Um jovem apicultor, amigo e cliente, colocou-me ontem a questão do título da publicação. Hoje respondi-lhe: alguns conseguem viver da apicultura e outros não. Eventualmente este jovem, assim como outros, desejam uma resposta sim ou não. Mas essas respostas de sim ou não para aspectos complexos, que dependem de inúmeras variáveis, sendo sedutoras para quem as ouve porque fica com o assunto resolvido logo ali, e tentadoras para quem as dá porque reforçam o seu estatuto de autoridade e conhecimento, são na realidade respostas parvas (do étimo pequeno).
Por exemplo, hoje saí de casa depois de tomar o café e comer uma barrita de cereais, estavam a bater as 9h30 no relógio da torre. A manhã esteve relativamente fresca e o trabalho corria bem e, quando dei por mim, eram 13h10. Parei um pouco para reflectir se deveria continuar ou parar e fazer 15 km de regresso a casa para almoçar e retornar depois de almoço. Decidi continuar o trabalho e concluí-o por volta das 14h00. Contudo e como ainda faltava uma tarefa que tinha mesmo que fazer hoje noutro apiário, a cerca de 4 km de distância, decidi castigar um pouco mais o corpo e ir fazê-lo, antes de regressar a casa para almoçar. Terminei por lá por volta das 16h00. Regressei a casa e almocei por volta das 17h00. Voltei de novo a esses dois apiários já próximo das 18h00 e conclui a principal tarefa que hoje me comprometi fazer, seriam cerca das 19h45. Agora, que já estou em casa, dou comigo a pensar que este está longe de ter sido um dos dias duros, dos muitos que já tive na apicultura. Alturas houve em que os dias duros vinham em cachos de 5 ou 6 dias seguidos ao longo de 4 a 5 meses.
Voltando à questão: sim para alguns é possível viver da apicultura e, acredito, que o factor decisivo, como não poderia deixar de ser, é o humano, isto é, é a ética profissional, o conhecimento, o pragmatismo, a vontade de superação, a resiliência e, para mim a mais importante na apicultura, a paciência. Paciência para esperar pela natureza, porque quem toca a música é a natureza, o ritmo é marcado por ela.
Vista geral parcial do apiário que trabalhei hoje de manhã. Vista geral parcial do apiário que trabalhei da parte da tarde.
Não acredito nos “mecânicos/melhoradores da genética” da natureza, não acredito nos “criadores” de naturezas exóticas alternativas. Acredito e admiro os “amadores” da natureza local, aqueles que pacientemente a prescrutam e, sem lhe alterar a génese, ou introduzir exotismos, se apercebem dos carreiros mais escondidos por onde devem fazer o seu caminho. Tenho para mim cada vez mais certo que o apicultor que quer viver da apicultura em Portugal mais tarde ou mais cedo vai confirmar aquilo que já confirmei há algum tempo: não é sobretudo uma questão de genética, é mais uma questão de maneio. Mesmo que isso implique adiar a hora do almoço!
Ultrapassada, com o contributo inestimável do meu filho, uma dificuldade técnica que me impedia de aceder às estatísticas anuais dos posts mais visitados, ao número de visitas anuais e à caixa de comentários, venho finalmente repor a tradição de elencar os posts mais visitados no último ano (ainda que neste caso os valores incluam também os meses decorridos neste ano de 2020). Nos últimos 12 meses (abril de 2019 a abril de 2020) estão registadas quase 200 mil visitas (198462 visitas em rigor). Este valor, que me surpreendeu, deixa-me com uma certa tremedeira nos joelhos. Com o crescer do número de visitas cresce também a responsabilidade de partilhar coisas tão apaixonantes mas tão incertas e locais como é próprio da natureza das abelhas e da actividade apícola. Agradeço aos leitores e comentadores (a estes últimos peço desculpa e compreensão, pois só hoje, depois de ultrapassada a dificuldade referida em cima, fui capaz de publicar os comentários dos últimos meses, sempre muito bem-vindos e muito estimulantes) que são parte desta realidade. Aqui ficam os posts que mais visitas receberam.
Este estudo, recentemente publicado (2019), avaliou o efeito das redes de protecção de entradas de colmeias sobre dois comportamentos das abelhas melíferas quando pressionadas pela presença intensa de vespões asiáticos: o retorno das abelhas forrageiras à colmeia e a intensidade do comportamento de forrageamento. Tenho uma ideia que estas redes são ainda pouco utilizada pelos apicultores portugueses, contudo também esta como outras ferramentas não deve ser desprezada, mais ainda quando os resultados de um estudo controlado são positivos.
“O vespão asiático é um predador de abelhas na Europa Ocidental. O risco associado ao vespão asiático na mortalidade de colónias de abelhas motivou o desenvolvimento de métodos de controle biológico e físico nos últimos anos. Embora a relação custo-benefício tenha sido estabelecida para a maioria desses métodos de controle, ainda não está claro se esses métodos podem reduzir os efeitos prejudiciais do vespão asiático nas abelhas europeias. Neste estudo, investigámos os benefícios potenciais de um método de controle favorável à biodiversidade, a “protecção da entrada da colmeia” (beehive muzzle) . Observámos a atividade de voo das abelhas e o comportamento de predação das vespas asiáticas à entrada da colmeia em 22 pares de colónias de abelhas, cada uma com uma colónia equipada com “protecção da entrada da colmeia” e uma colónia controle sem “protecção da entrada da colmeia”, em França. Medimos a FR (falha no retorno das abelhas devido à predação de vespas por abelhas) e PF (paralisia de forrageamento: paragem da atividade de voo em colmeias devido às vespas pairando em frente da entrada) e estimámos a probabilidade de mortalidade das colónias usando uma abordagem de modelagem mecanicista. A “protecção da entrada da colmeia” não reduziu a FR associada à vespa, mas reduziu drasticamente a PF. Além disso, a “protecção da entrada da colmeia” aumentou a probabilidade de sobrevivência de colónias stressadas por vespas até 51% em contexto de alta abundância de vespas asiáticas com base em simulações teóricas. Esses resultados sugerem que a instalação de “protecção da entrada da colmeia” pode atenuar o efeito prejudicial do vespão asiático nas abelhas europeias. Esta técnica de baixo custo não leva a nenhum impacto ambiental e, portanto, pode ser recomendada aos apicultores como um método eficaz de controle da vespa asiática, favorável à biodiversidade.”
Locais onde se realizaram as medições/comparações e tipo de “protecção da entrada da colmeia” utilizado no estudo (a malha da rede utilizada é de 6×6 mm).
Neste vídeo em baixo vemos e ouvimos Ernesto Astiz, afamado especialista espanhol no estudo desta espécie invasora, identificar três pontos-chave da estratégia para controlo da vespa velutina: (i) captura de velutinas fundadoras na primeira fase do seu ciclo de vida; (ii) utilização de cavalos de troia na fase de maior predação, para eliminar ou fragilizar ninhos não identificados; (iii) autorização/indicação pelas autoridades competentes de princípios activos eficazes para utilização na “fabricação” de cavalos de troia. O produto e o princípio activo proposto por Ernesto Astiz coincide com o que já havia mencionado aqui há dois anos atrás.
Ainda na senda da minha intervenção na Mesa Redonda — A PAC pós 2020 — Perspectivas para o sector apícola, no XX Fórum Nacional de Apicultura, e a propósito da questão colocada, pelo jornalista do Observador, Paulo Ferreira, acerca das perspectivas que tenho da apicultura como uma actividade reconhecida como prestadora de serviços do ecossistema referi que as abelhas produzem… solo e água.
Praticamente todas as plantas que se reproduzem por sementes no mundo necessitam ser polinizadas. Entre estas estão muitas das plantas silvestres que crescem um pouco por todo o lado, nomeadamente nas encostas das nossas serras, e que sem a polinização levada a cabo pelos insectos, não se renovariam ou expandiriam.
As relações de interdependência entre o solo, a água e as plantas são mediadas pelos polinizadores. Estas relações podem descrever-se de forma sumária: as plantas com flores ajudam a purificar a água e impedir a erosão através de raízes que mantêm o solo no lugar e folhagens que amortecem o impacto da chuva quando ela cai na terra. O ciclo da água depende das plantas para devolver a humidade à atmosfera, e as plantas dependem de polinizadores para ajudá-las a reproduzirem-se.
Faixas de plantas nativas incorporadas nas pradarias
Um caso exemplar: As faixas de plantas na pradaria são uma prática de conservação que protege o solo e a água, enquanto fornece habitat para a vida selvagem. A equipe do STRIPS […] realiza pesquisas sobre faixas da pradaria há mais de dez anos e mostramos que a integração de pequenas faixas de pradaria em locais estratégicos nos campos de milho e soja — na forma de tiras de amortecimento de contorno em campo e tiras de filtragem nas bordas de campo — podem gerar grandes benefícios para o solo, a água e a biodiversidade. As faixas de pradaria fornecem esses benefícios em maior grau do que outros tipos de vegetação perene, devido à diversidade de espécies de plantas nativas incorporadas, seus sistemas radiculares profundos e multicamadas e seus caules rígidos que suportam chuvas fortes. A pesquisa STRIPS também mostra que as faixas de pradaria são uma das práticas de conservação agrícola mais acessíveis e ambientalmente benéficas disponíveis. Fonte: https://www.nrem.iastate.edu/research/STRIPS/content/what-are-prairie-strips
No seguimento do XX Fórum Nacional de Apicultura, que decorreu este ano na cidade de Viseu, onde tive o prazer e honra de participar na Mesa Redonda — A PAC pós 2020 — Perspectivas para o sector apícola, gostaria de aproveitar para aprofundar um pouco mais alguns aspectos que os limites de tempo, próprios destes eventos, não permitem.
Questionado, pelo jornalista do Observador, Paulo Ferreira, acerca das perspectivas que tenho da apicultura como uma actividade reconhecida como prestadora de serviços do ecossistema comecei por referir que as abelhas produzem… carne de vaca. Um facto verdadeiro ainda que estranho, mas um facto que se deve entranhar na consciência de todos, a começar nos apicultores, no sentido de reivindicar com argumentos fortes e racionais os apoios directos por colmeia, apoios justos e necessários, como defendeu o João Casaca da FNAP nessa mesma mesa redonda.
À pergunta qual é a colheita mais importante que necessita de ser polinizada por insectos? a melhor respostas não é a colheita de frutos ou vegetais de nosso consumo directo, mas sim a de alfafa. Sim, alfafa, não porque consumimos grandes quantidades dos seus brotos, mas porque o gado precisa desse alimento. A alfafa é designada por alguns como a rainha das forrageiras. Assim, sem alfafa a produção de carne e leite ficaria gravemente comprometida.
Flor de alfafa
Um caso exemplar: na Nova Zelândia, quando por lá se começou a cultivar alfafa para alimentar o gado introduzido no território, verificou-se que os poucos polinizadores nativos não eram atraídos por aquelas novas flores. Ano após ano, o feno crescia exuberantemente mas sem sementes. Os produtores de alfafa tiveram que recorrer à importação de algumas espécies de abelhas da Europa para reduzir as despesas na compra de sementes todos os anos. Assim, estas pequenas trabalhadoras salvaram o dia naquele país.
“As atividades de polinização das abelhas valem 143 vezes mais do que o valor do mel e da cera que as abelha produzem (18,9 mil milhões vs. 140 milhões). Frutas e nozes, sementes e fibras, produtos derivados de sementes que requerem polinização por abelhas e uma parte das mercadorias indiretamente dependentes da polinização por abelhas estão listados com seus valores no boletim do USDA” fonte: Bulletin of the Entomological Society of America, Volume 29, Issue 4, Winter 1983, Pages 50–51
“Sem os polinizadores, mais de 39 culturas diferentes sofreriam um declínio na produção. Sem eles e para atender à procura, a agricultura moderna teria de utilizar práticas mais intensivas e ambientalemente menos sustentáveis. Provavelmente, mais terras seriam necessárias para atender aos níveis atuais de procura. Cultivar essas maiores massas terrestres também resultaria em mais emissões com o aumento da operação com tratores e outras máquinas. E, ao expandir a pegada física das fazendas, o habitat selvagem corre o risco de ser deslocado ou interrompido/fragmentado. Estes pequenos insetos desempenham um grande papel na ajuda ao crescimento da agricultura moderna , utilizando menos recursos naturais.” fonte: https://modernag.org/biodiversity/beeconomy-economic-value-pollination/
“Os produtos de origem animal […] carne bovina, suína, aves, cordeiros e laticínios são derivados de uma maneira ou de outra de leguminosas polinizadas por insetos, como alfafa, trevo, lespedeza e trevo.[…] as leguminosas polinizadas por insetos têm a capacidade de coletar o nitrogênio da atmosfera, armazená-lo nas raízes e, finalmente, contribui para enriquecer o solo de outras plantas. Sem esse efeito benéfico, os solos não fertilizados por estes minerais processados rapidamente se esgotariam e se tornariam economicamente improdutivos. […] Gates (1917) alertou o agricultor de que “ele pode fertilizar e cultivar osolo, podar, afinar e pulverizar as árvores; numa palavra, ele pode fazer todas as coisas que a prática moderna defende, mas sem seus agentes polinizadores, entre as quais se destacam as abelhas melíferas, para transferir o pólen dos estames para o pistilo das flores, sua colheita pode falhar. […] O valor da polinização na geração seguinte de culturas também é frequentemente ignorado. O valor da semente híbrida não é refletido até a geração subsequente. O vigor ao brotar e emergir do solo geralmente é um fator vital na sobrevivência precoce da planta. Outras respostas ao vigor híbrido incluem rapidez no desenvolvimento, saúde das plantas e maior produção de frutas ou sementes. […] O valor da polinização por insectos, o único tipo de polinização sobre o qual o homem pode exercer muita influência, não se limita às culturas cultivadas. Bohart (1952) apontou que o efeito mais drástico decorrente da ausência de insectos polinizadores estaria em áreas não cultivadas, onde, como resultado, a maioria das plantas silvestres que fazem a retenção e enriquecimento de solo desapareceria. […] As culturas dependentes da polinização por insetos foram avaliadas por Levin (1967) em US $ mil milhões, com uma produção adicional beneficiada pela polinização por abelhas avaliada em aproximadamente US $ 6 mil milhões. O mel e a cera de abelha produzidos foram avaliados em cerca de US $ 45 milhões. Por outras palavras, as colónias de abelhas valem aproximadamente 100 vezes mais para a comunidade do que para o apicultor.” fonte: https://www.ars.usda.gov/ARSUserFiles/20220500/OnlinePollinationHandbook.pdf
“Uma pergunta muito básica que ecologistas e conservacionistas ponderam há mais de um século: por que devemos proteger a natureza?
Alguns conservacionistas sustentam há muito tempo que devemos proteger a natureza porque ela é valiosa em si mesma. Num influente ensaio de 1985 intitulado “O que é Biologia da Conservação?” o biólogo Michael Soulé argumentou que a biodiversidade “tem valor intrínseco, independentemente do seu valor instrumental …”. Ou seja, devemos proteger ecossistemas ameaçados, porque é a coisa ética a fazer.
Mais recentemente, alguns ecologistas criticaram essa abordagem. Veja, por exemplo, o ensaio de 2012 de Peter Kareiva e Michelle Marvier, que argumenta que apenas argumentos éticos não foram capazes de conter a crescente onda de desmatamento e extinções. Se os conservacionistas querem progredir melhor, precisam apelar com mais força ao interesse próprio da humanidade. Noutras palavras, devemos nos concentrar mais na conservação da natureza, porque é útil para nós [o valor instrumental].
Uma possibilidade é colocar o foco nos “serviços ecossistémicos” que a natureza fornece – o facto de que as abelhas polinizam nossas colheitas, ou as áreas húmidas ajudam a conter inundações, ou os recifes de coral ajudam a sustentar a pesca. Colocando um valor em dólares [ou euros] nesses serviços, podemos defender com mais força a conservação.
Então, como se encaixam as abelhas neste debate? Por um lado, não há dúvida de que estes argumentos económicos para a conservação são poderosos. O presidente Obama interessou-se pessoalmente pela situação das abelhas – e, no seu plano de ajuda aos polinizadores, destacou o facto de que eles fornecem bilhões de dólares em serviços agrícolas. Sem dúvida, isso foi uma grande motivação.” fonte: https://www.vox.com/2015/7/6/8900605/bees-pollination-ecosystem-services
Ligando as pontas de um fluxo: a polinização é um dos dezassete serviços vitais que o ecossistema global presta à comunidade humana. Estar num ranking tão restrito é muito elucidativo da importância da mesma para todos nós. Está bem estabelecido também que as abelhas melíferas domesticadas têm um papel de destaque neste serviço. O problema é que as abelhas melíferas estão muito ameaçadas, e são os apicultores que vão mitigando e controlando, como podem, os perigos que as cercam. E cada vez mais este desafio de manter as abelhas vivas, saudáveis e produtivas exige dos apicultores maior conhecimento, maior comprometimento, maiores gastos. Sendo este o actual e difícil cenário, a UE deve colocar as necessárias ferramentas económico-financeiras se deseja séria e verdadeiramente sustentar a apicultura, para poder preservar as abelhas, e assim assegurar a polinização, um serviço ecossistémico de vital importância para toda a comunidade.
“Os insectos polinizadores de culturas e plantas selvagens estão ameaçados globalmente e seu declínio ou perda pode ter profundas consequências económicas e ambientais. Aqui, argumentamos que várias pressões antropogénicas – incluindo a intensificação do uso da terra, as mudanças climáticas e a disseminação de espécies e doenças exóticas – são as principais responsáveis pelo declínio dos insectos-polinizadores. Mostramos que uma interação complexa entre pressões (por exemplo, falta de fontes de alimentos, doenças e pesticidas) e processos biológicos (por exemplo, dispersão e interações entre espécies) em várias escalas (dos genes aos ecossistemas) está na origem do declínio geral das populações de insectos polinizadores. Serão necessárias pesquisas interdisciplinares sobre a natureza e os impactos dessas interações para preservar a segurança alimentar humana e a função do ecossistema. Destacamos áreas-chave que requerem foco na pesquisa e delineamos algumas etapas práticas para aliviar as pressões sobre os polinizadores e os serviços de polinização que eles prestam às plantas silvestres e agrícolas.” fonte: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1890/120126
A UE atribuiu ao sector apícola europeu, e para o triénio 2020-2022, um total de 120 milhões de euros, ou seja 40 milhões de euros por ano a distribuir pelos 28 estados-membros. Por outro lado, o relatório adotado pela Comissão da Agricultura da UE estima que os polinizadores, onde se destacam as abelhas melíferas, produzem uma mais valia económica de 14 mil e 200 milhões de euros por ano. Cálculos simples permitem concluir que as abelhas e outros polinizadores produzem mais-valias 355 vezes superiores ao valor do apoio que recebem.
Terei alguma dúvida que este apoio de 40 milhões/ano mais não é que uma encenação de apoio da UE, para ficar bem na fotografia? Não, não tenho!
Continuando a ler, a pesquisar, a reflectir (pensar duas vezes) sobre este magnífico e terrível inimigo da biodiversidade dos insectos em geral e das abelhas melíferas em particular, proponho a leitura deste trabalho de Karine Monceau e colegas, publicado em 2013, que apresenta alguns aspectos que devemos considerar para mais e melhor compreendermos esta praga.
“Aqui, propomos analisar com mais detalhes a dinâmica da pressão de predação do VPA (vespão de patas amarelas) na área invadida em França. Este estudo foi realizado em colmeias durante o período de predação nos estágios iniciais da invasão (2008) e foi projetado para identificar períodos-chave específicos durante os quais a predação em abelhas pode ser limitada. Um procedimento de captura foi usado para monitorar a dinâmica da pressão de predação. A predação em dois apiários foi comparada, um numa área urbana e a outra numa área suburbana à beira de uma floresta e de terrenos agrícolas. Nosso primeiro objetivo foi avaliar a eficiência da técnica de captura com recurso a armadilhas iscadas [ver modelo de armadilha utilizado, no artigo linkado em baixo]. Para validar esse método, o número de VPAs perseguidores em cada apiário foi anotado e comparado com o número dos capturados. Vários estudos em Vespidae documentaram a relação entre condições climáticas (temperatura, humidade, precipitação, insolação solar etc.) e atividades de forrageamento (Ishay 2004; da Rocha e Giannotti 2007; Kasper et al. 2008; de Castro et al. 2011); o impacto dos parâmetros abióticos na predação efectuada pelos VPAs foi considerado. Finalmente, a variação na massa corporal dos VPAs capturados também foi analisada para entender a relação entre pressão de predação e dinâmica populacional. […]
“Nos dois ambientes diferentes, a predação durou mais de 5 meses. No geral, a dinâmica da pressão de predação do VPA pode ser aproximadamente dividida em três fases. Na primeira fase, muito poucos VPAs foram capturados desde o início da temporada até meados de junho / início de julho. Posteriormente surge um grande aumento na predação nas colónias de abelhas do início de agosto ao início de novembro, quando a predação diminuiu drasticamente até dezembro [ver dados muito elucidativos em quadros apresentados no artigo linkado em baixo]. […] A primeira fase da dinâmica da pressão de predação do VPA corresponde ao surgimento da primeira geração/coorte de obreiras. Uma vez que eles surjam no campo, a rainha pode dedicar-se exclusivamente à postura. Portanto, o atraso entre o primeiro VPA capturado e o aumento da pressão de predação corresponderá ao estágio larval, avaliado em 48,1 dias para o VPA (Archer 2010), variando com a qualidade dos alimentos e o clima. Apesar dessa variação, os “primeiros 40 dias” (Spradbery 1973) parecem ser consistentes com nossos dados. Assim, pode ser usado para prever o momento do maior risco de predação. Durante o período de predação nas colmeias, a maioria dos VPAs capturados era composto principalmente por obreiras com poucos machos e rainhas em junho. Foi possível confirmar a dinâmica populacional através da variação da massa corporal. Os VPAs capturados em junho foram por um lado os mais pesadas (exceto os capturados no mês de novembro) e as mais variáveis, devido a uma mistura de rainhas com maior massa corporal e uma primeira coorte/geração de obreiras mais leves. Esse ponto é importante, pois indica que as rainhas apareceram nas armadilhas durante esse período e depois desapareceram progressivamente. Isso pode corresponder ao final da fase da colónia primária da rainha (Spradbery, 1973). Outra interpretação envolve uma estratégia de “jogo de apostas” (Gourbière e Menu 2009): a saída tardia da dormência no inverno é uma estratégia ideal para prolongar o período de predação e adaptar-se eficientemente a novos ambientes. Noutros Vespidae (Spradbery 1973), vôos da rainha foram observados até meados de junho/início de julho e pode assumir-se um padrão semelhante para V. velutina. Tal ponto pode ser de importância, portanto acreditamos que deve receber atenção em pesquisas futuras.
A massa corporal das obreiras aumentou ao longo da temporada; isso pode ser o resultado de um aumento na qualidade dos alimentos e na quantidade de alimentos fornecidos às larvas. Esse grupo de obreiras maiores, encontrado mais tardiamente nas armadilhas, provavelmente foi alimentado com abelhas caçadas […]. O tamanho larval, relacionado com a reserva de gordura, é influenciado pelo fornecimento de alimento e está relacionado ao número de abelhas caçadas (Strohm, 2000). Em várias espécies de Vespidae, a proporção larva / obreira ainda é alta após o surgimento das primeiras obreiras e diminui progressivamente até ao final do ciclo de vida do ninho (Matsuura e Yamane 1990). Assim, nas etapas mais precoces, as larvas recebem menos alimentos e/ou alimentos de menor qualidade, resultando em indivíduos menores. Quando essa coorte de obreiras surge em número suficiente, a proporção larva/obreiras diminui, resultando num aumento na qualidade e/ou quantidade dos alimentos fornecidos e um aumento correspondente na produção de obreiras com maior massa corporal. No final da temporada, em novembro, adultos mais pesados foram capturados novamente, correspondendo à nova geração de fundadoras e machos.
O número total de VPAs presos durante o curso da temporada diferiu nos dois locais. Cerca de metade da quantidade de VPAs foi capturado na ART [um dos apiários] quando comparado com o número de capturas no VIL [o outro apiário] (916 e 1.894, respectivamente). A dinâmica de captura começou três semanas mais cedo no ART do que no VIL e terminou nove dias depois. Metade das capturas foram realizadas 30 dias antes no ART do que no VIL. A pressão de predação no VIL aumentou mais lentamente do que no ART durante a primeira metade do período de captura e mais rapidamente durante o segundo semestre. Essas diferenças podem ser atribuídas às colmeias mais numerosas no apiário da ART do que na VIL (14 vs. 9), bem como a um ecossistema potencialmente mais rico de presas de artrópodes no ART (paisagens de floresta), que tem o efeito de diluir pressão de predação. […]
Sabe-se que temperatura, humidade e velocidade do vento afetam as atividades de vários Vespidae (da Rocha e Giannotti 2007; Kasper et al. 2008; de Castro et al. 2011) e Apidae (Lundberg 1980; Burrill e Dietz 1981; Omoloye e Akinsola 2006; Neves et al. 2011). Nesta pesquisa, o único fator que parece modular a pressão de predação é a velocidade do vento, provavelmente porque é um fator limitante para voar e, principalmente, porque o vôo estacionário necessário para a captura de abelhas pode ser mais difícil em dias de vento. O vento também é um fator-chave para indivíduos que precisam retornar ao seu ninho de alta altitude. Descobrimos que a temperatura e a humidade não tiveram efeito per se, mas tiveram alguma influência quando ligadas à variação sazonal. Embora a atividade predadora possa ser dirigida pelo seu próprio relógio biológico (Giller e Sangpradub 1993), ela também pode estar relacionada com a atividade da presa (Kotler et al. 2002). Assim, o efeito sazonal observado no comportamento de caça do VPA pode resultar de outro efeito: o VPA associa sua atividade à atividade de forrageamento das abelhas, que depende do clima. Assim, acreditamos que essas relações devem ser estudadas diariamente, a fim de identificar as “janelas climáticas ótimas” correspondentes ao aumento ou redução do risco de predação.”
Notas: Deste trabalho quero destacar três aspectos:
o surgimento de ninhos secundários desfasados no tempo (uns mais cedo que outros) aumenta a eficiência de sobrevivência da espécie; diria, usando uma imagem, que não vão todos no mesmo dia ao supermercado à imagem do que acontece connosco no “black friday”;
nos últimos meses do ciclo de vida do ninho (novembro, dezembro,…) pretender distinguir as futuras fundadoras das obreiras só com base em fotos, para além de errado é sinal de pouco conhecimento da dinâmica alimentar e predatória dos VPAs;
o comportamento de predação dos VPAs nos apiários é influenciado por factores abióticos, como a temperatura e humidade, mas não podemos nem devemos descartar da equação a importante influência do vento, que em dias menos frios e chuvosos de outono/inverno poderá ser o único factor limitante.