a fraude do “mel” chinês

Christophe Brusset, um ex-negociador do sector agroalimentar durante cerca de 25 anos, declara nesta entrevista o que alguns de nós já conhecem há muito, mas que o consumidor médio parece ainda desconhecer: o “mel” barato que é importado da china é uma fraude, de mel nada tem, não passando de uma mistura de xaropes adocicados com colorantes e aromatizantes.

Quando entra na Europa este produto é disfarçado com a uma pequena quantidade de mel de origem europeia, vendido nos mais diversos estabelecimentos como mel e rotulado de forma opaca, onde se pode ler que é proveniente de uma “mistura de meis UE e não UE“.

Os valores baixos a que esta mistura é vendida induz a sua compra por parte do consumidor médio, que frequentemente opta com base no preço. Nos últimos anos as importações de “mel” chinês têm-se mantido relativamente constantes (80 mil toneladas/ano) o que parece mostrar que o consumidor médio europeu ainda não está suficientemente informado acerca desta fraude e ainda não modificou as suas opções de consumo.

O impacto da importação deste “mel”, a preços abaixo de 1,5 €, no sector apícola europeu (e mundial) tem-se mostrado catastrófico, forçando muitos apicultores profissionais a venderem os seus lotes de mel de qualidade abaixo do preço de custo, colocando em grave risco a sustentabilidade financeira das suas explorações.

A manter-se na Europa esta situação, se nada de efectivo mudar, poderemos assistir em breve a um rápido declínio do efectivo apícola, por abandono da actividade ou por redução nos gastos com a saúde e maneio das abelhas, com impactos negativos assinaláveis na função polinizadora e outros serviços ecossistémicos.

Mantendo-se esta trajectória, uma vasta gama de produtos alimentares, comuns na nossa mesa, passarão a ser mais caros e de pior qualidade, em virtude de um déficit polinizador.

Fechando o ciclo, o consumidor deve estar consciente que ao preferir hoje mel de produção local, um pouco mais caro é verdade mas de muito melhor qualidade, está não só a proteger a sua saúde e dos seus filhos mas a proteger um sector, que no presente e no futuro continuará a assegurar a estabilidade dos preços e qualidade de muitos dos alimentos que hoje estão à sua mesa.

quando todos estamos de acordo nas soluções… mas posso esperar pelos seus efeitos?

No mundo actual o comércio global é uma realidade. Uma parte dos produtos produzidos em Portugal são vendidos nos quatro cantos do mundo. Estas portas abertas para a exportação dos nossos produtos tem como contrapartida Portugal (ou melhor a UE) ter de adoptar uma política recíproca: manter as portas abertas às importações de produtos dos mais diversos pontos do mundo.

No que respeita ao mel estas mesmas regras também se aplicam. Se exportamos uma parte da nossa produção, também importamos mel de outros países, em particular do maior produtor mundial, a China. Sobre as certezas e suspeitas em relação à qualidade do “mel” chinês já escrevi por aqui várias vezes. Sobre o impacto da concorrência destrutiva deste produto, a que alguns chamam mel, também já por aqui escrevi. O que me traz agora aqui é um aspecto correlacionado: como manter um sector profissional à tona de água se o mercado de mel a granel mantiver este ano a mesma tendência baixista que se verificou no ano passado?

Para responder a esta questão muitos de nós focam aspectos como a necessidade de se rotular o mel de forma mais transparente, como sempre se fez em Itália, por ex.; a necessidade de concentrar a produção em cooperativas eficientes e com mercados que escoem a valores justos as 5 a 10 mil toneladas/ano que se produzem em Portugal; a necessidade de fiscalizar mais e melhor as 200 mil toneladas/ano de mel importado pela UE com instrumentos e técnicas capazes de identificar as fraudes cada vez mais sofisticadas; a necessidade de campanhas de sensibilização para promover o consumo de mel nacional, de forma a convencer os consumidores que tem ganhos em comprar mel a 10 €/kg, quando na mesma prateleira encontra outros produtos também chamados mel a 5 €/kg. Relativamente a estas propostas só um idiota se lhes oporia. Claro que são medidas justas e necessárias. Desde 2011 que venho escrevendo em público sobre a maior parte delas. Deixo no entanto uma questão: se elas forem aplicadas já amanhã, coisa em que só um sonhador em delírio acredita, estará cada um de nós, apicultor profissional, em condições de esperar que as mesmas produzam efeitos e se reflictam no dinheiro que precisamos ter nos bolsos para honrar os nossos compromissos de hoje?

Apêndice: neste link podemos ver algumas infografias elucidativas do mercado de mel europeu e mundial: http://www.europarl.europa.eu/news/en/headlines/economy/20180222STO98435/key-facts-about-europe-s-honey-market-infographic

taxas de mortalidade invernal e número de colónias de abelhas nos EUA não estão correlacionados

Desde 2006, as perdas de inverno de colónias de abelhas maneadas nos Estados Unidos apresentaram uma taxa média de 28,7%, aproximadamente o dobro da taxa histórica de 15,0%. Estas perdas elevadas levantaram preocupações de que as cadeias agrícolas e de abastecimento alimentar sofreriam transtornos à medida que os serviços de polinização se tornassem mais onerosos e menos disponíveis. Apesar das maiores taxas de perdas de inverno, os números de colónias de abelhas dos EUA permaneceram estáveis ou até aumentaram desde 1996. Verifica-se que as taxas de mortalidade não apresentam uma correlação positiva com as evoluções anuais no número de colónias americanas, mas estão positivamente correlacionadas com a taxa de adições de novas colónias. […]

Se recuarmos ao século XX muitos estudos relatam um declínio do número de colónias maneadas de um topo histórico de 5,9 milhões em 1946, para o nível de 2,8 milhões em 2016 (Walsh, 2013; USDA-NASS, 2017a).

Apesar do foco nos problemas recentes de saúde das abelhas, a maior parte deste declínio ocorreu em 1982, antes do ácaro Varroa e dos vários vírus que ele propagaram quando chegaram aos Estados Unidos.

A queda do número de colónia maneadas no período anterior à entrada da varroa provavelmente decorre de mudanças no mercado de mel como adoçante e da maior disponibilidade de mel importado (Muth et al., 2003).

fonte: https://www.ers.usda.gov/webdocs/publications/88117/err-246.pdf?v=0

Algumas notas:

Nota 1: os nossos colegas norte-americanos separam bem estes dois fenómenos: mortalidade de colónias de abelhas e declínio no número de colónias de abelhas. E verificam que estes dois fenómenos não estão correlacionados. Apesar de uma taxa de mortalidade anormalmente alta na última década, não se assiste ao declínio no número de colónias de abelhas. A razão parece estar na forte motivação que os apicultores têm para repor ou até aumentar, ano após ano, com novos efectivos as perdas ocorridas ao longo do ano, em especial as ocorridas durante a invernagem.

Nota 2: as estatísticas da realidade norte-americana mostram que o declínio no número de colónias maneadas aconteceu na década de 80, antes da entrada do varroa nos EUA, ocorrido em meados da década de 90. O declínio da década de 80 está provavelmente associado às mudanças no mercado do mel, nomeadamente a concorrência dos adoçantes,  e maior disponibilidade de mel importado.

Nota 3: parece-me legítimo concluir que o declínio de colónias nos EUA, da década de 40 do século XX até à primeira década do século XXI, teve por base aspectos de ordem económica e de rentabilidade do sector.

Algumas questões:

  • Em Portugal os números oficiais indicam um incremento no número de colónias substancial na última década, tendo atingido um pico histórico nos dois últimos anos. Será este aumento real, ou a falta de inspecção das autoridades aos apiários tem permitido declarações de existências inflacionadas?
  • Tem-se verificado no sector uma crescente profissionalização. O sector profissional em Portugal detém um pouco mais de metade do efectivo apícola, contudo o  número de apicultores profissionais não ultrapassa os 10% do número total de apicultores. A profissionalização crescente do sector traz novas oportunidades mas também riscos novos. A profissionalização crescente se é desejável deixa no entanto o sector mais expostos às dinâmicas económicas do mercado do mel, como a concorrência de outros adoçantes e a maior disponibilidade de mel importado, muito dele com preços impossíveis de concorrer. Será que o futuro que se advinha será suficientemente motivante para que uma boa parte dos apicultores profissionais, que detêm mais de 50% do efectivo nacional, continuem a manter ou até aumentar o número do seu efectivo apícola?
  • Nos EUA, na última década não se tem assistido a um declínio do número de colónias de abelhas. Esta realidade só se consegue compreender completamente se analisarmos os aspectos económicos envolventes. Mais de metade das colónias de abelhas nos EUA são deslocadas para os amendoais californianos para prestarem serviços de polinização. Estes serviços, que duram apenas algumas semanas, rendem aos apicultores profissionais ou semi-profissionais um rendimento que lhes permite pagar as suas despesas anuais com a actividade. Mas o ano não está terminado, muito longe disso. Terminado este serviço nos amendoais californianos a grande maioria dos apicultores deslocam as suas colmeias para outros estados para a produção de mel, para a produção de núcleos e pacotes de abelhas, ou para outros serviços de polinização. Todos os apicultores norte-americanos que prestam estes serviços de polinização têm uma boa rentabilidade e sobretudo têm segurança e uma perspectiva de futuro tranquilizadora — sabem que no ano seguinte haverá um novo serviço de polinização a prestar e justamente pago — que os anima e motiva a manter o seu efectivo de colónias estável, ou até a aumentá-lo um pouco mais. Em Portugal as perspectivas de futuro são animadoras, previsíveis e tranquilizadoras para quem vive das abelhas? Será carregar demais no botão do pessimismo se referir que não? Se quero conhecer o futuro devo olhar para o passado. O que vejo olhando para trás: velutina a espalhar-se de forma rápida e descontrolada por todo o país; condições climatéricas cada vez mais duras e imprevisíveis; mercado do mel desregulado e artificialmente manipulado, impróprio para cardíacos; custos de produção cada vez mais elevados; sector sem apoios sérios por parte do estado; normas e leis desajustadas da realidade; fronteiras escancaradas à transumância desregrada dos vizinhos do lado; …

E fico-me por aqui porque o post já vai longo e tenho que ir tratar da “vidinha”.

Desejo a todos os leitores e amigos um Feliz Natal! Bem-hajam por se manterem do lado de lá, que muito me anima e motiva para a escrita do lado de cá.

conhecer o país de origem do mel: missão impossível?

Neste pequeno período de algum descanso, tenho aproveitado para viajar pela net apícola. Para além dos habituais textos de pouca qualidade, naturalmente encontro também textos com conteúdos de qualidade, pertinentes e esclarecedores.

Por exemplo aqui encontrei um excelente texto sobre a actual situação em Espanha acerca da rotulagem do mel. Como o texto está escrito em espanhol/castelhano não vou proceder à sua tradução.

Destaco no entanto estes dois pontos:

  • apesar das lutas recentes dos nossos companheiros espanhóis para que a lei obrigasse à identificação clara dos países de origem nos rótulos do mel enfrascado, as pequenas alterações introduzidas no decreto real mantêm a possibilidade de se continuar a rotular por ex. com os dizeres “mezcla de mieles procedentes de la CE y de mieles no procedentes de la CE”; 
  • contudo há três países da UE que melhoraram/não aplicaram a directiva europeia a este respeito, e obrigam à indicação dos países de origem nos rótulos de mel enfrascado… e nenhum deles é Portugal.

Vamos a ver o que decide o nosso governo, depois de um oportuno e justo protesto dos apicultores portugueses, no sentido da obrigação de dar uma informação clara dos países de origem nos rótulos do mel colocado ao dispor dos consumidores.

Fig. 1: Exemplo de uma marca branca que dentro da lei rotula “mistura de méis UE e não UE“. Para quando a mudança da lei?

vendo mel da colheita de 2017 já enfrascado ou a granel

Iniciei a cresta dos méis claros (a floração predominante é o rosmaninho, ainda que não possa garantir que é um mel que cumpra os requisitos necessários a um monofloral) há cerca de 3 semanas atrás.

Neste momento tenho também disponível mel escuro (floração predominante de urze ainda que não possa garantir que é um mel que cumpra os requisitos necessários a um monofloral).

Vou comercializar o meu mel na modalidade enfrascado em frascos sem rótulo, a pensar no potencial mercado de companheiros apicultores que necessitem de uns frascos para satisfazer as necessidades dos seus clientes.  Os frascos que terei ao dispôr serão de 1Kg, o,5Kg e 0,25 Kg.

Deixo a tabela de preços* aos interessados:

1 Kg = 5,00 €;

0,5 Kg = 3,00 €;

0,25 Kg = 2,00 €.

* (ao qual acrescem os 6% do IVA)

Nesta modalidade mel enfrascado aceitam-se encomendas para quantidades não inferiores a 48 Kg, a entregar no distrito da Guarda ou no distrito de Coimbra.

Neste momento tenho também disponíveis para vender a granel vários bidões (300 Kg) de mel claro e de mel escuro. Se estiverem interessados agradeço que me façam a vossa proposta com o valor que vos interessa pagar por quilograma.

Estou disponível neste blogue e neste endereço electrónico para receber as encomendas e detalhar o que entenderem necessário: jejgomes@gmail.com

Nota: poderei demorar alguns dias a responder às mensagens electrónicas por dificuldades no acesso à rede e por falta  imediata de tempo. Agradeço a vossa compreensão. Comprometo-me a responder a todas as propostas sérias.

vendo enxames e pacotes de abelhas

Vendo enxames dos modelos Langstroth e Lusitana nas seguintes dimensões:

  • enxames com 10 quadros de abelhas: 7/8 quadros com criação e 3/2 quadros com reservas;
  • enxames com 7 quadros de abelhas: 5 quadros com criação e 2 quadros com reservas;
  • enxames com 5 quadros de abelhas: 3 quadros com criação e 2 quadros com reservas;
  • enxames com 3 quadros de abelhas: 1 quadro com criação e 2 quadros com reservas.

Vendo estes enxames com rainhas:

  • com 8 a 10 meses,
  • com menos de 2 meses.

Posso vender enxames orfãos, em condições especiais a combinar.

Vendo também pacotes com 1Kg de abelhas.

Utilizem os comentários para colocarem as vossas questões e darem-me os vossos contactos para poder responder (e-mail e telemóvel). Estes comentários não serão publicados por mim, mantendo-se toda a confidencialidade necessária e desejável nestas situações. Se estiverem interessados em adquirirem abelhas não deixem de fazer este contacto. Julgo que ficarão agradavelmente surpreendidos.

as novas velhas regras de rotulagem

Com este esclarecimento a DGAV vem tirar as poucas ilusões que eu acalentava em torno das mudanças necessárias e justas na rotulagem do mel com origem em países terceiros: Esclarecimento N.º1/DGAV/2017.

Recordo uma coisa que nós sabemos mas muitos esquecem ou desvalorizam: as abelhas estrangeiras não polinizam as nossas árvores, plantas e flores.

Ver assunto relacionado.

2016 um ano catastrófico para a produção de mel em França

Paris, 22 de setembro de 2016 (AFP) – A produção de mel em França experimentou em 2016 “um novo ano catastrófico”, com cerca de 9 000 toneladas colhidas, abaixo das 10 000 toneladas de 2014, é já considerado como “o pior ano da apicultura francesa”, anunciou quinta-feira a UNAF (Union Nationale de l’Apiculture Française).  Relatam reduções que variam de 60% a  80%, dependendo das regiões. A UNAF escreveu ao Ministro da Agricultura para o “reconhecimento das zonas mais afectados e pediu uma ajuda excepcional para estes apicultores”. Esta organização “está alarmada com a situação que muitas explorações apícolas enfrentam com uma falta sem precedentes de mel, que põe em risco a sua sobrevivência económica”.  

A produção de mel tem vindo a diminuir ao longo dos últimos 20 anos, ainda que em 2015 se tenha experimentado uma pequena recuperação, com a produção estimada entre as 15 000 e 17 000 toneladas. De acordo com UNAF, 2015 foi um “ano normal” depois de três anos desastrosos.  Em 2016, “as condições meteorológicas altamente imprevisíveis com fortes chuvas na primavera, seguido por um longo período de seca e os fortes ventos vindos do norte não permitiu que as abelhas fizessem a colheita de forma adequada”, diz a UNAF. “Em todas as regiões, particularmente nas principais regiões produtoras como Provence, Alpes, Côte d’Azur, Rhone-Alpes, Midi-Pyrénées e Languedoc-Roussillon …, as colheitas desceram 60% a 80% “ acrescenta.  

Segundo a organização, “em muitas áreas”, as colónias de abelhas estão “em grande sofrimento e muitos apicultores estão preocupados e questionam-se se as suas abelhas passarão o inverno.” A UNAF também culpa a a predação da Vespa Velutina que “ainda é muito forte e enfraquece as colónias.”  As colónias de abelhas têm sofrido durante estes últimos anos uma alta taxa de mortalidade atribuída aos parasitas, à Vespa Velutina e ao uso de pesticidas, especialmente insecticidas da classe dos neonicotinóides segundo os responsáveis da UNAF.

Neste momento não possuo dados relativos à produção de mel em Portugal e em Espanha para o ano de 2016. Em Portugal julgo que a produção variou muito de região para região, sendo as zonas litorais norte e centro as mais afectada pelo inverno e início da primavera muito chuvosos. Estas zonas, muito dependentes das colheitas que as abelhas fazem no eucalipto, têm na chuva e no frio dos meses de Novembro a Fevereiro obstáculos importantes à colheita do néctar. Já no interior do país a colheita nas zonas das meladas foi também muito afectada pelas ondas de calor sentidas em Julho e Agosto. No meu caso particular o ano de 2016 foi um bom ano, tendo-se revelado o ano com a melhor média de quilos colhidos por colmeia e com os valores globais mais altos até à data.

Vamos esperar que 2017 seja um ano de boas produções e que o mercado faça justiça ao sector apícola, pagando preços dignos pelo mel de qualidade com origem nos nossos países. Sei que o meu orçamento vai ser gerido de forma prudente e que, provavelmente, vou adiar por mais um ano a compra de uma linha de extração automática. No nosso país 1 kg de mel enfrascado vende-se 2 e 3 vezes mais barato que nos mercados mais evoluídos do centro da Europa e estamos restringidos a enfrascar até 650 Kg do mel. Tenho certo também que me espera mais um ano de muito trabalho!

Um novo ano de 2017 com boas produções e preços justos para o mel de qualidade por nós produzido é o meu desejo para todos.

produção global de mel e apicultura global

A análise detalhada da produção total de mel e das exportações indica contradições sérias e óbvias. Como mostra o gráfico abaixo, houve um enorme aumento no total de exportações globais de mel (61%), sem um aumento correspondente no número de colmeias em todo o mundo (8%).

ihm-5-2016

Graf. 1: A evolução do número de colmeias no mundo (linha castanha) entre 2007 e 2014 foi de 8%; por seu lado no mesmo período a evolução das exportações de mel (linha azul) foi de 61%.

Esta aberração é mais preocupante ainda sabendo que a população global de abelhas está sob tremendo stresse e em declínio. Nas operações de apicultura mais avançadas e profissionais do mundo, como na América do Norte e na Argentina, a produtividade por colmeia diminuiu substancialmente. Nestas zonas do mundo onde médias de 55Kg/colmeia eram típicas, atualmente produzem-se 22-32 Kg/colmeia, e em circunstâncias climáticas adversas esta média baixa ainda mais. As perdas de abelhas relacionadas com os neonicotinóides, pesticidas, ácaros, colapso das colónias, redução da área cultivada para forragem, monoculturas e monodietas, stresse, poluição ambiental e mudanças climáticas contribuíram para esta perda de produtividade por colmeia. O aumento das exportações globais de mel neste contexto associado a um número estável de colmeias e a quedas de produtividade por colmeia nos principais países produtores cria uma anomalia que sugere uma adulteração generalizada do mel.

O fato dos apicultores chineses extraírem mel com níveis de humidade muito alta na ordem dos 35-40% (quando o standard de humidade num mel maduro se situa em torno dos 17%) e posteriormente reduzirem em fábricas aquele alto teor de humidade pode ser um fator que contribui para esta anomalia. A extração de mel imaturo e não amadurecido pode aumentar as quantidades produzidas, mas diminuiem as qualidades e privam o mel dos benefícios para a saúde e o seu estatuto de produto puro e natural. Felizmente, a tecnologia de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) pode fornecer uma ferramenta eficaz para distinguir o mel imaturo e inautêntico do mel natural. Padrões para as práticas globais de apicultura profissional e metodologias de teste eficazes para o mel precisam de evoluir para preservar a integridade do mel.

Fonte: http://www.ahpanet.com/page/IntlHoneyMarket

mistura de meis UE e não UE

A concorrência dos méis de origem duvidosa, que as nossas autoridades e as autoridades de outros países permitem que sejam rotuladas como todos nós sabemos de “mistura de méis UE e não UE”, tem nos últimos anos distorcido o mercado do mel na Europa e noutras zonas do mundo (EUA e Canadá, por ex.).

Há alguns dias atrás apicultores portugueses em Lisboa e apicultores espanhóis em Mérida manifestaram-se publicamente nas ruas destas duas cidades exigindo aos respectivos governos que mudem as regras do jogo e que legislem no sentido de a rotulagem do mel indicar de forma clara e inequívoca os países de origem deste mel que se encontra à venda um pouco por todo o lado. Actualmente é o Decreto-Lei nº 214/2003 que regulamenta a rotulagem do mel.

A justeza desta exigência numa sociedade avançada e madura democraticamente faz todo o sentido uma vez que os consumidores devem ser informados com clareza acerca da origem e características dos produtos que são colocados ao seu dispôr nas diversas superfícies comerciais.

Não tendo uma bola de cristal para adivinhar o futuro, prevejo no entanto que estas iniciativas, ainda que justas e pertinentes torno a dizer, poderão esbarrar naquilo que alguns chamam de “real politic” ou a “diplomacia dos interesses”. Temo que que os nossos governantes fingindo dar-nos atenção irão adiar uma e outra vez a reposta ao problema. Julgo mesmo que esta é uma questão que só poderá ser resolvida no âmbito europeu com legislação de Bruxelas, porque a norma actual é europeia também. Por outro lado se os chineses continuam a injectar no país muito capital através de aquisições imobiliárias, se o governo procura estimular o investimento chinês nos sectores produtivos da nossa economia, se temos o NovoBanco para vender e os chineses estão na corrida, se os chineses têm uma. forte presença noutros sectores relevantes para a economia nacional, porque razão iria o governo português comprar uma quezília com os chineses por causa dos rótulos de frascos de mel? Poderá acontecer uma cena bíblica, como a de Davide e Golias; mas isso só acontece uma vez, e os apicultores não têm a mão de Deus por trás como teve Davide e a China é muito maior que Golias. Ou muito me engano, e quero enganar-me, ou tudo isto dará uma boa história para alguns contarem mas de frutos nada. Não deveremos preparar um plano B no caso deste falhar? Porque a solução não é ficar de braços cruzados, claro que não. Sugiro portanto o apoio do estado para uma campanha nos canais de comunicação social por ele tutelados (rádio e televisão públicas) para a importância do consumo do mel e particularmente do mel nacional, a exemplo da campanha que foi feita para o sector do leite.

A juntar a esta campanha que estará sempre dependente da boa vontade e interesse de terceiros  julgo que nós próprios podemos fazer mais do que fizemos até agora para alertar os consumidores. Porque não colocar um contra-rótulo nas costas dos frascos de nosso mel nacional e que colocamos no mercado a chamar a atenção dos consumidores para evitar consumir mel que não identifique claramente os países de origem do mesmo e sensibilizar os consumidores para que prefira o mel nacional porque as abelhas dos outros países não polinizam as árvores e flores de Portugal.

Fica este espaço em aberto para sugestões que possam estimular o consumo do nosso mel, e se andar por aí alguém com formação em Direito que nos diga por favor se podemos “contra-rotular” nos termos que eu sugiro.

Este post foi inspirado no Monte do Mel e pelo post do António Marques acerca do seu encontro de 3º grau com uma mistura de meis UE e não UE numa casa de turismo rural no nosso país (ver http://montedomel.blogspot.pt/2016/10/turismo-rural-descaracterizado.html) e no post do Afonso no Abelhas do Agreste acerca da manifestação em Lisboa.