Um dos mitos que apicultores e não apicultores partilham sobre os enxames de abelhas está associado à ideia de que são sociedades extremamente organizadas, onde nada acontece ao acaso. Esta e outras ideias românticas sobre as sociedades destes e outros himenópteros, leva muitos a defender que as sociedades humanas deviam aprender e até mimetizar o seu comportamento social e organizacional. Pergunto aos mais românticos se estarão de acordo que se transfiram para as nossas sociedades humanas o canibalismo de que as larvas de abelhas são alvo com alguma frequência, ou a expulsão dos machos das colónias, condenando-os à morte por fome e frio, em certas épocas do ano? Seguramente que não. Deixemos portanto a natureza e comportamentos sociais de cada espécie agir dentro de cada espécie, sem procurar mimetismos despropositados, cegos e disfuncionais. À abelha o que é da abelha, ao Homem o que é do Homem!
Sobre a organização do trabalho das abelhas de meia-idade no interior das colmeias, o trabalho realizado por Brian Johnson lança alguma luz sobre este fenómeno. Ele passou horas incontáveis a observar as abelhas e a registar as atividades onde passavam mais tempo. Surpreendentemente, verificou que uma das principais ocupações das abelhas de meia-idade era parar de trabalhar e passear aleatoriamente no interior da colmeia. Brian viu que as abelhas empenhadas numa determinada atividade, geralmente, desistiam dela após uma hora e se dispersavam pela colmeia. A este comportamento de deambulação B. Johnson chamou de “comportamento de patrulha”. Terminadas as patrulhas, verificou que as abelhas iniciavam outras tarefas ao invés de retornar à tarefa que estavam a realizar. Verificou ainda que as abelhas recomeçavam a trabalhar novamente onde quer que estivessem, em vez de trabalharem onde a necessidade parecia maior. Por exemplo, se uma abelha estava a construir favo numa meia-alça com cera laminada e se após o seu comportamento de patrulha terminava a sua deambulação numa zona de armazenamento de néctar ou pólen no meio do ninho, retomava as sua tarefas, efectuando o processamento do néctar ou pólen. Citando B. Johnson “o patrulhamento pode contribuir para a troca de tarefas, movendo as abelhas para locais do ninho onde diferentes tarefas estão sendo realizadas. Resumindo, a alocação de tarefas das abelhas de meia-idade é caracterizada por um fluxo contínuo no espaço e no tempo.” Será caso para dizer que é uma desorganização organizada?!
Artigo de Brian Johnson: A Self-Organizing Model for Task Allocation via Frequent Task Quitting and Random Walks in the Honeybee
Nota: abelhas de meia-idade, segundo Brian Johnson, são aquelas que já são velhas demais para se dedicar à nutrição das larvas e novas demais para sair para a colecta no campo. São as abelhas entre os 10-20 dias de adultez e que processam a comida da colónia e constroem e reparam os favos.
Muito interessante a desmitificação da organização da colmeia no que diz respeito às abelhas de meia idade. Realmente, às vezes, os mitos perpetuam-se por falta de investigação. É senso comum dizer-se que as abelhas são um organismo coletivo que realiza tarefas em benefício do bem comum; outra coisa é este estudo que rebate o mito de as abelhas serem superorganizadas. Afinal, algumas abelhas (de meia-idade) vão fazendo as tarefas “consoante o espaço que ocupam”, independentemente da necessidade da colmeia.
Grata pelo artigo.
Em cheio no cerne da questão! Há um bom grau de aleatoridade nas tarefas realizadas pelas abelhas de meia-idade, quando observadas individualmente. E apesar desta aleatoridade, a colónia cresce e sobrevive anos e anos com os devidos cuidados do apicultor no que respeita aos necessários cuidados com a varroa. É nesta aleatoridade parcial, mais que na hiper-organização, que encontro a razão da vitalidade dos enxames. Um beijo!