[…] Apesar dessa exposição enormemente maior a substâncias químicas naturais, entre os produtos químicos testados em bioensaios a longo prazo, 77% são sintéticos (1050/1372) (Gold e Zeiger, 1997; Gold et al., 1999).

Concentrações de pesticidas naturais em plantas são geralmente encontradas em partes por mil ou milhões, em vez de partes por bilião, que é a concentração usual de resíduos de pesticidas sintéticos. […] É provável que quase todas as frutas e verduras do supermercado contenham químicos naturais que são cancerígenos em roedores (os ratinhos brancos de laboratório) . Embora apenas uma pequena proporção de químicos naturais tenha sido testada quanto à carcinogenicidade, 37 dos 71 que foram testados são carcinógenos em roedores e estão presentes nos alimentos comuns.”

Fonte: https://toxnet.nlm.nih.gov/cpdb/pdfs/handbook.pesticide.toxicology.pdf

Nota : Como em quase tudo, senão em tudo mesmo, também esta dimensão da realidade não é a preto e branco. Restringir a questão e percepção dos riscos carcinogénicos aos pesticidas químicos, naturais ou sintéticos, presentes nos alimentos que consumimos é simplista e deslocado. Em simultâneo ignorar que os produtos alimentares de origem vegetal que nos chegam à mesa estão repletos de pesticidas/químicos naturais com potencial carcinogénico é psicologicamente reconfortante. Lamentavelmente aquele simplismo e este conforto não coincidem com a realidade.

toxicidade crónica: alguns aspectos

Que alternativa para alimentar 7,6 biliões de indivíduos?

Porque 7,6 biliões de seres humanos têm e/ou devem comer todos os dias, e porque muitos (senão todos!) dos alimentos que compõem as nossas dietas apresentam resíduos de químicos, importa saber que o risco de toxicidade crónica está a ser avaliado e regulamentado de acordo com os melhores conhecimentos experimentais e teóricos actualmente disponibilizados por vários ramos da ciência. Isto deve-nos tranquilizar completamente? Não, digo eu, mas simultaneamente, também não alimentarei a fantasia que o risco zero e a exposição zero a resíduos químicos na dieta alimentar é possível. Pergunto-me até quais os custos colaterais, nomeadamente ao nível do ecossistema, se a demanda por risco zero e exposição zero a resíduos químicos obrigasse o sector agrícola a abandonar a utilização de pesticidas de forma intempestiva e sem alternativas suficientemente confiáveis? Por ex. aqui deixei uma análise mais detalhada acerca dos impactos negativos no ecossistema associados à opção orgânica de agricultura com menos químicos de síntese.

As métricas para a definição de limites máximos de resíduos

Vejamos então com algum detalhe como a ciência actual contribui de forma decisiva para que os reguladores tomem as melhores e mais fundadas decisões possíveis acerca destas matérias. Que métricas utiliza a ciência moderna para definir os limites máximos de resíduos químicos nos alimentos e garantir, o melhor possível, que os alimentos que ingerimos todos os dias não nos provocam danos a longo prazo?

“[…] as métricas de toxicidade crónica são baseadas no “Nível Menor de Efeitos Adversos Observável” (LOAEL em inglês) e no “Nível Sem Efeitos Adversos Observáveis” (NOAEL em inglês). Estas métricas são determinadas experimentalmente definidas como a menor dose na qual os efeitos adversos são vistos (LOAEL) ou a dose na qual nenhum efeito adverso é visto (NOAEL). Essas medidas são muito úteis para orientar os regulamentos e as escolhas pessoais para garantir que evitemos efeitos adversos à saúde – seja um aumento do risco de cancro, doenças cardíacas, problemas de desenvolvimento neurológico ou outros efeitos adversos.

Os limites diários definidos por meio de avaliações de agências reguladoras baseiam-se nesses NOAELs ou LOAELs. Essas métricas são estimativas da exposição diária dos seres humanos e que provavelmente não apresentam risco apreciável de efeitos deletérios durante toda a vida. Estes são tipicamente derivados dividindo os NOAELs ou LOAELs por um conjunto de fatores de incerteza.

Exemplos dessas métricas de toxicidade crónica incluem:

  • Dose de referência (RfD, nos EUA) especialmente para pesticidas;
  • Ingestão Diária Aceitável (ADI, na UE) para aditivos alimentares, pesticidas e drogas;
  • Ingestões diárias ou semanais toleráveis (TDI ou TWI) para contaminantes não utilizados intencionalmente;
  • Níveis de ingestão superiores (UL) toleráveis em conexão com informações de ingestão de referência dietética (DRI) para alimentos, minerais e vitaminas;
  • Ingestões de referência (RI) para recomendações diárias de nutrientes na UE.

Fig. 1: Tabela dos ADI de algumas substâncias presentes em alguns alimentos e outros produtos.

Os limites de segurança são definidos com muito cuidado

As ingestões diárias acima desses limites (ADI) não são necessariamente muito perigosas se acontecerem pontualmente . As métricas de toxicidade crónica assumem que o consumo diário ao longo da vida, pelo que a exposição a curto prazo a um nível superior à dose de referência pode ainda ser segura. Por exemplo, a dose de referência para o paracetamol (acetaminofeno) é de 0,093 mg / kg por dia, o que é 100 vezes abaixo da dose terapêutica real de 9,3 mg / kg. Para uso a curto prazo, esta dose mais elevada representa um risco mínimo, porque não será tomada diariamente durante toda a vida.

Conclusões:

Essas métricas de toxicidade são um ponto de partida crítico para nos ajudar a começar a comparar os riscos de diferentes produtos químicos. Estamos continuamente expostos a muitas substâncias, algumas das quais podem representar uma ameaça se encontradas em concentrações muito altas, com muita frequência, ou por meio de uma rota inadequada de exposição (por ex. se aprovadas para uso dérmico, mas não para ingestão oral). Entretanto, muitas destas substâncias são necessárias para nós nas suas quantidades apropriadas e, embora existam muitas outras que não necessitamos, podemos tolerá-las facilmente em doses baixas. É importante lembrar que existem níveis seguros e inseguros de qualquer substância, e que mesmo as classificações reguladoras ‘seguras’ sempre vêm com advertências de probabilidade e contexto (como o tipo de uso).

Embora nenhuma substância possa ser considerada segura sem mais, a mera detecção de uma substância não nos diz que a sua presença pode representar um problema. Para isso, devemos comparar detecções e níveis de exposição com as métricas disponíveis para nos informar se algo realmente representa um risco. Geralmente este trabalho de avaliação e controlo é feito, e bem, pelas agências acima identificadas. Por outro lado, a grande maioria dos produtores segue os protocolos de boas práticas na utilização de pesticidas, o que contribui de forma decisiva para níveis de segurança alimentar elevada, nomeadamente nos países europeus. Apesar disto haverá sempre alguns a colocar em causa esta meta, referindo que as garantias de segurança não são suficientes. Ainda que muitos destes argumentos resultem, na maior parte dos casos, de falta de informação e/ou viés perceptivos e/ou pré-conceitos ideológicos, introduzem uma dialéctica na área, por vezes positiva, e que propicia avanços mais rápidos e profundos.

fonte principal: https://thoughtscapism.com/2018/05/07/measures-of-toxicity/

os efeitos sinérgicos e os efeitos cumulativos dos resíduos de pesticidas nos alimentos são de nos preocupar?

“Não há dúvida de que os pesticidas podem ser tóxicos para as pessoas, e a exposição dos trabalhadores rurais que os aplicam é um problema sério. Mas os seus níveis nos alimentos são muito baixos, e o USDA e a Agência de Proteção Ambiental (juntamente com muitos toxicologistas com quem conversei ao longo dos anos) dizem que não deveríamos preocupar-nos com eles.

Nem todos acreditam nestas avaliações, e os céticos frequentemente apontam para o fato de que as agências governamentais não fazem o tipo de teste que pode prever o perigo potencial do risco de longo prazo dos resíduos de baixo nível ou da mistura de vários produtos químicos.

Existem duas maneiras pelas quais uma mistura de pesticidas pode ser perigosa. A primeira é se eles têm efeitos sinérgicos – isto é, o resultado dos dois ou mais produtos químicos juntos é diferente (e pior) do que os resultados de cada um individualmente. O segundo é cumulativo, os efeitos a longo prazo da exposição a doses baixas ao longo do tempo.

Falei com David Eastmond, toxicologista da Universidade da Califórnia em Riverside. “Temos visto efeitos sinérgicos”, disse-me ele, “mas eles são incomuns a raros, e acontecem em altas doses.” Um relatório de 2008 fez a mesma avaliação, assim como a professora da Universidade de Copenhague, Nina Cedergreen, que publicou um artigo recente sobre o assunto. 

A EPA exige testes para exposição crónica, e leva em conta a exposição que obtemos a produtos químicos com modos de ação semelhantes, mas é, obviamente, impossível testar todas as combinações. Cedergreen escreveu-me um e-mail afirmando que o desenredamento dos efeitos de pesticidas em humanos é “muito difícil”, mas que eles o fizeram. Ela co-escreveu um artigo, publicado em janeiro, que concluía que o risco cumulativo para o adulto dinamarquês médio pela exposição a resíduos de pesticidas era igual ao de beber um copo de vinho a cada três meses. Eu gostaria que alguém fizesse a mesma avaliação para os americanos, mas isso nos dá uma ideia da baixa magnitude do risco.

É certamente possível que os níveis de resíduos de pesticidas sejam altos o suficiente para representar uma ameaça à saúde. Mas em países desenvolvidos, onde estas coisas são reguladas e monitoradas, é improvável. Não só os pais americanos não se devem preocupar se alimentam os filhos com frutas e legumes de agricultura convencional ou orgânica, mas também devemos tentar levá-los a comer o maior número possível.

“A questão dos resíduos é muito emocional”, diz Nate Lewis, agricultor orgânico e diretor de política agrícola da Organic Trade Association. “É um esforço fútil tentar convencer um consumidor de que eles estão errados sobre suas escolhas.” Embora os agricultores, orgânicos e convencionais, estejam usando pesticidas em conformidade com o rótulo e cultivando alimentos seguros, ele diz: “Se o consumidor quiser para escolher algo para evitar [resíduos], eles devem ser capazes de fazer essa escolha, certa ou errada ”.

Ele continua: “Não gosto da narrativa de que o orgânico é livre de pesticidas. Não é. Também usam coisas que são tóxicas ao meio ambiente.” Lewis passou mais de uma década como inspetor e agricultor orgânico e acrescenta:“ Eu vi que os agricultores orgânicos são muito criteriosos no uso de pesticidas. Seu objetivo é escolher a abordagem menos tóxica possível para reduzir o impacto ambiental e os pesticidas são o último recurso. ”Vinte e cinco pesticidas sintéticos são aprovados para uso orgânico (em comparação com mais de 900 em agricultura convencional) e a toxicidade de todos os pesticidas utilizados são revistos pelo National Organic Standards Board.

Quanto ao risco para a saúde, “é fundamental que você pare de dizer que o orgânico vai ser mais saudável para você”, diz ele. “Nós não sabemos isso.”

fonte: https://www.washingtonpost.com/lifestyle/food/the-truth-about-organic-produce-and-pesticides/2018/05/18/8294296e-5940-11e8-858f-12becb4d6067_story.html?noredirect=on&utm_term=.b05e97013197

o limite máximo de resíduos (LMR): alguns aspectos

Os Limites Máximos de Resíduos (LMRs) fornecem um padrão comercial mensurável que ajuda a garantir que os alimentos produzidos com pesticidas sejam adequados para o nosso consumo.

Os pesticidas só são autorizados para utilização quando as autoridade independentes de avaliação de risco (European Food Safety Authority no caso Europeu) confirmarem que a utilização correcta do pesticida não irá causar problemas de saúde. A definição de LMRs da competência destas autoridades cria uma margem de segurança de pelo menos 100 vezes superior à do nível mínimo de segurança para um resíduo de pesticida. 

As empresas de pesticidas submetem uma ampla variedade de estudos científicos para revisão antes que a EFSA (European Food Safety Authority) defina o LMR. Os dados são utilizados para identificar: 

  • Possíveis efeitos nocivos que o produto químico poderia ter sobre os seres humanos (sua toxicidade crónica e aguda); 
  • A quantidade do produto químico (ou seus metabolitos) que provavelmente permanecerá nos alimentos; 
  • Outras fontes possíveis de exposição ao pesticida (por exemplo, através da utilização em ambiente doméstico ou outros locais).

Todas essas informações são usadas no processo de avaliação de risco. A avaliação de risco inclui considerações sobre:

  • As quantidades e tipos de comida que as pessoas comem (ADI);
  • O consumo de alimentos por bebés e crianças é considerado especificamente;
  • Quão amplamente o pesticida é usado (isto é, quanto da colheita é realmente tratada com o pesticida);
  • Informações sobre química, toxicidade e exposição aguda e crónica.


Finalmente a ciência e a tecnologia permitem ter métodos cada vez mais práticos e fiáveis para detectar e medir os níveis dos resíduos de pesticidas, para que os funcionários reguladores possam garantir que os resíduos estão abaixo do limiar considerado seguro.


fórum nacional de apicultura: a manhã

Decidi ir sábado ao Fórum Nacional de Apicultura, que este ano decorreu na bela cidade de Castelo Branco, depois de desafiado na véspera pelo meu amigo e apicultor José Pires Veiga.

Com base na memória do que vivenciei vou arriscar a escrever umas linhas sobre o que retive de mais saliente para mim.

Da sessão solene de abertura ressalvo a perspectiva comum que os diversos oradores comungaram acerca da importância actual e futura do sector agrícola em geral e da apicultura em particular, para o desenvolvimento do território nacional e particularmente das zonas do interior. O reconhecimento deste facto, e nas palavras de um dos oradores, parece no entanto chocar com constrangimentos, mais de natureza legal/normativa que propriamente financeira, que entravam parte dos planos e acções para fazer mais e melhor.

Na sessão da manhã, dedicada ao tema da sustentabilidade futura da apicultura, estabeleceu-se o aquecimento da atmosfera como causador de impactos negativos sobre a flora e polinizadores e os bons serviços ecossistémicos que estes últimos prestam. Nas palavras da ilustríssima oradora, o sector apícola em particular merece o justo reconhecimento de todos, reconhecimento este que deverá materializar-se em apoios de estado mais condizentes com este papel. A necessidade de intervir de forma informada nos solos de áreas ardidas, com vista à potenciação das melhores condições para que a flora nativa germine e se desenvolva em simultâneo com o necessário controlo das infestantes, prendeu a minha atenção na segunda apresentação deste painel.

Fez-se o intervalo onde tive o renovado prazer de voltar a encontrar amigos e conhecidos e trocar palavras, participar na boa disposição e partilhar algumas ideias e anseios com os mais experientes acerca da plasticidade e adaptabilidade da vespa de patas amarelas, também conhecida por asiática. Apesar de diferentes opções quanto ao caminho em concreto a seguir no combate, em comum partilhamos a ideia que se o sector apícola foi aquele que primeiro sofreu com a presença deste insecto, os danos se expandem de forma cada vez mais notável ao sector dos pomaristas e viticultores. Mais preocupante ainda é o achamento de cada vez mais ninhos na malha urbana de cidades e vilas e em locais cada vez mais diversos, o que dificulta a localização dos ninhos e aumenta a probabilidade de o transeunte ser picado.

O painel seguinte de oradores, abordou a realidade da fraude do mel no país vizinho e o caminho que está a ser feito para a validação de uma nova técnica de análise do mesmo (baptizada com a sigla LIBS), com vista a uma mais rápida identificação e despistagem dos méis não conformes assim como a sua origem geográfica. Em simultâneo a legalidade de rotular “mistura de meis UE e não UE”, nas opinião dos dois oradores espanhóis, facilita a concorrência desleal e, mais preocupante, gera perda de confiança dos consumidores em relação à garantia da qualidade do mel em geral.

Resumindo a percepção que tirei das sessões da manhã é que a apicultura é reconhecida por todos como uma actividade indispensável à sustentabilidade do ecossistema sócio-rural, mas que paradoxalmente a sustentabilidade da mesma enfrenta um horizonte negro, consequência das alterações climáticas e destruição pelo fogo de enormes e ricas áreas de pasto. Este cenário adensa-se mais ainda com determinadas práticas comerciais, algumas a coberto de lei, que apesar de identificadas à muito continuam a fazer o seu caminho de forma mais ou menos impune. A cereja no topo desta tempestade quase perfeita tem patas amarelas e entrou na Europa à cerca de 15 anos atrás, vinda do sudoeste asiático. Saí para o almoço com a convicção reforçada que a sustentabilidade da apicultura apresenta níveis de risco e graus de incerteza cada vez maiores. O almoço foi um momento muito agradável, passado com bons amigos e servido de uma conversa animada e enriquecida por pontos de vista nem sempre convergentes que não nos separam, antes nos unem e aumentam o nosso respeito mútuo.

No futuro próximo espero escrever umas linhas sobre as sessões a seguir ao almoço.

a bolha da apicultura está prestes a explodir?

Com a autorização da autora, Rusty Burlew, apicultora e blogger norte-americana, traduzo um post recentemente colocado no seu blogue HoneyBeeSuite. Ainda que não me reveja em tudo o que a autora escreve e, sobretudo, consciente que entre a realidade apícola nacional e a norte-americana existe um oceano de diferenças, este texto aborda aspectos nos quais tenho parado para pensar nos últimos meses, e já reflectidos em posts anteriores, nomeadamente acerca da sustentabilidade das operações apícolas no nosso país.

  • “A bolha da apicultura está prestes a explodir?
    Não se preocupe. Tenho previsto o iminente colapso da apicultura há cerca de oito anos. Até agora, tenho pateticamente errado. Então não perca o sono por isso.

Ainda assim, o fecho repentino das três lojas de apicultura de Brushy Mountain e o desaparecimento de seu site provocaram-me uma sensação desagradável. Sim, eles provavelmente tomaram uma série de decisões de negócios erradas, incluindo a expansão rápida e uma alta relação dívida / lucro. Mas novamente, estou supondo.

Eu também ouvi rumores de que alguns clubes de apicultura estão perdendo membros e a participação nas reuniões está caindo. Não em todos os lugares, lembre-se. Alguns clubes estão melhores do que nunca. Pondere o que digo: estou apenas ouvindo rumores.

  • Ciclos de apicultura
    Isso me surpreende? Absolutamente não. Como muitos interesses e hobbies, a apicultura tem uma história de popularidade que sobe e desce como um termómetro. A crista antes desta foi na década de 70, quando os hippies  –  paz, amor e Volkswagens – decidiram manter as abelhas. De fato, muitos dos actuais “veteranos” começaram na época. É uma peça encantadora da história da apicultura.

A atual bolha da apicultura começou após relatos da imprensa sobre o distúrbio do colapso súbito das colmeias (CCD). Pessoas sem interesse prévio em insetos de repente decidiram salvar o mundo mantendo as abelhas. O atual esforço para ajudar a Mãe Natureza tem muitas semelhanças com os anos 70, e acredito que muitos dos apicultores atuais ficarão com as abelhas como aconteceu com os seus predecessores.

  • Os tempos mudaram
    Para equipar todos estes novos apicultores, centenas de empresários e retalhistas instalaram-se, prontos para ajudar. Actualmente, temos todos os tipos de aparelhos digitais, peças de plástico, ferramentas inteligentes e inúmeros sites. Temos fatos de apicultor feitos de materiais modernos, colmeias de todos os designs concebíveis e alimentadores que não acabam. Você diga o quê e alguém já está fazendo isso.

Mas também temos coisas que eles não tinham na década de 1970 ou em ondas anteriores de apicultura. Temos ácaros varroa, pequenos escaravelhos da colmeia e abundância de vírus, juntamente com piores condições ambientais. A apicultura é mais difícil do que costumava ser e mais cara. Manter-se na apicultura exige um compromisso maior do que apenas comprar uma colmeia e tirar os quadros de mel uma vez por ano.

  • O que é hot e o que não é
    Tulipas, cachorros digitais, rochas… . Tenho que ter isso! Não, brinquedos baratos não são o mesmo que colmeias de abelhas. Os brinquedos, as rochas vêm com dezenas de variações. Então todos nós estamos fazendo as colecções. Então perdemos o interesse. Coisas que deixamos de desejar se  um dia deixam de brilhar, e passamos para o próximo objeto brilhante que capta nosso interesse.

Em contraste, muitas complexidades e ironias associadas à apicultura são consistentes com as rochas de colecção. Por um lado, na base da fileira apícola temos apicultores profissionais. Eles já cá estavam antes da ascensão e estarão aqui depois da queda. Eles são a espinha dorsal da indústria da apicultura e não vão a lugar nenhum. Eu não posso imaginar o que eles acham de todo o alarido e gadgets, mas eles sabem dos ciclos. Eu presumo que muitos apenas encolhem os ombros e dizem: “Isso também passará”.

  • Uma triste ironia
    Mas a grande ironia, o resultado realmente triste da atual bolha da apicultura é que ela não salvou as abelhas. De fato, tudo piorou. O aumento dos apicultores originou-se nos relatos do colapso súbito das colmeias, e você ainda pode encontrar referências atuais ao CCD, embora nenhum caso oficial tenha sido registado nos últimos anos.

Estranhamente, as abelhas nunca estiveram ameaçadas no passado. Na verdade, elas têm uma história de diferentes tipos de colapsos que nunca foram compreendidos ou diagnosticados. Talvez o CCD tenha relação com ácaros, ou talvez não, mas uma coisa é certa: o CCD causou a bolha mas não salvou as abelhas.

Se alguma coisa provocou, foi a propagação de ácaros varroa e os vírus que carregam e que foi intensificada pela bolha da apicultura. Como o número de colmeias cresceu, e cada colmeia foi colocada perto de outra, os caminhos para a transmissão de doenças e parasitas multiplicaram-se geometricamente. Assim como as doenças humanas se movem mais rapidamente em áreas densamente povoadas, as doenças das abelhas podem espalhar-se rapidamente quando muitas colónias habitam um espaço limitado.

  • Em cima de tudo isto
    A coisa que mais me chocou ultimamente foi saber o número de tratamentos usados por alguns ​​para controle de ácaros. Dez anos atrás, muitos apicultores tratavam os ácaros uma vez por ano. Mas como a transmissão de ácaros aumentou devido ao elevado numero de colmeias, o número de tratamentos para os ácaros necessários para manter uma colónia viva aumentou também. Na semana passada, quando algumas pessoas no BEE-L mencionaram tratar 12 ou 14 vezes por ano, fiquei espantada.

Colónias gaseadas com vapor ácido repetidamente ao longo do ano* não é algo que eu esteja interessada em fazer. Se eu tivesse que fazer isso, eu deixaria a apicultura num piscar de olhos. Chame-me  romântica irrealista, mas esse tratamento destrói a imagem que tenho da apicultura. A fresca brisa do campo. Abelhas e flores dançando ao vento. O rico cheiro de néctar e da criação. O doce brilho de mel na torrada.

No entanto, aqueles que têm ácaros e não tratam acabam espalhando doenças e tornam o prognóstico de colónias saudáveis ​​muito sombrio. As abelhas livres de tratamento precisam de se afastar do constante ataque de doenças e parasitas, mas é difícil conseguir suficiente afastamento com tantos apicultores.

Além disso, as abelhas que realmente estão em apuros, as abelhas que realmente precisam da nossa ajuda não são as abelhas importadas, mas as abelhas nativas**. O excessivo número de colónias de abelhas prejudicou a saúde das abelhas nativas devido ao aumento da competição por alimento e transferência de patógenos para o meio ambiente. Até mesmo as abelhas selvagens são encontradas com o vírus da asa deformada.

  • Talvez seja só eu
    Talvez esteja errada sobre a bolha estourar como estive errada tantas vezes antes. Mas se a queda estiver chegando, acho que será melhor para as abelhas, tanto as manejadas quanto  as selvagens. Ninguém tem que deixar a apicultura, também. Um número menor de novas colónias, juntamente com a mortalidade natural, depressa levaria os números das colmeias para um nível mais sustentável.

Estou curiosa para saber se alguém detectou uma alteração ou se estou imaginando uma tendência que não existe. Além disso, eu disse que desistiria se tivesse que tratar 12 vezes por ano. E se você? Você tem um limiar em que a apicultura não faz mais sentido? Ou você continuaria independentemente? Diz-me o que pensas. Obrigado pela tua visão.

Rusty
Suíte Honey Bee”

fonte: https://honeybeesuite.com/is-the-beekeeping-bubble-about-to-burst/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+HoneyBeeSuite+%28Honey+Bee+Suite%29

  • Notas:
  • * Não tenho dúvidas que a autora está a referir-se aos sucessivos e repetidos tratamentos com ácido oxálico sublimado tão em voga entre os apicultores norte-americanos, entre outras razões pelo baixo custo dos mesmos.
  • ** As abelhas melíferas da espécie que temos nas nossas colmeias foram importadas para os EUA durante o processo de colonização daquele território. O território tinha e tem muitas outras espécies de polinizadores, abelhas nativas entre outras.

epigenética ou a vingança de Lamark

“Em 2012, fiz uma viagem que avaliou as populações de nautilus ao longo da Grande Barreira de Corais da Austrália explicitamente para ver se os nautilus que vivem nas áreas marinhas protegidas do recife são tão raros quanto em lugares onde são pescados pelas suas lindas conchas (como nas Filipinas e Indonésia). O trabalho ao longo da Grande Barreira de Corais na década de 1990 mostrou que duas espécies diferentes estão presentes. Um deles, o Nautilus pompilius, é o mais difundido de todos os nautilus em toda a sua vasta extensão de oceano Pacífico e Índico. O segundo, Nautilus stenomphalus, é encontrado apenas na Grande Barreira de Corais. Difere do mais comum N. pompilius por ter um buraco bem no centro de sua concha.  Há também diferenças marcantes na coloração da casca e no padrão de listras na casca. Mas quando a espécie australiana foi trazida à tona do seu habitat de 1.000 pés, no final do século 20, os cientistas ficaram surpreendidos ao descobrir que o N. stenomphalus tem uma anatomia marcadamente diferente também no seu grosso “capuz” […]; a coloração do capuz também é radicalmente diferente.

A viagem de 2012 teve como objectivo testar o DNA das duas “espécies”, bem como para entender melhor quantos nautilus vivem numa determinada área do fundo do mar. Nós apanhámos 30 nautilus durante nove dias, cortamos uma ponta de um milímetro de cada um dos 90 tentáculos do nautilus, e devolvemos todos aos seus habitats vivos (ainda que irritados). Todas as amostras foram posteriormente analisadas nas grandes máquinas que leem a sequências de DNA, e para nossa completa surpresa descobrimos que o DNA do N. pompilius e do N. stenomphalus, morfologicamente diferentes, eram idênticos. Nenhuma diferença genética, mas uma morfologia radicalmente diferente. A melhor maneira de interpretar isso é voltar a uma das analogias mais úteis na evolução: a de uma bola rolando por um declive composto por muitas barrancas. Qual roldana, a bola que rola (correspondendo à anatomia final ou “fenótipo” do animal adulto) é controlada pela direção do empurrão da bola. Na evolução, o derradeiro destino morfológico de um organismo é causado por algum aspecto do meio ambiente ao qual o organismo é exposto no início da vida […] É por isso que N. pompilius e N. stenomphalus não são duas espécies. Eles são uma única espécie com forças epigenéticas que levam a conchas e partes moles radicalmente diferentes. Cada vez mais parece que talvez haja menos, não mais, espécies na Terra do que a ciência definiu.

[…] Mais e mais, os biólogos estão a descobrir que os organismos considerados espécies diferentes são, na verdade, apenas um. Um exemplo recente é que as anteriormente aceites duas espécies de gigantescos mamutes norte-americanos (o mamute colombiano e o mamute-lanoso) eram geneticamente iguais, mas os dois tinham fenótipos determinados pelo ambiente.

[…] Epigenética é o estudo de funções genéticas hereditárias que são passadas de uma célula reprodutora para outra, seja uma célula somática (corpo) ou uma célula germinal (espermatozóide ou óvulo), que não envolve uma mudança na sequência original de DNA. […] que pode levar a grandes mudanças evolutivas.

[…] na maioria dos casos, as mudanças epigenéticas que nos afetam não afetam os nossos filhos. Mas às vezes essas mudanças epigenéticas são transmitidas através de óvulos e espermatozóides.

[…] O estudo da epigenética realmente resume-se a observar dois tipos de mudanças epigenéticas.

[…] Cada um deles pode mudar a forma como os genes agem ativando ou desativando outros genes. Isso pode incluir alguns dos genes mais importantes para as nossas vidas, aqueles que afetam o nosso comportamento através da taxa na qual as hormonas que ditam as emoções são reguladas e fornecidas.

[…] Às vezes, uma mudança epigenética faz com que uma proteína não seja feita. Às vezes, isso faz com que uma nova proteína não ocorra de outra forma. Às vezes, e mais importante, faz com que um gene regulador (essencialmente o “empreiteiro geral” coordenando todas as células dos projetos de construção ocupados do corpo) saia do trabalho por completo. Isso causa grandes mudanças muito além do que qualquer mutação única poderia fazer. Tais mudanças afetando um indivíduo podem ser passadas para a próxima geração. As moléculas de metil não são passadas fisicamente para a geração seguinte, mas a propensão para elas se ligarem nos mesmos lugares numa forma de vida inteiramente nova (a forma de vida da próxima geração) é. Essa metilação é causada por traumas súbitos no corpo, como envenenamento, medo, fome e quase-morte. […] Esses atos podem ter um efeito não apenas no DNA de uma pessoa, mas também no DNA de seus descendentes. A visão inicial é que podemos transmitir os efeitos físicos e biológicos de nossos bons ou maus hábitos e até mesmo os estados mentais adquiridos durante nossas vidas.”

fonte: http://nautil.us/issue/63/horizons/why-the-earth-has-fewer-species-than-we-think

Nota: Neste momento estou firmemente convicto que a epigenética será cada vez mais fundamental para explicar vários fenómenos no mundo das abelhas, e que frequentemente suscitam apaixonados debates e controvérsia entre apicultores. Por ex. o processo de desenvolvimento de abelhas rainha a partir de um ovo geneticamente idêntico ao ovo de abelhas obreiras explica-se por um mecanismo epigenético de metilação. Também a epigenética é utilizada por alguns criadores de linhagens de abelhas resistentes à varroa para justificar a discrepância entre os níveis de resistência que publicitam e os níveis de resistência que os seus clientes verificam nos seus próprios apiários. Como em muitas outras coisas a epigenética será utilizada de forma mais correcta em determinados momentos e de forma menos correcta noutros.