No seguimento do XX Fórum Nacional de Apicultura, que decorreu este ano na cidade de Viseu, onde tive o prazer e honra de participar na Mesa Redonda — A PAC pós 2020 — Perspectivas para o sector apícola, gostaria de aproveitar para aprofundar um pouco mais alguns aspectos que os limites de tempo, próprios destes eventos, não permitem.
Questionado, pelo jornalista do Observador, Paulo Ferreira, acerca das perspectivas que tenho da apicultura como uma actividade reconhecida como prestadora de serviços do ecossistema comecei por referir que as abelhas produzem… carne de vaca. Um facto verdadeiro ainda que estranho, mas um facto que se deve entranhar na consciência de todos, a começar nos apicultores, no sentido de reivindicar com argumentos fortes e racionais os apoios directos por colmeia, apoios justos e necessários, como defendeu o João Casaca da FNAP nessa mesma mesa redonda.
À pergunta qual é a colheita mais importante que necessita de ser polinizada por insectos? a melhor respostas não é a colheita de frutos ou vegetais de nosso consumo directo, mas sim a de alfafa. Sim, alfafa, não porque consumimos grandes quantidades dos seus brotos, mas porque o gado precisa desse alimento. A alfafa é designada por alguns como a rainha das forrageiras. Assim, sem alfafa a produção de carne e leite ficaria gravemente comprometida.
Flor de alfafa
Um caso exemplar: na Nova Zelândia, quando por lá se começou a cultivar alfafa para alimentar o gado introduzido no território, verificou-se que os poucos polinizadores nativos não eram atraídos por aquelas novas flores. Ano após ano, o feno crescia exuberantemente mas sem sementes. Os produtores de alfafa tiveram que recorrer à importação de algumas espécies de abelhas da Europa para reduzir as despesas na compra de sementes todos os anos. Assim, estas pequenas trabalhadoras salvaram o dia naquele país.
“As atividades de polinização das abelhas valem 143 vezes mais do que o valor do mel e da cera que as abelha produzem (18,9 mil milhões vs. 140 milhões). Frutas e nozes, sementes e fibras, produtos derivados de sementes que requerem polinização por abelhas e uma parte das mercadorias indiretamente dependentes da polinização por abelhas estão listados com seus valores no boletim do USDA” fonte: Bulletin of the Entomological Society of America, Volume 29, Issue 4, Winter 1983, Pages 50–51
“Sem os polinizadores, mais de 39 culturas diferentes sofreriam um declínio na produção. Sem eles e para atender à procura, a agricultura moderna teria de utilizar práticas mais intensivas e ambientalemente menos sustentáveis. Provavelmente, mais terras seriam necessárias para atender aos níveis atuais de procura. Cultivar essas maiores massas terrestres também resultaria em mais emissões com o aumento da operação com tratores e outras máquinas. E, ao expandir a pegada física das fazendas, o habitat selvagem corre o risco de ser deslocado ou interrompido/fragmentado. Estes pequenos insetos desempenham um grande papel na ajuda ao crescimento da agricultura moderna , utilizando menos recursos naturais.” fonte: https://modernag.org/biodiversity/beeconomy-economic-value-pollination/
“Os produtos de origem animal […] carne bovina, suína, aves, cordeiros e laticínios são derivados de uma maneira ou de outra de leguminosas polinizadas por insetos, como alfafa, trevo, lespedeza e trevo.[…] as leguminosas polinizadas por insetos têm a capacidade de coletar o nitrogênio da atmosfera, armazená-lo nas raízes e, finalmente, contribui para enriquecer o solo de outras plantas. Sem esse efeito benéfico, os solos não fertilizados por estes minerais processados rapidamente se esgotariam e se tornariam economicamente improdutivos. […] Gates (1917) alertou o agricultor de que “ele pode fertilizar e cultivar osolo, podar, afinar e pulverizar as árvores; numa palavra, ele pode fazer todas as coisas que a prática moderna defende, mas sem seus agentes polinizadores, entre as quais se destacam as abelhas melíferas, para transferir o pólen dos estames para o pistilo das flores, sua colheita pode falhar. […] O valor da polinização na geração seguinte de culturas também é frequentemente ignorado. O valor da semente híbrida não é refletido até a geração subsequente. O vigor ao brotar e emergir do solo geralmente é um fator vital na sobrevivência precoce da planta. Outras respostas ao vigor híbrido incluem rapidez no desenvolvimento, saúde das plantas e maior produção de frutas ou sementes. […] O valor da polinização por insectos, o único tipo de polinização sobre o qual o homem pode exercer muita influência, não se limita às culturas cultivadas. Bohart (1952) apontou que o efeito mais drástico decorrente da ausência de insectos polinizadores estaria em áreas não cultivadas, onde, como resultado, a maioria das plantas silvestres que fazem a retenção e enriquecimento de solo desapareceria. […] As culturas dependentes da polinização por insetos foram avaliadas por Levin (1967) em US $ mil milhões, com uma produção adicional beneficiada pela polinização por abelhas avaliada em aproximadamente US $ 6 mil milhões. O mel e a cera de abelha produzidos foram avaliados em cerca de US $ 45 milhões. Por outras palavras, as colónias de abelhas valem aproximadamente 100 vezes mais para a comunidade do que para o apicultor.” fonte: https://www.ars.usda.gov/ARSUserFiles/20220500/OnlinePollinationHandbook.pdf
“Uma pergunta muito básica que ecologistas e conservacionistas ponderam há mais de um século: por que devemos proteger a natureza?
Alguns conservacionistas sustentam há muito tempo que devemos proteger a natureza porque ela é valiosa em si mesma. Num influente ensaio de 1985 intitulado “O que é Biologia da Conservação?” o biólogo Michael Soulé argumentou que a biodiversidade “tem valor intrínseco, independentemente do seu valor instrumental …”. Ou seja, devemos proteger ecossistemas ameaçados, porque é a coisa ética a fazer.
Mais recentemente, alguns ecologistas criticaram essa abordagem. Veja, por exemplo, o ensaio de 2012 de Peter Kareiva e Michelle Marvier, que argumenta que apenas argumentos éticos não foram capazes de conter a crescente onda de desmatamento e extinções. Se os conservacionistas querem progredir melhor, precisam apelar com mais força ao interesse próprio da humanidade. Noutras palavras, devemos nos concentrar mais na conservação da natureza, porque é útil para nós [o valor instrumental].
Uma possibilidade é colocar o foco nos “serviços ecossistémicos” que a natureza fornece – o facto de que as abelhas polinizam nossas colheitas, ou as áreas húmidas ajudam a conter inundações, ou os recifes de coral ajudam a sustentar a pesca. Colocando um valor em dólares [ou euros] nesses serviços, podemos defender com mais força a conservação.
Então, como se encaixam as abelhas neste debate? Por um lado, não há dúvida de que estes argumentos económicos para a conservação são poderosos. O presidente Obama interessou-se pessoalmente pela situação das abelhas – e, no seu plano de ajuda aos polinizadores, destacou o facto de que eles fornecem bilhões de dólares em serviços agrícolas. Sem dúvida, isso foi uma grande motivação.” fonte: https://www.vox.com/2015/7/6/8900605/bees-pollination-ecosystem-services
Ligando as pontas de um fluxo: a polinização é um dos dezassete serviços vitais que o ecossistema global presta à comunidade humana. Estar num ranking tão restrito é muito elucidativo da importância da mesma para todos nós. Está bem estabelecido também que as abelhas melíferas domesticadas têm um papel de destaque neste serviço. O problema é que as abelhas melíferas estão muito ameaçadas, e são os apicultores que vão mitigando e controlando, como podem, os perigos que as cercam. E cada vez mais este desafio de manter as abelhas vivas, saudáveis e produtivas exige dos apicultores maior conhecimento, maior comprometimento, maiores gastos. Sendo este o actual e difícil cenário, a UE deve colocar as necessárias ferramentas económico-financeiras se deseja séria e verdadeiramente sustentar a apicultura, para poder preservar as abelhas, e assim assegurar a polinização, um serviço ecossistémico de vital importância para toda a comunidade.
“Os insectos polinizadores de culturas e plantas selvagens estão ameaçados globalmente e seu declínio ou perda pode ter profundas consequências económicas e ambientais. Aqui, argumentamos que várias pressões antropogénicas – incluindo a intensificação do uso da terra, as mudanças climáticas e a disseminação de espécies e doenças exóticas – são as principais responsáveis pelo declínio dos insectos-polinizadores. Mostramos que uma interação complexa entre pressões (por exemplo, falta de fontes de alimentos, doenças e pesticidas) e processos biológicos (por exemplo, dispersão e interações entre espécies) em várias escalas (dos genes aos ecossistemas) está na origem do declínio geral das populações de insectos polinizadores. Serão necessárias pesquisas interdisciplinares sobre a natureza e os impactos dessas interações para preservar a segurança alimentar humana e a função do ecossistema. Destacamos áreas-chave que requerem foco na pesquisa e delineamos algumas etapas práticas para aliviar as pressões sobre os polinizadores e os serviços de polinização que eles prestam às plantas silvestres e agrícolas.” fonte: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1890/120126
A UE atribuiu ao sector apícola europeu, e para o triénio 2020-2022, um total de 120 milhões de euros, ou seja 40 milhões de euros por ano a distribuir pelos 28 estados-membros. Por outro lado, o relatório adotado pela Comissão da Agricultura da UE estima que os polinizadores, onde se destacam as abelhas melíferas, produzem uma mais valia económica de 14 mil e 200 milhões de euros por ano. Cálculos simples permitem concluir que as abelhas e outros polinizadores produzem mais-valias 355 vezes superiores ao valor do apoio que recebem.
Terei alguma dúvida que este apoio de 40 milhões/ano mais não é que uma encenação de apoio da UE, para ficar bem na fotografia? Não, não tenho!
Continuando a ler, a pesquisar, a reflectir (pensar duas vezes) sobre este magnífico e terrível inimigo da biodiversidade dos insectos em geral e das abelhas melíferas em particular, proponho a leitura deste trabalho de Karine Monceau e colegas, publicado em 2013, que apresenta alguns aspectos que devemos considerar para mais e melhor compreendermos esta praga.
“Aqui, propomos analisar com mais detalhes a dinâmica da pressão de predação do VPA (vespão de patas amarelas) na área invadida em França. Este estudo foi realizado em colmeias durante o período de predação nos estágios iniciais da invasão (2008) e foi projetado para identificar períodos-chave específicos durante os quais a predação em abelhas pode ser limitada. Um procedimento de captura foi usado para monitorar a dinâmica da pressão de predação. A predação em dois apiários foi comparada, um numa área urbana e a outra numa área suburbana à beira de uma floresta e de terrenos agrícolas. Nosso primeiro objetivo foi avaliar a eficiência da técnica de captura com recurso a armadilhas iscadas [ver modelo de armadilha utilizado, no artigo linkado em baixo]. Para validar esse método, o número de VPAs perseguidores em cada apiário foi anotado e comparado com o número dos capturados. Vários estudos em Vespidae documentaram a relação entre condições climáticas (temperatura, humidade, precipitação, insolação solar etc.) e atividades de forrageamento (Ishay 2004; da Rocha e Giannotti 2007; Kasper et al. 2008; de Castro et al. 2011); o impacto dos parâmetros abióticos na predação efectuada pelos VPAs foi considerado. Finalmente, a variação na massa corporal dos VPAs capturados também foi analisada para entender a relação entre pressão de predação e dinâmica populacional. […]
“Nos dois ambientes diferentes, a predação durou mais de 5 meses. No geral, a dinâmica da pressão de predação do VPA pode ser aproximadamente dividida em três fases. Na primeira fase, muito poucos VPAs foram capturados desde o início da temporada até meados de junho / início de julho. Posteriormente surge um grande aumento na predação nas colónias de abelhas do início de agosto ao início de novembro, quando a predação diminuiu drasticamente até dezembro [ver dados muito elucidativos em quadros apresentados no artigo linkado em baixo]. […] A primeira fase da dinâmica da pressão de predação do VPA corresponde ao surgimento da primeira geração/coorte de obreiras. Uma vez que eles surjam no campo, a rainha pode dedicar-se exclusivamente à postura. Portanto, o atraso entre o primeiro VPA capturado e o aumento da pressão de predação corresponderá ao estágio larval, avaliado em 48,1 dias para o VPA (Archer 2010), variando com a qualidade dos alimentos e o clima. Apesar dessa variação, os “primeiros 40 dias” (Spradbery 1973) parecem ser consistentes com nossos dados. Assim, pode ser usado para prever o momento do maior risco de predação. Durante o período de predação nas colmeias, a maioria dos VPAs capturados era composto principalmente por obreiras com poucos machos e rainhas em junho. Foi possível confirmar a dinâmica populacional através da variação da massa corporal. Os VPAs capturados em junho foram por um lado os mais pesadas (exceto os capturados no mês de novembro) e as mais variáveis, devido a uma mistura de rainhas com maior massa corporal e uma primeira coorte/geração de obreiras mais leves. Esse ponto é importante, pois indica que as rainhas apareceram nas armadilhas durante esse período e depois desapareceram progressivamente. Isso pode corresponder ao final da fase da colónia primária da rainha (Spradbery, 1973). Outra interpretação envolve uma estratégia de “jogo de apostas” (Gourbière e Menu 2009): a saída tardia da dormência no inverno é uma estratégia ideal para prolongar o período de predação e adaptar-se eficientemente a novos ambientes. Noutros Vespidae (Spradbery 1973), vôos da rainha foram observados até meados de junho/início de julho e pode assumir-se um padrão semelhante para V. velutina. Tal ponto pode ser de importância, portanto acreditamos que deve receber atenção em pesquisas futuras.
A massa corporal das obreiras aumentou ao longo da temporada; isso pode ser o resultado de um aumento na qualidade dos alimentos e na quantidade de alimentos fornecidos às larvas. Esse grupo de obreiras maiores, encontrado mais tardiamente nas armadilhas, provavelmente foi alimentado com abelhas caçadas […]. O tamanho larval, relacionado com a reserva de gordura, é influenciado pelo fornecimento de alimento e está relacionado ao número de abelhas caçadas (Strohm, 2000). Em várias espécies de Vespidae, a proporção larva / obreira ainda é alta após o surgimento das primeiras obreiras e diminui progressivamente até ao final do ciclo de vida do ninho (Matsuura e Yamane 1990). Assim, nas etapas mais precoces, as larvas recebem menos alimentos e/ou alimentos de menor qualidade, resultando em indivíduos menores. Quando essa coorte de obreiras surge em número suficiente, a proporção larva/obreiras diminui, resultando num aumento na qualidade e/ou quantidade dos alimentos fornecidos e um aumento correspondente na produção de obreiras com maior massa corporal. No final da temporada, em novembro, adultos mais pesados foram capturados novamente, correspondendo à nova geração de fundadoras e machos.
O número total de VPAs presos durante o curso da temporada diferiu nos dois locais. Cerca de metade da quantidade de VPAs foi capturado na ART [um dos apiários] quando comparado com o número de capturas no VIL [o outro apiário] (916 e 1.894, respectivamente). A dinâmica de captura começou três semanas mais cedo no ART do que no VIL e terminou nove dias depois. Metade das capturas foram realizadas 30 dias antes no ART do que no VIL. A pressão de predação no VIL aumentou mais lentamente do que no ART durante a primeira metade do período de captura e mais rapidamente durante o segundo semestre. Essas diferenças podem ser atribuídas às colmeias mais numerosas no apiário da ART do que na VIL (14 vs. 9), bem como a um ecossistema potencialmente mais rico de presas de artrópodes no ART (paisagens de floresta), que tem o efeito de diluir pressão de predação. […]
Sabe-se que temperatura, humidade e velocidade do vento afetam as atividades de vários Vespidae (da Rocha e Giannotti 2007; Kasper et al. 2008; de Castro et al. 2011) e Apidae (Lundberg 1980; Burrill e Dietz 1981; Omoloye e Akinsola 2006; Neves et al. 2011). Nesta pesquisa, o único fator que parece modular a pressão de predação é a velocidade do vento, provavelmente porque é um fator limitante para voar e, principalmente, porque o vôo estacionário necessário para a captura de abelhas pode ser mais difícil em dias de vento. O vento também é um fator-chave para indivíduos que precisam retornar ao seu ninho de alta altitude. Descobrimos que a temperatura e a humidade não tiveram efeito per se, mas tiveram alguma influência quando ligadas à variação sazonal. Embora a atividade predadora possa ser dirigida pelo seu próprio relógio biológico (Giller e Sangpradub 1993), ela também pode estar relacionada com a atividade da presa (Kotler et al. 2002). Assim, o efeito sazonal observado no comportamento de caça do VPA pode resultar de outro efeito: o VPA associa sua atividade à atividade de forrageamento das abelhas, que depende do clima. Assim, acreditamos que essas relações devem ser estudadas diariamente, a fim de identificar as “janelas climáticas ótimas” correspondentes ao aumento ou redução do risco de predação.”
Notas: Deste trabalho quero destacar três aspectos:
o surgimento de ninhos secundários desfasados no tempo (uns mais cedo que outros) aumenta a eficiência de sobrevivência da espécie; diria, usando uma imagem, que não vão todos no mesmo dia ao supermercado à imagem do que acontece connosco no “black friday”;
nos últimos meses do ciclo de vida do ninho (novembro, dezembro,…) pretender distinguir as futuras fundadoras das obreiras só com base em fotos, para além de errado é sinal de pouco conhecimento da dinâmica alimentar e predatória dos VPAs;
o comportamento de predação dos VPAs nos apiários é influenciado por factores abióticos, como a temperatura e humidade, mas não podemos nem devemos descartar da equação a importante influência do vento, que em dias menos frios e chuvosos de outono/inverno poderá ser o único factor limitante.
Fico muito agradado que no próximo Fórum Nacional de Apicultura, que irá decorrer em Viseu nos próximos dias 22, 23 e 24 de Novembro, os serviços ecossistémicos seja um tema do programa do mesmo. A este propósito apresento em baixo a visão que a Comissão Europeia já apresentava em 2009 acerca da necessidade de uma maior consciencialização sobre o valor económico dos bens e serviços do ecossistema entre os tomadores de decisão e o público em geral.
Os ecossistemas sustentam toda a vida e atividades humanas. Os bens e serviços que eles fornecem são vitais para a manutenção do bem-estar e para o futuro desenvolvimento económico e social.
Os benefícios que os ecossistemas oferecem incluem comida, água, madeira, purificação do ar, formação do solo e polinização.
Mas as atividades humanas estão destruindo a biodiversidade e alterando a capacidade dos ecossistemas saudáveis de fornecer essa ampla gama de bens e serviços.
No passado, as sociedades frequentemente não levavam em conta a importância dos ecossistemas. Eles eram frequentemente vistos como propriedade pública e, consequentemente, subvalorizados.
Os cientistas prevêem que um aumento da população mundial para 8 mil milhões em 2030 pode levar a uma escassez dramática de alimentos, água e energia.
A perda de serviços dos ecossistemas naturais exigirá alternativas caras. Investir em nosso capital natural economizará dinheiro a longo prazo e é importante para nosso bem-estar e sobrevivência a longo prazo.
É necessária uma maior consciencialização sobre o valor económico dos bens e serviços do ecossistema entre os tomadores de decisão e o público em geral. Se deixarmos de agir agora para impedir o declínio, a humanidade pagará um preço alto no futuro.
em todo o mundo, pelo menos 75% das culturas alimentares dependem, de alguma forma, da polinização. A produção agrícola dependente de animais polinizadores aumentou 300% durante os últimos 50 anos. Só a produção de cereais e frutas, que depende diretamente da polinização entre 5% a 8%, representa cerca de 213 a 523 mil milhões de euros.
será que em 10 anos, de 2009 a 2019, os decisores europeus interiorizaram devidamente o valor económico dos serviços do ecossistema, em particular o da polinização? Se sim onde estão os apoios justos, tendo em conta as mais-valias alcançadas com a polinização, para a conservação e protecção dos polinizadores e do sector apícola europeu? — sector que passa por uma crise de sustentabilidade económica, que não me lembro de ver nos dez anos que levo como apicultor profissional, e que tanto precisa dessa mão amiga e ecológica da UE.
À esquerda uma banca com produtos “feitos” pelas abelhas e outros polinizadores. À direita uma banca que ilustra a pobreza que seria não termos abelhas para polinizarem as nossas hortas, pomares e demais espaços silvestres.
Denis Thiéry*, investigador senior do INRA** (Institut National de Recherche Agronomique) dá uma entrevista (fonte: https://www.rustica.fr/articles-jardin/lutte-scientifique-contre-frelon-asiatique-se-renforce-i,14266.html) que me parece clarificadora acerca das razões na demora do avanço científico para uma melhor compreensão da vespa velutina e no consequente avanço de contra-medidas de controlo e até erradicação da mesma. Em primeiro lugar a vespa velutina era um ilustre desconhecido, pouca ou nenhuma literatura científica específica existia sobre a mesma antes da sua chegada acidental a Bordéus; em segundo lugar a pesquisa demorou a estruturar-se a um nível europeu o que teve um impacto negativo na criação de sinergias desejáveis entre os diferentes países afectados/interessados; e finalmente, o animal em questão é difícil de observar, é agressivo e esquivo, o que não facilita em nada o seu estudo, mais ainda em condições devidamente controladas. Se cada vez mais vivemos numa época acelerada, é natural que desejemos que também a ciência acompanhe esse mesmo ritmo e dê resposta quase imediata aos nossos problemas. Contudo observar, descrever, explicar e prognosticar em boa ciência é feito a um ritmo que está em grande dessincronia com o ritmo frenético de hoje. Enquanto esperamos… segue um excerto da entrevista a Denis Thiéry em baixo:
[…] “Existe uma crescente mobilização de equipes de pesquisa? Em 2004, quando os dois primeiros ninhos de vespas foram observados em Lot-et-Garonne, não havia uma única publicação científica, além do trabalho do cientista neozelandês Spradberry, que data de 1973 [ Vespas: um relato da biologia e história natural das vespas solitárias e sociais, com referência particular às das ilhas britânicas]. Foi o único livro que tivemos! No entanto, desde a descoberta no ano passado do primeiro ninho inglês, há uma consciencialização mais real do problema. Alguns laboratórios do outro lado do Canal começaram a trabalhar em torno desta invasão e o número de equipes de pesquisa e publicações científicas no mundo está a aumentar.
Esta pesquisa está estruturada? Não. Projetos muito grandes, como pesquisas sobre SIDA, etc., sim. Essa estruturação ocorrerá quando houver projetos europeus e está começando a tomar forma. Com Karine Monceau, professora da Universidade de La Rochelle e pesquisadora do CNRS no Centro de Estudos Biológicos de Chizé, submetemos um projeto aos programas europeus “Interreg”, visando, entre outras coisas, estudar a resistência de abelhas aos ataques das vespas. Outro trabalho europeu, coordenado por Alessandro Cini, foi aceite com o objetivo de sequenciar o genoma do vespão asiático. Finalmente, outra proposta importante foi submetida ao Conselho Britânico de Pesquisa e uma rede europeia foi construída, a Força-Tarefa Coloss Velutina. Uma verdadeira dinâmica científica está, portanto, em ação.
Que dificuldades enfrentam? Até agora, pouco se sabia sobre o comportamento desta espécie. Então tivemos que colectar dados básicos sobre sua biologia, sua ecologia, o que levou alguns anos, porque o grande problema das invasões biológicas é que, no começo, não as vemos, ou vemos pouco. E, ao contrário de uma colmeia, o ninho de vespas não é um modelo de docilidade … Sua observação é difícil: essa colónia geralmente é estabelecida nas copas das árvores, geralmente com mais de vinte metros de altura, e os vespões exibem um comportamento de defesa muito agressivo. Para contornar esses problemas, tivemos que desenvolver uma criação em laboratório. Recentemente, para analisar o comportamento deste formidável predador, trabalhámos com chips RFID e um ninho numa gaiola equipado com um pórtico. Mas levamos quase dois anos para alcançar esse resultado …”[…]
Conferência dada em março de 2018 por Claire Villemant, pesquisadora do Museu Nacional de História Natural e responsável pela coleção de himenópteros (vespas, abelhas e formigas: 1 milhão de espécimes) do museu.
Em 49 apiários situados metade nos Alpes-Maritimes (zona de elevada pressão do vespão asiático) e outra metade em Haute-Garonne (zona de baixa pressão do vespão exótico) avaliou-se o efeito da utilização de diversos tipos de armadilhas (ver aqui em detalhe as armadilhas utilizadas e respectivos iscos http://itsap.asso.fr/wp-content/uploads/2016/03/cr_evaluation_piegeage_vvelutina_2014.pdf) por comparação com um apiário de controlo (“temoin”) onde se não utilizou qualquer tipo de armadilha para as velutinas. Todas as armadilhas de captura foram instalados entre 19 de agosto e 16 de setembro de 2014 e foram retiradas entre 7 de novembro e 15 de dezembro, quando a ausência de capturas indicou que V. velutina havia parado a predação.
Quanto ao desenvolvimento das colónias de abelhas não há diferenças significativas nas diferentes modalidades de armadilhas no que se refere a alterações no peso e o número de quadros ocupadas por abelhas. Por outro lado, as variações de peso e o número de quadros ocupados por abelhas nos apiários de controle é maior (ainda que não significativamente) que nos apiários equipados com armadilhas. Estes dados, portanto, não permitem concluir por um efeito positivo das modalidades de armadilha testadas no que se referes ao desenvolvimento das colónias.
Relativamente à mortalidade de colónias de abelhas o primeiros dado a destacar é que a mortalidade antes e à saída do inverno tem sido muito alta. No entanto, os valores de mortalidade pré e pós-inverno, medidos nos apiários de controle, são inferiores aos apiários equipados com armadilhas (ainda que não significativamente). Novamente, não é possível concluir que as modalidades de armadilhas testadas para a protecção de colónias de abelhas sejam efectivas.
O objetivo prático deste método de controle é manter o desenvolvimento normal das colónias e limitar a mortalidade. Sua eficiência foi medida em condições práticas de produção, com altas densidades de armadilhas, em áreas de baixa e alta pressão. No entanto, comparações entre apiários de controle sem armadilhas de captura e os apiários que tinham essas armadilhas não revelam nenhum efeito protetor da captura dos vespões na atividade de forrageamento, ou no desenvolvimento ou sobrevivência das colónias. Estes resultados levam a concluir pela ineficácia dos métodos de captura testados para proteger o apiário contra a Vespa velutina.
Nota: Entre os métodos/armadilhas inicialmente pensados pelo grupo de trabalho, os baseados num sistema elétrico (armadilhas Apiprotection e Technic-Joules), vulgo harpas eléctricas não puderam ser testados devido à falta de um acordo com os fabricantes. O segredo será a alma do negócio destes dois fabricantes de harpas?
“Todas as técnicas […] têm seus prós e contras, e podem ser divididas em duas categorias principais: aquelas que afectam o ninho da V. velutina e larvas (por ex. “técnica Judas”, triangulação para localizar ninhos, colocação de sensores no vespão, localização de ninhos com recurso a drones, radar harmónico, iscos envenenados, controlo biológico, siRNA, Crispr-Cas9 ) e aqueles que só afectam as vespas obreiras (raquetes, todas as armadilhas de captura de obreiras, redes à entrada das colmeias, etc.). Considerando que um ninho de V. velutina abriga 1.500 a 2.500 vespas e produz 12.000 a 15.000 vespas durante uma estação, é óbvio que métodos destinados a localizar ou destruir os ninhos à distância devem ser privilegiados em termos de eficiência (Rome et al. 2015).
As opções de escolha dependem se se é um apicultor em busca de soluções simples, rápidas e baratas, ou um cidadão incomodado pela V. velutina ou sensível à ameaça atual aos polinizadores, ou mesmo um decisor político que deve tomar decisões estratégicas. De fato, uma combinação de várias das técnicas descritas aqui geralmente é a melhor escolha.
No que diz respeito aos apicultores, o custo do tratamento (ácaros, traças, cria podre, etc.) já é bastante alto, e é difícil prever investimentos adicionais em armadilhas ou dispositivos caros. Portanto, muitos deles usam armadilhas caseiras ou iscas envenenadas. Essas armadilhas não são muito seletivas e eficazes, e até contraproducentes, se colocadas perto das colmeias. Se um apicultor insistir em colocar armadilhas, seria útil colocá-las distantes do apiário. De fato, parece que as vespas são atraídas pela isca, mas rapidamente se concentram nas abelhas. As iscas de carne/peixe envenenadas por biocidas são mais seletivas, pois atraem apenas insetos carnívoros, se não acessíveis a animais carnívoros terrestres ou aves. No entanto, sua principal desvantagem é que eles podem levar à disseminação dos biocidas utilizados. Embora o nível de biocidas disseminados por estas práticas esteja bem abaixo do que geralmente é usado no tratamento das culturas, as larvas contaminadas podem entrar na cadeia alimentar se os ninhos não forem removidos após serem envenenados. Assim, neste caso, os biocidas de baixa premanência devem ser preferidos.
Os cidadãos confrontados com os vespas ou conscientes de seus danos devem ter em mente que o pouco que podem fazer sem arriscar ameaçar a entomofauna ou o meio ambiente é, em caso de descoberta de ninhos, informar sua administração local […]. No entanto, em caso de grande inconveniente, podem equipar os jardins com uma armadilha o mais seletiva possível (armadilhas caseiras com saídas para os insetos menores), […], mas devem estar cientes de possíveis efeitos colaterais na entomofauna. O uso de armadilhas envenenadas não é recomendado, pois apresenta riscos para os utilizadores, mas também para possíveis vítimas colaterais (animais selvagens, animais domésticos, crianças). As raquetes elétricas comerciais normalmente destinadas a mosquitos podem ser eficazes nas operárias, mas é necessário esmagá-las, pois elas recuperam rapidamente.
Por fim, no que diz respeito aos decisores, há que recomendar que invistam muito rapidamente na pesquisa e na busca de soluções para destruir de maneira limpa os ninhos de vespas. De fato, essa estratégia é de longe a mais eficiente, a mais barata e a mais segura para o ambiente, […] Esperemos que as instituições nacionais e europeias tomem consciência rapidamente da extensão deste problema e invistam seriamente para limitar a disseminação de vespas de patas amarelas que já ameaçam toda a Europa.”
fonte: Options for the biological and physical control of Vespa velutina nigrithorax (Hym.: Vespidae) in Europe: A review
Nota: Na próximas publicação irei apresentar propostas e hipóteses de novas armas e novas estratégias para fazer frente à velutina. Em regra estas novas armas pressupõem um investimento pesado em Inovação e Desenvolvimento, e portanto exigem a coordenação e fundos que deverão ser europeus para evitar replicar trabalho e gasto de recursos de forma desnecessária. Entre estas novas armas, umas mais desenvolvidas que outras, destacam-se as armadilhas com feromonas específicas, localização de ninhos com recurso a drones e sensores, radar harmónico para localização de ninhos, controlo biológico, siRNA e Crispr-Cas9.
Armadilha com recurso a feromonas sexuais específicas para atrair machos de vespa velutina.