o fenómeno da multi-infestação: alguns dados que nos ajudam a compreender a tempestade perfeita

Há cerca de 5 anos atrás li num pequeno excerto escrito por Mel Disselkoen, conhecido apicultor norte-americano, referido que os efeitos do vírus das asas deformadas se tornavam visíveis — emergência de abelhas com asas deformadas — quando as larvas eram infestadas e parasitadas por mais que uma varroa fundadora. Na altura achei este dado da grande importância, mas nas pesquisas que fiz não consegui confirmar a afirmação em fontes externas. Recentemente tenho lido bastante acerca do fenómeno de multi-infestação pelo varroa, e acho que a tese de Mel Disselkoen tem pernas para andar.

O abrandamento da postura das abelhas-mãe — este período inicia-se a partir de meados de maio nos apiários a 600 m de altitude e a partir de meados de junho nos apiários a 900 m de altitude — favorece o fenómeno de multi-infestação pelos ácaros varroa. De forma simples, a multi-infestação é um fenómeno que se dá sempre que uma larva é infestada e parasitada por mais que uma varroa mãe/fundadora. Não é incomum encontrar alvéolos com larvas de abelha infestadas por dois, três ou mais ácaros fêmeas fundadoras, enquanto muitos outros alvéolos permanecem não infestadas. Este comportamento sugere que a distribuição do ácaro entre os alvéolos com criação não é aleatória — tese que não está solidamente confirmada por enquanto. Mais sólida é a observação que este fenómeno de multi-infestação ocorre mais frequentemente nas colónias com níveis elevados de infestação associado ao abrandamento da postura das rainhas.

A nós apicultores interessa-nos conhecer em mais detalhe os efeitos da multi-infestação que:

  • reduz a fiabilidade de algumas técnicas de monitorização da infestação, em especial as que utilizam a desoperculação de cria de obreira e/ou zângão;
  • reduz em cerca de 20% a longevidade das futuras abelhas;
  • aumenta a exogamia* do ácaro, fenómeno que pode estar na origem de uma maior resistência aos acaricidas — tese que não está solidamente confirmada por enquanto.
  • aumenta a carga viral nas abelhas;
  • aumenta a fertilidade das varroas.

* Exogamia: reprodução com baixa frequência de cruzamento entre indivíduos que apresentam consanguinidade.

Conhecendo este fenómeno da multi-infestação estou em melhores condições para compreender a tempestade perfeita que previsivelmente ocorrerá mais adiante em colónias muito fortes, após o fluxo de néctar, e que vê a sua existência em risco 45 -60 dias após o pico de postura, entre agosto e setembro.

Colónias fortes até junho/julho e que em agosto/setembro correm o risco de colapsar, se o tratamento for tardio e/ou ineficaz.

fontes: https://www.researchgate.net/publication/344354277_How_the_Infestation_Level_of_Varroa_destructor_Affects_the_Distribution_Pattern_of_Multi-Infested_Cells_in_Worker_Brood_of_Apis_mellifera

Varroa destructor: A Complex Parasite, Crippling Honey Bees Worldwide

Nota: quantas e quantas vezes se ouve testemunhos de apicultores a jurarem que colmeias muito fortes ficaram sem abelhas mais adiante. Vários acreditam na tese que as abelhas terão abandonado a colmeia — sabemos que este fenómeno é muito raro nas abelhas europeias, ainda que relativamente frequente nas abelhas africanizadas e em ambiente tropical —, mas deverão procurar a resposta na infestação por varroa se desejarem e tiverem coragem para olhar de frente a causa mais provável.

4 comentários em “o fenómeno da multi-infestação: alguns dados que nos ajudam a compreender a tempestade perfeita”

  1. Pois, muitos confrades culpam tudo pela morte das suas colmeias, excetuando aquela que é, provavelmente , a verdadeira causa! A varroose – e a falta de capacidade de muitos, de compreender a verdadeira dimensão do desastre que nos atingiu e que está a por em causa a sobrevivência desta atividade e, por tabela, a existência das colónias de abelhas melíferas, tal como as conhecemos hoje e , alguns como eu, como era antes da chegada do varroa.

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